El País: “Bolsonaro representa a classe média, agredida e abandonada pela esquerda”, diz Paulo Guedes

Economista e principal assessor do candidato ultraconservador defende que "a expansão dos gastos públicos nos últimos 30 anos corrompeu a democracia e estagnou economia".
Fotos: Daniel Ramalho/El País
Fotos: Daniel Ramalho/El País

Economista e principal assessor do candidato ultraconservador defende que “a expansão dos gastos públicos nos últimos 30 anos corrompeu a democracia e estagnou economia”

O economista Paulo Roberto Nunes Guedes (Rio de Janeiro, 1949) é o principal conselheiro do candidato Jair Bolsonaro (PSL), que já admitiu em diversas ocasiões não entender de economia e recorrer sempre que precisa a seu “Posto Ipiranga” — uma referência a um comercial da TV no qual o posto é a resolução para tudo. Trata-se de uma parceria que até pouco tempo atrás parecia improvável, já que Bolsonaro, nostálgico da ditadura militar, sempre adotou posições estatizantes e intervencionistas na economia. Já Guedes é PhD pela Universidade de Chicago, berço dos Chicago Boys, economistas que na segunda metade do século XX influenciaram as reformas liberais de países como Chile, EUA e Reino Unido. Ele concedeu na última terça-feira uma entrevista ao EL PAÍS no escritório da Bozano Investimentos, da qual é sócio, localizado no nobre bairro do Leblon, na zona sul do Rio.

Vestindo um paletó xadrez que lhe confere ainda mais um ar de (neo)liberal inglês de meados dos anos 80, Guedes chega falante na sala de reunião onde ocorreria a conversa. Começa protestando sobre um artigo de opinião publicado pelo EL PAÍS em julho deste ano repercutindo uma entrevista que havia dado ao jornal Valor Econômico. Nela, ao ser questionado sobre a possibilidade de se afastar de Bolsonaro caso este representasse uma ameaça para a democracia, disse não acreditar que ele fosse capaz de dar esse passo. “Posso estar errado”, concluía. “Eu estava justamente dizendo que existe quase 0% de chance de ele ser um risco, mas o texto do EL PAÍS dizia que eu admitia a possibilidade de que ele fosse uma ameaça a democracia”, esclarece.

Professor universitário e um dos fundadores do IBMEC, do think tank Instituto Millenium e do Banco Pactual, o economista se apresenta em diversas ocasiões como um visionário incompreendido pelos seus pares. Por exemplo, diz que quando o Brasil aplicava “planos bolivarianos” nos anos 80 para conter a inflação, ele já defendia uma solução que passasse por uma meta fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante —o chamado tripé macroeconômico aplicado a partir do segundo Governo FHC. Também mostra seu lado apostador quando conta que, até meados do ano passado, auxiliava o apresentador Luciano Huck em suas ambições políticas. “Ele foi uma descoberta. Eu falei para ele: ‘Um tsunami vai invadir sua vida. Você vai ser arrastado para a política’. Foi uma previsão, eu deduzi. Não estava procurando alguém, apenas o ajudei. Ele era um outsider, jovem, sem história política, e me parecia um candidato imbatível, mas ele acabou desistindo”. Só então, a partir do final do ano, depois que escreveu um artigo no jornal O Globo prevendo um embate entre Bolsonaro e “o mais legítimo herdeiro das correntes políticas de esquerda no Brasil, Ciro Gomes”, foi apresentado ao deputado. Vendeu-lhe então planos, ideias e objetivos econômicos —tudo o que sua candidatura até então não possuía— como quem oferece casa, comida e roupa lavada.

O provável ministro da Fazenda de Bolsonaro lembra: “Escrevi que essa eleição me lembrava muito a de 1989, quando o establishment perdeu a decência. Quando uma classe política deixa a inflação ir para 5.000%, ela não faz um sucessor. Naquela época surgiram à esquerda e à direita duas opções: Lula, um operário de um partido pequeno, e Collor, um jovem outsider também de um partido pequeno”, explica. “Acho que hoje o establishment também perdeu a decência, não por causa da hiperinflação, mas por causa da corrupção que pegou todo o espectro político brasileiro”. Para ele, Bolsonaro representa “uma classe média esquecida e abandonada, agredida em seus princípios e valores, e que quer ordem”. Suas respostas sobre o fenômeno Bolsonaro tornam-se longas divagações filosóficas e históricas, da Revolução Francesa até nossos últimos 30 anos de democracia. Diante das tentativas deste jornalista de voltar ao tema da pergunta, repete várias vezes: “Calma, nós vamos chegar lá”.

Pergunta. Bolsonaro está há 27 anos no Congresso, a maior parte desse tempo pelo Partido Progressista (PP), um dos mais atingidos pela Lava Jato. Sua família entrou na política e reportagens mostram que enriqueceu nesse período. Ele não é mais um membro do establishment?
Resposta. Você ficar todo esse tempo no Congresso sem um escândalo de apropriação de recursos… Não sei se ele pode ser chamado de um membro do establishment ou de um sobrevivente num mar de lama. Cristovam Buarque é um social-democrata de esquerda que não está envolvido em nenhum escândalo também, merece respeito. Não é porque é de direita ou de esquerda. Tem pessoas muito sérias lá em cima e que são igualmente respeitáveis.

“Uma democracia exige alternância de poder. E no Brasil essa alternância não ocorre há 30 anos. PT e PSDB sempre foram parecidos”

P. Como a social-democracia se esgotou se nem chegamos ainda a ter saneamento básico, saúde e educação universais e de qualidade?
R. Não é o fim dela. Mas uma democracia exige alternância de poder. E no Brasil essa alternância não ocorre há 30 anos. PT e PSDB sempre foram parecidos, e eu escrevo isso há 30 anos. Na política brasileira, depois de 20 anos de um regime militar associado politicamente à direita, houve uma reação a isso que foi de esquerda. Ela foi absoluta, hegemônica, e é natural e compreensível que assim tenha sido. O que você pode perguntar é por que foram tão incompetentes e depois de 30 anos não chegaram a resolver o problema da educação, saúde… O Brasil tem uma dívida de quatro trilhões de reais e paga 400 bilhões por ano em juros. Isso corresponde ao Plano Marshall do pós-guerra. O Brasil reconstrói uma Europa por ano só em juros, sem amortização da dívida. Essa foi a areia movediça que engoliu as melhores intenções. E de onde vem isso tudo? Não é a social-democracia por si, é a incapacidade de resposta aos desafios que surgiram. É fútil, tola, a discussão sobre se o Estado é grande no Brasil. Se você olhar do ponto de vista de necessidade do financiamento do setor público, é enorme e disfuncional. Ele consome 45% do PIB, somando impostos mais o déficit. Mas ele gasta mais com ele mesmo e com o passado inepto dele, ou seja, os juros da dívida, os privilégios previdenciários do setor público e com a máquina pública. Gasta 6% do PIB em educação e 5% em saúde, mais que alguns países desenvolvidos, e não é o suficiente. E não conseguimos cumprir uma função básica do Estado que vem antes, que é a preservação de vidas e propriedades. Então o Brasil está dando um grito desesperado.

P. Como chegamos a esse quadro?
R. No regime militar você centralizou o poder e os recursos e desidratou a classe política. Isso é dirigismo econômico. E o projeto qual foi? Desenvolver a infraestrutura brasileira. Foi um modelo de desenvolvimento baseado em um planejamento central que sempre funciona por certo tempo, mas depois se esgota. É o mesmo desafio que está esperando a China. Esse dirigismo já causou vários episódios históricos de descarrilamento, de crise política e econômica. Eu lembro da Revolução Francesa, da crise da social-democracia alemã, do fim da União Soviética… Em um modelo dirigista, esquerda e direita estão muito próximos. Não quero saber quem é um ou outro, para um liberal são totalitaristas, a tragédia é a mesma. As modernas democracias liberais saíram dessa zona totalitária: temos democratas e republicanos nos EUA, conservadores e trabalhistas no Reino Unido, democratas-cristãos e sociais-democratas na Alemanha, Bachelet e Piñera no Chile. Os dois lados aceitam o mercado e aceitam a função do Governo de atenuar as desigualdades.

P. Acredita que o Brasil está mais próximo desse modelo ou do modelo totalitarista anterior, respaldado por Bolsonaro em diversas ocasiões?
R. O Brasil, ainda que só um lado tenha prevalecido nos últimos 30 anos, é uma democracia emergente virtuosa, uma sociedade aberta, de Karl Popper, em construção. A gente já está muito longe do totalitarismo. E a Lava Jato está nos remetendo para esse campo da liberal-democracia. Saímos do regime militar com uma eleição indireta. Tivemos então uma eleição direta, e aí fizemos o impeachment de Collor. Não foi por causa da roubalheira, mas acabou sendo uma declaração de independência do poder Legislativo. Na hora que ficou independente, o Executivo comprou o Legislativo. E agora houve o despertar, a declaração de independência, do Judiciário. Primeiro com Joaquim Barbosa no Mensalão, e agora com o Sérgio Moro. O Brasil está muito mais forte como democracia, está tendo um processo de aperfeiçoamento institucional. Não sei se o presidente vai ser Ciro, Bolsonaro ou Alckmin… Não estou preocupado. Confio no processo democrático brasileiro. Nosso grande desafio agora é transformar o Estado dirigista moldado pelo regime militar num Estado social que tanto a social-democracia como a liberal-democracia aprovariam. Mas no Brasil, a expansão ininterrupta dos gastos públicos nos últimos 30 anos corrompeu a nossa democracia e estagnou nossa economia. O país está preso. É uma armadilha de baixo crescimento e corrupção sistêmica. Nós já sabemos que foi culpa do dirigismo econômico. “Ah, mas as pessoas não foram corretas, não foram utópicas”. Bom, esse foi o discurso do Fernando Henrique, do Lula… Acabou isso. Não dá agora para o PSOL chegar e falar que faltou ética. Não foi por falta de ética.

P. Mas esse é precisamente o argumento do Bolsonaro.
R. Mas a força dele não foi essa. Não foi por isso que ele subiu. A mídia não está entendendo que há um pedido pela função básica do Governo, que é garantir ordem. Bolsonaro está representando uma classe média esquecida e abandonada, agredida em seus princípios e valores, e que quer ordem. A esquerda se perdeu no andar de cima com a corrupção, com todos setores da economia cartelizados, e um assistencialismo lá embaixo para as classes mais pobres. E abandonou os valores e princípios de uma classe média emergente, B e C. Não é razoável viver num lugar onde tudo está relativizado. Você tem coragem de colocar um relógio e andar na praia? Isso significa que você não tem direito a uma propriedade, a um bom relógio. E agora vamos para a coisa pública: está certo tirar um bilhão da Petrobras? As pessoas também estão dizendo que não querem essa roubalheira. Enquanto isso, a social-democracia está preocupada com outras coisas, como a legalização da maconha. Fernando Henrique tem falado mais sobre isso do que sobre segurança.

P. Ainda assim, as pesquisas indicam que Lula é está muito à frente nas pesquisas, com 37% dos votos, segundo o IBOPE. Muitos especialistas acreditam que teremos mais um duelo entre PT e PSDB no segundo turno.
R. Isso daí não me impressiona e não são os números em que eu acredito. Não é o que estou vendo. Isso para mim é a bolha. Rio, São Paulo e Brasília, onde a elite conversa e se acerta, troca de candidato, prende e solta. Mas tem o Brasil profundo. A minha convicção é que Lula tem 25%, ele não passa disso. E o Bolsonaro tem outros 25%. É o que eu acredito. O resto para mim é fumaça. Se dizem que o Lula tem 30%, eu digo que quero ver. Só acredito nisso se a votação for com urna que não seja eletrônica.

P. Acredita que a urna eletrônica é fraudada?
R. Digo que com a urna eletrônica quero ver os 37%. Com o voto impresso Lula não passa de 25%. Essa é minha opinião. É um direito meu [achar isso]. É uma convicção minha.

P. Você mencionou a questão da regulamentação das drogas, que é também um tema sobre segurança. Seus defensores argumentam que justamente a atual política de confronto nos levou ao quadro de insegurança pública. E para o liberalismo, para a defesa das liberdades individuais, esse debate também deveria ser importante, não?
R. Sim, mas a preservação da vida é mais importante do que a legalização da maconha. São 60.000 pessoas por ano morrendo, não dá. Qual é a melhor forma de lidar com isso? Um liberal pode dizer que é legalizar tudo. Um conservador pode dizer “de jeito nenhum”, que isso pode destruir as famílias. Existe uma disputa de princípios e valores, e aparentemente os conservadores estão levando vantagem.

P. Bolsonaro fala em garantir segurança jurídica para a polícia, algo interpretado como uma licença para matar. Mas foram justamente os liberais clássicos que colocaram limites no uso da força do Estado, de modo a não atropelar liberdades e garantias individuais.
R. Sim, mas se o sujeito estiver com um fuzil na mão, fica difícil dizer que aquele cara é só um suspeito. Não é suspeito. E não é proibido usar arma? Aliás, houve um plebiscito no Brasil e a população votou por ter armas. E aí Bolsonaro chega e fala “acho que todo mundo quer ter arma”. E sabe por que estão votando nele? Porque votaram para ter arma e não estão deixando ter arma.

P. Mas o brasileiro pode adquirir armas, ainda que existam regras bastantes rígidas. Não pode andar armado, mas pode ter em casa para se defender.
R. As pessoas votaram para ter arma. Aí regulam, não pode isso, não pode aquilo… Mas a maioria da população está dizendo que quer, como você vai dizer que não?

P. Como você se posiciona pessoalmente no debate sobre costumes?
R. Intelectualmente, um liberal é bastante liberal. Se você é íntegro intelectualmente, você delega ao Governo muito poucos poderes. Agora, existem conservadores que acham que a esquerda faz isso ideologicamente, para desestabilizar os valores deles e minar a família, as crenças religiosas…

P. Acredita que no Brasil há conservadores que se dizem liberais e não são?
R. Dentro do centro estão conservadores oportunistas e conservadores realmente conservadores. Os oportunistas querem preservar os privilégios, e os de verdade acreditam nos princípios, querem uma estabilidade política, etc. A esquerda comprou os conservadores oportunistas. É o MDB do Sarney. O que Bolsonaro está propondo é uma a aliança política de centro-direita em torno de um programa liberal na economia e conservador de costume. Ele quer alguém com princípio, sem o toma-lá-dá-cá. Quer pessoas que estejam indignadas com a educação com viés socialista e com a ruptura dos costumes. Porque uma coisa é o homossexual respeitar o heterossexual e vice-versa. O que não pode é um debochar do outro, do tipo “ah, esse cara está casando com uma menininha, é um conservador, um burguês”. Tem que ter respeito. E outra coisa é a propaganda. Você não deve na escola tentar converter alguém para um estilo de vida. A escola não pode discriminar ou reprimir o homossexual, mas também não pode tentar levar a qualquer tipo de comportamento. Cada um deve ser livre e respeitado, sem ser persuadido a ir em uma direção ou outra.

P. Você acredita que isso, de fato, ocorra?
R. Não é que eu acredito, eu vejo. Eu sei que há. Eu sou liberal, mas não sou cego. Posso até estar a favor de determinando tema, mas não a ponto de ver o que estou vendo, como um sujeito entregar o manual do Marighella dentro de uma universidade ou botar um menino de 5 ou 6 anos para cantar a internacional socialista. Isso é lavagem cerebral. Eu ria disso, achava engraçado, pitoresco. Mas estando fora da bolha, você começa a receber esse tipo de material. Tem coisas que não são razoáveis. Mas não quero mais falar disso, meu assunto é economia.

“Se quisermos educação e saúde, temos que acabar com privilégios”

Guedes se mostra mais sucinto ao falar sobre os temas econômicos. É cauteloso e não detalha nenhum dos planos. Seu projeto ainda está em construção. Defende, por exemplo, um sistema previdenciário de capitalização individual —isto é, que cada pessoa ganhe de aposentadoria aquilo que economizou— ao invés do atual, de repartição. No entanto, reconhece sua dificuldade em implantá-lo e não diz como faria essa transição, considerada bastante custosa por economistas, uma vez que o Governo deixaria de arrecadar e não teria como pagar as pensões dos atuais aposentados. Também encampa o discurso do candidato contra políticas públicas para proteger minorias e corrigir injustiças históricas, como as cotas para negros nas universidades públicas. Defende que o critério para conceder ajudas deve ser sempre o econômico e social, mas não racial ou por gênero. Ao mesmo tempo, diz acreditar “na sociedade aberta que não discrimina, aceita a diferença de opinião e acha que a humanidade avança exatamente por causa da diversidade”.

Também fala em lições aprendidas. “Não adianta negar as capacidades das economia de mercados e atacar os economistas que sabem economia do ponto de vista ideológico. Isso é obscurantismo. Já paguei a minha vida toda por essa discriminação, por estar num país onde todo mundo era de esquerda”, explica. E reivindica a legitimidade da candidatura de Bolsonaro. “Dilma foi uma guerrilheira, então ela pode ser presidente, e o Bolsonaro, por ter sido capitão, não pode? Isso é a negação da democracia”.

P. O mundo liberal vem demonstrando bastante desconfiança com Bolsonaro, dentro e fora do Brasil. O Estado de S. Paulo e a The Economist lançaram editoriais duríssimos questionando sua capacidade para ser presidente. Diplomatas estrangeiros disseram recentemente ao EL PAÍS que ele pode espantar investimentos e se isolar. Por que o mundo liberal anda tão desconfiado?
R. Qual é o presidente que entendia de economia? O Sarney fez as maiores atrocidades, fez planos bolivarianos. O FHC é um sociólogo que não tinha a menor noção do que era o Plano Real. Lula entendia alguma coisa de economia? Ou só assinou uma carta aos brasileiros e seguiu a política anterior? Dilma, que era economista, fez uma tragédia. Qual é a novidade de Bolsonaro não conhecer economia?

P. Mas por que o mundo liberal, do qual você faz parte, questiona tanto ele?
R. Acredito na dinâmica de uma sociedade aberta. Não acho que Bolsonaro é um salvador da pátria e nem que vou resolver tudo para ele. É uma aliança política de centro-direita depois de 30 anos de social-democracia. Portanto, acredito que é uma deselegância, um descrédito que estão lançando contra a democracia brasileira, que eu tenho vivido e que sou testemunha de que tem funcionado. Eu só posso lamentar. Lamento que um processo virtuoso no Brasil esteja sendo questionado.

P. Mas economia depende de confiança, como repetem vocês economistas. E está havendo uma desconfiança dentro e fora do país.
R. Com a informação que eu tenho, com o que eu tenho observado… Eu vi uma ameaça à democracia chamada Lula ser inteiramente absorvida e ter feito um primeiro Governo bom e o segundo razoável. Então todo o receio que existia contra o que seria um radical de esquerda não aconteceu.

P. Mas quando Bolsonaro propõe aumentar o número de ministros do STF, isso não gera uma insegurança jurídica que afeta também a economia?
R. Ele já revisou sua opinião, para você ver o que é uma sociedade aberta. Ele foi alertado pela Janaína Paschoal, que disse “você vai ser mal interpretado, vão achar que você está querendo interferir no parecer do Supremo”. Ele mudou de ideia no dia seguinte. Eu o convenci a respeito de Banco Central independente, que ele era contra. Nós conversamos e em 24 horas ele falou “sou a favor de Banco Central independente”.

P. O que te leva acreditar que Bolsonaro se tornou um liberal? Foi ele quem disse que FHC deveria ser fuzilado, na época da privatização da Vale.
R. Eu nunca disse que ele é liberal. Mas da mesma forma que Fernando Henrique era um sociólogo de esquerda e 20 anos depois ficou mais liberal, da mesma forma que os economistas social-democratas eram contra política monetária e privatizações… Da mesma forma que esse povo aprendeu, por que eu vou supor que o Bolsonaro não aprende? Por que ele não pode ser presidente? A Dilma foi uma guerrilheira, então ela pode ser presidente, e o Bolsonaro, por ter sido capitão, não pode? Isso é a negação da democracia.

P. É você quem vai ensiná-lo?
R. Não, é a sociedade quem está ensinando. Nós todos estamos aprendendo. Ele tinha votado primeiro contra a privatização das distribuidoras da Eletrobras, mas seu último voto foi a favor. Ele tinha votado contra o cadastro positivo, mas ele me deu uma explicação muito boa: não havia garantia de sigilo. No dia em que deram essa garantia, ele apoiou. Outro dia ele disse que se não resolverem a crise da gasolina, iria privatizar inclusive a Petrobras. Mas está claro para mim que o mais importante para ele são os princípios e valores. É inadmissível para ele uma elite política que rouba.

P. Bolsonaro vai enfrentar esse mesmo Congresso, que tende a não se renovar. Também terá que comprá-lo para não cair, da mesma forma que os governos anteriores?
R. A classe política vai se reinventar agora. Ela chegou à exaustão do modelo antigo. Os mesmos personagens vão trabalhar diferente. Essa eleição já está sendo temática. Ninguém está perguntado de que partido você é, mas sim qual é a sua posição sobre segurança, aborto, educação… Vai acabar o tomá-lá-dá-cá. O apoio agora será temático, baseado na reidratação da classe política.

P. Um ponto que chama atenção no programa de Bolsonaro é que se fala em aumentar o Bolsa Família e chegar a uma renda mínima. Como seria isso?
R. Isso é uma coisa complexa. O pai desse conceito de renda básica é o [economista] Milton Friedman. O Bolsa Família é uma versão disso. Evidente que isso está no nosso mapa. Essa renda mínima foi desenhada de modo a deixar o mercado funcionar, com salários livres e sem esse negócio de Justiça trabalhista… Caso alguma categoria profissional, por qualquer motivo, não tem aquele salário, aquela renda básica que a gente considera justa então recebe uma ajuda. Com instrumentos como o chamado imposto de renda negativo.

P. Qual modelo de Previdência você defende?
R. Nós preferimos o modelo de capitalização, mas reconhecemos a dificuldade [de implantá-lo]. Com uma renda básica, um mínimo estaria garantido. Mas essa é uma conversa longa. Nosso sistema de Previdência é uma bomba relógio: tem o problema da idade mínima; é uma fábrica de privilégios que promove desigualdade de renda; destrói os recursos, porque o jovem paga e o velho consome, e não bota o país para crescer; como não leva para o futuro, tem uma péssima alocação de capital e não democratiza a riqueza; a forma de financiamento é brutal, selvagem, porque os encargos trabalhistas destroem dois empregos para cada um que cria… É um desastre, é um avião que está caindo. Querer manter esse sistema aí é um massacre.

P. Bolsonaro foi militar, ele vai combater os privilégios dessa classe?
R. Olha, é evidente que ele vem sendo representante deste segmento por muito tempo, então ele tem uma visão que vem dele. Mas ao mesmo tempo ele tem um desafio novo, que é o da presidência da República. Dito isso, há funções clássicas de Governo. Garçom do Senado não é. E militar é. E ele não faz greve, etc. Existe alguma diferença. Mas outro dia, até mesmo o general Mourão [vice na chapa de Bolsonaro] disse em uma palestra que precisamos combater privilégios.

P. O que acha do teto de gastos? Vai propor sua revogação?
R. O teto de gastos faz total sentido. É a última barreira do total colapso das finanças públicas. Foi por não decifrar essa limitação de gastos que a classe política foi devorada. É triste ver a redemocratização devorando seus próprios filhos, botando Lula e todo mundo na cadeia. Eu sou a favor do império da lei, mas é trágico. Se quiserem tirar o teto, tirem. Mas em cinco ou dez anos vai todo mundo preso de novo. Essa é a minha tese. O excesso de gastos públicos corrompeu a democracia e estagnou a economia.

P. Como garantir então os investimentos necessários em saúde e educação?
R. A ideia é manter o teto, mas tentar diminuir os gastos de baixa qualidade, que são os juros da dívida, os privilégios do sistema previdenciário e descentralizar os recursos para Estados e municípios, para que possam justamente investir nessas áreas sociais que são legítimas. Precisa também de uma gestão melhor. O que gastamos em saúde e educação é comparável ao que se gasta em países desenvolvidos, então evidentemente há um problema de gestão. Por exemplo, o foco de educação tem que ser ensino básico. O período mais importante da criança vai de zero aos 3 anos. É creche. Mas o Governo brasileiro faz o contrario, gasta 60% em ensino superior. E o segredo de uma educação bem sucedida é professor e gestão, além de uma variável nova, que é a inclusão digital.

Isso tudo significa que se quisermos fazer educação e saúde, a gente tem que acabar com os privilégios. Se a gente quiser fazer saneamento e segurança, temos que privatizar algumas empresas. O Estado máquina tem que começar a virar o Estado vontade, do povo. Não adianta ficar com uma estrutura enorme, centralizada. Nosso programa é isso: mais Brasil, menos Brasília. Descentralizar poderes e recursos e atribuições. A sociedade saudável, liberal-democrata, ela é construída de baixo pra cima. O dinheiro fica lá embaixo. A União vem para poderes muito limitados e muito bem definidos, como o Exército. Mas o Brasil já nasceu capitania hereditária.

“Se quisermos educação e saúde, a gente tem que acabar com os privilégios. Se quisermos saneamento e segurança, temos que privatizar algumas empresas. Nosso programa é mais Brasil, menos Brasília”

P. Defende a cobrança de mensalidade na graduação para universidade pública?
R. Para quem tem recursos, certamente. O raciocínio do liberal é dar acesso aos que não podem. Se o cara tem recursos, ele tem que pagar. Não interessa se é pública ou privada. Quem não tem recursos precisa ter acesso as duas. Na pública ele não paga; na privada ele ganha um voucher.

P. Hoje vemos grupos de mulheres, movimentos LGBTI e negro pedindo políticas públicas voltadas para esses grupos que lhes garantam igualdade de oportunidade, pregada pelo liberalismo. O que você acha disso?
R. Você não pode discriminar alguém por ser negro. Mas isso de que o branco não pode entrar porque ele tem mérito, mas não tem vaga por causa da cota… Então você está descriminado o branco, dizendo que ele não pode entrar. Do ponto de vista liberal, a linha divisória é o acesso econômico. Se o sujeito vai entrar para a universidade pública, não quero saber se ele é preto, branco, gay, homem ou mulher. Quero saber do mérito. Ah, ‘mas ele é preto e não tem dinheiro’. Então dá o dinheiro para ele. O negro objetivamente está prejudicado por causa da escravidão? Está. Está sem acesso a escola. Mas a condição social é o critério, não é a cor. “Ah, mas ele não consegue passar na prova para entrar por mérito”. Então faltou um voucher numa etapa anterior, pra ele escolher uma boa escola e conseguir um bom treinamento para entrar na universidade. Se ele foi prejudicado porque a mãe não dava leite quando ele tinha dois anos, então temos que dar voucher para que as crianças estejam na creche bem alimentadas. Se não você cai na armadilha da discriminação. Do mesmo jeito que você não quer discriminar o negro e o homossexual, você não pode descriminar o branco e o heterossexual. Acredito na sociedade aberta que não discrimina, aceita a diferença de opinião, acha que a humanidade avança exatamente por causa da diversidade.

P. Como pretende fazer para baixar os juros?
R. Primeiro você tem que zerar o déficit fiscal. Essa história de combater a inflação durante 20 anos com os gastos públicos crescendo é o que produziu essa trajetória de juros muito altos. E isso produziu o endividamento de bola de neve. Então você primeiro tem que desmontar o déficit fiscal. E também reduzir o grau de concentração bancária. Uma coisa é você agir sobre o fluxo, reduzindo o déficit para derrubar os juros. Outra coisa é agir sobre o estoque da dívida. Então temos que acelerar a privatização para reduzir esse estoque. E tem um terceiro fator: a desestatização do mercado de crédito. Tem dinheiro barato para os amigos do rei, para a Odebrecht e JBS, mas caro para a população.

P. Concorda com o termo “bolsa banqueiro”, empregado pelos demais candidatos?
R. Tenho uma outra expressão. O Brasil é o paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores. Temos que inverter isso aí. O Brasil precisa ir em direção a uma economia de mercado. Tem que acabar com a disfuncionalidade do governo. Ele é uma gigantesca agencia de privilégios para grandes empresas no BNDES, privilégios pra funcionários na Previdência…

P. Você tem ido a Brasília conversar sobre um eventual Governo Bolsonaro?
R. Estou conversando com os ministros da área econômica. Essas conversas iniciais servem para lançar essa visão de que não existe um salvador da pátria ou um economista que vai resolver tudo. Estou vendendo o peixe da aliança de centro-direita em torno de um programa liberal democrata na economia. É que os Chicago Boys fizeram lá no Chile. Conversei com ministro do Planejamento, da Fazenda, presidentes do Banco Central e do BNDES… Estou mapeando o território, examinando os números e simulando.

 

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