Sérgio Gonzaga de Oliveira: A retomada do Desenvolvimento Econômico (I)

Democracia não deve ser um regime político baseado em práticas puramente eleitorais, desvinculada das condições objetivas da sociedade. Na verdade, a democracia pressupõe a existência de determinados direitos e liberdades básicas para que possa ser exercida com integridade. Dentre esses, os direitos sociais são fundamentais. Salário digno, previdência social, saúde, educação, habitação e tantos outros não podem ser relegados a um segundo plano. É muito difícil o exercício da cidadania quando os indivíduos vivem no limite da sobrevivência. Embora o Bolsa Família seja um programa importante para retirar da miséria absoluta milhões de brasileiros não é possível imaginar que um valor básico de R$ 85,00 e máximo de R$ 195,00 por mês irá transformar essas pessoas em cidadãos perfeitamente integrados à democracia. E direitos sociais não surgem do nada. Pelo contrário, exigem que a economia tenha atingido um patamar mínimo de produção e distribuição de renda.

Adicionalmente, o conceito atual de desenvolvimento econômico inclui obrigatoriamente a preservação do meio ambiente. Devemos lembrar que o ambiente natural é a fonte onde os humanos vão buscar alimentos, matérias primas e energia que lhes são tão necessários. A destruição do meio ambiente atinge mortalmente a economia. Os exemplos são cada vez mais alarmantes.

Cansamos de ler e ouvir que o Brasil é um país “emergente” ou “em desenvolvimento”. Até o início dos anos 80 do século passado, pelo menos em termos de crescimento econômico, era verdade. Entretanto, a partir daí, até nossos dias, o cenário mudou muito e para pior. Registra o economista José Luis Oreiro, em artigo recente, que entre 1930 e 1980 crescemos em média 6,32%aa e entre 1981 e 2013, apenas 2,55%aa. Se computarmos os cinco últimos anos de crise e baixo crescimento, o número cai ainda mais. Considerando o aumento populacional no período, esse número é lamentável. Alguns surtos de crescimento foram observados nos anos 90 e na primeira década do novo século, mas não foram suficientes para alterar a média geral muito baixa. São praticamente quatro décadas perdidas. Enquanto ficamos patinando, países como a Coréia do Sul, China, Austrália, Nova Zelândia e vários outros cresceram muito e estão a caminho de se tornarem desenvolvidos.

A questão do desenvolvimento não é trivial. Deveria ser uma preocupação constante de todos aqueles que lutam contra a injustiça social. Na verdade os que mais sofrem com a falta de produção, emprego e renda são os 50% da população de renda mais baixa que vivem nas regiões mais pobres e nas periferias das grandes cidades. Para esses, falta tudo: salário, alimentação, vestuário, saneamento básico, saúde, habitação e muito mais. É uma vida miserável e sem perspectiva. Do ponto de vista da cidadania, essa situação é uma tragédia.

A experiência mostra que quando se pretende estabelecer um projeto de desenvolvimento, é relativamente fácil reunir meia dúzia de economistas, advogados, engenheiros, sociólogos e outros acadêmicos para listar as principais medidas a serem tomadas para levar o projeto adiante. Alias é o que têm feito os partidos políticos de quatro em quatro anos, sem grandes resultados. Essa prática burocrática e eleitoral é a principal razão pela qual os projetos de desenvolvimento nos últimos quarenta anos no Brasil não vão adiante. Um projeto de desenvolvimento, principalmente em um ambiente democrático, precisa, antes de tudo, ser um projeto político. Deve ser construído, item a item, simultaneamente à formação de uma frente política capaz de levá-lo adiante. Sem essa configuração, perde-se tempo.

Ao pretendermos que o desenvolvimento seja inclusivo, distribuindo renda e respeitando o meio ambiente, estamos definindo que essa frente política, além de democrática, deve ser progressista. Por outro lado, para que possa ser efetivado com sucesso, deve ser majoritária. Uma frente política majoritária, democrática e progressista, construída em torno de um projeto de desenvolvimento, deveria ser hoje uma aspiração de todos os brasileiros. Não se deve limitar a participação das forças políticas nesse projeto, indicando a priori quem pode ou não pode tomar parte. Certamente as forças mais retrógradas, internas ou externas, que apostam no atraso social, de onde tiram suas eventuais maiorias eleitorais ou vantagens econômicas, não sentarão a mesa para negociar. Ao contrário, farão uma forte oposição. E o acordo político passa por negociações às vezes muito duras e difíceis. Soluções burocráticas foram tentadas nas últimas décadas, como o Programa Avança Brasil, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e “Uma Ponte para o Futuro”. Os resultados, como eram de se esperar, têm sido irrelevantes.

A experiência internacional tem indicado que um acordo político dessa natureza resulta em um conjunto coerente de ações estratégicas, planejamento estatal e participação do capital privado. Os recursos financeiros necessários são extremamente elevados para que o desenvolvimento possa ser alcançado, em um prazo razoável, sem a participação do setor privado. Os escassos recursos do Estado devem ser reservados para as áreas onde a alternativa privada não é viável, para setores estratégicos ao próprio desenvolvimento e para a segurança nacional. Muitos dos investimentos necessários só podem ser efetivados pelo Estado, já que não têm retorno financeiro suficiente para atrair o capital privado. É o caso, por exemplo, da educação e saúde de populações de baixa renda ou investimentos em tecnologias básicas e adequadas aos recursos produtivos brasileiros. Talvez a maior contribuição do Estado ao desenvolvimento seja o planejamento e a coordenação dos planos e projetos estratégicos acordados.

No Brasil, a atual fragmentação das forças políticas e sociais e a falta de um projeto de desenvolvimento comum leva a uma virtual paralização do Estado. Pior do que isso, os grupos privados e corporativos mais organizados “canibalizam” a máquina estatal, destroem sua capacidade operacional e fragilizam as finanças públicas. A desorganização do Estado se reflete em toda a economia. Os consumidores se retraem e adiam as compras. Os fabricantes diminuem a produção. O setor privado reduz os investimentos em novas unidades produtivas ou aplica somente quando consegue taxas de lucro muito altas para compensar as incertezas. O desenvolvimento econômico cessa ou avança em ritmo muito lento, imobilizando o país. Estamos nessa situação há quase quatro décadas. É angustiante.

Em resumo, os problemas podem ser econômicos, mas a saída é necessariamente política. A solução para esse impasse é um movimento político que mude as expectativas negativas que os agentes econômicos e a população em geral têm em relação ao futuro do país. Sabemos que a construção desse projeto não é uma tarefa simples, mas certamente é necessária. Dificilmente uma força política sozinha, por mais bem intencionada que seja, conseguirá levá-lo adiante. De qualquer forma, a compreensão da importância e da natureza do problema é um primeiro passo para sua superação.

Para provocar o debate pretendo, num próximo artigo, tentar esboçar um diagnóstico da situação atual, tomando por referência as variáveis básicas dos modelos que buscam entender a dinâmica da economia capitalista no longo prazo.
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(*) Sérgio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)


Cláudio de Oliveira: Por que Astrojildo e Cristiano foram expulsos do PCB?

O jornalista fluminense Astrojildo Pereira e o advogado pernambucano Cristiano Cordeiro foram dois dos nove fundadores, em 25 de março de 1922, do antigo PCB, o primeiro partido da esquerda brasileira a se organizar nacionalmente. Ambos foram expulsos do partido em 1930 e 1947, respectivamente.

Astrojildo Pereira (1890-1965)

Astrojildo foi o primeiro líder do PCB até 1930, quando o partido sofreu intervenção da Internacional Comunista (IC), sediada em Moscou e comandada pelos partidários de Josef Stálin, o ditador da URSS.

Astrojildo foi afastado da secretaria-geral e depois expulso do PCB acusado de “desvio direitista de caráter menchevique martovista”.

Naquela altura, a IC recusava qualquer diálogo com liberal-democratas e passara a considerar a socialdemocracia como “irmã gêmea do fascismo”, inimigo número um a combater. Tal visão sectária favoreceu a vitória de Adolf Hitler na Alemanha, em 1932.

Já Astrojido liderou a criação, a partir de 1927, do Bloco Operário e Camponês (BOC), uma aliança formada pelo PCB, pelo PSB e por membros do Partido Democrático do Distrito Federal.

Em 1929, o bloco chegou a fazer uma aliança com o Partido Democrático de São Paulo, de liberal-democratas contrários ao Partido Republicano, agremiação conservadora que sustentou os governos da República Velha (1899-1930).

Astrojildo estava com uma posição política adequada à realidade brasileira e foi vítima do ultra-esquerdismo da IC.

Voltou ao PCB com a legalidade de 1945, após escrever uma humilhante carta de autocrítica. Permaneceu na condição de membro suplente do Comitê Central até sua morte, em 1965, no Rio de Janeiro, aos 75 anos.

Mesmo sem ocupar o centro das decisões políticas do PCB, desempenhou papel importante na renovação do pensamento da esquerda brasileira através da Novos Rumos, revista partidária que ajudou a editar.

Cristiano Cordeiro (1895-1987)

O PCB havia decidido candidatar Cristiano à Constituinte de 1933 pela legenda Trabalhador, ocupa teu posto!, em Pernambuco. Cristiano lançou sua candidatura no 1º de maio, em ato no Teatro Santa Isabel, no centro de Recife.

Recusou-se a colocar na sua plataforma eleitoral a formação de conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros, isto é, de sovietes no Brasil.
Ele considerava a proposta alheia à realidade brasileira.

Cristiano conseguiu se eleger deputado. Porém, a comissão eleitoral anulou duas urnas de um bairro popular, reduto eleitoral do PCB, deixando Cristiano fora da Constituinte.

Em 1935, Cristiano foi eleito vereador pelo Recife. Em fins de 1934, contatado por Silo Meirelles, em nome da direção nacional do PCB, Cristiano se recusou a organizar um levante armado contra o governo de Getúlio Vargas.

Para Cristiano, um movimento conspiratório restrito aos quartéis e isolado da sociedade seria uma quartelada fadada ao fracasso.

Em vez disso, propôs Cristiano, o PCB deveria buscar derrotar Vargas não no plano militar, mas na esfera política, articulando uma frente que reunisse não só comunistas e socialistas, como também liberais contrários ao governo.

Dito e feito. O levante de novembro de 1935, organizado pelo PCB, foi facilmente derrotado e forneceu as condições políticas para que Getúlio Vargas promovesse um golpe de Estado em 1937 e instalasse a ditadura do Estado Novo.

Mesmo contrário e sem participar do movimento de 1935, Cristiano foi preso. Libertado um ano depois, só em 1937, por força de um mandato de segurança, conseguiu tomar posse como vereador. Com o golpe do Estado Novo, a Câmara Municipal foi dissolvida, Cristiano foi novamente preso e intimado a deixar a cidade.

Fugiu para Santos, em São Paulo, e depois transferiu-se para Goiás. Com o fim da ditadura, em 1945, voltou a Pernambuco. Por suas posições, foi expulso do partido em 1947.

Cristiano Cordeiro foi reintegrado ao PCB somente em 1980, aos 87 anos. Morreu em novembro de 1987, aos 92 anos de idade.

A partir de 1958, e especialmente depois de 1967, o PCB evoluiu para as posições políticas defendidas por Astrojildo e Cristiano: uma frente reunindo todos os setores democráticos com o objetivo de reestabelecer o Estado de Direito, conquistado afinal com a Constituição de 1988.

Em 1992, a maioria do PCB aprovou a mudança de nome para PPS, cujo instituto de estudos leva o nome de Astrojildo Pereira. Uma ala liderada pelo arquiteto Oscar Niemeyer recriou o partido, porém o novo PCB não conseguiu eleger representantes no Congresso.

*Cláudio de Oliveira é jornalista, cartunista e autor do e-book Lenin, Martov, a Revolução Russa e o Brasil
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Dorrit Harazim: O Chile errado de Bolsonaro

Um primeiro relatório concluiu que 2.296 pessoas haviam sido assassinadas ou ‘desaparecidas’ em mãos de agentes do regime militar no país

O presidente Jair Bolsonaro pisou em solo chileno esta semana ofendendo de uma só tacada a memória do país anfitrião, a história do Cone Sul e o julgamento universal de humanidade. Só não ofendeu também a própria biografia porque desatinos repetidos não contam.

“Essa questão da dita ditadura aqui do Cone Sul tem que ser lavada à luz da verdade... Tem gente que gosta dele [do ditador Augusto Pinochet], outros que não gostam”, declarou ao desembarcar em Santiago para participar da gênese de um novo bloco regional de perfil direitista, o Foro para o Progresso e Desenvolvimento da América Latina.

Era uma defesa aberta do comentário pornográfico feito pouco antes por seu ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni: “No período Pinochet”, sustentara Lorenzoni em entrevista à Rádio Gaúcha, “o Chile teve de dar um banho de sangue. Triste. Mas as bases macroeconômicas fixadas naquele governo...” Traduzindo: há banhos de sangue que vêm para o bem de reformas econômicas.

Por uma amarga coincidência de calendário, no dia da chegada dos brasileiros uma notícia aguardada há décadas agitava a vida nacional chilena: o julgamento de um crime particularmente horrendo da era Pinochet (1973-1990) — o “Caso Quemados” — chegava ao fim com a condenação de 11 militares a penas entre três e dez anos de prisão. Mesmo para o padrão de brutalidade do regime da época, a ação de uma patrulha militar sempre fora mal digerida, por simpatizantes de Pinochet. Ela ocorreu numa tarde de julho de 1986, quando dois jovens que participavam de um protesto foram surrados, encharcados com gasolina, queimados vivos e despejados na periferia. Por uma patrulha militar. Moradores que encontraram os corpos contorcidos conseguiram salvar Quintana, que tinha 18 anos e está desfigurada até hoje. Rojas, de 19 anos, não resistiu.

Triste, diria Onyx Lorenzoni. É preciso lavar os fatos à luz da verdade, contestaria Jair Bolsonaro.

Essa lavagem da história já foi feita. O democrata-cristão e veterano conservador Patricio Aylwin tinha 71 anos em 1990 quando assumiu como primeiro presidente da redemocratização chilena após 17 anos de regime militar. Ele foi uma espécie de Tancredo Neves, guardadas as características dos dois processos políticos. “Uma transição bem-sucedida não é possível sem a reconstituição da verdade”, sustentava até morrer, aos 92 anos.

Em 1991, ao receber o relatório de 1.350 páginas encomendado à Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação (Comissão Rettig), criada por ele para apurar denúncias de assassinatos, desaparecimentos e tortura, Aylwin foi à televisão em cadeia nacional. “O Estado e a sociedade como um todo são responsáveis pela ação ou pela omissão. Por isso, ouso assumir a responsabilidade pela nação inteira e, em seu nome, pedir perdão aos parentes das vítimas..”, disse ele, com voz embargada.

Aquele primeiro relatório elaborado por juristas e técnicos forenses ao longo de nove meses concluíra que 2.296 pessoas haviam sido assassinadas ou “desaparecidas” em mãos de agentes do regime militar. Em 2003, uma nova Comissão da Verdade sobre Prisão Política e Tortura (Comissão Valech), criada pelo ex-presidente Ricardo Lagos, listou 28.450 casos qualificados como vítimas oficiais de detenção ilegal, tortura, execução ou desaparecimento. E, oito anos atrás, o presidente Piñera, então em seu primeiro mandato, recebeu da mesma comissão um rol contendo 32 mil novas denúncias. Ou seja, não tem faltado luz à verdade.

O Chile tem, sem dúvida, muito a festejar — começando pelo Produto Interno Bruto que em 2018 acusou sua maior expansão dos últimos cinco anos. Mas convém não esquecer que Augusto Pinochet foi alvo de uma investigação também de suas finanças privadas. Ela durou nove anos. Segundo levantamento encomendado pela Corte Suprema do Chile, o ditador acumulara US$ 21 milhões ao morrer aos 91 anos. Apenas US$ 3 milhões desta fortuna podiam ser atribuídos a soldos. Ainda assim escapou de uma condenação por enriquecimento ilícito. Morreu em prisão domiciliar, condenado por violação de direitos humanos.

Não espanta, portanto, que os presidentes da Câmara e do Senado do Chile tenham se recusado a participar do almoço oferecido em homenagem a Bolsonaro por Sebastián Piñera. Eles conhecem a verdade. E respeitam a memória do país.


Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro, que onda é essa?

“Bolsonaro foi o candidato antissistema, vê a proximidade com o centro político como ameaça ao seu prestígio popular e sinônimo de fisiologismo e o patrimonialismo”

Muita gente ainda não se deu conta de que o grande derrotado nas eleições foi o chamado centro democrático. E que o tsunami eleitoral gerou uma sucessão de swells que fazem a alegria dos surfistas da política. Em português, essa palavra significa “ondulação”. São vagas formadas por uma tempestade em alto-mar que se deslocam para a costa, gerando grandes ondas que se propagam por longas distâncias. Ao se aproximarem da praia, quando batem nas barreiras de corais ou bancos de areia, tornam-se ainda maiores; dependendo das condições climáticas e das características do local, podem se tornar gigantes.

Essa analogia tem tudo a ver com o momento político que estamos vivendo. É um erro supor que o grande derrotado nas eleições gerais passadas foi o PT, que chegou ao segundo turno e manteve a segunda bancada na Câmara, mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso. As forças centristas que ficaram de fora do segundo turno, e derivaram para o apoio a Bolsonaro, embora sejam as maiores derrotadas, mantiveram a ilusão de que esse apoio por gravidade lhes garantiria a preservação dos espaços de poder que ocupavam antes. Isso, até agora, vem sendo um ledo engano.

Estão como aquele banhista que permanece na areia tomando sol e se diverte com os surfistas que caem das pranchas, sem levar em conta que o calhau que os derrubou vai se espraiar. Quando menos espera, a onda invade a praia, carrega os chinelos, enche a toalha de areia e molha a carteira com os documentos. É mais ou menos isso que está acontecendo com os políticos que esperavam de Bolsonaro o mesmo tratamento recebido durante o governo de Michel Temer, que governou como se fosse primeiro-ministro, compartilhando o governo com o Parlamento. O ex-presidente e seu maior estrategista, o ex-governador fluminense Moreira Franco, estão presos. Outros políticos do MDB e partidos do centro investigados pela Operação Lava-Jato estão na mira do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e seus amigos que continuam na força-tarefa encarregada de banir a corrupção da política

Bolsonaro não se propôs a fazer um governo de centro, a lógica da formação da sua equipe, sua forma de atuação e a narrativa política que adotou, assumidamente de direita, é incompatível com a construção de uma coalizão ampla. Bolsonaro foi o candidato antissistema, vê a proximidade com o centro político como ameaça ao seu prestígio popular e sinônimo de fisiologismo e o patrimonialismo. Está mais para Dilma Rousseff com sinal trocado, do que para Fernando Henrique Cardoso e Lula, embora o primeiro não tenha metido os pés pelas mãos como o segundo. Seus ataques à política tradicional são uma demonstração dessa incompatibilidade de gênios. Para manter a base eleitoral que o levou ao segundo turno, enquanto gozar de prestígio popular, não fará nenhum movimento em direção ao centro político que possa parecer aos seus eleitores um “estelionato eleitoral”. Somente um fracasso na economia, uma “vaca” sinistra, para usar a linguagem dos surfistas, pode levar Bolsonaro a um “arreglo”.

Previdência

Esse é o grande nó da relação do Palácio do Planalto com o Congresso, que continua sendo hegemonizado pelo centro. Tanto o PSL quanto o PT estão isolados. No Senado, com a eleição de Davi Alcolumbre e a escolha do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) para líder do governo, a situação é menos grave, a Casa gosta de “azeite”, mar liso. Na Câmara, somente se cria quem “entuba grebando de back”. Quem acompanha as sessões do plenário observa um “crowd” cheio de “prego”, ou seja, muitos novatos para poucas ondas. Nos bastidores, as raposas do centro político se articulam em torno de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vem sendo alvo de ataques do filho mais novo do presidente da República, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, e dos partidários mais radicalizados do presidente da República.

Além de não poder dialogar com o PT, que está no seu papel de fazer oposição, Bolsonaro tem dificuldades com seu próprio partido, o PSL, que pauta suas ações pela antipolítica, concentrando os ataques no Supremo, além de defender interesses fortemente corporativos que estão em contradição com a reforma da Previdência. Mas há uma realidade inescapável: governar é uma ação política, implica interação com o Congresso, o Judiciário e a sociedade civil. Por essa razão, a semana começa com Bolsonaro e Maia se estranhando novamente.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-swell-que-onda-e-essax/


Alon Feuerwerker: O Planalto quer um Congresso perfilado gritando “Ave Caesar, morituri te salutant". Vai funcionar?

A frase está em latim: “Ave César, os que vão morrer te saúdam”. Era o brado dos gladiadores para o imperador romano antes de começarem os jogos no Coliseu. Os coitados dos lutadores, escravizados, não tinham mesmo muita opção.

O Palácio do Planalto quer mais ou menos isso dos políticos na Câmara e no Senado: que votem as medidas impopulares propostas pelo governo, especialmente a reforma da previdência, e conformem-se depois em morrer nas eleições.

Não chega a ser previsão apocalíptica, pois mesmo em plena onda antipetista ano passado os gladiadores de Temer, que deram a cara na luta para aprovar reformas, ou tiveram imensa dificuldade para voltar ou simplesmente não voltaram.

Jair Bolsonaro assumiu e distribuiu os cargos entre os dele. Oficiais da reserva e da ativa. Lava Jato. Seguidores de Olavo de Carvalho. E alguns quadros parlamentares vinculados às “bancadas temáticas”. Ou seja, não dividiu poder com ninguém.

Pôde fazer isso ao surfar no clamor por uma “nova política”, que segundo os formuladores dela consiste em trocar as pessoas más e impuras pelas boas e puras. Trata-se naturalmente de uma mistificação, mas de tempo em tempo encontra ouvidos crédulos.

Uma regra, sem exceção: a nova política de hoje é a velha política de amanhã. Entre o hoje e o amanhã sempre tem um tempinho para enrolar o distinto público. É um período em que o poder precisa dar passos decisivos para se consolidar.

Mas se a única opção do gladiador romano era obedecer o imperador e torcer para sobreviver até a luta seguinte, não é o caso dos parlamentares. Eles têm a alternativa de simplesmente não fazer o que o Planalto deseja, e esperar o tempo passar.

E são ajudados pelo governo Bolsonaro não ter sido a primeira escolha do establishment econômico e social. A boa vontade é limitada. Isso introduz um vetor de fragilidade potencial. Que aliás começa a se manifestar nas pesquisas de popularidade.

O Planalto acredita que vai dobrar o Congresso denunciando o “fisiologismo” em oposição ao patriotismo. As coisas são mais complicadas. Para os militares, garantiu-se o patriotismo deles embutindo na reforma uma generosa reestruturação da carreira.

O presidente talvez acredite que vai aprovar a mudança da previdência e também concentrar as chaves do orçamento federal nas mãos de seu grupo mais próximo, para alavancar a ampliação decisiva de uma base política própria em 2020 e 2022.

O bolsonarismo não deixa de ter alguma razão nesse desejo. Governos sem base própria enfrentam risco maior de colapso quando a popularidade declina além de um patamar. Com exceções, certos aliados só são úteis quando você não precisa deles.

Políticos são dotados de olfato sensível para o cheiro de sangue na água. Bolsonaro abre múltiplas frentes de atrito e é visto como mal menor por boa parte do establishment. Então basta esperar a hora em que o governo vai precisar de apoio.

A nova administração vem abrindo espaço inédito para referências religiosas, particularmente cristãs. Talvez fosse o caso de a turma dar uma folheada na Bíblia e estudar a interpretação de José para o sonho do Faraó com as vacas gordas e as magras.

#FicaaDica.

*

Num governo de retificações quase diárias, a declaração mais retificada admite a participação brasileira numa intervenção militar na Venezuela. Ou a coisa está bagunçada além do razoável ou tem caroço debaixo desse angu.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


O Estado de S. Paulo: Informalidade e benefícios respondem por 40% da renda das famílias do País

Em 2014, antes da crise, essas fontes de renda representavam um terço do orçamento; com desemprego em alta e recuperação lenta, peso dos salários no rendimento das famílias caiu

Márcia De Chiara, de O Estado de S. Paulo

Informalidade e benefícios respondem por 40% da renda das famílias do País

 

A renda com trabalho informal e a obtida com pensões, aposentadorias e outros benefícios pagos pelo governo estão ganhando peso maior no orçamento das famílias brasileiras, enquanto a contribuição do salário vem encolhendo. No ano passado, quase 40% dos ganhos dos domicílios vieram da informalidade e de benefícios do governo. Em 2014, antes de o País entrar em crise, esses rendimentos respondiam por um terço da renda familiar.

Os números são da consultoria britânica Kantar WorldPanel, que visita semanalmente 11 mil domicílios para radiografar o consumo no País. Uma vez por ano, a consultoria investiga de onde vem a renda do brasileiro para bancar despesas básicas, como alimentação, saúde, habitação e transporte.

Apesar de a economia ter voltado a crescer em 2017, o desemprego recuou muito pouco e continua em níveis elevados. Com isso, a participação do salário vem diminuindo no orçamento familiar. Em 2014, respondia por 63% da renda dos domicílios. No ano passado, a fatia recuou para 56%.

Nas regiões mais pobres, o peso dos rendimentos da informalidade e dos benefícios já ultrapassa o do salário. No Norte e Nordeste, por exemplo, os salários contribuíram o ano passado para 47% da receita doméstica, enquanto bicos e benefícios somaram 49%. Os 4% restantes vieram de outros tipos de ganhos, como doações, herança ou aluguéis. No Grande Rio de Janeiro, região afetada pela crise fiscal do Estado, mais da metade da renda das famílias já vem da informalidade e de benefícios pagos pelo governo.

“Do ponto de vista da renda, o aumento da informalidade é uma notícia ruim”, diz o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes. Como o ganho obtido com bicos é muito menor do que a renda de salário – entre 30% e 40% –, falta dinheiro no fim do mês.

Dívida. O estudo mostra que, pelo terceiro ano seguido, o gasto médio com despesas básicas tem superado a renda familiar em torno de 2%. No ano passado, a renda média mensal por domicílio foi de R$ 3.173, enquanto a despesa média mensal ficou em R$ 3.241.

Para fechar essa conta, explica Giovanna Fischer, diretora da consultoria e responsável pela pesquisa, as famílias têm se endividado. Recorrentes e herdadas de anos anteriores, as dívidas são um dos fatores que têm impedido que o orçamento volte ao azul. Além disso, a lenta recuperação do emprego formal contribui para manter essa defasagem. “Não há nenhum indicador que mostre recuperação da renda e, até o fim do ano passado, ela estava abaixo do gasto”, diz Giovanna. Bentes diz que a grande oferta de mão de obra disponível deve manter a renda pressionada para baixo.


Apenas em SP famílias fecham o mês no azul

Estado é o único onde a renda média supera o gasto com as despesas básicas

Pai de oito filhos, o ex-metalúrgico Jerivan Martins faz malabarismos para fechar as contas da casa. Sustenta a família com a renda mensal de R$ 2,2 mil que tira vendendo suco de laranja nas redondezas do Fórum da Barra Funda, na zona oeste da capital. “A minha mulher recebe R$ 270 por mês de Bolsa Família também”, lembra.

Para reduzir as despesas, Martins conta que a sua família mora no litoral, onde o custo de vida é menor. “Não tenho dívidas e consigo fechar o mês sem empréstimos, mas é justinho.”

Desempregada há um ano, Rosana Manente também está na informalidade. Ela vende pão caseiro todas as manhãs na estação de trem da Lapa, na zona oeste da cidade, para bancar as despesas da casa. Ex-frentista de posto de gasolina, seu marido também está desempregado há quatro meses. Rosana diz que, apesar do aperto, não deve nada a ninguém. “Vendi o carro e quitei tudo.”

Com os pães, ela tira R$ 100 por dia. Conta ainda com a ajuda da sogra aposentada, que contribui com R$ 400 por mês na renda da casa, apesar de não morar com o casal. “Não passo fome, mas vontade das coisas.”

Positivo. Martins e Rosana confirmam o movimento captado pelo estudo da consultoria Kantar WorldPanel para avaliar como está a renda do brasileiro. De todas as regiões pesquisadas do País, apenas as famílias que vivem no Estado de São Paulo conseguiram no ano passado fechar o mês no azul, isto é, com a renda média superando o gasto com as despesas básicas da casa.

Em 2018, a renda média mensal das famílias da Grande São Paulo foi de R$ 3.499, ante um gasto de R$ 3.311. O superávit foi de 5,7%. No interior do Estado de São Paulo, o resultado foi semelhante. A renda média mensal foi de R$ 3.362 para um gasto de R$ 3.193, uma diferença 5,3% a favor da renda.

“São Paulo foi a região onde as famílias estavam com o bolso mais folgado em 2018”, diz Giovanna Fischer, diretora da consultoria e responsável pelo estudo. Por sua vez, o estudo mostra que, no ano passado, as famílias que moravam no Grande Rio de Janeiro eram as que estavam com o orçamento mais estourado. Entre a renda e o gasto, o déficit foi de 13,9%.

De acordo com Giovanna, não é a primeira vez que isso acontece. Uma das justificativas para a diferença está no fato de que há mais oportunidade de emprego em São Paulo.

Um resultado que chamou a atenção na última pesquisa foi a virada que houve nas contas da famílias do Norte e Nordeste. Em 2017, a relação entre a renda e o gasto estava no zero a zero e, em 2018, o orçamento ficou no vermelho. O motivo do desequilíbrio é o aumento da informalidade, que proporciona uma renda menor frente à ocupação com carteira assinada.

Giovanna observa, no entanto, que, exceto no Norte e no Nordeste, a relação entre renda média e gasto melhorou nas demais regiões em 2018 na comparação com o ano anterior. No Estado de São Paulo, essa relação ficou mais positiva e, nas demais regiões, menos negativa.

Informalidade. Tanto Martins como Rosana, que hoje vivem de bicos e contam com a ajuda de benefícios pagos pelo governo, foram parar na informalidade depois de trabalharem por um longo período com carteira assinada.

Martins, que tem hoje 46 anos, trabalhou durante 22 anos numa metalúrgica na montagem de freios. Perdeu o emprego formal porque a empresa fechou. Rosana, que tem 50 anos, trabalhou por 13 anos na área financeira de uma cooperativa de ônibus e foi demitida porque a empresa se fundiu com outra. Depois, arranjou emprego com carteira assinada na área de vendas, mas foi novamente demitida há um ano.

Hoje ambos desistiram de procurar emprego formal. Alegam que é muito difícil encontrar uma vaga com carteira assinada por causa da idade.

Martins e Rosana fazem parte do grupo de trabalhadores que são subutilizados e que atingiu níveis recordes em janeiro, segundo o IBGE. São 27,5 milhões de pessoas, entre desempregados, desalentados ou simplesmente que estão trabalhando menos do que gostariam.


Bicos para apps aquecem venda de carros e motos

Locadoras aumentam compras de veículos para atender público que, diante da falta de emprego, aluga carro para trabalhar

Daniela Amorim, de O Estado de S. Paulo

RIO - A precariedade do mercado de trabalho e a popularização dos transportes de passageiros e cargas por aplicativos ajudaram a sustentar a demanda doméstica por automóveis e motocicletas no País no último ano, apontam especialistas.

Apesar da queda nas exportações para a Argentina e do orçamento ainda restrito das famílias brasileiras, a produção nacional de carros e motos mantém crescimento expressivo. A fabricação de automóveis nos 12 meses encerrados em janeiro subiu 9,3%, enquanto a de outros equipamentos de transporte – que é majoritariamente formado por motocicletas – cresceu 14%. Os dados são da Pesquisa Industrial Mensal, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Tem uma demanda doméstica que pode ter sim uma relação direta com toda essa movimentação (de aumento de motoristas por aplicativo). Os dados corroboram essa leitura, especialmente levando em consideração a queda no comércio exterior. O setor permanece no positivo, embora tenha perdido dinamismo”, ressaltou André Macedo, gerente da Coordenação de Indústria do IBGE.

A dificuldade de encontrar um emprego impulsionou o aumento no número de trabalhadores no setor de atuando como motorista de aplicativos. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), também do IBGE, mostram que havia 201 mil pessoas a mais atuando no segmento de transporte e correio no trimestre terminado em janeiro, em relação a um ano antes. O Instituto de Pesquisa econômica Aplicada (Ipea) calcula que, no ano passado, o total de trabalhadores atuando por conta própria no setor de entregas saltou 104,20%.

O IBGE não consegue detectar as compras de automóveis por pessoas físicas que usam o veículo como ferramenta de trabalho. “A aquisição de veículos feita por locadoras foi muito maior do que em anos anteriores. Então a gente subentende que o aumento da frota não é porque tenha muito mais gente alugando carro para passear. É gente que foi alugar para trabalhar”, explicou Claudia Dionísio, gerente da Coordenação de Contas Nacionais do IBGE.

O motorista Victor Hugo Oliveira, de 30 anos, trabalhava em uma produtora de eventos antes de começar a transportar passageiros via aplicativo. O automóvel que usa para trabalhar é seminovo, adquirido em 2017. No ano passado, ele comprou mais um carro, ao enxergar a nova profissão como uma oportunidade de investimento. O segundo veículo está atualmente alugado para um amigo. “O outro motorista trabalha com ele direto. É isso que sustenta a minha família”, relatou Oliveira.

Motocicletas. A Abraciclo, entidade que reúne os fabricantes de motocicletas, acredita que a melhora no crédito tenha possibilitado o avanço tanto na produção quanto nas vendas internas em 2018, puxado pelo segmento mais barato. “A demanda por motocicleta de baixa cilindrada representou cerca de 80% das vendas. São motocicletas de baixo valor”, disse José Eduardo Gonçalves, diretor executivo da Abraciclo.

Há duas semanas, o motociclista Wesley Freitas Gomes, de 35 anos, começou a entregar refeições solicitadas por aplicativo. Ele trabalha com sua motocicleta no centro do Rio, todos os dias, de 11h às 17h40. À noite, dá expediente na pizzaria da família, no bairro onde mora, na zona norte. “Vale a pena. Tem dia que é muito bom, dá para tirar até R$ 200. Quando está chovendo ninguém quer sair na rua, todo mundo pede comida”, contou Gomes, que disse ter dois primos exercendo a mesma atividade.

O diretor executivo da Abraciclo aponta que a maioria dos compradores das motocicletas de baixa cilindrada é das classes de renda C, D e E. “Por falta de emprego, acabam entrando nesses aplicativos que oferecem serviços de entrega”, diz Gonçalves, da Abraciclo.

A produção de motocicletas de baixo custo atingiu 824 mil unidades em 2018, alta de 17,8% sobre o ano anterior. O primeiro bimestre de 2019 começou aquecido, com alta de 14% na fabricação desses produtos e salto de 24,9% nas vendas, de acordo com a entidade.

A Cabify afirmou que houve um crescimento de 40% no total de motoristas de sua base no ano passado. A Uber – dona também do serviço de delivery Uber Eats – afirma que atualmente tem 600 mil motoristas cadastrados no País, atendendo a 22 milhões de usuários.


Folha de S. Paulo: Empresas fecham 1,9 milhão de vagas com carteira para jovens

Além do efeito da crise, grupo está mais inclinado a aceitar regimes flexíveis

Flávia Lima, da Folha de S. Paulo

Uma análise mais aprofundada dos dados sobre o mercado de trabalho desde 2012 mostra que a oferta de vagas com carteira assinada caiu dramaticamente para um segmento bem específico: os mais jovens.

O número de vagas formais no setor privado entre jovens de até 24 anos recuou mais de 25% de 2012 a 2018. A redução de postos com carteira assinada no período foi de 1,9 milhão apenas nesse segmento.

O trabalhador mais jovem foi, de longe, o mais afetado pela crise, mostra o levantamento feito por Cosmo Donato, economista da LCA Consultores, com base nos microdados da Pnad, a pesquisa por amostra de domicílios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O saldo de empregos com carteira assinada no grupo de pessoas com idade entre 25 e 44 anos também foi negativo, mas numa intensidade bem inferior —queda de 481,3 mil.

Acima dos 45 anos, o saldo de vagas formais foi positivo em quase 1 milhão.

Sem os jovens, o saldo de vagas no setor privado com carteira assinada —considerado o empregado por excelência— teria sido positivo no período em mais de 500 mil postos.

No geral, com pouca experiência e qualificação, os jovens formam o grupo que, historicamente, mais sofre em situações de instabilidade no mercado de trabalho.

Após uma das maiores recessões da história, a taxa de desocupação entre pessoas de até 24 anos fechou 2018 em 27,2% —bem mais do que o dobro da média registrada pelo mercado em geral, de 11,6%.

Especialistas identificam, porém, fenômeno ainda inicial que também pode explicar a queda na contratação formal no segmento: entre os jovens, em especial os mais escolarizados, haveria uma maior disposição a aceitar regimes de contratação mais flexíveis.

Seria uma forma de ganhar um pouco mais e, ao mesmo tempo, encontrar vagas com um perfil mais próximo às pretensões desse grupo.

Pesquisa do Datafolha de setembro do ano passado apontou que metade dos eleitores brasileiros até 24 anos prefere ser autônomo, com salários mais altos e pagando menos impostos, ainda que sem benefícios trabalhistas, a ter carteira assinada.

Na faixa seguinte, entre 25 e 34 anos, a opção pela autonomia foi ainda maior (55%). A preferência, no entanto, caía para 47% entre 45 e 59 anos e 46% acima de 60 anos.

Ramon Barreto, 24, é um desses jovens. Ele atua na área de marketing de eventos esportivos e passa pela primeira experiência como PJ (pessoa jurídica que presta serviços a uma empresa via contrato).

Barreto conta que participou de outros processos seletivos até tomar a decisão de aceitar a vaga sem carteira assinada e sentiu insegurança, pois não conhecia os trâmites para abertura de empresa e emissão de notas fiscais.

"Mas, colocando tudo na balança e pensando no que era bom para mim profissionalmente, meio que compensava não ter os benefícios da CLT."

José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), diz que a preferência efetiva do jovem pelo trabalho autônomo é uma hipótese que só pode ser testada em períodos de normalidade --algo descolado do que viveram os trabalhadores nos últimos anos.

Como mostram os números, muitos jovens estão, na verdade, desempregados. Outros podem ter sido levados pela situação de crise a aceitar vaga sem carteira.

Ainda assim, Afonso diz que, para além da pejotização —fenômeno mais antigo e desencadeado pela alta tributação no mercado de trabalho—, já é possível identificar um processo novo e mais global, em que o trabalho é exercido sem contrato, sem local definido e sem horário fixo, em um contexto no qual o corte por idade é fundamental.

"Há um trabalhador jovem com menor preferência por ser empregado CLT, pois pode optar por mais flexibilidade, em linha com as mudanças tecnológicas", diz Juliana Damasceno, também economista do Ibre e coautora de textos sobre o tema com Afonso.

Após alguns meses trabalhando como PJ, Barreto diz que atuar como pessoa jurídica traz flexibilidade para todos os envolvidos.

"Eu tenho um horário acertado, mas, se eu consigo entregar as demandas, não existe a rigidez de ter que bater ponto. Isso facilita para mim e para a empresa, que não tem um funcionário cumprindo horário por tabela e pode contar com o comprometimento do profissional para as entregas."

Responsável pela pesquisa dos dados, Donato, da LCA, afirma que ainda é cedo para entender se a retomada do emprego decorrente da recuperação econômica levará os mais jovens a serem contratados novamente no regime CLT ou se as mudanças ocorridas na recessão têm caráter mais permanente.

"Ainda não dá para entender se os arranjos informais estabelecidos pelos mais jovens e seus empregadores no mercado de trabalho vieram para ficar", diz Donato.

Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados, concorda. "Questões mais estruturais são mais difíceis de discutir. É cedo para falar de automação em um país como o Brasil", afirma ele.

Após quatro anos de recessão e crise, não há, até agora, sinal de recuperação da formalidade, afirma João Saboya, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista em mercado de trabalho.

"E, enquanto não houver crescimento econômico mais forte, não vejo sinal de recuperação da carteira assinada entre os mais jovens", diz ele.

Do alto de seus 24 anos, Barreto afirma que, quando avalia a dinâmica do mercado de trabalho e as opções que têm sobre a mesa, acredita que existem chances de que volte a ter a carteira assinada. Mas a tendência mais forte, diz ele, é a flexibilização.


Portal Cidadania: Em congresso extraordinário, PPS adota o nome Cidadania

O novo nome foi aprovado por ampla maioria dos delegados do congresso extraordinário

O PPS decidiu, neste sábado (23), em Congresso Extraordinário, por ampla maioria, adotar o nome Cidadania. Após a votação, Roberto Freire destacou que o partido continuará sendo defensor da liberdade e dos povos. Ele afirmou que a transição foi feita em clima de “festa”, diferentemente do que ocorreu há 27 anos na transição do PCB (Partido Comunista Brasileiro) para PPS.

“Eu fui derrotado quando estávamos definindo o nome que iria suceder o PCB. Eu defendi Partido Democrático de Esquerda, mas fui vencido pelo nome PPS. Trago isso para demonstrar que aquela mudança foi dramática. Hoje, contudo, foi uma festa. Àqueles que de federam pelo nome Liberdade saibam que esse partido sempre foi defensor da liberdade. Sempre na ideia da liberdade, do ser humano e sem o conceito de estrangeiro, porque somos fraternos e iguais”, disse.

Com a aprovação da mudança, Roberto Freire defendeu uma visão internacionalista e contrária a diferenciação dos seres humanos que norteou a história do PPS.

“Não adianta nos diferenciar por cor de pele ou língua. Precisamos ter essa visão de globalização, internacionalista e em defesa da imigração. Defender o mundo único, global e que não faça diferença entre os seres humanos”, disse.

O Cidadania conta hoje com bancada de oito deputados federais e três senadores.


João Domingos: Desculpas esfarrapadas

 Atrair partidos só pela força das urnas parece sonho distante 

O presidente Jair Bolsonaro atribuiu a ordem de prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer às práticas da “velha política”, na qual, segundo ele, “a governabilidade vem em troca de cargos, ministérios e estatais”. Já o Ministério Público acusou Temer de liderar uma organização criminosa que atuava “há praticamente” 40 anos.

Há uma discrepância entre o que disse Bolsonaro, segundo o qual a prisão de Temer foi ocasionada pelo “toma lá, dá cá”, o que de fato garantiu ao ex-presidente uma grande base parlamentar no Congresso, e a acusação do Ministério Público.

Na conclusão de Bolsonaro, as ações de Temer foram políticas, usadas para montar a governabilidade. Acabou indo para a cadeia. Por isso, o atual presidente disse que, apesar das pressões, vai resistir aos acordos baseados na nomeação de afilhados políticos para cargos, ministérios e estatais. Presume-se que, a partir desses acordos, cometem-se crimes. E Temer, o ex-ministro Moreira Franco e vários outros foram presos preventivamente pelo juiz federal Marcelo Bretas, do Rio, por causa desses acordos que levam a crimes.

O Ministério Público afirmou que Temer lidera uma quadrilha há praticamente 40 anos. Fazendo-se as contas, e voltando as quatro décadas, chegamos a 1979, já transcorridos 15 anos da ditadura militar, ano em que o general Ernesto Geisel entregava o poder para o general João Figueiredo. Naquele ano, segundo o MP, Temer começava a liderar a quadrilha. É de se perguntar: o que fizeram o MP e a Polícia Federal que não perceberam que um chefe de quadrilha foi nomeado procurador-geral de São Paulo em 1983, depois se candidatou a deputado federal e foi por três vezes presidente da Câmara, líder e presidente do então PMDB por anos, vice-presidente da República por dois mandatos e presidente com o impeachment de Dilma Rousseff? Afinal, Temer é acusado de cometer crime de ação continuada.

Considerando-se ainda que Temer chefia uma quadrilha há aproximadamente 40 anos, e de tão esperto nunca foi pego, é de se duvidar que ele chamasse os presidentes de partidos, se identificasse como um capo e propusesse a todos que, uma vez no governo, garantida a governabilidade, dividissem o butim.

Quando Bolsonaro diz que a montagem da governabilidade baseada num sistema de distribuição de cargos a partidos pode resultar em roubalheira, ele não deixa de ter razão. Mas não necessariamente. É possível fazer a boa política com acordos partidários.

Façamos um exercício com o governo de Bolsonaro, que precisa muito montar uma base de apoio no Congresso e não quer dar chances ao azar. Ele poderia chamar os dirigentes partidários, um a um, propor o acordo, dizer que as coisas mudaram e que não aceita acusados de malfeitos (na equipe de Bolsonaro há suspeitos de uso de candidatos laranjas e desvio de dinheiro do Fundo Partidário, mas deixa pra lá). E que, como tem o chefe da Abin, o general Augusto Heleno, como principal conselheiro, como tem a PF sob o comando do ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), será informado de tudo o que acontece no governo. Um desvio sequer, rua. Se ele agir assim, provavelmente acumulará capital político.

A ideia de atrair os partidos para o governo, levá-los a aprovar a reforma da Previdência, só pela força das urnas, sem oferecer nada em troca, parece um sonho distante. A agenda conservadora de Bolsonaro virou motivo de piada entre alguns dirigentes. Os projetos da área econômica poderiam encantá-los. Mas o governo consegue se meter em tanta confusão, com ministros falando barbaridades, a exemplo de Onyx Lorenzoni (Casa Civil) sobre o banho de sangue de Pinochet, no Chile, ou filhos que palpitam sobre tudo, que os partidos não negam que sentem um certo desconforto com a situação.


Clóvis Rossi: Chile, o que sobrou foi só o banho de sangue

Democracia, não a ditadura, deu estabilidade ao Chile

Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil de Jair Bolsonaro, festeja o fato de o ditador Augusto Pinochet ter lavado com sangue as ruas de Santiago (o que é verdade), mas ter promovido o sucesso econômico que perdura até hoje.

Sou obrigado a republicar aqui texto que saiu em dezembro para demonstrar, com estatísticas, que quem fez do Chile o que é foi a democracia, não a ditadura.

Antes, é sempre preciso deixar claro que, do meu ponto de vista, ditaduras são sempre nefastas, façam o que fizerem, tenham algum sucesso econômico ou sejam um miserável fracasso como é o caso da Venezuela.

Não vale, pois, dizer que Pinochet matou, torturou, exilou, fez desaparecer milhares de pessoas, mas arrumou a economia. Bobagem.

Aos números comparativos que importam:

1 - Crescimento econômico - De 1973, ano do golpe que entronizou Pinochet, a 1988, ano do plebiscito que vetou sua continuidade, o Chile teve um crescimento interessante, de 54,7%.

Mas, na democracia, a partir de 1990 e por um período equivalente, o crescimento foi mais do que o dobro (exatos 110%).

Consequência inevitável: a renda per capita chilena em 1990, na volta à democracia, era igual à do Brasil. Quinze anos, passou a ser 60% maior.

Logo, democracia, 1 x Pinochet, 0.

2 - Desemprego - Depois de um pico de 25% da população economicamente ativa, o desemprego na ditadura girou em torno de 18%, o triplo do que ocorria nos anos 1960.

O desemprego só voltou a patamares mais civilizados com a democracia. Terminou 2018 com 7,3%, menos da metade, portanto, dos trágicos índices do período Pinochet.

Logo, democracia, 2 x Pinochet, 0

3 - Pobreza e desigualdade - Nos anos finais da ditadura, a pobreza afetava quase a metade da população chilena. Com a democracia e o investimento público redirecionado para a área social, foi se reduzindo paulatinamente.

Em 2017, afetava 8,6% da população, um dos registros mais baixos da América Latina.

Já a desigualdade continua a ser uma chaga aberta na sociedade chilena, mas, de todo modo, se reduziu com a democracia. Quando medida pelo coeficiente de Gini (quanto mais perto de 1, maior a desigualdade), passou de 0,46 ao se instalar a ditadura, em 1973, para 0,57 quando a democracia chegou, em 1990.

Só em 2015, voltou aos níveis vigentes antes do golpe (estava então em 0,48).

Logo, democracia, 3 x Pinochet, 0.

4 - Política - Se a ditadura tivesse sido de fato o sucesso em que acreditam Lorenzoni e os Bolsonaros, Pinochet não teria perdido o plebiscito de 1988 sobre sua continuidade ou não. Tinha tudo na mão: absoluto controle dos meios de comunicação, partidos proscritos, opositores perseguidos, mortos, presos ou exilados.

Não obstante, 54,71% dos chilenos preferiram vetar o ditador. No ano seguinte, na eleição presidencial determinada pelo resultado do plebiscito, nova derrota do pinochetismo: ganhou o oposicionista Patricio Aylwin.

Mais: nas três eleições presidenciais seguintes, três novas vitórias dos oposicionistas, com Eduardo Frei (democrata cristão), Ricardo Lagos e Michelle Bachelet (socialistas).

Foi preciso esperar até 2010 para que assumisse um presidente conservador, no caso Sebastián Piñera. Com um detalhe relevante: ele votara pelo não à permanência de Pinochet no plebiscito de 1988.

Só neste quesito, portanto, dá democracia, 5 x Pinochet, 0.

5 - Por fim, reforma da Previdência chilena, a que dá água na boca dos economistas liberais de Bolsonaro. De fato, a reforma feita pela ditadura ajudou a sanear as contas públicas, mas em contrapartida, arruinou as contas privadas (dos aposentados).

O jornal paranaense Gazeta do Povo citou em dezembro estudo da Fundación Sol de 2015 que mostra que quase 91% da população recebia valores inferiores a 150 mil pesos mensais (equivalentes hoje a R$ 851) em um país em que o salário mínimo chegava então a 276 mil pesos (R$ 1.565).

É tão falho o modelo admirado pelos Bolsonaros que até um governo conservador como o de Piñera está propondo modificá-lo, por meio de projeto em tramitação no Congresso.

Posto de outra forma: a tentação da equipe de Bolsonaro é copiar um modelo que está sendo alterado por um motivo bem simples, apontado pela consultoria Eurasia, que não parece fazer parte de alguma conspiração do marxismo cultural: “Amplo consenso sobre a necessidade de incrementar as pensões baixas em meio ao descontentamento do público sugere que a reforma será aprovada” (relatório divulgado em 17 de dezembro).

O que o governo está propondo é criar o que chama de “pilar de solidariedade” para aumentar os fundos para os mais pobres e mudar o sistema de contribuições individuais gerenciadas por entidades privadas.

Os empregadores teriam que contribuir com uma nova taxa (de 4% do salário de seus funcionários), além dos 10% já pagos atualmente. O custo da reforma, calcula a Eurasia, ficará em cerca de US$ 3,5 bilhões (R$ 13,5 bilhões).

Tudo somado, o que ficou foi só o banho de sangue.

*Clóvis Rossi é repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.


André Singer: Eleitores populares de Bolsonaro começam a pular do barco

Queda em avaliação é mais acentuada entre quem ganha de 2 a 5 salários mínimos

Aspecto pouco notado na queda de aprovação do governo, registrada pelo Ibope nesta semana, é a sua distribuição pela renda. Foram os eleitores populares que começaram a pular do barco bolsonariano. Possivelmente os mesmos que, no final do primeiro turno de 2018, sobretudo no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, produziram a incrível onda de extrema direita que varreu o país.

A perda de 15 pontos percentuais na avaliação positiva de Bolsonaro foi mais acentuada entre os eleitores que ganham de 2 a 5 salários mínimos (SM) de renda familiar mensal, chegando ali a um recuo de 18 pontos. Hoje apenas 35% desse segmento apoia o mandato em curso, índice que cai para 29% daqueles cujo ingresso familiar restringe-se a um SM.

Já quando a família recebe acima de cinco salários mínimos, 49% dos entrevistados gostam da administração do capitão reformado. Aqui a perda foi de apenas oito pontos em relação à posse (tinha 57% de ótimo e bom em janeiro).

Na mesma linha, o instituto de pesquisa nota o aumento da rejeição entre os moradores “que residem nas cidades das periferias brasileiras”. Nesse segmento o índice dos que consideram ruim ou péssimo o desempenho presidencial subiu nada menos que 21 pontos no período. O Nordeste, por sua vez, abriga apenas 31% que se mostram satisfeitos.

A persistência de melhor humor no Sul, onde 41% ainda apreciam o mandato em curso, ilustra a divisão social que permeia a conjuntura, pois a região concentra os menores indicadores de pobreza.

Se a economia comandar os rumos do eleitorado, como parece provável, uma recuperação no curto prazo é difícil. Vale lembrar que o primeiro governo Lula, por exemplo, em que pese ter demorado para produzir aquecimento do PIB, conseguiu estancar de imediato o ciclo inflacionário que herdara da etapa anterior.

Bolsonaro já pegou o leme com inflação irrelevante. Se não conseguir criar postos de trabalho e oferecer renda, continuará em baixa. Tal contexto daria à oposição a chance de apresentar alternativas ao modelo ultraneoliberal. As eleições de 2020, sobretudo nas capitais, seriam o teste de tal embate.

Olhando o assunto do ângulo político, a prisão de Michel Temer ainda é uma incógnita.

Foi a Lava Jato que o levou ao poder, uma vez que decisiva para o impeachment de Dilma Rousseff. Depois, com a gravação de Joesley, afundou o regime emedebista e ajudou a ascensão de Bolsonaro.

Agora, com a detenção do ex-presidente, atrapalha a reforma previdenciária de Paulo Guedes e aprofunda a divisão das hostes bolsonaristas. Terá fôlego para empurrar Sergio Moro rampa acima?

*André Singer é professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.


Julianna Sofia: Pororoca

Confluência de fatos negativos para Bolsonaro embaralha aprovação de nova Previdência

Houve uma rápida degeneração do ambiente político nos últimos dias para aprovação da reforma da Previdência. Era de alguma instabilidade o cenário para votação da PEC ainda neste semestre diante da inépcia do governo Bolsonaro em constituir uma maioria parlamentar favorável à proposta. Agora, passou a periclitar.

Uma pororoca factual alucinante engolfou as pretensões governistas.

Judiciário e Legislativo entraram em guerra ostensiva, com a bravata de uma CPI da toga e a retomada do projeto contra abuso de autoridade. Os ânimos se acirraram com a abertura de inquérito pelo Supremo Tribunal Federal para investigar ameaças contra ministros da corte.

No mesmo dia em que uma pesquisa Ibope mostrou queda de 15 pontos na avaliação positiva do presidente Bolsonaro, o governo despachou para o Congresso a reforma previdenciária dos militares. A iniciativa foi atacada por parlamentares por conter regras mais brandas que as propostas para civis e ainda embutir uma generosa reestruturação da carreira. Com a inabilidade do Palácio do Planalto, até o PSL afirmou não se comprometer mais com o calendário da reforma-mãe.

Em paralelo, a pressão do ministro Sergio Moro (Justiça) sobre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), para acelerar seus projetos anticorrupção irritou o deputado, que chamou o ministro de “ funcionário de Bolsonaro”. A temperatura elevou-se ainda mais com as prisões do ex-presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco —sogro torto de Maia.

O parlamentar começou a sofrer uma ofensiva raivosa nas redes sociais, e Carlos Bolsonaro é um dos autores. O demista declarou então que abandonará a articulação da Previdência, deixando para Bolsonaro a responsabilidade de reunir os votos. O governo demorou a reagir, e o fez com acenos tímidos ao deputado.

Maia é do tipo afeito a fazer beicinho se contrariado. Mas, até onde a vista alcança, é o articulador mais promissor para o êxito da reforma.

*Julianna Sofia é jornalista, secretária de Redação da Sucursal de Brasília.