FAP Entrevista: Arnaldo Jardim

"O Brasil possui uma das legislações mais exigentes do ponto de vista de preservação ambiental do mundo", diz Arnaldo Jardim.
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

“O Brasil possui uma das legislações mais exigentes do ponto de vista de preservação ambiental do mundo”, diz Arnaldo Jardim

Por Germano Martiniano

Ex-secretário de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo, o deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP) conversou com a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) sobre o tema agricultura, que sempre dividiu opiniões em todo o Brasil. Sabe-se que ela foi o “carro-chefe” do país, começando pela cana-de-açúcar, ainda na colonização, depois o café, que sustentou a transição da monarquia para a República do café com leite (1889-1930), por exemplo. Atualmente, produzindo diversos produtos, da soja a carne, o Brasil continua tendo na produção e exportação de produtos primários uma base relevante de sua economia. Ao mesmo tempo, o setor enfrenta muitas críticas no que concerne à degradação ao meio-ambiente.

Arnaldo Jardim é o entrevistado desta semana da FAP Entrevista, série que está sendo publicada aos domingos com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições. Engenheiro civil de formação, Jardim que há certo “excesso de realismo” em relação as críticas que se fazem sobre agricultura destruir o meio-ambiente. “Organizações internacionais que falam sobre a Amazônia ignoram o fato de que o Brasil ainda tem 50% do seu território de cobertura vegetal nativa”, informa. Na entrevista à FAP, ele também fala sobre o nosso perfil agroexportador: “Não há como pensar em desenvolver todos os setores do Brasil para que todos possuam um processo de industrialização e agreguem valor”.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista – A greve dos caminhoneiros é passado, ou ela ainda deixa “feridas” na economia e população brasileira?
Arnaldo Jardim – A greve dos caminhoneiros, como você citou, deixou feridas na economia e na sociedade brasileira. Primeiro, porque foi uma reação a uma situação que vários fatores se conjugaram: excesso de oferta de caminhões; adequação da política de preços da Petrobras ao mercado, que do ponto de vista do mercado é satisfatória, mas do ponto de vista social se ignorou uma oscilação de preços de acordo com o dólar, que impactou o bolso do consumidor brasileiro; por fim, a maior ferida que fica é a institucional, que revelou um governo absolutamente frágil, incapaz de prevenir, comandar e dar respostas às demandas sociais.

E o setor agroexportador como ficou? Qual foi o real prejuízo ao setor?
A greve causou um impacto muito grande devido à interrupção do fluxo e pelo fato de que com a objetiva elevação de custos do setor não tem exatamente como incorporar estes custos a negociações já feitas de valores das exportações há muito tempo. Portanto, com isso os cálculos variam, falam em perdas de 12 bilhões de reais, porém são números a serem analisados com mais calma. O problema é que isto incorporou uma instabilidade de mercado que os concorrentes internacionais podem se aproveitar e caracterizar como descumprimento de contratos. Ou seja, nossa imagem fica um pouco abatida.

Durante a greve, a discussão do modelo de transporte de cargas e de pessoas voltou à tona no Brasil. Qual sua opinião sobre o nosso atual modelo de transportes baseado em caminhões e carros em detrimento de trens e transportes públicos de qualidade?
A questão da discussão matriz de transportes, modal rodoviário no caso, que é absoluto no Brasil, pode-se dizer que é um meio muito concentrador daquilo que é hoje nossa capacidade de transportar pessoas e cargas. Portanto, existe a necessidade de ampliar, primeiro, a integração de modais e segundo, especificamente, os modais ferroviários e hidroviários.

O senhor acha que nossa “vocação” histórica agroexportadora fez com que deixássemos de produzir produtos de maior valor agregado?
Há uma discussão sendo feita pelos economistas do que significa exatamente um país exportador de commodities ou um país exportador de produtos industrializados ou semi-industrializados. A lógica intuitiva de todos obviamente é de que um país que agregue valor, por exemplo, ao invés de vender a soja venda o farelo ou óleo, isso parece natural e penso que o Brasil deveria pensar em completar cadeias de produção. Contudo, acho que precisamos trazer para o debate, dentro de um projeto nacional, discutir exatamente em quais setores nós temos vantagens competitivas e comparativas internacionais para fazermos toda cadeia, sendo vanguarda de conhecimento nesta área. Não há como pensar em desenvolver todos os setores do Brasil para que todos possuam um processo de industrialização e agreguem valor. Em alguns casos é mais barato comprarmos algo importado do que pensarmos em produzir aqui.

Muitas criticas são feitas ao setor agropecuário devido ao estrago que se faz ao meio-ambiente, desmatamento, desgaste do solo, emissão de CO2, etc. Existem leis e conscientização por parte dos agricultores para se crescer de maneira sustentável?
Aqui no Brasil, às vezes, somos mais realistas do que o rei. Por exemplo, organizações internacionais que falam sobre a Amazônia ignoram o fato de que o Brasil ainda tem 50% do seu território de cobertura vegetal nativa, dados da Embrapa e comprovados por organismos como a Nasa. Ou seja, organismos internacionais proveniente dos EUA ou países europeus, que possuem menos de 10% de cobertura vegetal nativa em seus territórios, querem nos ensinar como cuidar da Amazônia, ou biomas como o do Pantanal. Fato é que o Brasil possui uma das legislações mais exigentes do ponto de vista de preservação ambiental do mundo. O debate em torno da questão ambiental e outras questões assemelhadas não pode ser um debate pseudo-ideológico, mas sim em torno da ciência, como um critério para mensurar a capacidade que temos de inovar e os eventuais malefícios que tivermos serem medidos objetivamente e não serem frutos de um discurso ideológico.

O que está faltando para o centro emplacar um candidato para as eleições?
Todos nós sabemos que a convergência democrática é a melhor resposta para aquilo que sociedade necessita hoje, que não é somente eleger uma pessoa, mas eleger uma pessoa que tenha uma base ampla de apoio, que seja capaz de superar o período de radicalização que vivemos na política nacional. Há uma frase que tenho reiteradamente dito: “chega de gladiadores, é hora dos construtores”. Eu acho que isso sintetiza muito aquilo que o meu partido, PPS, formulou no seu congresso nacional e definiu como estratégia para sua intervenção.

O que o senhor pensa desta polarização política que domina o cenário pré-eleições?
Acho que naturalmente a convergência democrática irá se estabelecer ao longo dos próximos meses e assim minar a polarização política existente. Por isso, devemos trabalhar em cima de um programa de unidade, de pontos de consenso, de um candidato capaz de conduzir as reformas necessárias ao país. Temos que debater permanentemente assuntos como a desregulamentação da economia, retomada da concorrência em diversos setores do mercado, a necessidade de um Estado regulador e não provedor. Desta forma, no plano da convergência democrática teremos também o embate com setores mais liberais que existem por aí e devemos enfatizar a necessidade do compromisso social e não apenas econômico.

Quais devem ser, tanto para agricultura, quanto para os demais setores da economia brasileira, as principais plataformas políticas para o país voltar a crescer e gerar empregos?
Acredito de acordo com o que foi dito, que devemos definir os setores que temos mais competitividade e também ter uma visão mais clara das alianças internacionais que o Brasil deverá desenvolver. Do ponto de vista interno, privilegiar setores de uso intensivo de mão de obra, pois hoje temos quase 13 milhões de desempregados. Considerar que o sistema financeiro deve ter redefinido sua vocação para ser efetivamente um fomentador dos investimentos de longo prazo e não simplesmente um setor que viveu da rolagem de títulos públicos. No mais, forte investimento em inovação e políticas públicas voltadas para educação.

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