Luiz Carlos Azedo: O time de Dodge

A nomeação de Branquinho foi um discreto recado para o Palácio do Planalto de que não haverá cavalo de pau na Operação Lava-Jato

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, escalou a colega Raquel Branquinho para ser a nova supervisora da equipe de investigadores da Operação Lava-Jato. Sua tocaio, como dizem os gaúchos, comandará uma equipe de procuradores dedicados a essa tarefa, dos quais dois são remanescentes da equipe do ex-procurador-geral Rodrigo Janot: Maria Clara Barros Noleto e Pedro Jorge do Nascimento Costa. Acumula a função de secretária de Função Penal Originária no Supremo Tribunal Federal (STF), órgão que acompanha a Lava-Jato.

A nomeação de Branquinho foi um discreto recado para o Palácio do Planalto de que não haverá cavalo de pau na Operação Lava-Jato. Ou seja, a troca é mais ou menos como substituir o arco pela zarabatana: saem as flechas incendiárias e entram as setas envenenadas. São novos integrantes da equipe os procuradores José Alfredo de Paula Silva, novo coordenador do grupo, Marcelo Ribeiro de Oliveira, Hebert Reis Mesquita, José Ricardo Teixeira Alves e Luana Vargas Macedo. Como Branquinho, José Alfredo atuou na investigação do mensalão; também participou da Operação Zelotes.

O desafio é a transição da investigação da equipe de Janot para a de Dodge. O ex-coordenador da investigação Sérgio Bruno Cabral Fernandes foi escalado por Janot para a equipe de transição. Nos bastidores do Judiciário, a grande questão é a contaminação que possa ter havido nas investigações em decorrência da atuação do ex-procurador Marcello Miller, que deixou o Ministério Público Federal para atuar como advogado prestando serviços à JBS.

Advogados que atuam na Lava-Jato esfregam as mãos a cada relato da participação de Miller nas negociações de delações premiadas, como a de Fernando Baiano, por exemplo. A estratégia das bancas é utilizar o caso Miller para anular o maior número de provas possíveis. O Palácio do Planalto tenta anular as provas da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer, que foi rejeitada pela Câmara, e forçar a devolução da segunda para a nova procuradora-geral. Além disso, quer transformar a CPI da JBS instalada na Câmara numa espécie de pelourinho para o ex-procurador Rodrigo Janot.

Existe massa crítica no Congresso para isso, mas também há uma opinião pública vigilante, que pressiona deputados e senadores toda vez que se articulam contra a Lava-Jato. Como esse é um jogo de perde-perde em termos eleitorais, o tempo corre a favor da Lava-Jato.

Pesquisas

Mesmo condenado a nove anos e seis meses de prisão pelo juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera todos os cenários para as eleições de 2018 na pesquisa CNT/MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional de Transportes (CNT). Nas três simulações do primeiro turno, oscila entre 32% e 32,7% das intenções de voto. Jair Bolsonaro (PSC-RJ) passou de 11% para mais de 18% nos três cenários. Marina Silva (Rede) aparece em terceiro lugar em todos os cenários.

Ontem, o juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, aceitou denúncia contra Lula, que virou réu mais uma vez, por corrupção passiva. A situação do PSDB varia de acordo com o nome pesquisado: o senador Aécio Neves (MG) tem o apoio de apenas 3,2% dos eleitores, enquanto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito paulistano, João Doria, têm 9,4% e 8,7% respectivamente. As intenções de voto no ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) vão de 4,6% a 5,3%, dependendo do cenário.

Na pesquisa espontânea, Lula lidera com 20,2% das intenções de voto; Jair Bolsonaro tem 10,9%. João Doria vem em terceiro, com 2,4%. Na sequência, Marina Silva tem 1,5%; Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, 1,2%; o senador Álvaro Dias (Podemos), 1,0%; o presidente Michel Temer (PMDB), 0,4%; e Aécio Neves, 0,3%. Do total, 37% se disseram indecisos, brancos e nulos somam 21,2% e outros são 2,0%. A pesquisa ouviu 2.002 pessoas e tem margem de erro de 2,2%.

Ou seja, tudo como antes, mas a pesquisa aumenta a pressão em relação à definição de candidatos majoritários. Enquanto o Palácio do Planalto empurra o assunto com a barriga, na base do governo atuam forças centrífugas, que tendem a se reposicionar em razão da reforma política e do fato de que as melhorias na economia não são capitalizadas pelo governo nem melhoram os índices de aprovação de Michel Temer. O estresse político maior é no PSDB, onde Alckmin e Doria se digladiam.

(Coluna de 20 de setembro de 2017)


Luiz Carlos Azedo: O divisor de águas

É ingenuidade acreditar que a crise ética não será o divisor de águas das eleições de 2018, somente os enrolados na Operação Lava-Jato apostam nisso piamente

Há uma corrida contra o tempo na política brasileira entre aqueles que fazem parte do atual sistema de poder, cujo vértice é ocupado pelo presidente Michel Temer; e os que pretendem constituir uma outra alternativa em 2018. No primeiro caso, a força principal é o PMDB, núcleo de uma grande aliança que sofre forte desgastes por causa da Operação Lava-Jato. No segundo, podemos identificar Jair Bolsonaro (PRB-RJ), à direita; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), à esquerda; e um enorme espaço vazio entre esses dois, aberto pela crise do PSDB, na qual se digladiam o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital, João Doria. Os senadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP) já estão fora da disputa pela candidatura presidencial tucana por causa da Lava-Jato.

Nessa corrida, a grande aposta do governo Temer é o desempenho da economia, que emite sinais de recuperação da produção industrial, registra inflação abaixo da meta e uma significativa redução da taxa de juros. A cada alta nas ações da bolsa e novos indicadores positivos, governistas batem o bumbo. E alardeiam que a recessão ficou para trás, o que é verdade, e a retomada vigorosa do crescimento econômico já está garantida, o que é um certo exagero, porque ela ainda é muito baixa: projeta-se 0,6% do PIB neste ano, segundo o último boletim Focus, do Banco Central. Nessa perspectiva, fala-se em uma taxa de crescimento de 3% no ano da eleição, o que daria ao presidente Temer cacife para concorrer à reeleição ou fazer o seu sucessor no pleito de 2018.

Essa narrativa funciona para manter mais ou menos coesa a base conservadora do governo no Congresso, o que é fundamental para barrar a nova denúncia contra Temer na Câmara, na eventualidade de que venha a ser aceita pelo ministro relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Édson Fachin. Mas não é suficientemente robusta, pelo menos por enquanto, para aprovar a reforma da Previdência, por exemplo, ou um programa de cortes de despesas na administração direta que fizesse o governo caber novamente na Esplanada, que já não comporta o número de ministérios e suas repartições.

Mas há certa euforia no mercado de ações e predisposição dos investidores a embarcar no programa de privatizações do governo. Primeiro, a redução da inflação e da taxa de juros, acrescida da lei do teto de gastos, em que pese as crises e trapalhadas do governo, para os analistas financeiros, blindaram a equipe econômica. Segundo, as privatizações de importantes estatais em si costumam valorizar as respectivas ações, são música para o mercado. Mas significa que a economia será o divisor de águas das eleições de 2018, como foram, por exemplo, o Plano Cruzado, em 1986, ou o Plano Real, em 1994? Provavelmente, não.

No caso do Plano Cruzado, no governo Sarney, o forte impacto na eleição fez com que o PMDB vencesse em todos os estados, com exceção do Rio de Janeiro, porque havia ilusão de que acabara com a hiperinflação. Mas era um programa econômico sem sustentabilidade, que logo se revelou um fracasso, para usar as palavras do ex-ministro da Fazenda Delfim Neto. O Plano Real, sim, foi um sucesso. Teve mais sustentabilidade, pois foi um programa de estabilização da economia alavancado por um programa de reforma patrimonial do Estado, concebido com base no fracasso dos planos anteriores, o que possibilitou a vitória do PSDB, com a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e sua reeleição. Portanto, é muito natural que o governo Temer aposte todas as fichas na economia. Mas isso dará certo?

Grande diferença
“É a economia, estúpido”, bradam os governistas, inspirados em James Carville, marqueteiro da primeira eleição de Bill Clinton e autor da frase.

Teria todo sentido a afirmação se as taxas de crescimento fossem maiores; por enquanto, essa é apenas uma aposta. Mas há uma grande diferença em relação às situações anteriores aqui descritas: a crise ética.

No primeiro caso, o PMDB emergia do regime militar lastreado pela campanha das diretas já e a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. O presidente José Sarney, egresso do antigo PFL, que assumiu o lugar de Tancredo, embora fosse um político conservador, era um dos artífices da democratização. O fracasso do Cruzado, porém, resultou num fim de governo mambembe e na derrota das forças políticas que lhe davam sustentação. Quem ganhou a eleição de 1989 foi o outsider Collor de Mello, num segundo turno contra Lula. No segundo caso, o PSDB venceu as eleições porque tinha um bom candidato, Fernando Henrique, a hiperinflação havia sido ultrapassada e o governo Itamar não estava envolvido em escândalos.

É ingenuidade acreditar que a crise ética não será o divisor de águas das eleições de 2018, somente os enrolados na Operação Lava-Jato apostam nisso piamente para não desistirem de disputar o pleito. Vejam o caso do PT e de Lula, que tentam resgatar o “rouba, mas faz” das campanhas do governador Adhemar de Barros, em São Paulo, na década de 1950, em campanha aberta pelo Nordeste. O que impede Lula de se manter como alternativa de poder é a Lava-Jato, seja pelo desgaste de imagem, seja porque dificilmente escapará de novas condenações. O mesmo vale para outros políticos que desperdiçaram essa oportunidade de ouro — o petista fora da disputa — por terem adotado as mesmas práticas condenáveis.


Luiz Carlos Azedo: A contradição principal

O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia

A nó da política brasileira é a contradição principal do governo Temer, que opõe uma equipe econômica capaz de tirar o país da recessão e apontar um horizonte de retomada gradual do crescimento, com inflação controlada e juros mais confortáveis, ao núcleo político no Palácio do Planalto, cada vez mais desmoralizado pelo envolvimento de seus principais integrantes na Operação Lava-Jato. Essa contradição se aprofundou ontem, com a segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, desta vez pelos crimes de obstrução à Justiça e organização criminosa.

Dois ministros (Moreira Franco e Eliseu Padilha), dois ex-ministros (Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves), dois ex-deputados (Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures), um empresário (Joesley Batista) e um executivo (Ricardo Saud) foram denunciados, acusados de arrecadarem mais de R$ 587 milhões em propina. Esses recursos teriam sido desviados da Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados.

O empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, e o executivo Ricardo Saud, ambos delatores da Operação Lava-Jato, estão entre os denunciados, mas somente pelo crime de obstrução de Justiça. Ontem, Janot pediu a transformação da prisão temporária de ambos em prisão preventiva e foi atendido pelo ministro do STF Edson Fachin. Mas essa não é a grande preocupação. O Palácio do Planalto teme mesmo é uma eventual delação premiada do ex-ministro Geddel, que voltou a ser preso por causa do dinheiro que escondia num apartamento de um amigo em Salvador. Mais de R$ 51 milhões em malas e caixas repletas de notas de R$ 50 e R$ 100.

Janot lançou a segunda flecha contra Temer em seus últimos dias no cargo de procurador-geral. Sustenta que “diversos elementos de prova” apontam que o presidente tinha o “papel central” na suposta organização criminosa. A denúncia acusa Temer, Henrique Alves e Eduardo Cunha de serem os responsáveis pela obtenção de espaços para o grupo político junto ao governo do PT, graças à influência que detinham sobre a bancada do PMDB da Câmara. “Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas”, afirma.

Segundo a PGR, o esquema utilizou transferências bancárias internacionais, na maioria das vezes com o mascaramento em três ou mais níveis, em movimentações sucessivas com o objetivo de distanciar a origem dos valores; e a aquisição de instituição financeira, com sede no exterior, para tentar controlar e ludibriar normas de ética, conduta e boa governança em empresas (práticas da chamada compliance) e dificultar o trabalho dos investigadores.

“Ao denunciado Michel Temer imputa-se também o crime de embaraço às investigações relativas ao crime de organização criminosa, em concurso com Joesley Batista e Ricardo Saud, por ter o atual presidente da República instigado os empresários a pagarem vantagens indevidas a Lúcio Funaro (apontado como operador financeiro de políticos do PMDB) e Eduardo Cunha, com a finalidade de impedir estes últimos de firmarem acordo de colaboração”, acusa Janot.

No mesmo barco

No começo de seu governo, quando surgiram as primeiras denúncias contra os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, o presidente Temer traçou uma espécie de círculo de giz para proteger a equipe: disse que as investigações não eram motivo para afastamento dos auxiliares, mas que não hesitaria em fazê-lo caso se tornassem réus. Acontece que o presidente da República também foi denunciado. E agora, se Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, acolher a denúncia, o que deve acontecer? Temer tem a blindagem constitucional, e a Câmara pode também não acolher a segunda denúncia e sustar as investigações até o fim do seu mandato, como aconteceu na primeira. Mas não tem como impedir que seus ministros virem réus.

A contradição entre uma política econômica exitosa e esse processo contínuo de desmoralização do governo não deve se resolver antes das eleições de 2018. Por mais que o Palácio do Planalto suba o tom contra Janot, esse argumento cairá por terra a partir da próxima semana, uma vez que a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, assumirá o cargo na segunda-feira. Depois da decisão tomada pelo STF, que não acolheu a suspeição arguida por Temer contra Janot, será muito difícil dar um cavalo de pau nas investigações. Ou seja, a crise ética evoluirá para mais uma discussão na Câmara sobre a aceitação ou não da denúncia.


Luiz Carlos Azedo: Supremo deu o recado

Cármen Lúcia disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR

Ao manter o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, à frente das investigações sobre o presidente Michel Temer, neste fim de mandato, o Supremo Tribunal Federal mandou um recado para o mundo político: restaure-se a moralidade. Nove ministros da Corte rejeitaram o pedido de afastamento: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Não participaram da decisão os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Em seu voto, a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR, e que as “instituições são mais importantes que as pessoas”. Não foi uma declaração descontextualizada da troca de guarda na PGR, porque sinaliza o que já se esperava: Raquel Dodge, que substituirá Janot a partir da segunda-feira, não será complacente com os malfeitos apurados na Operação Lava-Jato.

“Há instituições sólidas hoje no Brasil, o Ministério Público é uma delas. O Supremo não permitirá que a mudança de um nome, o afastamento de um nome, altere os rumos”, disse a presidente da Corte. Cármem Lúcia foi explícita quanto ao fato de que todos os processos que se referem à matéria penal não serão interrompidos, apesar das pressões. Esse foi o teor da recente conversa entre a presidente da Corte e a nova procuradora-geral. “O processo penal e a busca de apuração de erros praticados no espaço público, como se tem no espaço privado, não vão parar”, ressaltou.

A expectativa agora é quanto à segunda denúncia contra Michel Temer. O caminho ficou aberto para que isso ocorra nas próximas 48 horas, porque a segunda decisão da Corte, sobre essa possibilidade, foi adiada para a próxima semana, por causa da apreciação do Código Florestal. A sessão foi encerrada por Cármem Lúcia sem que os ministros do STF analisassem o pedido de Temer para impedir Janot de apresentar uma nova denúncia. Outro pedido era para que a Corte examinasse a validade das provas entregues pelos delatores da J&F, que embasam as investigações, mas o relator da Lava-Jato, ministro Luiz Edson Fachin, manifestou-se contra a apreciação da validade das provas no momento.

A sessão do Supremo surpreendeu pelo estilo pessedista (a cúpula do antigo PSD só se reunia quando tudo já estava resolvido). O ministro Gilmar Mendes, crítico implacável da Lava-Jato e desafeto declarado de Janot, permaneceu no seu gabinete na primeira votação. Em nota, disse que “possui posição consolidada a respeito da interpretação restritiva das regras de suspeição e impedimento previstas na legislação brasileira”. Barroso, principal defensor de Janot e da Lava-Jato, não compareceu porque estava num seminário na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Janot também não compareceu, foi representado pelo vice-procurador-geral da República, Nicolau Dino, que chamou de “absolutamente infundadas” as acusações. Ele foi o mais votado na eleição interna do Ministério Público para o cargo de procurador-geral, mas foi preterido por Temer, que indicou Raquel Dodge. “Nada, absolutamente nada autoriza a conclusão de que haveria inimizade capital entre o procurador e o presidente da República”, afirmou.

Enquanto isso, segue o baile. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento ontem, em Curitiba, perante o juiz Sérgio Moro, e não foi preso, como temiam os petistas. Continuará respondendo ao processo em liberdade. Lula foi agressivo, mas o magistrado não caiu na armadilha e evitou polêmicas. Uma nova denúncia foi feita por Janot no fim da tarde, desta vez contra o presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), cujo teor foi mantido em sigilo.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ontem, suspendeu a carteira do ex-procurador Marcelo Miller, por 90 dias. Desde março, Miller é investigado pelos colegas por sua atuação no escritório Trench, Rossi, Watanabe, que defendia a JBS no acordo de leniência. O escritório informou à coluna que não foi responsável pela entrega da gravação da conversa entre Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud ao Ministério Público, como publicamos na terça-feira. Quem entregou a gravação foi a defesa na “delação premiada”, o processo criminal.

Seminário
Começa hoje, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, o seminário internacional “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”, organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (PPS) e o Instituto Teotônio Vilela (PSDB). Entre os palestrantes, Adrian Wooldridge, Stefan Folster e Gianni Barbacetto, além de políticos dos dois partidos, como Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, Cristovam Buarque, Roberto Freire e José Aníbal. A grande ausência será o prefeito de São Paulo, João Doria, que está em Buenos Aires

 

 


Luiz Carlos Azedo: Movimento dos barcos

Quando a notícia chegou, lembrei-me da velha música de Jards Macalé e José Carlos Capinam, na voz de Maria Bethânia, um dos ícones da Tropicália. “Tô cansado/E você também/Vou sair sem abrir a porta/E não voltar nunca mais/Desculpe a paz que eu lhe roubei/E o futuro esperado que eu não dei/É impossível levar um barco sem temporais/E suportar a vida como um momento além do cais”. No contexto em que foi lançada, a letra do baiano Capinam tinha duplo sentido, assim como a melancólica melodia tecida no violão de Macalé.

No começo dos anos 1970, o regime militar estava em pleno processo de fascistização. Ninguém imaginava a política de distensão de Geisel e a acachapante vitória da oposição nas eleições de 1974, que desencadeou nova onda de repressão contra os que conseguiram permanecer no país e organizaram a resistência pacífica e democrática de oposição. Naquela época, muitos foram forçados ao exílio, estavam presos, foram mortos ou haviam desaparecido. Hoje, o sentido pode ser outro, em meio à crise ética. Ainda bem que a recessão acabou.

A letra fala em partida e derrota, em decepção e separação: “Não quero ficar dando adeus/Às coisas passando, eu quero/É passar com elas, eu quero”. E deixa um fio de esperança: “Não, não sou eu quem vai ficar no porto chorando, não/Lamentando o eterno movimento/Movimento dos barcos, movimento”. Lembrei-me do Porto de Santos, cuja barra já cruzei no velho Normandie, do meu amigo Jadir Serra, saindo do canal do Guarujá rumo à Ilha Grande, no litoral fluminense.

Perdão pela licença poética, a notícia do dia me fez viajar no tempo. Vamos a ela: a abertura de inquérito para investigar o presidente da República, Michel Temer, por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro na edição de um decreto no setor de portos, por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, vai exumar velhas histórias policiais do Porto de Santos, da época em que gente graúda embarreirava uma investigação.

Segundo Barroso, existe razoabilidade no pedido da Procuradoria-Geral da República para a instauração de inquérito. Supostamente, “os elementos colhidos revelam que Rodrigo Rocha Loures, homem sabidamente da confiança do presidente da República, menciona pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses ilícitos para o próprio presidente da República, em troca da edição de ato normativo de específico interesse de determinada empresa, no caso, a Rodrimar”. Esse pedido do procurador-geral Rodrigo Janot não fazia parte das suas flechadas de fim de mandato, foi encaminhado em junho para o Supremo Tribunal Federal (STF) e redistribuído. O assunto não integra o escopo de investigações da Operação Lava-Jato, cujo relator é o ministro Edson Fachin. Por sorteio, foi parar logo nas mãos de Barroso, um ministro defensor da Lava-Jato.

“A ninguém deve ser indiferente o ônus pessoal e político de uma autoridade pública, notadamente o presidente da República, figurar como investigado em procedimento dessa natureza”, disse Barroso. “Mas esse é o preço imposto pelo princípio republicano, um dos fundamentos da Constituição brasileira, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei e exigir transparência na atuação dos agentes públicos”, completou o ministro.

A investigação vai apurar se o decreto que prorrogou as concessões dos portos por 30 anos foi editado com o objetivo de beneficiar a empresa Rodrimar, que atua no Porto de Santos. O Palácio do Planalto foi pego de surpresa. Temer esperava a tão anunciada segunda denúncia de Janot, que seria baseada na delação premiada de Lúcio Funaro. Aparentemente, o procurador-geral aguarda a sessão plenária do Supremo desta quarta-feira, que julgará os recursos de Temer que pedem a paralisação de toda e qualquer ação de Janot enquanto não se esclarecer o caso das relações do empresário Joesley Batista com o ex-procurador Marcelo Miller.

Bateu, levou!
Ontem, o Palácio do Planalto adotou o estilo bateu, levou! Em nota, afirmou que “mais de 60 empresas tiveram seus processos de licitação prorrogados com as condições de investimento e modernização dos terminais e portos brasileiros”. E que o presidente Michel Temer “não teve interferência no debate e acatou as deliberações e aconselhamentos técnicos, sem que houvesse qualquer tipo de pressão política que turvasse todo esse processo.” Pela manhã, já havia sido divulgada uma nota duríssima: “O Estado democrático de direito existe para preservar a integridade do cidadão, para coibir a barbárie da punição sem provas e para evitar toda forma de injustiça. Nas últimas semanas, o Brasil vem assistindo exatamente ao contrário”.

A denúncia é contra Janot: “Garantias individuais estão sendo violentadas, diuturnamente, sem que haja a mínima reação. Chega-se ao ponto de tentar condenar pessoas sem sequer ouvi-las. Portanto, sem se concluir investigação, sem se apurar a verdade, sem verificar a existência de provas reais. E, quando há testemunhos, ignora-se toda a coerência de fatos e das histórias narradas por criminosos renitentes e persistentes. Facínoras roubam do país a verdade. Bandidos constroem versões “por ouvir dizer” a lhes assegurar a impunidade ou alcançar um perdão, mesmo que parcial, por seus inúmeros crimes. Reputações são destroçadas em conversas embebidas em ações clandestinas”.

 


Luiz Carlos Azedo: Delações perigosas

Às vésperas de encerrar seu mandato, Janot está na berlinda e acusa Miller de auxiliar o grupo J&F — controlador do frigorífico JBS — enquanto ainda atuava no Ministério Público Federal (MPF)

No fim de julho de 2015, a advogada Beatriz Catta Preta, numa entrevista bombástica, anunciou que estava abandonando os casos dos clientes que defendia na Operação Lava-Jato porque se sentia ameaçada e intimidada por integrantes da CPI da Petrobras. Ela disse que, devido às supostas ameaças, fechara o escritório e decidira abandonar a carreira. Havia sido convocada para depor pela tropa de choque do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que hoje está sem mandato e preso.

A advogada atuou em nove das 18 delações premiadas que deram início à utilização desse recurso jurídico pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, beneficiando os executivos Júlio Camargo e Augusto Mendonça (Toyo Setal); o ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco; e o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, a esposa dele, as duas filhas e dois genros. Quando jogou a toalha, era responsável pela defesa de Barusco, Camargo e Mendonça.

Catta Preta era uma rara especialista na matéria e transformou um instrumento novo, que até então era assunto dos meios acadêmicos, num tsunami jurídico. Até então, as grandes bancas de advocacia do país tinham o monopólio da defesa dos crimes de colarinho branco envolvendo grandes empresários e executivos. O script era conhecido: uma grande falcatrua virava escândalo na mídia; políticos instalavam comissões parlamentares de inquérito que acabavam em pizza, como a da Petrobras; e advogados famosos empurravam com a barriga o “devido processo legal” até que os crimes prescrevessem, tudo sob sigilo de Justiça, por envolver autoridades constituídas.

A advogada ganhou um bom dinheiro com os seus clientes, mas não tanto quanto se dizia nas bancas concorrentes. À época, Barusco espantou seus colegas da Petrobras ao devolver US$ 100 milhões de livre e espontânea vontade e revelar tudo o que sabia sobre a Sete Brasil, a empresa criada para fabricar sondas de petróleo. Surgia ali um “mercado” que, no primeiro momento, deixou as bancas de advocacia perplexas. Os clientes eram abandonados com estardalhaço quando decidiam fazer “delação premiada”. Advogados de Curitiba, da noite para o dia, passaram a rivalizar com seus colegas famosos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. A delação premiada era o novo filão a ser explorado.

É nesse contexto que o caso de Marcelo Paranhos Miller deve ser examinado. Ele foi contratado por um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil, o Trench Rossi Watanabve e Associados, fundado em 1959, que mantém mais de 250 advogados em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre, para atender, sobretudo, grandes empresas com negócios no exterior.

Jogo duplo

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, planejava um desfecho glorioso para o seu mandato à frente da instituição. Com as delações premiadas da Odebrecht e da JBS, havia colocado o Congresso de joelhos. Toda a elite política brasileira estava no canto da parede; por muito pouco, não havia conseguido afastar Michel Temer do cargo ao denunciá-lo com base na gravação de uma conversa do presidente da República com Joesley. Essa possibilidade ainda não estaria descartada por causa da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, sua flecha de prata. Eis que pousa na sua mesa a gravação da “conversa de bêbado” entre Joesley Batista e o executivo da J&F Ricardo Saud, com revelações espantosas sobre as negociações de sua delação premiada e do acordo de leniência do grupo que controla a JBS. Incrivelmente, a fita fora entregue pela defesa, o escritório Watanabe e Associados.

Agora, às vésperas de encerrar seu mandato, Janot está na berlinda e acusa Miller de auxiliar o grupo J&F, enquanto ainda atuava no Ministério Público Federal (MPF). Com base em documentos apresentados pelo escritório Trench, Rossi, Watanabe — que contratou Miller, em março, para trabalhar no acordo de leniência da J&F —, identificou trocas de e-mails entre o então procurador da República e uma advogada da banca de advocacia para “marcações de voos para reuniões, referências a orientações à empresa J&F e inícios de tratativas em benefício à mencionada empresa”. As operações de busca e apreensão determinadas por Fachin nas residências e escritórios dos envolvidos poderão corroborar ou não as suspeitas de que teria ajudado Joesley a “filtrar informações, escamotear fatos e provas e ajustar depoimentos e declarações em benefício de terceiros que poderiam estar inseridos no grupo criminoso”. Miller deixou o antigo chefe no sal.


Luiz Carlos Azedo: Aposta na reforma

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud

O presidente Michel Temer reuniu ontem, para um almoço, uma espécie de estado-maior das reformas política e da Previdência: os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE); os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles: da secretaria de Governo, Antônio Imbassahy; da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco; da Justiça, Torquato Jardim; e da Integração Nacional, Hélder Barbalho; além do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que virou uma espécie de ministro sem pasta, como articulador de bastidores no Congresso.

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, sobre a atuação do ex-procurador Marcelo Miller nas negociações da delação premiada da JBS. O caso pôs na berlinda o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas uma semana no cargo para fazer a tão anunciada segunda denúncia contra Temer, baseada na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Janot corre o risco, porém, de ver a primeira denúncia, já rejeitada pela Câmara, ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (ST¨F), o que significará uma espécie de saída pela porta dos fundos da Procuradoria-Geral.

Janot pediu a prisão dos três protagonistas de sua desgraça: Joesley, Ricardo e Marcelo. Não havia outra saída, uma vez que, se não o fizesse, alimentaria as especulações de que tinha conhecimento das tratativas entre Marcelo e Joesley. Não bastou desovar, nessas últimas semanas, as denúncias que mantinha na gaveta, contra o PP, o PMDB, o PT e o PSDB. No próximo dia 18, a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumirá o cargo e dará um freio de arrumação na instituição, num momento crucial para a Lava-Jato. A velha guarda da PGR, que comemora a saída de Janot, jamais imaginaria uma situação como a atual. A preocupação agora é com o retrocesso que a trapalhada pode provocar nas relações entre o MP e os poderes da República, inclusive com a perda de vantagens e regalias.

Ofensiva

Para reagrupar sua base política no Congresso, fragilizada desde a primeira denúncia, Temer aposta na votação da reforma política e na aprovação da reforma da Previdência. Como se sabe, não houve votos suficientes para afastar o presidente da República, mas a operação para rejeitar a renúncia na Câmara desarrumou a base do governo. O Palácio do Planalto prometeu mundos e fundos para os parlamentares que garantiram o mandato de Temer, mas não entregou os cargos e as verbas que havia prometido. Temia-se, inclusive, que a segunda denúncia pudesse fomentar retaliações dos parlamentares insatisfeitos. Até as velhas desconfianças em relação à lealdade de Maia, o presidente da Câmara, estavam brotando nos jardins do Palácio do Jaburu, a residência de Temer.

Agora, mudou a correlação de forças. Parlamentares da base acuados pela Lava-Jato ganharam mais coragem para atacar Janot, as investigações e defender a inocência de Temer. A narrativa de que a Lava-Jato e as delações premiadas são uma excrescência jurídica ganharam vida nova a partir da conversa de Joesley e Saud, motivando um pedido de instalação de CPI contra a JBS. Além disso, a sensível mudança no ambiente econômico, com indicadores positivos de que a recessão acabou e o país lentamente está retomando o crescimento, encoraja os governistas a passarem à ofensiva. Temer voltou da China com o discurso afiado e não é à toa que o ministro da Fazenda foi chamado para o almoço de ontem.

O raciocínio é aquele mesmo da campanha eleitoral de Bill Clinton contra George Bush, que havia vencido a Guerra do Golfo, em 1991, e resgatado a autoestima dos americanos perdida após a derrota no Vietnã. Era o favorito absoluto nas eleições de 1992, ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. O marqueteiro de Clinton, James Carville, apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Mas esse tipo de análise não se aplica a uma economia que saiu da recessão, mas não recuperou ainda a capacidade de investimento e de geração de emprego necessárias para reverter a impopularidade do presidente da República, que é igual à de Dilma Rousseff à época da aprovação do impeachment.

Para reverter a impopularidade de Temer e tornar possível o surgimento de uma candidatura competitiva do Palácio do Planalto, a economia precisa crescer a taxa maiores. Isso não é possível com o atual deficit público, cuja meta foi aumentada de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões. Para isso, é preciso aprovar a reforma política, blindando os grandes partidos e seus caciques com vantagens estratégicas que impeçam um desastre eleitoral, e a reforma da Previdência, que, tanto vai reduzir o deficit sem cortes ainda mais drásticos no Orçamento da União, quanto sinalizar aos investidores que o rumo de modernização da economia traçado por Temer foi consolidado. O problema é que essa insegurança dos investidores decorre também do cenário que está sendo armado para as eleições de 2018 e não apenas dos tropeços do governo Temer até aqui.


Luiz Carlos Azedo: Coalizão contra a Lava-Jato

Os diálogos puseram em xeque a legalidade da gravação da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer, em um encontro fora da agenda, no subsolo do Palácio do Jaburu

A ampla coalizão formada contra a Operação Lava-Jato passou à ofensiva para sepultar as investigações e liquidar com o instituto das delações premiadas, em um momento crucial para a faxina ética que a política brasileira merece e a sociedade deseja. O ponto de inflexão é a conversa entre o empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud, da JBS, com diálogos escabrosos, na qual fica evidente o jogo duplo do ex-procurador Marcelo Miller e a intenção de se chegar aos ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio da frustrada contratação do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que não se prestou a tal papel.

Os diálogos puseram em xeque a legalidade da gravação da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer, em um encontro fora da agenda, no subsolo do Palácio do Jaburu, que serviu de base para a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente, rejeitada pela Câmara. Deduz-se que Joesley foi instruído por Miller quando ainda era procurador federal, o que seria motivo para anulação da prova, como pleiteia a defesa de Temer. Esse questionamento sempre houve, até quanto ao fato de o processo ter ido parar nas mãos do ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin. Mas agora tornou-se mais robusto e Temer, que não bate prego sem estopa, quer anular a denúncia.

A primeira reação do procurador-geral, que corre o risco de encerrar o mandato como um grande trapalhão, foi de absoluta perplexidade. Mas o fato de ter dado amplo conhecimento à gravação e encaminhado o assunto imediatamente ao Supremo Tribunal Federal (STF) fez com que o caso passasse a ser tratado com base no devido processo legal. Como se sabe, o grande questionamento a Janot vem dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato e seus advogados, que denunciam excessos do Ministério Público Federal e chamam de vazias as denúncias. Entretanto, pau que dá em Chico dá em Francisco, o devido processo legal é o leito mais seguro para a continuidade da Lava-Jato e não para a sua transformação numa pizza à napolitana. O STF não é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer foi rejeitado pela maioria da Corte, apesar do “excesso de provas”, para não atrapalhar a economia.

Narrativas

Em tempos de narrativas e pós-verdade, as provas são teimosas. Nesta semana, por exemplo, assistimos à apreensão de uma montanha de dinheiro — mais de R$ 51 milhões — em um apartamento utilizado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, que cumpria prisão domiciliar sem tornozeleira eletrônica em Salvador e acaba de voltar pra cadeia. De onde veio tanto dinheiro, qual seria sua destinação? O político baiano fazia parte do núcleo duro do governo Temer, ao lado dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. Não dá para acreditar que aquela dinheirama toda tenha a ver apenas com sua passagem pelos governos Lula e Dilma.

Assim como a apreensão das malas de Geddel, o depoimento do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci foi devastador. Homem de confiança do ex-presidente Lula, um dos artífices da vitória de Dilma Rousseff em 2010, Palocci foi o primeiro integrante da elite petista a entregar o ouro. José Dirceu e João Vaccari Neto aguentaram o tranco. O ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma fez revelações que corroboram a delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht. Segundo ele, Lula não só sabia do esquema de propina, como também a recebeu. A diferença de Palocci para Joesley é que negocia com os procuradores de Curitiba, sob a égide do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, que vem sendo mais cauteloso do que Janot na condução do processo da Lava-Jato.

E a coalizão? As forças interessadas em sufocar as investigações e manter o status quo da política brasileira, infelizmente, são dominantes no Congresso, tanto no campo governista como na oposição. São lideradas pelos políticos enrolados na Lava-Jato, que passaram à ofensiva na medida em que Janot tropeçou nas próprias pernas. Mas são forças minoritárias na sociedade, que aguarda as eleições de 2018. É nelas que haverá um grande ajuste de contas. É ilusão achar que a recuperação da economia os absolverá da crise ética, assim como o milagre econômico não absolveu a ditadura militar nas eleições de 1974, 1978 e 1982.

Ontem, o dia da pátria, foi emblemático quanto a isso. No desfile de 7 de Setembro, blindado pelo esquema de segurança do Palácio do Planalto e para uma plateia de funcionários públicos e familiares dos militares, o presidente Temer assistiu ao desfile sem ser vaiado, mas também não foi aplaudido. As palmas foram destinadas à Polícia Federal, à tropa de choque da Polícia Militar e aos ex-pracinhas e veteranos das Forças Armadas. Não deixa de ser um recado. Durante o feriado, Joesley, Saud e o executivo Francisco de Assis foram interrogados no Ministério Público Federal para prestar esclarecimentos sobre os diálogos da gravação; hoje é a vez de Miller. Não será surpresa se Janot pedir a anulação dos benefícios da delação premiada da JBS e a prisão preventiva dos quatro ao Supremo, que cobra do MPF explicações cabais sobre a atuação de cada um dos envolvidos no caso.


Luiz Carlos Azedo: Mudança de foco

A mudança de foco da Operação Lava-Jato para Lula e Dilma não tirou o procurador-geral Rodrigo Janot da berlinda em que se encontra por causa da atuação de Marcelo Miller

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot — que amarga os últimos dias no cargo tendo que se explicar sobre a dupla militância do ex-procurador Marcelo Miller no caso da JBS —, mudou o foco das denúncias do presidente Michel Temer para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, denunciados ontem pelo Ministério Público Federal por obstrução da Justiça. Na véspera, Janot havia denunciado os petistas por formação de organização criminosa no escândalo da Petrobras. A nova denúncia se refere à nomeação de Lula por Dilma para a Casa Civil do governo, antes de seu afastamento da Presidência. À época, a decisão foi suspensa por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Também foi denunciado o ex-ministro Aloizio Mercadante, que telefonou para o senador cassado Delcídio do Amaral, supostamente para evitar a delação premiada de Delcídio.

Mas o tempo fechou mesmo para o ex-presidente Lula foi em Curitiba. O ex-ministro Antônio Palocci, em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, disse que o Instituto Lula recebeu R$ 4 milhões da Odebrecht e que havia uma espécie de “pacto de sangue” entre o PT e os donos da empreiteira, que previa o pagamento de R$ 300 milhões ao partido. “O Paulo Okamotto me pediu para que eu ajudasse ele a cobrir o final de ano do instituto, que faltava recurso. Acho que foi meio para o final de 2013, começo de 2014. Ele tinha um buraco nas contas, me pediu para arrumar recursos. Eu fui ao Marcelo Odebrecht. Eu ia viajar para o exterior, ele disse que precisava com muita urgência. A ideia dele era que eu procurasse várias empresas. Eu disse: ‘Não posso, vou procurar só o Marcelo’. Pedi R$ 4 milhões”, revelou Palocci. Ele disse que os R$ 4 milhões foram dados a Lula em espécie.

Segundo Palocci, Lula sabia da compra de um terreno para o Instituto Lula e de um imóvel vizinho ao apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo: “Eu voltei a falar com ele sobre o prédio do instituto. Falei da minha conversa com o Bumlai e falei: ‘Eu não gostaria que fizesse desse jeito. Se o senhor está fazendo um instituto para receber doações e fazer sua atividade, não sei por que procurar agora um terreno. Não tem problema nenhum receber uma doação da Odebrecht, mas que seja formal ou que, pelo menos, seja revestida de formalidade’”.

A defesa de Lula apontou contradições no depoimento e disse que Palocci fez “acusações falsas e sem provas” porque está preso e sob pressão, enquanto negocia acordo de delação premiada com o MPF. O Instituto Lula também rechaçou as acusações: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirma que jamais cometeu qualquer ilícito nem antes, nem durante, nem depois de exercer dois mandatos de presidente da República eleito pela população brasileira”.

Berlinda

A mudança de foco da Operação Lava-Jato para Lula e Dilma não tirou o procurador-geral Rodrigo Janot da berlinda em que se encontra por causa da atuação de Marcelo Miller, que era um de seus homens de confiança e havia se exonerado do MPF para ingressar como sócio do escritório de advocacia Trench, Rossi, Watanabe, responsável pela assistência jurídica ao Grupo JBS. A comunicação de seu afastamento, entretanto, somente se tornou pública às vésperas do vazamento da gravação mantida entre Joesley Batista e o opresidente Michel Temer. Na época, a OAB-RJ chegou a abrir um processo de avaliação de conduta, mas foi acusada de haver instaurado o procedimento disciplinar para tumultuar o trabalho da Operação Lava-Jato. A Emenda Constitucional Nº 45/2004 estendeu aos membros do Ministério Público os mesmos três anos de quarentena impostos a ex-magistrados para que voltassem a advogar.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a gravação da conversa do empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud, da JBS, causaram indignação. Os ministros Luiz Fux, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, porém, defenderam a validade das provas que os executivos entregaram na delação, mesmo que os benefícios obtidos por eles venham a ser anulados com uma eventual rescisão do acordo de colaboração, cuja revisão foi pedida por Janot. Fux chegou a pedir a prisão dos dois delatores. “Acho que eles ludibriaram a Procuradoria, degradaram a imagem do Brasil no plano internacional, atentaram contra a dignidade da Justiça, mostraram a arrogância dos criminosos de colarinho branco. Então, eu acho que a primeira providência que tem de ser tomada é prender eles”, disse.

A situação política de Janot, porém, se fragilizou. Está sendo frontalmente atacado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, e sofre um bombardeio severo no Congresso, onde foi pedida a abertura de uma CPI para investigar a delação premiada da JBS. O presidente Michel Temer, que chegou de viagem pela manhã, trabalhou o dia inteiro e comandou a reação governista. Ontem mesmo, a defesa do Temer pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que uma eventual nova denúncia contra ele seja suspensa até que as investigações sobre a primeira denúncia sejam concluídas. “Parte dos fatos ora noticiados denota a completa invalidade da prova produzida no bojo das delações, seja porque foi ratificada a arguição de suspeição do procurador-geral da República para atuar à frente dos casos que envolvam o chefe da nação”, diz o pedido, que acusa Janot de parcialidade e questiona o envolvimento de Miller nas negociações do acordo.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Flechada no pé

O suspense era sobre a nova denúncia contra o presidente Michel Temer, mas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em entrevista coletiva ontem à noite, ao contrário, anunciou a abertura de investigação para apurar “indícios de omissão de informações de práticas de crimes” no acordo de delação premiada dos executivos do grupo J&F, controlador do frigorífico JBS, que originou a primeira denúncia. O que era pra ser uma flecha de prata a ser disparada contra o Palácio do Planalto, virou uma flechada de chumbo no próprio pé, porque a decisão reforça a tese de que as denúncias contra Temer seriam uma “conspiração” para derrubar o presidente da República. Dependendo do resultado da investigação, os benefícios oferecidos no acordo de colaboração dos irmãos Joesley e Wesley Batista poderão ser cancelados.

Janot revelou que os investigadores da Polícia Federal obtiveram na última quinta-feira áudios com conteúdo “gravíssimo”. Numa das gravações, Joesley Batista conversa com Ricardo Saud, diretor institucional da J&F. Três dos sete executivos da empresa que fecharam a delação estão implicados nos áudios. Por isso, Janot ameaça anular a delação premiada de Joesley, Wesley e Saud. Nos áudios enviados à PGR, há diálogo entre delatores que supostamente teriam sido entregues por engano por um dos colaboradores. O áudio teria referências a congressistas, integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e até a pessoas da própria PGR, inclusive Janot. O único nome citado pelo procurador-geral, porém, foi do ex-procurador Marcelo Müller, que deixou a sua equipe para atuar como advogado no escritório de advocacia contratado por Joesley para negociar a delação premiada.

Janot não revelou o diálogo entre dois colaboradores “com referências indevidas” à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal, nem confirmou os nomes dos delatores que, na conversa, revelam fatos que podem ser indícios de crimes praticados. Entretanto, o procurador-geral garantiu que as provas não serão anuladas, caso se comprove que Joesley omitiu informações, mas os envolvidos poderão perder os benefícios da delação e o ex-procurador envolvido pode ser exemplarmente punido.

São quatro horas de conversa gravada, que aparentemente não eram do conhecimento de Joesley, mas foram parar nas mãos de Janot, sem que o dono aparentemente soubesse do conteúdo. A gravação registra bastidores da negociação com a PGR, destacando a atuação de Müller na confecção de propostas do acordo que seriam fechadas com o órgão. “Ao longo de três anos, Marcelo foi auxiliar do procurador-geral, procurado por suas qualidades técnicas. Se descumpriu a lei no exercício das funções, deverá pagar por isso”, disse Janot.

Anulação

O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que cuida da defesa do presidente Michel Temer, anunciou ontem que pretende pedir a anulação da denúncia da PGR que acusou o presidente de corrupção passiva. Embora Janot tenha reiterado que não haverá anulação de provas, a gravação das conversas relatada pelo próprio procurador-geral abriu a brecha para o Palácio do Planalto iniciar uma ofensiva com objetivo de sepultar de vez a segunda denúncia e desmoralizar Janot. Os áudios foram, encaminhados ao ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, que decidirá o que fazer com as gravações. A história toda é muito cabeluda, porque tudo aconteceu como se fosse um grande descuido.

Há muita especulação sobre o que está acontecendo. O Palácio do Planalto comemora o episódio como se fosse uma pá de cal na Lava-Jato e no estatuto da “delação premiada”, que está sendo muito questionado por todos os denunciados com base em depoimentos de colaboradores. Além disso, a gravação pegou Janot no fim de seu mandato, pois a posse da nova procuradora-geral, Raquel Dodge, deverá ocorrer no próximo dia 18. Para muitos, a investigação é uma espécie de vacina, pois certamente seria instalada por sua sucessora no cargo, já que a gravação mostra que Müller começou a trabalhar para os colaboradores quando ainda integrava a equipe de Janot, que pretende encerrar a investigação até o dia 15, ou seja, ainda durante seu mandato.

 


Luiz Carlos Azedo: A defesa prévia

A probabilidade de a nova denúncia contra Temer ser rejeitada pela Câmara é igual ou até maior do que a anterior, o problema é o custo fisiológico que terá para o ajuste fiscal

O presidente Michel Temer desistiu da volta antecipada da China. A versão oficial de que seria para aprovar a mudança da meta de deficit fiscal de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões estava sendo interpretada como decorrente da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Devolvida ao Ministério Público Federal, na última quarta-feira, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, para que sofresse retificações, foi reenviada em menos de 48 horas ao relator da Operação Lava-Jato no STF pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas mais duas semanas de mandato.

A reação inicial do Palácio do Planalto alimentou as especulações. Lembrou Crime e Castigo, o clássico da literatura universal do escritor russo Fiodor Dostoievski. O romance narra a história de Raskólnikov, um estudante muito neurótico e introspectivo, para quem homens como César e Napoleão foram responsáveis por milhares de mortes, entretanto, foram considerados pela história como grandes heróis e conquistadores. Raskólnikov se questiona: “Se Napoleão matou milhares e foi absolvido pela história, por que ele também não seria se matasse a velha proprietária do imóvel que alugava e que vivia de juros? Não estaria ele fazendo um bem à humanidade?”

Ninguém sabia que ele havia matado a usurária, pois cometera um “crime perfeito”. Mas aí surge o sentimento de culpa. Raskólnikov não é o primeiro suspeito, porém, durante o interrogatório, o juiz parecia desconfiar de que ele era o autor do crime. À medida que os interrogatórios vão se multiplicando, Raskólnikov perde o controle da situação e acaba confessando.

Na expectativa de que Janot apresentará nova denúncia contra Temer nesta semana, o Palácio do Planalto divulgou uma nota na qual afirma que a delação de Funaro possui “inconsistências e incoerências” e que o procurador-geral tem “vontade inexorável de perseguir o presidente da República”. O texto afirma que o próprio Ministério Público Federal descreveu Funaro como uma “pessoa que tem o crime como modus vivendi” e que já havia sido beneficiado com colaboração premiada, mas “prosseguiu delinquindo”. O problema é que a delação ainda está em sigilo, não se sabe o verdadeiro teor das denúncias.

“Quem garante que, ao falar ao Ministério Público, instituição que já traiu uma vez, não o esteja fazendo novamente? Se era capaz de ameaçar a vida de alguém para escapar da Justiça, não poderia ele mentir para ter a pena reduzida? Isso seria, diante de sua ficha corrida, até um crime menor”, afirma a nota da Presidência, que acusa Janot de perseguição a Temer. “Qual mágica teria feito essa pessoa, que traiu a confiança da Justiça e do Ministério Público, ganhar agora credibilidade?”, dispara o Planalto.

Essa defesa prévia pode ter sido um tiro no pé. Nos depoimentos, o doleiro afirma que recebeu R$ 400 mil da JBS, do empresário Joesley Batista, para se manter em silêncio. Ninguém sabe, porém, se Funaro atribui a ordem do pagamento a Temer ou implica o presidente em qualquer outro crime. Antes de fechar o acordo com os investigadores, Funaro havia dito à Polícia Federal que os pagamentos foram feitos para quitar uma dívida antiga com a JBS, visto que intermediou negócios da empresa.

A versão de Joesley, porém, é de que pagava para que o doleiro e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) permanecessem calados e que relatou isso a Temer, em conversa à noite, no Palácio do Jaburu. A primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, barrada pela Câmara no início de agosto, se baseava na delação de Joesley Batista. A probabilidade de a nova denúncia também ser rejeitada pela Câmara é igual ou até maior do que a anterior, o problema é o custo fisiológico que isso terá para o governo.

Luz no túnel

A volta de Temer e a nota da presidência são sintomas de que teremos uma semana tensa, na qual o governo tentará aprovar a mudança da meta fiscal e capitalizar o crescimento de 0,2% da economia brasileira no segundo trimestre em relação ao período imediatamente anterior. É uma luz no fim do túnel da recessão, pois mostra que a expectativa de recuperação gradual da economia deve se manter nos próximos meses. É um alento para a sociedade e os agentes econômicos, mas isso não significará reverter o desgaste do governo por causa do envolvimento de seus integrantes na Lava-Jato.

Os dados divulgados na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) surpreenderam positivamente o mercado devido ao aumento do consumo, que subiu 1,4% na comparação com o período imediatamente anterior. É resultado da liberação das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a queda dos juros, do desemprego e da inflação. Esses fatores continuarão estimulando o consumo e a atividade nos próximos meses, prevê a Confederação Nacional da Indústria (CNI), com exceção dos saques do FGTS.

O problema é que os investimentos continuam caindo. Com a queda de 0,7% no segundo trimestre, representaram apenas 15,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Antes da crise, eram 20% do PIB. Essa variável da economia é fortemente influenciada pela situação política. Isto é, pelo desgaste causado ao governo pelas denúncias da Operação Lava-Jato e as dificuldades para aprovar as reformas, principalmente a da Previdência.


Luiz Carlos Azedo: Violência e desemprego

Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha

O referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição no Brasil, rejeitada por quase dois terços dos eleitores, em 23 de outubro de 2005, é um dos fenômenos mal estudados da política nacional. A derrota da proibição do comércio de armas e munições foi resultado de uma reviravolta na opinião pública, ocorrida num prazo de 20 dias. No começo, 80% dos cidadãos apoiavam a proibição; quando foram apurados os votos, 63% (59,1 milhões de eleitores) votaram não; 36,6% (33 milhões de eleitores), sim. A frente parlamentar vitoriosa foi coordenada pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury (PTB), um político em decadência, e pelo polêmico deputado Alberto Fraga (então PFL-DF), coronel reformado da Polícia Militar.

A chamada “bancada da bala” derrotou toda a elite política do país, ou seja, os líderes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o alto clero e os mais importantes representantes da sociedade civil, como a OAB, por exemplo, sem falar nos artistas e intelectuais que aderiram à campanha. O “não” venceu em todos os estados, com destaque para Rio Grande do Sul, Acre e Roraima, onde a opção recebeu cerca de 87% dos votos. O melhor desempenho do “sim” foi em Pernambuco e no Ceará, com pouco mais de 45% dos votos.

De acordo com o TSE, a abstenção foi de pouco mais de 21% dos 123 milhões de eleitores registrados. Os números se mostraram semelhantes ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2002, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos derrotados na consulta popular, se elegeu pela primeira vez. Somente 20,45% dos eleitores deixaram de votar. O direito à autodefesa e a fragilidade da segurança pública fizeram a cabeça dos cidadãos, num país em que eram assassinadas a tiros 108 pessoas por dia.

Na verdade, o cotidiano violento da população falou mais alto, num país no qual se estimava a existência de 17 milhões de armas em poder de civis. Estatísticas do governo de São Paulo, no ano anterior, revelaram que 5% das vítimas de homicídios ocorridos no estado foram casos de latrocínio (morte seguida de roubo); os demais, execuções. Uma década depois do plebiscito, a violência aumentou: o Brasil atingiu a marca recorde de 59.627 homicídios em 2014, uma alta de 21,9% em comparação aos 48.909 óbitos registrados em 2003.

A média de 29,1 para cada grupo de 100 mil habitantes também é das maiores já registradas na história do país, e representava uma alta de 10% em comparação à média de 26,5 de 2004. Os números são do Atlas da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP). A pesquisa confirmou que jovens negros e com baixa escolaridade são as principais vítimas. Os homicídios representam cerca de 10% de todas as mortes no mundo, e, em números absolutos, o Brasil lidera a lista desse tipo de crime, mesmo considerando países em guerra civil, como Afeganistão, Iraque e Síria.

Humores

Grosso modo, os indicadores de violência estão associados ao desemprego e à educação. Por isso, a política de segurança pública não dá conta do problema sozinha, embora seja fundamental para reduzir os indicadores de violência, haja vista, por exemplo, a situação da crise de segurança no Rio de Janeiro, onde os indicadores vinham melhorando (redução de 33,3% de mortes por homicídio, de 48,1 para 32,1 por mil habitantes), até que o governo fluminense entrou em colapso.

O país tem 13,3 milhões de desempregados, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A redução foi de 0,8 ponto percentual em comparação ao trimestre de fevereiro a abril (13,6%), mas é irrisória, diante do fato de que a melhora foi proporcionada pela informalidade e não pela criação de vagas de carteira assinada, como era esperado. Ao comparar com o mesmo trimestre de 2016, 1,5 milhão de trabalhadores ficaram desempregados.O número de trabalhadores com carteira assinada manteve-se estável em 33,3 milhões frente ao trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre de 2016, a queda foi de 1 milhão de pessoas (2,9%).

O volume de empregados na informalidade, ou seja, sem carteira assinada, cresceu 4,6%, para 10,7 milhões de pessoas. Isso significa que 468 mil pessoas ingressaram no mercado de trabalho na informalidade (em um ano, a alta ficou em 5,6%, com 566 mil pessoas inseridas). O contingente de trabalhadores por conta própria aumentou em 351 mil, para 22,6 milhões de pessoas (1,6%), na comparação trimestral.

Há uma correlação entre os índices de desemprego e os indicadores de violência, embora não seja a única. Há que se considerar, por exemplo, o fator educação; sem falar na questão da legalização do aborto, cujo impacto nos indicadores de violência são comprovados. Desemprego e violência mexem com os humores do eleitor. Nesse aspecto, é bom lembrar o que houve no referendo das armas.