Ex-líder soviético, Mikhail Gorbachev, morreu na última terça-feira (30/8), em Moscou

Gorbachev contribuiu para mudar o mundo colocando um ponto final na Guerra Fria
Foto: Veni | Flickr
Foto: Veni | Flickr

Ivan Alves Filho*

Paris, 1978


Eu ouvi pela primeira vez alguém pronunciar seu nome em Paris, no ano de 1978, quando Tony Lainé, psiquiatra e membro do Comitê Central do Partido Comunista Francês, voltou de uma viagem a Moscou. Pai da minha então companheira Anne, ele era filho de uma siberiana nascida a apenas dez quilômetros da fronteira da China. Muito ligado à cultura russa, era primo em primeiro grau de Helena Sakharov.


Tony Lainé simplesmente ficara encantado com uma conversa que tivera “com o mais jovem membro da direção do Partido Comunista da União Soviética”. Quem era ele? Mikhail Gorbachev. Após um encontro político em Moscou, mais formal, Gorbachev o convidara para ir à sua casa, nos arredores da cidade. O dirigente soviético conhecia as ideias de Tony Lainé a respeito da psiquiatria e da psicanálise e gostaria de aprofundá-las. Tony era conhecido por suas sínteses entre as propostas de Freud e aquelas de Marx. “Alguma coisa vai mudar por lá. Esse Gorbachev é excepcional”. Não deu outra.

Lisboa, 1980


Álvaro Cunhal, então secretário-geral do Partido Comunista Português, chama Giocondo Dias, à época secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, a um canto durante um congresso do PCP e informa ao dirigente brasileiro que um dos representantes do PCUS queria muito conhecê-lo. Giocondo foi estar com ele. E voltou impressionado. “Alguma coisa vai mudar na União Soviética. Eu conheci um soviético extremamente interessante, um homem com ideias novas”. Era Mikhail Gorbachev, mais uma vez.

Arma di Taggia, 2000


Carlo Cioni, que presidia a Fundação Gorbachev, era um respeitado militante do Partido Comunista Italiano. Economista, estudara na Escola de Quadros do PCUS e era casado com Dulce Rocque, minha eterna cunhada. Era amigo de Gorbachev, privava do seu convívio. Conversando certa vez comigo na Itália, Carlo Cioni discorreu sobre a amizade que unia Gorbachev a Alexander Dubcek, desde os anos 50 quando estudaram juntos em Moscou. Para ele, as ideias inovadoras tanto do líder da Primavera de Praga quanto do formulador da Glasnost e da Perestroika poderiam ter sido gestadas nessa ocasião.

Mikhail Gorbachev, falecido ontem, contribuiu para mudar o mundo, colocando um ponto final na Guerra Fria e valorizando, como nenhum outro dirigente comunista, as ideias civilizadoras da Democracia. Era preciso coragem. Finalmente descansou.

Sobre o autor

*Ivan Alves Filho é é historiador licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Os mais recentes de suas dezenas de livros publicados são Os nove de 22: o PCB na vida brasileira e Presença negra no Brasil: do século XVI ao início do século XXI.

* Artigo produzido para publicação no site da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

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