República deve ser o sistema social e econômico que assegura a todos os mesmos direitos, mas a brasileira usa foro privilegiado para políticos, rompendo as bases republicanas, até porque estes processos se alongam tanto que prescrevem antes do julgamento, deixando impunes os “nobres da República”. Para corrigir esta deformação bastaria aprovar as reformas da Constituição propostas pelo senador Álvaro Dias e pelo deputado Rubens Bueno, eliminando o foro privilegiado que protege políticos com mandato. Mas isso não bastaria para fazer uma República, porque o regime brasileiro apresenta outros privilégios incompatíveis com o espírito e a prática republicana.
Se a República é o regime dos direitos iguais, é preciso quebrar o foro privilegiado à vida, que assegura a alguns o direito de manter-se vivo por comprar os serviços de saúde, enquanto outros morrem por falta do dinheiro necessário. O Brasil não será republicano enquanto prevalecer a atual indecência do “foro privilegiado na saúde”, que permite a um brasileiro com renda igual ou superior a dez salários mínimos ter a chance de viver sete a oito anos mais do que aquele com renda igual ou inferior a dois salários mínimos.
É preciso acabar também com o foro privilegiado que restringe o acesso à educação de qualidade apenas para quem pode pagar por uma boa escola privada ou para os poucos que conseguem entrar em uma das instituições de ensino públicas de qualidade, como as federais. Especialmente no mundo contemporâneo, a República exige que seja ofertada a mesma qualidade de ensino a todos, desde o nascimento e ao longo de toda a vida, guardadas as diferenças pelo talento, pela vocação, pela persistência e dedicação aos estudos de cada um, não pela renda da família ou a cidade onde vive. Além de ser indecente socialmente, a desigualdade no acesso à educação é uma estupidez econômica, porque impede a República de beneficiar-se do mais promissor de seus recursos: o cérebro educado e com pleno desenvolvimento das potencialidades de cada brasileiro.
O foro jurídico privilegiado aos políticos deve ser abolido de imediato, mas é preciso eliminar também os outros foros privilegiados pela renda no direito de viver e no direito de desenvolver o potencial intelectual de cada brasileiro, cidadão republicano, não mais súdito de um imperador como até 1889.
Além do foro jurídico, a consolidação da República exige fazer as reformas necessárias para pôr fim, no tempo possível, aos demais foros privilegiados. Para isso, é preciso responsabilizar a República pela implantação de um sistema educacional que assegure a mesma chance educacional a cada criança brasileira.
Apesar de o país ter então 6,5 milhões de analfabetos, quando a República brasileira foi proclamada, escolhemos uma bandeira com um lema escrito. Cento e trinta anos depois, a “república” tem quase o dobro daquele número. Tudo seria diferente, se no lugar de “ordem e progresso” tivessem escrito “educação é progresso”, sem foros privilegiados.