MEC precisa de mais gestão e menos ideologia
No auge do governo Médici, o ministro da Educação, Jarbas Passarinho, exigiu a demissão da gerente pedagógica da fundação Mobral, Andrea Mandim. A acusação era que sua filha estava envolvida com os movimentos de oposição ao regime militar, além de seu marido ter sido cassado num dos Atos Institucionais por ter sido homem de confiança de Carlos Lacerda.
Mario Henrique Simonsen vinha dando contribuições informais ao governo desde que escreveu, em parceria com Roberto Campos e o jurista José Luiz Bulhões Pedreira, o programa econômico do primeiro-ministro Tancredo Neves, em 1961. Durante o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), Simonsen ajudou a conceber a nova regulação do sistema financeiro nacional e criou uma fórmula de reajuste salarial para conter a inflação, além de ser figura central na construção dos primeiros modelos macroeconômicos do recém-criado Ipea (então chamado de Epea, com “E” de “Escritório”).
Após recusar diversos convites para integrar a equipe econômica, Mario Henrique Simonsen decidiu entrar no governo num cargo pouco usual para quem, aos 35 anos, já era considerado o maior economista brasileiro: em 1970, assumiu a presidência do Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral. Antenado ao que de mais avançado se discutia em teoria macroeconômica no mundo, Simonsen havia lançado no ano anterior o livro Brasil 2001, em que apontava a educação como um dos grandes gargalos para o crescimento brasileiro. Aceitar a nomeação, portanto, seria a oportunidade de aplicar, na prática, as recomendações de seus modelos teóricos.
O Censo Demográfico de 1970 mostra que, àquela época, havia no Brasil 18.146.977 homens e mulheres com mais de 15 anos que não sabiam ler nem escrever um simples bilhete – o que representava 33,6% da população em idade de trabalhar. A ideia de um programa de alfabetização em larga escala de adultos havia surgido em 1967, mas não saía do papel por falta de orçamento. A solução encontrada por Simonsen foi buscar fontes extraorçamentárias de recursos: articulou para ficar com 30% das apostas da recém-criada Loteria Esportiva e aprovou um incentivo fiscal que abatia do imposto de renda as doações de pessoas físicas e jurídicas feitas em nome do Mobral.
Embora existam críticas em relação ao seu real alcance (aliás, o programa merece ser reavaliado com base nas técnicas mais recentes de análise de impacto), é inegável que os métodos introduzidos por Simonsen e Arlindo Lopes Corrêa, seu braço-direito e sucessor na presidência do Mobral, foram revolucionários para a época – e ainda têm muito a nos ensinar, principalmente nestes dias em que o Congresso volta a discutir a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, o famoso Fundeb.
O Mobral foi uma das primeiras experiências no Brasil em que a educação deixou de ser um feudo de pedagogos e educadores para ser encarada sob um olhar econômico, medida com dados, diante de seus custos, escala e resultados. Resolvido o problema dos recursos, Simonsen e Lopes Corrêa adotaram a padronização do material didático, implementaram um cursos de capacitação em massa de professores por rádio e TV e valeram-se de um moderno (naquele tempo, claro) sistema de cartões perfurados para coletar informações sobre o tamanho das classes e o nível dos alunos.
A grande inovação do Mobral, porém, estava na opção pela municipalização. Em cada cidade do país foi criada uma comissão encarregada de gerenciar a execução do programa. Ao governo federal cabia fornecer os insumos – inclusive os recursos financeiros para pagamento dos professores, que eram distribuídos em proporção ao número de alunos atendidos -, mas a gestão cabia aos representantes locais, que exerciam esses encargos voluntariamente.
Em poucos anos o Mobral se tornou um dos poucos pontos de contato direto entre o governo federal e a população dos rincões do Brasil. Na esteira do programa, foram criadas bibliotecas, centros culturais e balcões de emprego.
Na última sexta-feira, o presidente Bolsonaro anunciou Milton Ribeiro como novo ministro da Educação. Contando a passagem relâmpago de Carlos Alberto Decotelli, que sequer chegou a tomar posse, trata-se do quarto ocupante do mais alto cargo da gestão educacional do país em apenas dezoito meses de governo. Seus antecessores Ricardo Vélez e Abraham Weintraub foram protagonistas de tantas polêmicas ideológicas que é difícil avaliar se houve qualquer avanço na condução da política do setor.
Um dos maiores exemplos dessa paralisia está nas discussões sobre o novo Fundeb, que precisa ser aprovado pelo Congresso antes do final do ano, sob pena de privar os estudantes da maior fonte de financiamento da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio. Por falta de liderança do MEC, desperdiçamos meses de debates e agora precisamos aprovar a toque de caixa uma regulação que ainda está longe de ser unanimidade em termos de fontes de financiamento e critérios mais justos de distribuição de recursos – como mostrou Claudia Safatle em sua coluna no Valor de sexta-feira (10/07).
Voltando ao Mobral, apesar de toda a pressão exercida pelos generais pela demissão de Andrea Mandim, Simonsen não se curvou e manteve a coordenadora pedagógica no cargo, deixando claro que não admitiria que pressões ideológicas comprometessem a condução de seu programa.
Aos 83 anos, Arlindo Lopes Corrêa não vê a hora de passar a pandemia para voltar a jogar seu vôlei de praia nas areias da Barra da Tijuca. Conversando sobre os tempos do Mobral, contou que recentemente uma amiga o questionou sobre como Simonsen e ele haviam construído um programa “tão de esquerda” justamente no período mais duro da ditadura militar.
Esbanjando seu bom-humor carioca, Arlindo conta que as políticas públicas não deveriam ser julgadas por serem de direita ou de esquerda, mas sim se dão resultados bons ou ruins. Que sirva de lição para o novo ministro da Educação.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.