Vinicius Torres Freire: Desânimo, a maior obra dos cem dias
Avaliação presidencial, mercado, confiança na economia, paz política: tudo piora
A barulheira virtual abafa várias notícias do mundo dos fatos da economia e da política, que seguem devagar quase parando e malparados, no entanto.
No universo do trabalho, dos negócios, das empresas e das expectativas, o assunto mais relevante dos cem dias do Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro foi a estagnação produtiva e a reversão dos ânimos políticos e econômicos.
As empresas levantaram menos dinheiro no mercado de capitais neste primeiro trimestre do que no início de 2018 (venda de novas ações, empréstimos via debêntures e outros títulos, captações no exterior etc.). Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (11) pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
O custo e o risco de levantar capital estão mais altos, em suma.
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) rebaixou sua previsão de crescimento do PIB industrial para 2019 de 3% para 1,1%, também nesta quinta-feira. Reduziu sua estimativa do crescimento do PIB de 2,7% para 2%. Ainda está até otimista. O pessoal de consultorias e bancos já começa a chutar na direção de 1,5%.
Como já se sabia, de resto, também a confiança de consumidores e empresários regrediu, a perspectiva de melhoria no mercado de trabalho se aproxima de zero e o crescimento do PIB no primeiro trimestre deve ter ficado por aí. Não é sinal de que a atividade econômica esteja embicando inevitavelmente para baixo, mas é um aviso de que o caldo está entornando rápido.
A inépcia do governo degrada um pouco as condições financeiras (juros, Bolsa, câmbio, risco), mas já por tempo bastante para causar incômodo e, daqui a pouco, efeitos reais na economia.
A irritação começou no terço final de março, quando o presidente e sua guarda ideológica fizeram questão de criar caso com lideranças no Congresso que se tinham declarado aliadas do governo, tal como Rodrigo Maia, presidente da Câmara, mas não apenas.
A desaceleração da economia no primeiro trimestre nada tem a ver com Bolsonaro, mas a degradação de expectativas é sim obra do novo presidente e do núcleo puro do bolsonarismo.
Dá para virar o jogo: a cada dia, seu tormento. Mas o governo não falha em dar tiros no pé ou na testa, diariamente.
Não é este o governo do ajuste fiscal? Bolsonaro então diz que vai cumprir a promessa de anistiar dívidas previdenciárias de ruralistas, por baixo R$ 12 bilhões, dinheiro que não tem nem de onde tirar (e, se o fizer, deve burlar a lei fiscal ou a orçamentária).
Para piorar, contraria seu próprio Ministério da Economia.
A Câmara anuncia que vai tocar uma reforma tributária razoável e respeitada, um projeto liderado pelo economista Bernard Appy.
Gente do governo diz então que quer aprovar uma outra, que pode até incluir uma espécie de CPMF, ideia que costuma causar revolta ou escárnio na elite econômica.
O governo anuncia que quer aprovar a autonomia do Banco Central, projeto “pop” entre o eleitorado bolsonarista de elite, mas nem isso dá certo, pois a Câmara já tem um projeto seu e se sentiu outra vez esnobada ou atacada pela falta de modos políticos do governo.
As conversas do presidente com lideranças partidárias até agora não surtiram efeito maior, se algum. O centrão continua entre ressabiado e avesso ao governo, o PSL presidencial ainda é uma bagunça e não há quadros bastantes no Planalto e no Congresso para articular uma coalizão partidária.
Até agora, a maior obra do governo foi o desânimo.
Míriam Leitão: Inúmeras ideias sem números
Governo apresenta várias ideias para a reforma tributária, mas não mostra detalhes e números que comprovem a sua viabilidade
Para acabar com a contribuição previdenciária das empresas, o governo teria que saber onde conseguir em torno de R$ 250 bilhões. A reforma tributária que a equipe econômica está formulando tem boas ideias, algumas não são novas, mas ela contém o que o presidente Jair Bolsonaro negou durante toda a campanha, e até na transição, uma nova CPMF. A novidade estratégica é separar em fases a unificação dos impostos. Primeiro, unir alguns tributos federais. E só depois mexer com os impostos estaduais e municipais. A proposta que o governo defende de tirar a tributação sobre o trabalho é ótima, desde que seja exequível.
O ministro Paulo Guedes, em palestra em Nova York, e o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em entrevista ao “Estado de S. Paulo”, entraram em alguns detalhes da proposta que ainda não foi apresentada ao Congresso. Segundo Cintra, seriam unificados PIS, Cofins, IPI, uma parte do IOF e talvez a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em NY, Guedes disse que são todos a mesma coisa. Falta ainda mostrar os números.
Guedes tem falado, sem entrar em detalhes, em algo que foi repetido por Marcos Cintra: a retirada da tributação sobre a folha de salários. Segundo o ministro, essa contribuição é arma de destruição em massa de emprego. Cintra falou que a folha seria desonerada de forma permanente e para todos os setores. Isso é música para os ouvidos dos empresários. O problema é que será necessário outro imposto que arrecade bastante para financiar a Previdência. No ano passado o governo recolheu R$ 390 bilhões dos empregados e empregadores. Só a parte patronal deve ser pelo menos R$ 250 bilhões. No governo Dilma, houve uma desoneração de alguns setores, que deixaram de pagar contribuição previdenciária sobre a folha e passaram a recolher um percentual sobre o faturamento. Isso deu errado, elevou o rombo das contas públicas e, como se sabe, o governo Temer teve que iniciar o processo de reoneração.
O ministro Paulo Guedes tem razão quando critica a tributação que recai sobre a empresa quando ela cria empregos. Num país com 13 milhões de desempregados, mais cinco milhões em desalento, e com 37 milhões de trabalhadores informais, é óbvio que essa forma de financiar a Previdência está errada. Além disso, o mundo do emprego está mudando rapidamente, com relações de trabalho completamente diferentes das que se via no passado, quando foi montada essa forma de custear as aposentadorias e pensões. Mas o nosso grande problema é o rombo da Previdência e por isso é preciso saber o que pôr no lugar. O governo está dizendo que pretende substituir por um tributo que incida sobre todos os meios de pagamento, ou seja, uma grande CPMF. Exatamente o que Jair Bolsonaro tanto negou quando candidato e depois de eleito.
Quando anuncia reformas ainda não formuladas, o Ministério da Economia pode acabar tirando o foco do que tem que aprovar agora, que é a reforma da Previdência. Mas a estratégia que eles querem seguir é essa mesma. Informar que no futuro breve haverá pautas mais interessantes e palatáveis do que a Previdência, como uma forma de estimular a aprovação mais rápida. É por isso que Guedes sempre pergunta, quando fala aos políticos ou sobre eles, quanto tempo eles querem ficar discutindo uma pauta difícil como a da Previdência.
Uma ideia interessante é deixar para depois aquilo que travou todas as propostas de unificação de impostos, apresentadas até agora, para a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Nos projetos derrotados, eram incluídos no mesmo bolo o ICMS e o ISS. Desta vez, o governo diz que um novo imposto será criado sobre bens e serviços, como resultado da unificação desses tributos. Mas os estados e municípios é que terão que decidir quando e de que maneira fazer. A unificação de alguns tributos federais está ao alcance do governo propor, mas a junção de fontes de receitas de outros entes da federação só pode ser feita com a concordância de todos eles.
O governo está querendo fazer tudo isso e ainda reduzir a carga tributária em quase quatro pontos percentuais do PIB e aumentar as transferências para estados e municípios. Antes, é preciso apresentar muitas contas para ver se as propostas ficam de pé
Zeina Latif: A verdadeira nova política
Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista
Uma boa forma de avaliar o início do governo Bolsonaro na área econômica é verificar o grau de continuidade da agenda do governo anterior. Em outubro, defendi que, apesar da renovação política, seria essencial dar prosseguimento à agenda econômica iniciada por Michel Temer.
Por este aspecto, há, naturalmente, boas e más notícias. Do lado positivo, há a proposta de reforma da Previdência e os leilões de infraestrutura - aeroportos, terminais portuários e ferrovia Norte-Sul. Em ambos os casos, em diferentes graus, há continuidade. Com competência, o ministro de Infraestrutura Tarcisio de Freitas, ex-secretário do PPI (Programa de Parcerias de Investimento) de Temer seguiu o trabalho iniciado no governo anterior. Já a proposta de reforma da Previdência, apesar de ser um novo projeto, reflete o aprendizado com a experiência do time antecessor.
A nota negativa é a pouca efetividade da Casa Civil, que é a responsável pela coordenação do governo e definição de prioridades. A percepção é de que muitos esforços iniciados no governo anterior foram descontinuados. Mudanças nos marcos regulatórios de setores de infraestrutura e no funcionamento de agências reguladoras, por exemplo, não parecem estar tendo o devido cuidado. Nada que não possa ser corrigido. Afinal, passaram-se apenas 100 dias.
É na política onde se acumulam os maiores equívocos, que são mais difíceis de corrigir. Bolsonaro errou ao fragilizar a relação com seu mais importante aliado no Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Antes disso, deu tratamento inadequado ao seu colaborador desde a campanha, o ex-ministro Gustavo Bebiano. São sinais ruins na política, onde confiança é essencial. Um governo que sofre com a carência de lideranças políticas hábeis não poderia perder colaboradores.
Bolsonaro procura corrigir erros, o que é positivo, mas não será possível reverter a situação rapidamente. A confiança não é facilmente construída e, uma vez abalada, custa a ser reconquistada. É necessário perseverança.
O risco de isolamento político do presidente é real, especialmente com sua popularidade em rápida queda. Diante da urgente agenda de reformas constitucionais, este quadro preocupa. Como agravante, Bolsonaro não defende com a necessária ênfase sua agenda de reformas. O Congresso irá fazê-lo?
A classe política reage aos tropeços de Bolsonaro. Assistimos a um protagonismo crescente do Legislativo, e isso tem consequências.
Começando pelas negativas, tivemos a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) tornando impositivas as emendas parlamentares de bancada. Quase a totalidade dos gastos se tornará obrigatória.
Além disso, o Senado aprovou uma PEC que determina o repasse direto de recursos de emendas individuais aos caixas dos entes subnacionais, sem a necessidade de convênios com a União. A tinta da caneta está acabando. Isso sem contar as (justas) discussões sobre limitar a utilização de medidas provisórias pelo Executivo.
Assim, apesar do grande poder do governo de intervir na esfera econômica, o presidente da República pouco pode do ponto de vista orçamentário, por conta do elevado volume de despesas obrigatórias.
Que fique por aí. Pauta-bomba no Congresso seria irresponsabilidade. Felizmente, Maia sabe disso.
Do lado positivo, a Câmara finalizou a votação do cadastro positivo, apesar da ausência de empenho do governo, e agora discute a reforma tributária que prevê a criação de um imposto sobre o valor agregado em substituição a vários impostos indiretos. Se prosperar, esta medida será um primeiro grande passo para elevar o potencial de crescimento do Brasil, posto que a complexidade do sistema tributário é o fator que mais deprime a posição do País nos rankings globais de competitividade.
Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista, com maior papel do Congresso. Esta sim é a nova política. Sobram dúvidas, porém, sobre sua capacidade de conduzir reformas. Que ao menos não falte responsabilidade do Congresso com o País.
Eliane Brum: Cem dias sob o domínio dos perversos
A vida no Brasil de Bolsonaro: um Governo que faz oposição a si mesmo como estratégia para se manter no poder, sequestra o debate nacional, transforma um país inteiro em refém e estimula a matança dos mais frágeis
Os 100 dias do Governo Bolsonaro fizeram do Brasil o principal laboratório de uma experiência cujas consequências podem ser mais destruidoras do que mesmo os mais críticos previam. Não há precedentes históricos para a operação de poder de Jair Bolsonaro (PSL). Ao inventar a antipresidência, Bolsonaro forjou também um governo que simula a sua própria oposição. Ao fazer a sua própria oposição, neutraliza a oposição de fato. Ao lançar declarações polêmicas para o público, o governo também domina a pauta do debate nacional, bloqueando qualquer possibilidade de debate real. O bolsonarismo ocupa todos os papéis, inclusive o de simular oposição e crítica, destruindo a política e interditando a democracia. Ao ditar o ritmo e o conteúdo dos dias, converteu um país inteiro em refém.
Este artigo é dividido em três partes: perversão, barbárie e resistência.
1) A Perversão
Tanto a oposição quanto a imprensa quanto a sociedade civil organizada e até mesmo grande parte da população estão vivendo no ritmo dos espasmos calculados que o bolsonarismo injeta nos dias. É por essa razão que me refiro à “perversão” no título deste artigo. Estamos sob o jugo de perversos, que corrompem o poder que receberam pelo voto para impedir o exercício da democracia.
Como tem a máquina do Estado nas mãos, podem controlar a pauta. Não só a do país, mas também o tema das conversas cotidianas dos brasileiros, no horário do almoço ou junto à máquina do café ou mesmo na mesa do bar. O que Bolsonaro aprontará hoje? O que os bolsojuniores dirão nas redes sociais? Qual será o novo delírio do bolsochanceler? Quem o bolsoguru vai detonar dessa vez? Qual será a bolsopolêmica do dia? Essa tem sido a agenda do país.
Mas essa é apenas parte da operação. Para ela, Bolsonaro teve como mentor seu ídolo Donald Trump. O bolsonarismo, porém, vai muito mais longe. Ele simula também a oposição. Assim, a sociedade compra a falsa premissa de que há uma disputa. A disputa, porém, não é real. Toda a disputa está sendo neutralizada. Quando chamo Bolsonaro de “antipresidente”, não estou fazendo uma graça. Ser antipresidente é conceito.
O bolsonarismo simula a sua própria oposição, neutralizando a oposição real e silenciando o debate
Quem é o principal opositor da reforma da Previdência do ultraliberal Paulo Guedes, ministro da Economia? Não é o PT ou o PSOL ou a CUT ou associações de aposentados. O principal crítico da reforma do “superministro” é aquele que nomeou o superministro exatamente para fazer a reforma da Previdência. O principal crítico é Bolsonaro, o antipresidente.
Como quando diz que, “no fundo, eu não gostaria de fazer a reforma da Previdência”. Ou quando diz que a proposta de capitalização da Previdência “não é essencial” nesse momento. Ou quando afirmou que poderia diminuir a idade mínima para mulheres se aposentarem. É Bolsonaro o maior boicotador da reforma do seu próprio Governo.
Enquanto ele é ao mesmo tempo situação e oposição, não sabemos qual é a reforma que a oposição real propõe para o lugar desta que foi levada ao Congresso. Não há crítica real nem projeto alternativo com ressonância no debate público. E, se não há, é preciso perceber que, então, não há oposição de fato. Quem ouve falar da oposição? Alguém conhece as ideias da oposição, caso elas existam? Quais são os debates do país que não sejam os colocados pelo próprio Bolsonaro e sua corte em doses diárias calculadas?
É pelo mesmo mecanismo que o bolsonarismo controla as oposições internas do Governo. Os exemplos são constantes e numerosos. Mas o uso mais impressionante foi a recente ofensiva contra a memória da ditadura militar. Bolsonaro mandou seu porta-voz, justamente um general, dizer que ele havia ordenado que o golpe de 1964, que completou 55 anos em 31 de março, recebesse as “comemorações devidas” pelas Forças Armadas. Era ordem de Bolsonaro, mas quem estava dizendo era um general da ativa, o que potencializa a imagem que interessa a Bolsonaro infiltrar na cabeça dos brasileiros.
Ao mandar comemorar o golpe de 1964, Bolsonaro deu um golpe na ala militar do seu próprio governo
Aparentemente, Bolsonaro estava, mais uma vez, enaltecendo os militares e dando seguimento ao seu compromisso de fraudar a história, apagando os crimes do regime de exceção. Na prática, porém, Bolsonaro deu também um golpe na ala militar do seu próprio Governo. Como é notório e escrevi aqui já em janeiro, os militares estão assumindo – e se esforçando para assumir – a posição de adultos da sala ou controladores do caos criado por Bolsonaro e sua corte barulhenta. Estão assumindo a imagem de equilíbrio num Governo de desequilibrados.
Esse papel é bem calculado. A desenvoltura do vice general Hamilton Mourão, porém, tem incomodado a bolsomonarquia. O que pode então ser mais efetivo do que, num momento em que mesmo pessoas da esquerda têm se deixado seduzir pelo “equilíbrio” e “carisma” de Mourão, lembrar ao país que a ditadura dos generais sequestrou, torturou e assassinou civis?
Bolsonaro promoveu a memória dos crimes da ditadura pelo avesso, negando-os e elogiando-os. Poucas vezes a violência do regime autoritário foi tão lembrada e descrita quanto neste 31 de março. Foi Bolsonaro quem menos deixou esquecer os mais de 400 opositores mortos e 8 mil indígenas assassinados, assim como as dezenas de milhares de civis torturados. Para manter os generais no cabresto, Bolsonaro os jogou na fogueira da opinião pública fingindo que os defendia.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro lembrou aos generais que são ele e sua corte aparentemente tresloucada quem faz o serviço sujo de enaltecer torturadores e impedir que pleitos como o da revisão da lei de anistia, que até hoje impediu os agentes do Estado de serem julgados pelos crimes cometidos durante a ditadura, vão adiante. Como berrou o guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho, em um de seus ataques recentes contra o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo da presidência: “Sem mim, Santos Cruz, você estaria levando cusparadas na porta do Clube Militar e baixando a cabeça como tantos de seus colegas de farda”.
A ditadura deixou marcas tão fundas na sociedade brasileira que mesmo perseguidos pelo regime se referem a generais com um respeito temeroso. Nenhum “esquerdista” ousou dizer publicamente o que Olavo de Carvalho disse, ao chamar os generais de “bando de cagões”. Mais uma vez, o ataque, a réplica e a tréplica se passaram dentro do próprio Governo, enquanto a sociedade se mobilizava para impedir “as comemorações devidas”.
A exaltação do golpe militar de 1964 serviu também como balão de ensaio para testar a capacidade das instituições de fazer a lei valer. Mais uma vez, Bolsonaro pôde constatar o quanto as instituições brasileiras são fracas. E alguns de seus personagens, particularmente no judiciário, tremendamente covardes. Não fosse a Defensoria Pública da União, que entrou com uma ação na justiça para impedir as comemorações de crimes contra a humanidade, nada além de “recomendações” para que o Governo não celebrasse o sequestro, a tortura e o assassinato de brasileiros. Patético.
Bolsonaro finge que não nomeou o ministro que demitiu
Outro exemplo é a demissão do ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez para colocar em seu lugar outro que pode ser ainda pior. Bolsonaro fritou o ministro que ele mesmo nomeou e o demitiu pelo Twitter. Ao fazê-lo, agiu como se outra pessoa o tivesse nomeado – e não ele mesmo. Chamou-o de “pessoa simpática, amável e competente”, mas sem capacidade de “gestão” e sem “expertise”. Mas quem foi o gestor que nomeou alguém sem capacidade de gestão e expertise para um ministério estratégico para o país? E como classificar um gestor que faz isso? Mais uma vez, Bolsonaro age como se estivesse fora e dentro ao mesmo tempo, fosse governo e opositor do governo simultaneamente.
Mesmo as minorias que promoveram alguns dos melhores exemplos de ativismo dos últimos anos passaram a assistir à disputa do Governo contra o Governo como espectadores passivos. Quem lutou pela ampliação dos instrumentos da democracia parece estar se iludindo que berrar nas redes sociais, também dominadas pelo bolsonarismo, é algum tipo de ação. A participação democrática nunca esteve tão nula.
A estratégia bem sucedida, neste caso, é a falsa disputa da “nova política” contra a “velha política”. O bate-boca entre Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), é só rebaixamento da política, de qualquer política. Se a oposição ao Governo é Maia, parlamentar de um partido fisiológico de direita, qual é a oposição? Bolsonaro e Maia estão no mesmo campo ideológico. Não há nenhuma disputa de fundo estrutural entre os dois, seja sobre a Previdência ou sobre qualquer outro assunto de interesse do país.
O mecanismo se reproduz também na imprensa. Aparentemente, parte da mídia é crítica ao Governo Bolsonaro. E, sob certo aspecto, é comprovadamente crítica. Mas a qual Governo Bolsonaro? Se Bolsonaro é mostrado como o irresponsável que é, o contraponto de responsabilidade, especialmente na economia, seriam outros núcleos de seu próprio Governo, conforme apresentado por parte da imprensa. Quando o insensato Bolsonaro atrapalha Guedes, o projeto neoliberal ganha um verniz de sensatez que jamais teria de outro modo.
Diante do populismo de extrema direita de Bolsonaro e seus companheiros de outros países, o neoliberalismo é apresentado como a melhor saída para a crise que ele mesmo criou. Mas Bolsonaro e seus semelhantes são os produtos mais recentes do neoliberalismo – e não algo fora dele. Onde então está o contraditório de fato? Qual é o espaço para um outro projeto de Brasil? Cadê as alternativas reais? Quais são as ideias? Onde elas estão sendo discutidas com ressonância, já que sem ressonância não adianta?
Bolsonaro governa contra o governo para manter a popularidade entre suas milícias
A imprensa ao mesmo tempo reflete e alimenta a paralisia da sociedade. Os cem dias mostraram que o Governo Bolsonaro é ainda pior do que o fenômeno Bolsonaro. Bolsonaro não se tornará presidente, “não vestirá a liturgia do cargo”, como esperam alguns. Não porque é incapaz, mas porque não quer. Bolsonaro sabe que só se mantém no poder como antipresidente, como enfatizei em artigo anterior. Bolsonaro só pode manter o poder mantendo a guerra ativa.
Recente pesquisa do Datafolha mostrou que ele é o presidente pior avaliado num início de governo desde a redemocratização do país. Mas Bolsonaro aposta que é suficiente manter a popularidade entre suas milícias e age para elas. Bolsonaro está dentro, mas ao mesmo tempo está fora, governando com sua corte e seus súditos. Governando contra o Governo. Essa é a única estratégia disponível para Bolsonaro continuar sendo Bolsonaro.
A oposição, assim como a maioria da população, foi condenada à reação, o que bloqueia qualquer possibilidade de ação. Se alguém sempre jogar a bola na sua direção, você sempre terá que rebater a bola. E quando pegar esta e liberar as mãos, outra bola é jogada. Assim, você vai estar sempre de mãos ocupadas, tentando não ser atingido. Todo o seu tempo e energia são gastos em rebater as bolas que jogam em você. Deste modo, você não consegue tomar nenhuma decisão ou fazer qualquer outro movimento. Também não consegue planejar sua vida ou construir um projeto. É uma comparação tosca, mas fácil de entender. É assim que o governo Bolsonaro tem usado o poder para controlar o conteúdo dos dias e impedir a disputa política legítima das ideias e projetos.
2) A Barbárie
Mesmo a parcela mais organizada das minorias que tanto Bolsonaro atacou na eleição parece estar em transe, sem saber como agir diante dessa operação perversa do poder. Ao reagir, tem adotado o mesmo discurso daqueles que as oprimem, o que amplia a vitória do bolsonarismo.
Um exemplo. O vídeo divulgado por Bolsonaro no Carnaval, mostrando uma cena de “golden shower”, foi definido como “pornográfico” por muitos dos que se opõem a Bolsonaro. Mas este é o conceito de pornografia da turma do antipresidente. Adotá-lo é comungar de uma visão preconceituosa e moralista da sexualidade. É questionável que dois homens façam sexo no espaço público e este é um ponto importante. Não deveriam e não poderiam. Mas não é questionável o ato de duas pessoas adultas fazerem sexo consentido da forma que bem entenderem, inclusive um urinando no outro. O ato pornográfico é o de Bolsonaro, oficialmente presidente da República, divulgar o vídeo nas redes sociais. É dele a obscenidade. A pornografia não está na cena, mas no ato de divulgar a cena pelas redes sociais. Diferenciar uma coisa da outra é fundamental.
O discurso de ódio e de repressão à sexualidade está se infiltrando no país e sendo reproduzido mesmo pela esquerda
Outro exemplo. Quando a oposição tenta desqualificar o deputado federal Alexandre Frota (PSL) porque ele é ator pornô está apenas se igualando ao adversário. Qual é o problema de ser ator pornô? Só os moralistas do pseudoevangelismo desqualificam pessoas por terem trabalhos ligados ao sexo. Alexandre Frota deve ser criticado pelas suas péssimas ideias e projetos para o país, não porque fazia sexo em filmes para ganhar a vida. Criticá-lo por isso é jogar no campo do bolsonarismo e é também ser intelectualmente desonesto. Cada vez mais parte da esquerda tem se deixado contaminar, como se fosse possível deslegitimar o adversário usando o mesmo discurso de ódio.
Na mesma linha, o problema do ministro da Justiça, Sergio Moro, não é o fato de ele falar “conge” em vez de “cônjuge”, como fez por duas vezes durante audiência pública no Senado. Ridicularizar os erros das pessoas na forma de falar é prática das piores elites, aquelas que se mantêm como elite também porque detêm o monopólio da linguagem. Poderia se esperar que Moro falasse a chamada “norma culta da língua portuguesa” de forma correta, já que teve educação formal tradicional. Mas a disputa política deve se dar no campo das ideias e projetos.
O problema de Moro é ter, como juiz, interferido no resultado da eleição. E, em seguida, ser ministro daquele que suas ações como funcionário público ajudaram a eleger. O problema de Moro é criar um pacote anticrime que, na prática, pode autorizar os policiais a cometerem crimes. Pela proposta do ministro da Justiça, os policiais podem invocar “legítima defesa” ao matar um suspeito, alegando “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Neste caso, a pena pode ser reduzida pela metade ou mesmo anulada. O problema de Moro que interessa ao país não é, definitivamente, usar “conge” em vez de “cônjuge”.
Moradores de rua estão sendo incendiados vivos no Brasil: entre janeiro e o início de abril já foram pelo menos oito
Compreender como o discurso de ódiovai se imiscuindo na mente de quem acredita estar se contrapondo ao ódio é eticamente obrigatório. Se o governo de Bolsonaro é também oposição e crítica ao próprio Governo, isso não significa que ele não tenha um projeto e que este projeto não esteja se impondo rapidamente ao país. Tem e está. Somos hoje um país muito pior do que fomos. E somos hoje um povo muito pior do que fomos. Parte do objetivo dos violentos e dos odiadores é normalizar a violência e o ódio pela repetição. O bolsonarismo tem conseguido realizar esse projeto com uma velocidade espantosa.
Apenas em 2019 ( e escrevo na primeira quinzena de abril), pelo menos oito – OITO – moradores de rua foram queimados vivos no Brasil. Este é apenas um levantamento feito com base no noticiário, pode ser mais. Em 1 de janeiro, um morador de rua de 27 anos foi incendiado quando dormia em Ponta Grossa, no Paraná. Alguém passou, jogou álcool e colocou fogo no seu corpo. Teve mais de 40% do corpo queimado. Em 21 de janeiro, um morador de rua foi encontrado incendiado e morto numa praça de Curitiba, capital paranaense. Quatro dias depois, em 25 de janeiro, José Alves de Mello, 56 anos, também morador de rua, foi agredido e queimado num imóvel abandonado da Grande Curitiba. Em 27 de fevereiro, uma moradora de rua foi queimada quando dormia embaixo de um viaduto, no Recife, capital do estado de Pernambuco. Ela sobreviveu. Em 17 de março, José Augusto Cordeiro da Silva, 27 anos, acordou já em chamas embaixo de uma marquise na cidade de Arapiraca, no estado de Alagoas. Morreu no hospital. Em 1 de abril, um homem aparentando 30 e poucos anos morreu carbonizado próximo à escada rolante de uma estação de trem em Santo André, no ABC Paulista. O caso foi registrado como “morte suspeita”. Em 3 de abril, Roberto Pedro da Silva, 46 anos, foi incendiado quando dormia numa obra abandonada em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Um homem teria jogado combustível e ateado fogo em seu corpo. Em 7 de abril, um morador de rua aparentando 30 anos foi agredido a pedradas e incendiado no interior de um ginásio de esportes em Águas Lindas de Goiás, no entorno do Distrito Federal.
Se fôssemos gente decente de um país decente, pararíamos exigindo o fim da barbárie.
Em 4 de abril, policiais militares mataram 11 dos 25 suspeitos de assaltar bancos no município de Guararema, na Grande São Paulo. O governador do estado, João Doria (PSDB), afirmou que vai condecorá-los. Até bem pouco tempo atrás, um governador não ousaria dar medalhas a policiais que assassinaram suspeitos. Em nenhum país democrático do mundo matar suspeitos é considerado um bom desempenho policial. Pelo contrário.
Se fôssemos um país decente de gente decente, pararíamos diante da barbárie representada pelo massacre dos mais frágeis
No Brasil, que oficialmente não tem pena de morte, o governador do maior estado do país elogia e premia a execução de suspeitos por agentes da lei. Em março, a polícia paulista matou 64 pessoas. Bem mais do que em 2018, no mesmo mês, quando houve 43 homicídios por parte de policiais, o que já era uma enormidade. Autorizada pelas autoridades, a polícia brasileira, conhecida por ser uma das que mais mata no mundo, mostra que neste ano já começou a matar mais.
Se fôssemos um país decente de gente decente, pararíamos diante da barbárie cometida por agentes da lei com autorização e estímulo de autoridades que não foram eleitas para promover a quebra do Estado de Direito.
No último domingo, 7 de abril, militares dispararam 80 tiros – OITENTA – contra o carro de Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, um músico negro que levava a sua família a um chá de bebê em Guadalupe, na zona norte do Rio de Janeiro. Ele morreu fuzilado. Seu filho de 7 anos viu o pai sangrar e soldados do Exército de seu país rirem do desespero da mãe. Graças a uma lei sancionada por Michel Temer, em 2017, os militares que atacaram uma família civil serão julgados não pela justiça comum, mas pela militar, que comprovadamente é corporativa e conivente com os crimes.
Se fôssemos um país decente de gente decente pararíamos diante da barbárie e exigiríamos justiça.
3) A Resistência
O Brasil se espanta muito menos do que há bem pouco tempo atrás com o cotidiano de exceção. É justamente assim que o totalitarismo se instala. Pelas frestas do que se chama normalidade. Pelas mentes no senso comum e nas horas do dia. Depois, é só oficializar. O Brasil já vive sob o horror da exceção. A falsificação da realidade, a corrupção das palavras e a perversão dos conceitos são parte da violência que se instalou no Brasil. São parte do método. Essa violência subjetiva tem resultados bem objetivos – e multiplica, como os números já começam a apontar, a violência contra os corpos. Não quaisquer corpos, mas os corpos dos mais frágeis.
É urgente se unir para resgatar o que resta de democracia no Brasil antes que o autoritarismo se instale por completo
O desafio – urgente, porque já não há mais tempo – é resgatar o que resta de democracia no Brasil. É pela pressão popular que as instituições podem se fortalecer ao serem lembradas que não servem aos donos do poder nem aos interesses de seus membros, mas à sociedade e à Constituição. É pela pressão por outros diálogos e outras ideias e outras realidades que ainda respiram no país que a imprensa pode abrir espaço para o pluralismo real. É pela pressão por justiça e pelo levante contra a barbárie que podemos salvar nossa própria alma adoecida pelos dias.
O resgate da democracia pelo que ainda resta dela, aqui e ali, não será tarefa de outros. Como já escrevi antes, só há nós mesmos. Nós, os que resistimos a entregar o Brasil para os perversos que hoje o governam – e o governam também pelo controle dos espasmos diários que impõem aos brasileiros.
Eu gostaria de dizer: “Acordem!”. Mas não é que os brasileiros estejam dormindo. Parece mais uma paralisia, a paralisia do refém, daquele que vive o horror de estar entregue ao controle do perverso. Não é mais desespero, é pavor. Precisamos encontrar caminhos para romper o controle, sair do jugo dos perversos, tirar a pauta dos dias de suas mãos.
Como?
Essa resposta ninguém vai construir sozinho. A minha é que precisamos criar o “comum”. O que aqui chamo de comum é o que nos mantêm amalgamados, o que permite que, ao conversarmos, partimos do consenso de que a cadeira é cadeira e a laranja é laranja e que nenhum de nós dois sente na laranja e coma a cadeira (leia aqui). Os perversos corromperam a palavra – e têm repetido que a cadeira é laranja. Só por isso podem dizer que o Brasil está ameaçado pelo “comunismo” ou que o nazismo é de “esquerda” ou que o aquecimento global é um “complô marxista”. Essas três afirmações, apenas como exemplo, não têm lastro na realidade. É o mesmo que dizer que laranja é cadeira. Apenas que menos gente tem clareza do que foi o nazismo e do que é o comunismo e do que é o aquecimento global, tornando mais fácil embrulhar as coisas.
Precisamos voltar a encarnar as palavras ou enlouqueceremos todos
Eles repetem e repetem, assim como tantas outras corrupções da realidade, porque corromperam o voto que receberam ao usar a estrutura do Estado para produzir mentiras. É assim que os perversos enlouquecem uma população inteira – e a submetem: dizendo que laranja é cadeira dia após dia. As palavras deixam de significar, a linguagem é rompida e corrompida e a conversa se torna impossível. Como você vai falar com alguém sobre laranjas se o outro acha que laranja é cadeira? É isso que hoje acontece no Brasil, e este ataque é desferido diariamente pelas redes sociais dominadas pelo bolsonarismo.
Precisamos voltar a encarnar as palavras. Ou enlouqueceremos todos. A criação do comum começa pela linguagem (Escrevi sobre isso aqui e aqui). Precisamos também criar comunidade. Não comunidade de internautas que ficam gritando cada um atrás da sua tela. Mas comunidade real, que exige presença, exige corpo, exige debate, exige negociação, exige compartilhamento real. Não há nada que os regimes de exceção temam mais do que pessoas que se juntam para fazer coisas juntas. É por isso que Bolsonaro tanto critica o ativismo e os ativistas – e já deu vários passos na direção da criminalização do ativismo e dos ativistas.
O ativista é aquele que deixa o conforto do seu umbigo e do seu entorno protegido para exercer a solidariedade. Governos como o de Bolsonaro agem para que cada um veja o outro como inimigo, e por isso temem o ativismo. Os bolsonaristas se alimentam da guerra porque a guerra separa as pessoas e faz com que elas não tenham tempo para criar futuro. A solidariedade é um gesto temido pelos autoritários. Por que você não está em casa lustrando o seu umbigo, é o que gostariam de perguntar? Ao corromper as palavras, é também esse o objetivo. Condenar cada um à prisão do seu silêncio (ou do seu eco), incapaz de alcançar o outro pela falta de uma linguagem comum.
O governo quer que você fique em casa lustrando o seu umbigo. Levante-se!
Assim, tentam eliminar a solidariedade à bala. Ou exilá-la. Mandá-la para fora do país que privatizaram para si. Bolsonaro disse isso com todas as letras. É o que tem feito com os movimentos sociais e suas lideranças. É também por isso que é necessário uma polícia com autorização para matar, como quer Bolsonaro, e como obedece Sergio Moro.
A polícia, cada vez mais, se torna também ela uma milícia privada dos donos do poder. Deixa de exercer seu dever constitucional de proteger a população para exercer a guerra contra a população. Durante a intervenção federal no Rio, policiais civis e militares mataram 1.543 pessoas. Em 2018, um em cada quatro homicídios no Rio de Janeiro foi cometido por um policial – e isso segundo os registros das próprias polícias. Ninguém tem qualquer dúvida que a maioria dos mortos é negra – e é pobre.
Quando vai para as ruas nos protestos, o que a polícia reprime não é o que chama de “baderneiros” ou “vândalos”, mas a solidariedade. Ao bater nos corpos, sufocá-los com bombas de gás lacrimogêneo, o que querem é controlar os corpos, castigá-los porque em vez de ficarem trancados em casa coçando a barriga foram às ruas lutar pelo coletivo. Como assim você luta pelo outro e não apenas por si mesmo? Como você ousa ser solidário se a regra do neoliberalismo é cuidar apenas de si e dos seus?
Resistir ao medo e se juntar para criar futuro é o ato primeiro de resistência. Se nos encarcerarmos em casa, como o governo quer, armados também, como o governo quer, atirando uns nos outros, como o governo quer, a guerra continuará sendo ampliada, porque só assim os perversos nos mantêm sob controle e se mantêm no poder. Se contarmos apenas como um não podemos nada. Temos que ser um+ um+ um. E então poderemos muito.
A arte é também um instrumento poderoso. Não foi por outro motivo que ela foi tachada de “pornográfica” e “pedófila” pelas milícias da internet nos últimos anos. Não é por outro motivo que o bolsonarismo investe contra a lei Rouanet e desmonta os mecanismos culturais. A arte não é firula. Ela tira as pessoas do lugar. Ela faz pensar. Ela questiona o poder. E ela junta os diferentes.
Precisamos fazer arte. Mais uma vez, vou indicar aqui o livro da Pussy Riot Nadya Tolokonikova (Pussy Riot, um guia punk para o ativismo político, Ubu Editora, 2019). A arte é um ato ao alcance de todos nós. O maior golpe contra o Governo do déspota Vladimir Putin veio de um bando de garotas que não sabe nem cantar nem tocar direito, mas fazem arte tocando e cantando o ridículo dos perversos.
Rir. Precisamos rir. Rir junto com o outro, não rir do desespero do outro. É o perverso que gosta de rir sozinho, é o perverso que goza da dor do outro, como faz Bolsonaro, como riram os soldados que deram 80 tiros no carro da família que ia para um chá de bebê. O deles não é riso, é esgar. Já o riso junto com o outro tem uma enorme potência.
Vamos rir juntos dos perversos que nos governam e começar a imaginar um futuro onde queremos viver
Vamos rir juntos dos perversos que nos governam. Vamos responder ao seu ódio com riso. Vamos responder à tentativa de controle dos nossos corpos exercendo a autonomia com os nossos corpos. Vamos libertar as palavras fazendo poesia. Como escrevi tantas vezes aqui: vamos rir por desaforo. E amar livremente.
Rir despudoradamente diante de suas metralhadoras de perdigotos. O ódio não é para nós, o ódio é para os fracos. Vamos afrontá-los denunciando o ridículo do que são. Vamos praticar a desobediência às regras que não criamos. Temos que desobedecer a esse desgoverno. É assim que se quebra o jugo dos perversos. Levando-os suficientemente a sério para não levá-los a sério.
E temos que começar a imaginar o futuro. É assim que o futuro começa, sendo imaginado. Ninguém consegue viver num presente sem futuro. Mas é impossível controlar quem é capaz de imaginar depois que já começou a imaginar. A imaginação é a melhor companheira do riso.
Sim, ninguém solta a mão de ninguém. Mas não vamos ficar segurando as mãos uns dos outros paralisados e em pânico. Vamos rir e criar futuro. Juntos. Lembrem-se que “a alegria é a prova dos nove”. Nos cem dias que já dura o domínio oficial dos perversos, foi o Carnaval quem mais desafiou o exercício autoritário do poder. Pela alegria, pela sátira, pelo riso, pelos corpos nas ruas.
Não há lei que nos obrigue a obedecer a um Governo de perversos. Desobedeçam aos senhores do ódio. Os próximos cem dias – e todos os outros que virão – precisam voltar a nos pertencer.
*Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum
Scientific book as an element associated with popularity of a scientist that is modern
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"Product of this scientist could be the article, plus the item of technologist is the method"
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Merval Pereira: Para além do emprego
Para José Roberto Afonso, a reforma da Previdência é insuficiente para futuro em que trabalho não passará por emprego e salário
No momento em que se discutem reformas estruturais na economia, um artigo do economista José Roberto Afonso, um dos maiores especialistas em finanças públicas do país, publicado na Revista do BNDES que circula a partir de hoje trata de uma questão colateral à reforma da Previdência que se tornará crucial para nosso desenvolvimento.
Afonso considera a reforma da Previdência necessária, mas insuficiente para lidar com um futuro em que cada vez mais o trabalho não passará por emprego e salário. Ele ressalta que financiar e manter a seguridade social que tinha essas premissas – emprego e salário - é um debate crescente no mundo, que o Brasil ignora e do qual não participa.
Até Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial já alertaram que será preciso um novo pacto social, lembra José Roberto Afonso. No artigo, ele volta ao economista John Maynard Keynes, que foi a base de seu doutorado na Unicamp, mas analisando aspecto que poucos conhecem: ele ajudou a estruturar o chamado estado do Bem-Estar Social, na década de 30 e 40 na Inglaterra, depois copiado pelo resto do mundo, inclusive o Brasil.
José Roberto Afonso lembra que a rede de proteção social adotada em meados do século passado girava em torno do emprego, formalizado no Brasil pela contratação com carteira de trabalho assinada. Empregadores e empregados contribuem sobre o valor de seus salários, que também passa a balizar os benefícios pagos no futuro (aposentadoria), ou antes, em caso de alguma intempérie (uma delas é o seguro-desemprego).
Afonso adverte que “esse paradigma está sendo quebrado pela revolução em curso, na indústria, na economia e na sociedade, que compreende, entre outros fatores, uma intensa automação do processo de trabalho, substituindo trabalhadores por robôs, a economia compartilhada e a do “bico”, com trabalhadores exercendo suas funções sem vínculo contratual, físico e temporal.
Cada vez mais, escreve ele, trabalho não representará, necessariamente, emprego. Os países precisarão construir um novo pacto ou contrato, social e também econômico, para lidar com essa realidade. Keynes já alertava que exagerar na tributação de salários desestimularia os empregadores a contratar trabalhadores formalmente. “Qualquer semelhança com a situação no Brasil não é mera coincidência”, ressalta José Roberto Afonso.
Para ele, “é preciso outro arranjo. A única certeza que se têm é que como se está, não mais ficará”. O economista afirma que, na contramão do que os últimos governos têm feito, é fundamental fortalecer arranjos como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que tem sido desidratado, “não apenas porque o desemprego vai explodir, mas porque é urgente retreinar e requalificar mão-de-obra”.
José Roberto Afonso diz que até mesmo o lado SENAI/SENAC deveria ser prestigiado. Para ele, “não é a educação que resolverá o desafio, mas habilidades”. A Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países mais desenvolvidos do mundo, que o Brasil almeja integrar, tem batido muito nessa tecla, lembra Affonso.
Melhorar o sistema de ensino, para conseguir colocação aos futuros trabalhadores, é fundamental, analisa José Roberto Afonso. Mas, para ele, “será premente também mudar as qualificações de quem já está dentro do mercado de trabalho”. A rede de proteção social aos trabalhadores gira em torno do emprego, e os salários são o referencial, seja para cobrança de contribuições sociais, seja para pagamento de benefícios, como seguro-desemprego e aposentadoria.
José Roberto Afonso assegura que “essa construção será abalada pela revolução econômica e social, que passará pela automação do processo de trabalho e a expansão do trabalho independente”. A realidade nova forçará a renovação do pacto social brasileiro, de modo que o amparo ao trabalhador deverá assumir outras formas que não apenas a carteira assinada, e revisitar o esquema de financiamento aos investimentos.
Para fomentar esse debate, o artigo de José Roberto Afonso resgata as lições de John Maynard Keynes “para iluminar as reformas necessárias para enfrentar o futuro”. Ele chama a atenção para o fato de que quando se examinam as atividades de Keynes entre as vésperas da Segunda Guerra Mundial e os primeiros anos seguintes, “constata-se que deu grande atenção aos gastos sociais e ao orçamento público, em especial, no âmbito de suas atividades como conselheiro governamental”.
Keynes classificou como ficção o caráter contributivo do sistema, pois seria preciso custear mais do que benefícios ligados diretamente ao trabalhador. Os serviços de caráter geral (como os de saúde) e os eventuais déficits do sistema precisariam ser cobertos pelo Estado – ou, melhor, pelos contribuintes em geral e com recursos oriundos de impostos. Como acontece hoje entre nós.
Um fundo composto pela arrecadação das contribuições (fixadas a cada quinquênio) custearia os serviços médicos, os benefícios de assistência (exceto para crianças) e as pensões (exceto dos ex-combatentes de guerra). Como não conseguiu aprovar um projeto de reforma tributária para aumentar a arrecadação, Keynes contentou-se com mudanças que reduziram a despesa pública futura, como poderá fazer o ministro da Economia Paulo Guedes.
Hélio Schwartsman: Universidades são antros de comunistas?
Motivo para desequilíbrio não é um complô, mas uma razão bem mais trivial
É verdade que o pensamento de esquerda predomina nas universidades. Isso não é exclusividade do Brasil, mas uma tendência geral no Ocidente.
Nos EUA, onde existe medida para quase tudo, a proporção dos professores universitários (todas as áreas) que se declaram liberais ou de extrema esquerda em relação aos que se dizem conservadores ou de extrema direita atingiu o pico de cinco para um em 2011. Durante a maior parte do século 20, a taxa oscilou entre dois e três para um.
O motivo para o desequilíbrio não é um complô do globalismo gramsciano, mas uma razão bem mais trivial: um dos traços de personalidade mais fortemente correlacionados à esquerda, a abertura ao novo, é também uma característica que leva pessoas a aprofundar-se nos estudos e a procurar a carreira acadêmica.
De modo análogo, encontramos mais direitistas nos quartéis e nas polícias, porque esse grupo tende a pontuar mais alto na escala de conscienciosidade, a preferência por previsibilidade e por ações planejadas.
E a desproporção é um problema? Depende do tamanho dela. De acordo com Greg Lukianoff e Jonathan Haidt, autores do excelente “The Coddling of The American Mind”, do qual eu tirei a maior parte das informações desta coluna, não é necessário estabelecer cotas de professores conservadores, mas é importante que haja diversidade ideológica suficiente para evitar a instalação do pensamento único.
A dupla acredita que uma “ratio” de dois ou três professores de esquerda para um de direita basta para garantir a liberdade acadêmica e o que chama de desconfirmação institucionalizada, isto é, assegurar que uma corrente não se encastele em posições-chave e passe a bloquear contratações e publicações de pesquisadores que pensem de outra forma.
As áreas de estudo em que a homogeneidade se enquista acabam mesmo produzindo material que se parece muito mais com religião do que com ciência.
Paulo Delgado: Fãs e amigos da onça
Prestígio mundial da autonegação da política pode levar a experimento desaconselhável
Ainda não estamos na fase da traição e do abuso da confiança que marca nosso presidencialismo. Mas já vemos atrasos e danos. Para analisar de forma desengajada é preciso se convencer de que adesão ou oposição automática são burrices da vida política. É a comodidade da ideologia que leva o governo à impertinência de preferir a dificuldade de governar para uns à felicidade que é poder governar para todos.
“Jogue fora a luz, a definição. Diga lá o que você vê na escuridão.” A surpreendente falta de energia da economia, mesmo com inflação controlada, com crônico baixo crescimento, pouca capacidade de atrair investimento e de diminuir a desconfiança de quem dá emprego, não permite à família planejar o seu futuro e pode identificar uma estagnação estrutural ou ausência de foco na compreensão da nação que realmente somos. Mãos à obra, é impossível dirigir o Estado na forma como ele foi desenhado.
Embora o processo político nunca cumpra uma trajetória linear, a análise dos cem dias de governo não deve ser uma anamnese, essa mania de ouvir eleitor sobre dores que não sente, como quem faz exame médico só porque tem plano de saúde. A endoscopia invasiva da pesquisa produz um resultado muito parecido com as próprias perguntas. O momento não é de guerra fria, é de guerra quente e visível. Especialmente em razão do baixo equilíbrio institucional alcançado até aqui e da permanência dos traços de personalidade eleitoral do presidente.
Parece claro o seu desinteresse em convergir para uma posição de centro, relacionar-se melhor com a cúpula dos Poderes, diminuir o noticiário negativo e, assim, melhor acomodar as forças parlamentares e partidárias, que continuam desorganizadamente em ação. Como não conseguiu ver andar nenhum dos seus projetos e medidas provisórias enviados ao Congresso, é compreensível que use microblogs como tábua de salvação, desvinculados de qualquer estratégia coletiva de governo. O consolo é que a fase atual é de desapontamento, não de frustração.
O governo tem uma confusa matriz decisória, com a dupla Guedes-Moro, seus principais animadores políticos. O presidente tem uma mentalidade defensiva, reforçada pela linguagem agressiva e politicamente debilitante. Não temos na sua figura um liberal à la Thatcher que possa deter, pela autoridade e pela convicção, o custo da sabotagem política à abertura econômica. O que se vê na Bolsa, no dólar, nos indicadores de confiança e na paralisia econômica são consequências do caótico e desencontrado centro de decisão, com diferentes atores tentando se afirmar sobre um pano de fundo, interno e externo, em que alguns alinhados se comportam como porca que come sua ninhada.
Pelo que tenho visto, está mantida a tradição brasileira da paz violenta em todos os setores, marcada pela predominância da rixa política sobre a busca do desenvolvimento econômico. Brigar ajuda a ocultar os reveses de governo insincero no desejo de mudança. Para os militares, seus movimentos imprudentes na política externa podem estar deixando claro que ele tem uma perspectiva ingênua da instrumentalidade das Forças Armadas, tanto como capacidade permanente de dissuasão infalível, na sociedade civil, quanto como potencial ilimitado de condução de poder, na sociedade global.
A comunicação direta com seu público alimenta um mandato de fãs. Melhor seria apostar na influência da persuasão na sociedade organizada e no establishment econômico, pois, agenda liberal em economia burocratizada, sem os princípios da ordem espontânea, não funciona. Outro ponto dispersivo é a ilusão belicosa de afirmar identidade própria usando o contrapensamento. Não é de pregadores morais que o Brasil sente falta, é de líderes. Um MEC ácido e um Itamaraty impalatável são leões sem dentes, apenas passatempos nacionais.
A lógica do conflito sempre serviu a governos que querem atribuir a outros a responsabilidade por seus problemas. No caso atual está estimulando o surgimento de ativos esconderijos parlamentaristas. Não vejo vantagem em tirar do Congresso o seu maior orgulho, que sempre foi o de apoiar o governo.
Os parlamentares lutam para construir uma identidade, mas o destaque é para o celular, o ogro do político atual. O Congresso quer dosar oxigenação online com amadorismo presencial e Paulo Guedes foi a primeira grande vítima desse charlatanismo. Uma base desprestigiada ouve calada desaforos ensaiados por 20 anos. Há muita coisa velha fantasiada de nova. Todavia podemos dizer que, se nada está em rota de aprovação, nada, também, sofreu nenhum abalo fatal. O maior problema é o presidente continuar ambíguo em relação à defesa da modernização previdenciária tornando fracas as chances de a reforma ter a amplitude imaginada pela equipe econômica.
Nessa mistura de tensões e perspectivas sobressaem mais inércia e jogos ocultos do que crise política. Como o presidente foi eleito para dificultar a vida dos políticos tradicionais, parece que decidiu que o custo político da agenda das reformas deve ser assumido por cada poder separadamente. Melhor se dar conta de que, se o governo se movimenta de flanco, resta ao Congresso o rompimento frontal. Desde Otelo é o desprezo que leva ao ciúme.
O jogo oculto é poder estar em curso uma estratégia de impasse dentro da ideia de renovação por caos e uma certa indiferença estudada aos procedimentos protocolares. O conformismo da sociedade, conectada às bobagens das redes sociais, ajuda. E o prestígio mundial da autonegação da política pode dar curso a um experimento desaconselhável. Aventura de amigos da onça que querem ver o presidente romper os dois pilares da lealdade em combate: desconsiderar a distribuição ordenada do poder na hierarquia e considerar coragem, e não erro inominável, atentar contra os próprios.
* Paulo Delgado é copresidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomércio/SP
Luiz Carlos Azedo: Duas éticas no governo
“Desde o Império, não existe uma família tão poderosa e influente no Estado brasileiro, nem mesmo no segundo governo de Getúlio Vargas”
A demissão do presidente da Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex), embaixador Mario Vilalva, pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é mais um episódio no governo Bolsonaro que revela um choque recorrente entre os ministros mais ideológicos do governo e a alta burocracia estatal, mesmo aquela que torceu pela eleição do presidente Jair Bolsonaro.
Segundo presidente da Apex demitido no governo, que completa 100 dias nesta semana, a demissão foi anunciada em nota distribuída pelo Itamaraty, depois de Vivalva dar declarações de que não pediria demissão: “Como parte do processo de dinamização e modernização do sistema de promoção comercial brasileiro, o ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo, anuncia a exoneração do embaixador Mario Vilalva da presidência da Apex. O ministro das Relações Exteriores agradece a colaboração que o embaixador Mario Vilalva prestou à frente daquela agência nos meses iniciais da atual gestão”. Alex Carreiro, que o antecedeu, chefiou a agência por apenas 10 dias.
O governo ainda não anunciou o nome do substituto, mas quem quer que seja assumirá o cargo sabendo que terá dois subordinados imexíveis, se o novo presidente não for um deles: Letícia Catelani (Negócios) e Márcio Coimbra (Gestão Corporativa). Os dois entraram em conflito com Vilalva por insubordinação. Eles se recusaram a assinar atos da agência e nomearam funcionários, supostamente sem currículo para alguns postos, como um ex-candidato a deputado pelo PSL. A Apex é vinculada à estrutura do Ministério das Relações Exteriores, com a missão de promover os produtos e serviços brasileiros no exterior e atrair investimentos estrangeiros para setores estratégicos da economia brasileira.
Vilalva entrou em rota de colisão com Ernesto Araújo após o ministro ter promovido uma alteração no estatuto da agência sem informá-lo. “Nunca pensei que um ministro de Estado faria isso. Legislando sem transparência, modificando em cartório o estatuto da Apex e tentando me induzir ao erro. Tentam me colocar em situação constrangedora”, estrilou. A alteração no estatuto, no mês passado, visou adequar a agência à legislação que a criou, mas foi feita sem que Vilalva fosse consultado e de modo a esvaziar suas atribuições de presidente, fortalecendo os dois diretores, que são ligados ao clã Bolsonaro.
“As pessoas estão trabalhando em agendas pessoais, e com isso não estão preocupadas em fazer com que o trabalho da agência corra normalmente, como sempre aconteceu”, criticou Vilalva. Um dos episódios que desgastaram a relação entre o chanceler e o presidente da Apex foi a recusa de Catelani a revogar um contrato por recomendação da diretoria e do secretário de Governo, general Santos Cruz. Após o episódio, o escritor Olavo de Carvalho passou a atacar o ministro, acusando-o de tráfico de influência. Vilalva mantém boas relações com os generais do governo, entre os quais, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno.
Clã político
Esse não é um problema isolado no governo, onde a tensão entre militares e olavistas tem crescido não somente por causa dos ataques do guru Olavo de Carvalho aos militares nas redes sociais, mas porque há uma disputa de poder entre os militares, acostumados a seguir rígidas regras de disciplina e hierarquia, e a turma da “nova política” ligada ao clã Bolsonaro. Desde o Império, não existe uma família tão poderosa e influente no Estado brasileiro, nem mesmo no segundo governo de Getúlio Vargas, sua filha Alzira Vargas exerceu uma influência discretíssima, ao contrário do tio Benjamin Vargas, cujo suposto envolvimento no atentado contra Carlos Lacerda foi uma das causas do suicídio do irmão, em 24 de agosto de 1954.
A grande diferença é que o presidente Bolsonaro e seus três filhos — Flávio, senador pelo Rio de Janeiro; Eduardo, deputado federal por São Paulo; e Carlos, vereador carioca e artífice de seu marketing eleitoral, segundo seu pai — formam um clã político com mandato popular. Essa é uma realidade com a qual aliados e adversários terão de lidar. E onde estão as duas éticas? Na relação entre os objetivos políticos e ideológicos do grupo político de Bolsonaro e a legitimidade dos meios que utiliza para alcançá-los. Esse é o busílis do choque entre o clã e seu grupo ideológico instalado no governo, que se move pela ética das convicções, e a alta burocracia do governo, o que inclui militares e diplomatas, que está comprometida com ética da responsabilidade, pela própria formação profissional e cultura administrativa.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-duas-eticas-no-governo/
Monica De Bolle: Chicago, Chicago
A economia política da adoção de medidas e reformas para os problemas brasileiros não é para amadores
Prefiro a interpretação de Frank Sinatra à de Tony Bennett, embora esse artigo não seja nem sobre a música Chicago, nem sobre os crooners inimitáveis que a cantaram. Trata-se, ao contrário, de uma breve análise sobre o Brasil, o Chile, os Chicago boys, aquele grupo de missionários chilenos que tentaram transformar o Chile na imagem de Milton Friedman, vencedor do Nobel de Economia em 1976. Os Chicago boys andam na moda no Brasil por causa de Paulo Guedes, que estudou na mesma universidade dos missionários, apesar de não exatamente na mesma época. Andam na moda porque, no início dos anos 80 esteve Guedes no Chile por um tempo para ver de perto o milagre do tratamento de choque friedmaniano. Tão em moda andam que a Globonews apresentou ótimo programa recente intitulado Os Herdeiros da Escola de Chicago.
Nem todo o programa foi sobre o Chile e os Chicago boys, tampouco sobre Milton Friedman. Mas, uma parte foi dedicada ao país e a esses homens devido ao outro homem que hoje ocupa o ministério da economia. Milton Friedman, não há dúvida, foi espécie de gigante intelectual na economia. Em 1963 publicou com a economista Anna J. Schwartz um de seus principais legados, obra que analisava as crises bancárias norte-americanas, em especial a que ocorreu durante os anos 30. A grande contribuição dos dois foi apontar a insuficiência da resposta do banco central dos EUA, o Fed, que pouco fez para restaurar os canais de crédito e normalizar as condições financeiras, estendendo a crise muito além do necessário, com graves consequências sobre o crescimento e a taxa de desemprego. Essas e outras lições foram aprendidas por Ben Bernanke, dirigente do Fed durante a crise de 2008 e ele próprio um estudioso da Grande Depressão. Com Friedman e suas próprias pesquisas havia entendido que o banco central deve utilizar todo o arsenal à sua disposição quando há uma crise bancária sistêmica. Graças a ele – e a Milton Friedman antes dele – o impacto da grande crise de 2008 não foi ainda mais severo para os EUA e para o mundo.
Friedman, entretanto, ficou mais conhecido por suas teses a respeito daquilo que Ronald Reagan chamaria anos depois de “a magia dos mercados”: o conjunto de modelos que Friedman e coautores desenvolveram nos anos 60 revelava o poderoso papel que os mercados livres de interferências estatais poderiam desempenhar. Embora muitos até hoje tenham se agarrado a essas teses como exemplo de como a ciência econômica era algo que se desenvolvia sem qualquer contaminação política, o contágio era mais do que óbvio. Entre as décadas de 60 e 80 o mundo atravessava o auge da Guerra Fria e a necessidade de encontrar modelos que se contrapusessem ao estatismo soviético era mais do que urgente. Portanto, Friedman e seus seguidores foram influenciados pela busca por algo que pudesse representar o oposto econômico do ideário soviético. Encontraram no Chile dos anos 70 o laboratório ideal para pôr suas ideias em prática.
Para lá foram os Chicago boys, grupo de economistas chilenos que haviam recebido bolsas de estudo para estudar com Friedman e outros economistas de linha ultraliberal. De volta ao Chile após o golpe de 1973, puseram as ideias para funcionar. Do tratamento de choque friedmaniano – forte ajuste fiscal, privatizações, abertura da economia, dramático corte do funcionalismo público – sobreveio, primeiro, uma contração do PIB de 13%, em 1975. Contudo, dois anos depois, a economia cresceria 10% com queda brusca da inflação e do desemprego. Foi mais ou menos assim até 1982 e 1983, quando o PIB do Chile encolheu 11% e 5%, respectivamente.
Com a brutal recessão e a alta do desemprego, os Chicago boys perderam prestígio e cargos no governo do ditador Augusto Pinochet. O desemprego só voltaria a ficar abaixo de dois dígitos novamente em 1995, dez anos mais tarde. A ironia de ter-se tentado aplicar o ultraliberalismo no mais opressor dos regimes é óbvia. As falhas das teses simplórias sobre o funcionamento da economia, também.
Hoje estamos rediscutindo no Brasil algumas dessas teses simplórias. É evidente que o ajuste fiscal é necessário, que privatizações são bem-vindas, que a abertura da economia é urgente, que o Estado é inchado. No entanto, os problemas brasileiros são bem mais complicados do que isso e a economia política da adoção de medidas e reformas não é para amadores. Caminhamos sem susto para o PIB potencial de 1,5% ao ano. E isso com reformas diluídas. Isso, no melhor dos casos. Isso com o nosso Chicago boy.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns hopkins University
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José Casado: Corrupção no Judiciário. Fala, Cabral!
Já foram mais de 800 dias encarcerado. Em tese, ainda restam 70.410 dias para sair da cadeia. Aos 56 anos de idade, precisaria renascer por três outras vidas para cumprir as condenações: 197 anos e 11 meses de prisão. E vem mais aí, ele sabe.
Tendo perdido a perspectiva de vida fora das grades, além dos US$ 100 milhões que escondeu no circuito bancário Nova York-Londres-Zurique, o ex-governador Sérgio Cabral agora se dedica à terapia da palavra.
Resolveu aliviar a depressão, como fez Bertha Pappenheim, a “Anna O.” do método catártico que Josef Breuer lapidou com Sigmund Freud em 1893 (as conversas de Bertha e Breuer terminaram na cama).
Ontem, Cabral passou o dia no presídio de Bangu conversando com procuradores sobre um aspecto de seus 24 anos na política do Rio: corrupção no Judiciário. Incitou-os na sexta-feira passada, em depoimento solicitado por seu advogado.
O ex-governador disse que, como no Rio, a corrupção institucional se espraiava pelos estados. “O senhor tem conhecimento ou acredita pela experiência?”, quis saber o juiz, com uma ponta de ironia. “Parte conhecimento, parte informação”, respondeu Cabral. Perguntado se existiria uma “rede de proteção”, foi enfático: “Acredito. O Rio de Janeiro não é diferente de Pernambuco, Rio Grande do Norte, da Paraíba, do Amazonas, do Rio Grande do Sul...”
Suspense na sala. “A proximidade entre os poderes contribui para que a independência não seja efetiva?” Ouviu-se um seco “sim”. “Dificulta investigações e facilita corrupção?” Seguiu lacônico: “Sem dúvida, dificulta.”
O juiz insistiu: “Havia isso na sua época, como governador?” Cabral não resistiu: “Havia. Inclusive, eu posso esclarecer ao Ministério Público Federal o entendimento de uma empreiteira com o Judiciário.”
O ex-governador do Rio se tornou o primeiro político a registrar em juízo a disposição para contar e indicar provas de corrupção no Judiciário, de que teria participado.
Ele parece ter encontrado na catarse uma forma de transcender as três vidas que, em tese, ainda teria na cadeia. Sendo assim, fala Cabral!