FAP Entrevista: Tibério Canuto

O mais importante para o grupo Roda Democrática, na avaliação de um de seus fundadores - o jornalista Tibério Canuto - é a possibilidade de se trabalhar com a pluralidade política, sem aderir a um partido ou candidato político.
Foto: Arquivo pessoal/Tibério Canuto
Foto: Arquivo pessoal/Tibério Canuto

O mais importante para o grupo Roda Democrática, na avaliação de um de seus fundadores – o jornalista Tibério Canuto – é a possibilidade de se trabalhar com a pluralidade política, sem aderir a um partido ou candidato político

Por Germano Martiniano

O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é Tibério Canuto. Pernambucano de Palmares, região canavieira que foi o epicentro da agitação de esquerda nos anos 60, ele foi despertado para a política por episódios rumorosos como a “guerra da lagosta” (em 1962, o governador Miguel Arraes proibiu navios franceses de pescarem lagostas no litoral pernambucano). Transferiu a militância política para o Rio de Janeiro e tornou-se presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) em 1967. Dirigente da Ação Popular (AP), foi preso em 1971, um dos anos de maior repressão do regime militar.

Ao ser libertado depois de quase três anos, começou a atuar na imprensa no Jornal da Bahia, e foi ativo colaborador da imprensa alternativa em publicações como Movimento e Em Tempo, que ocuparam papel importante na oposição ao regime militar. Ligou-se nos anos 1980 ao PCB, o “partidão”, sendo membro do Comitê Central desde 1987 e coordenador de comunicação da campanha de Roberto Freire a presidente da República em 1989. Foi, também, assessor do ex-ministro da Educação e deputado Paulo Renato Souza. Atualmente, Tibério continua em militância política por meio do grupo Roda Democrática, do qual é um dos idealizadores.

Em um momento político, no qual a população brasileira frente à corrupção da máquina pública, anda descrente dos partidos políticos, os movimentos cívicos têm ganho, cada vez mais, expressão na sociedade. Um exemplo é o trabalho que vem sendo realizado pelo Roda Democrática. A FAP conversou com Tibério Canuto para conhecer melhor as ações que estão sendo realizadas pelo grupo. Segundo o jornalista,  “ele nasceu da iniciativa de antigos militantes da democracia brasileira”. A entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil,  com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

“Nosso movimento se converteu em algo bem maior do que uma ação entre amigos e ex-companheiros. Democratas liberais, socialdemocratas, socialistas, comunistas, pós-comunistas, ambientalistas e alternativos passaram a compor um conjunto plural animado pela valorização da política e de uma ética pública democrática e republicana”, disse Canuto.

Tibério Canuto também comenta sobre a diferença da Roda Democrática para outros movimentos cívicos atualmente existentes no país. De acordo come ele, essa diferença está na pluralidade e diversidade do grupo. “Em nosso caso, a contribuição que podemos dar é não ter candidatos da Roda e não aderir, formalmente, a partido ‘x’ ou ‘y’. Preferimos trabalhar com a diversidade do nosso movimento”, destacou.

 

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com Tibério Canuto:

FAP – Como surgiu e o que é a Roda Democrática?
Tibério Canuto – Há dez meses, um grupo de antigos militantes da democracia e da justiça social de diversos Estados se reunia no Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Vinham de experiências partidárias diversas. Tinham em comum o cansaço com polarizações estéreis e com o debate raso das redes sociais. Para além do passado, os unia a percepção da necessidade de conectar pessoas interessadas no debate público e de contribuir para que se avance na formulação de uma agenda democrática nacional que possa mobilizar os cidadãos. Nascia ali a Roda Democrática. Em pouco tempo, nosso movimento se converteu em algo bem maior do que uma ação entre amigos e ex-companheiros. Democratas liberais, socialdemocratas, socialistas, comunistas, pós-comunistas, ambientalistas e alternativos passaram a compor um conjunto plural animado pela valorização da política e de uma ética pública democrática e republicana, fundamentos para que se possa cogitar da colocação em marcha de um reformismo social amplo e sustentável. Nos poucos meses de existência, a Roda estruturou-se nacionalmente, realizou encontros com Fernando Henrique Cardoso, Cristóvam Buarque, Rogério Chequer, Roberto Freire, Fernando Gabeira, Sérgio Besseman e Miro Teixeira, entre outros.

De que maneira a Roda Democrática pode contribuir no processo eleitoral?
Consideramos de fundamental importância estabelecer diálogo com as candidaturas do campo democrático. Não só com os candidatos, mas também com seus coordenadores, particularmente com os responsáveis pelos programas dos candidatos. Neste sentido, iremos realizar um encontro com Marina no Rio de Janeiro e um encontro com os coordenadores de Geraldo Alckmin, em São Paulo.

O grupo tem a pretensão de realizar diálogos com partidos políticos assim como movimento cívicos têm feito?
Dialogamos com os partidos desde que viemos à luz do dia e consideramos importantíssima a iniciativa do PPS, por exemplo, de dialogar com os movimentos cívicos, de pensar em nova formação política. Dialogar não significa, contudo, aderir organicamente a x ou y partido. Nossa riqueza está no nosso pluralismo e ele será preservado.

O site da Roda Democrática foi lançado nesta semana. Como será o funcionamento? Quem pode e irá publicar?
Nosso site é um espelho de onde a Roda pode mais contribuir: em municiar o campo democrático com massa crítica. Sem nenhum cabotinismo, temos um time de peso-pesado, em matéria de articulistas. Denso e diversificado. Não vou citar nomes para não cometer injustiças. Mas quem acessar o campo “Quem somos” ou quem acessou nossas duas primeiras edições, terá uma ideia do que é nosso diferencial. Com o site, a intenção é elaborar e agregar artigos de opinião, de reflexão teórica e de crítica cultural, vídeos e entrevistas que, como é regra na estrutura em rede na qual vivemos, estão espalhados por diferentes blogues, sites e plataformas digitais. Pretendemos reunir materiais que nos informem e nos ajudem a pensar, aproveitando o que de melhor nos oferece a web. Com isso, queremos facilitar o diálogo reflexivo e o encontro político e cultural de analistas, cidadãos e ativistas. Quem for do campo democrático e queira contribuir com artigos para o nosso site, é muito bem-vindo. Isto pode ser feito pelo “Fale Conosco” do site www.rodademocratica.com.br.

O senhor se assusta com os discursos radicais atuais, como de Bolsonaro? Acredita que nossa democracia está em perigo?
No sentido de uma ruptura democrática, não vejo este perigo. Se algo de bom a maior crise da nossa história demonstrou foi a resiliência do arcabouço institucional advindo da Constituição-Cidadã. Nem mesmo Bolsonaro terá forças para desconstruí-lo. Isso não quer dizer que sua candidatura e a do reverso de sua moeda – o PT – não impliquem em brutal retrocesso que só prolongará a crise brasileira.

O senhor foi preso durante a ditadura militar. Como foi esse período em sua vida? De que forma isso contribuiu em sua formação política?
Prisão e tortura não são medalhas para se pendurar no peito, como muitos ex-presos políticos o fazem. No meu caso, vinha de uma organização esquerdista e dogmática – Ação Popular. Diria, que a prisão foi a minha “universidade”, onde pude estudar a realidade brasileira, deixar de lado os dogmas, como o fetiche da luta armada e de ver o marxismo como religião.

Quais são os principais pontos da política brasileira que devem servir de alicerce para os programas políticos? O que o país mais precisa?
No encontro da Roda Democrática com Fernando Henrique, o ex-presidente fez uma afirmação com a qual tenho absoluta concordância: ganhará a eleição quem der uma resposta satisfatória ao tripé emprego-segurança-ética. Para além dessas bandeiras, o país necessita que o Estado produtor e financiador – no qual se desenvolveram o patrimonialismo, o clientelismo – dê lugar a um estado provedor e regulador. Provedor da igualdade, por meio da extensão dos direitos sociais a todos os brasileiros. Isto significa saúde, educação, saneamento, entre outras coisas.

Como antigo dirigente do PCB, como o senhor avalia a esquerda atual e como ela pode contribuir na eleição presidencial de 2018?
O PCB foi a grande escola política desse país. Gerou uma cultura democrática e de unidade. Essa cultura é extremamente atual. Participei de uma parte da conferência da FAP e ouvi uma frase de Paulo Fábio Dantas que foi como música aos meus ouvidos: “Há esquerda e esquerda, há liberais e liberais”. Ou seja, assim como há uma esquerda democrática e outra autoritária, há liberais sensíveis à bandeira da equidade e liberais fundamentalistas. O inovador – e essa é uma contribuição que o PPS vem dando, é de que a esquerda democrática deve ser um espaço no qual coabitam socialistas, socialdemocratas, ambientalistas e liberais. Em certo sentido, isso aconteceu na frente democrática do velho MDB. Mas por contingência, pela necessidade de unir os diferentes para derrotar a ditadura. Agora não é uma questão de contingência, mas de valor, da fusão entre os valores da democracia liberal com a cultura reformista dos socialistas. Se vivo estivessem, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Severo Gomes, Franco Montoro, seriam da esquerda democrática. Trata-se, portanto, de identificar quem são os Ulysses, os Teotônio, os Severo dos tempos atuais.

* Excepcionalmenter a FAP Entrevista desta semana está sendo publicada nesta segunda-feira (26/3), por conta da realização do Congresso Nacional do PPS, em São Paulo, que terminou neste domingo (25/3).

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