Luiz Carlos Azedo: Acordo da Odebrecht sobe no telhado

As grandes bancas de advocacia criminal voltaram a atuar com desenvoltura nos tribunais, explorando as brechas legais e as falhas para beneficiar seus clientes

O chefão da Odebrecht, Emílio Odebrecht, perdeu o controle sobre os 77 executivos da empresa que fizeram delações premiadas. Por essa razão, os advogados do grupo comunicaram à Polícia Federal que seus ex-diretores, a maioria em prisão domiciliar, somente voltarão a prestar depoimento em juízo. A decisão pode resultar no arquivamento de denúncias contra mais de 100 políticos citados nas delações premiadas e que estão sendo investigados pela PF, por falta de provas. Apelidada de “delação do fim do mundo”, o acordo de leniência negociado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot com o grupo, a partir do acordo feito com Marcelo Odebrecht, que está preso em Curitiba, subiu no telhado e pode ser revisto. Os sinais de mudança de cenário vêm de todos os lados.

Na semana passada, o ex-superintendente da construtora em São Paulo Carlos Armando Paschoal se rebelou em juízo, ao depor na Justiça Federal sobre o caso do metrô de São Paulo. Contra a orientação do advogado da empresa, em vez de permanecer em silêncio, resolveu prestar novo depoimento, espontaneamente, com informações contraditórias em relação a oitivas anteriores. Engenheiro civil formado pelo Mackenzie na década de 1970, “Carp”, como era chamado, foi diretor da Andrade Gutierrez, por 12 anos, e da Odebrecht, por mais 20 anos. Em 2010, acusou o senador José Serra (PSDB) de receber cerca de R$ 38 milhões; o ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, do PSD, R$ 21,5 milhões; e o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, do PSDB, R$ 500 mil. Todos negaram as acusações e poderão se beneficiar do novo depoimento do diretor da Odebrecht para requerer a anulação das denúncias.

Outro sinal de que os acordos feitos por Janot poderão ser revistos veio direto do Supremo Tribunal Federal (STF), com a decisão do ministro Ricardo Lewandowski que devolveu a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira à Procuradoria-Geral da República, recusando-se a homologá-la. O ex-governador Sérgio Cabral, o governador fluminense Luiz Fernando Pezão e o ex-prefeito Eduardo Paes são os políticos mais envolvidos no caso. Os acordos de delação são feitos pelo Ministério Público, que julga convincentes ou não as provas ou os indícios oferecidos. Não é competência do Judiciário negociar os acordos, mas, sim, homologá-los. O ministro Gilmar Mendes, que preside a segunda turma do STF, em entrevista, endossou a decisão do colega.

Dificilmente o acordo da Odebrecht também não sofrerá as consequências da revisão do acordo de leniência e das delações premiadas da JBS e do empresário Joesley Batista. O presidente Michel Temer questiona a participação do ex-vice-procurador Marcelo Müller na banca do escritório de advocacia que atuou na elaboração do acordo de leniência do grupo JBS. Sob investigação do próprio Ministério Público Federal (MPF), Müller integrou o grupo de trabalho da Lava-Jato até pouco antes de o empresário Joesley Batista e outros executivos da holding controladora do frigorífico JBS fecharem acordo de delação premiada. E chegou a participar das negociações com a Odebrecht, sendo um dos negociadores das delações premiadas do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT), que era líder do governo Dilma Rousseff.

Mudanças
De certa forma, a complexidade dos processos da Odebrecht começa a ter consequências do ponto de vista do chamado “devido processo legal”. As grandes bancas de advocacia criminal, que inicialmente foram surpreendidas, voltaram a atuar com desenvoltura nos tribunais, explorando as brechas abertas pelo Código de Processo Penal e as falhas para beneficiar seus clientes. Além disso, denunciados excluídos das delações começam a oferecer provas de que houve ocultação de informações e manipulação nos depoimentos, o que cria mais problemas para a Odebrecht.

Houve também duas mudanças políticas no comando das investigações da Lava-Jato. Uma foi saída de Janot da PGR, artífice da negociação. Raquel Dodge, nova procuradora-geral, tem compromisso com a Lava-Jato, mas não com falhas no processo. A outra foi a troca do diretor-geral da Polícia Federal, cargo agora ocupado pelo delegado Fernando Segóvia, indicado por Temer.


Luiz Carlos Azedo: A reforma na Esplanada

Temer pretende reunir apoios suficientes na Câmara e no Senado para aprovar a reforma da Previdência, o que não será fácil. Mas é vital para o governo adquirir mais musculatura

A composição atual do governo, com 27 ministros, é resultado dos acordos feitos por Michel Temer para aprovar o impeachment de Dilma Rousseff na Câmara e no Senado, o que levou a antiga oposição ao poder, isto é, o PSDB, o DEM, o PPS e o Solidariedade. O primeiro a desembarcar foi o PPS (apesar de o ministro Raul Jungmann permanecer na Defesa, na cota pessoal de Temer); agora foi a vez do PSDB, que prepara a saída de seus ministros até a convenção da legenda, no começo de dezembro. Os demais, a começar pelo PMDB, já estavam no governo Dilma.

A reforma ministerial anunciada ontem pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RJ), que levará à troca de 17 ministros, estava prevista para abril (prazo para a desincompatibilização dos ministros que pretendem disputar eleições). O desembarque do PSDB precipitou a reforma, que já era cobrada pelos aliados do chamado centrão (cujo núcleo principal é formado pela aliança PP, PR e PSD). Os demais partidos da aliança, como o DEM, o PTB e o Solidariedade, continuarão no governo, cuja cara dependerá dos objetivos de Temer.

Na composição original, o objetivo era afastar Dilma Rousseff e compor um governo de transição que enfrentasse a recessão, com um ajuste fiscal e reformas na economia que recolocassem o governo nos trilhos, já que o da petista havia descarrilado. Isso foi alcançado. No meio do caminho, porém, o presidente da República se viu arrastado para o olho do furacão da Operação Lava-Jato, com duas denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot contra ele, em razão da gravação de conversa comprometedora com o empresário Joesley Batista, dono da JBS. Entretanto, em nenhum momento Temer correu o risco de um impeachment, porque contou com a solidariedade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Entretanto, saiu da refrega enfraquecido. Na segunda denúncia, pela primeira vez, Temer se viu em minoria na Câmara. A denúncia foi rejeitada, porque precisava de dois terços de aprovação, mas os mesmos aliados que enfrentaram a opinião pública para barrá-la sentiram o cheiro de animal ferido na floresta. Foram para cima dos partidos que não deram o apoio esperado a Temer, principalmente o PSDB, exigindo seus ministérios. O mais cobiçado era o das Cidades, por causa dos programas habitacionais e de saneamento. Não foi à toa que o deputado tucano Bruno Araújo (PE), seu titular, pegou o boné antes de ser defenestrado do ministério.

Os partidos aliados pressionam Temer a passar o rodo nos infiéis e fazer logo a reforma ministerial; em contrapartida, prometem aprovar a reforma da Previdência. Segundo Jucá, a saída de Bruno precipitou essa mudança, que será “para aprovar e agilizar a votação das matérias que existem na Câmara”. Esse é o busílis da reforma ministerial. Assim como costurou uma maioria para aprovar o impeachment, Temer pretende reunir apoios suficientes na Câmara e no Senado para aprovar a reforma da Previdência, o que não será fácil. Mas é vital para o governo adquirir mais musculatura no próximo ano, evitando sua desagregação precoce.

Fricção
Com base em avaliações do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com a reforma da Previdência o governo poderá ter um desempenho econômico muito melhor no próximo ano, aumentando seu cacife eleitoral. Temer sonha com isso para aumentar sua popularidade, embora tudo indique que a desaprovação do seu governo seja provocada pela crise ética, que atingiu em cheio o Palácio do Planalto. Ao contrário de outros presidentes, Temer não pode jogar carga ao mar, ou seja, afastar do governo ministros denunciados na Operação Lava-Jato.

Mas há um problema a ser resolvido para aprovar a reforma da Previdência, a posição de distanciamento relativo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que reflete uma postura de maior autonomia do seu partido. O contencioso entre Temer e Maia tem a ver com as articulações do DEM para ampliar seu cacife parlamentar e eleitoral. O presidente da Câmara não engoliu as manobras para evitar a migração de parlamentares para seu partido patrocinadas pela cúpula do PMDB.

Esse contencioso vem se expressando na apreciação das matérias de interesse do governo. Ontem, por exemplo, surgiu mais uma fricção, com a medida provisória assinada por Temer que modifica a reforma trabalhista. O presidente atendeu um pedido do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-RJ), fruto de um acordo da bancada de senadores do PMDB com as centrais sindicais. Maia era contra a medida provisória, queria que fosse enviado um projeto de lei, com argumento de que não havia participado da negociação.


Luiz Carlos Azedo: Temer e o queremismo

A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot

Começa a ser urdido nos bastidores do Palácio do Planalto o projeto de reeleição do presidente Michel Temer, que já se movimenta como quem pretende ser candidato, quando nada para estancar o processo de desagregação do seu governo, que se acelerou ontem com o pedido de demissão do ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE). Um dos quatro tucanos no primeiro escalão de Temer, o parlamentar pernambucano chegou a anunciar sua saída do governo quando foi divulgada a gravação da conversa comprometedora entre o presidente da República e o empresário Joesley Batista, mas voltou atrás a pedido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agora, porém, saiu para valer.

A tese da candidatura à reeleição vem sendo defendida pelos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, como uma necessidade para segurar a base do governo e evitar a deriva antecipada de setores do PMDB e outros aliados para a campanha de candidatos da oposição, em razão da proximidade das eleições. Isso já aconteceu com o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), engajado na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foi à toa que o petista alertou o seu partido que os “golpistas” que o apoiarem nas eleições de 2018 serão recebidos de braços abertos nos seus palanques regionais.

Temer ainda não se convenceu inteiramente da ideia, mas resolveu fazer um esforço em várias frentes para melhorar a imagem do governo. A propaganda oficial trabalhará em três frentes: primeira, comparar os indicadores econômicos de quando assumiu com os do seu primeiro aniversário de governo, que são quase todos excelentes, diante da profunda recessão em que o país foi lançado no governo Dilma Rousseff; segunda, a manutenção dos programas sociais do governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, que será reajustado acima da inflação, conforme anunciou ontem o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra; terceira, a reforma da Previdência, que Temer voltou a defender, convencido de que enfrentar as corporações aumentará sua popularidade e criará condições de o país crescer a taxas acima de 3% no próximo ano, na avaliação de seus estrategistas, a premissa para o projeto eleitoral dar certo.

A tese audaciosa ganhou mais força com o desembarque do PSDB do governo, que estava previsto para a convenção de 9 de dezembro, mas acabou antecipado por Bruno Araújo. Temer não pretende esperar a deserção dos aliados para fazer a reforma ministerial. A ideia no Palácio do Planalto é reconstituir o governo com base nos aliados que garantiram a rejeição das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Temer obteve apenas 240 votos na votação, o suficiente para blindá-lo constitucionalmente, mas não para aprovar as reformas. Acontece que a reforma da Previdência é uma bandeira dos aliados que estão deixando o governo, o que permitiria atender a base fisiológica que barganha mais cargos no governo para aprová-la e, ao mesmo tempo, também negociar com os tucanos e outros aliados que deixaram o governo.

Um dos argumentos para convencer Temer a concorrer às eleições de 2018 é o fato de que o ex-presidente José Sarney, em 1989, virou saco de pancadas de todos os candidatos e não teve como se defender porque não disputava a reeleição. O próprio Sarney costuma avaliar que o governo, na pior das hipóteses, garantiria de 15 a 20% dos votos do primeiro turno para seu candidato. Temer teria oportunidade de se defender e capitalizar suas realizações. Não é uma ideia sem sentido, em razão do tempo de televisão e dos recursos do fundo partidário do PMDB, que teria, além do peso da máquina do governo a seu favor, grande capilaridade nos grotões do país.

Não colou

Mas sempre é bom lembrar o risco de a proposta não colar, como aconteceu com o movimento Queremista em 1945, cujo objetivo era defender a permanência de Getúlio Vargas na Presidência da República. O nome se originou do slogan utilizado pelo movimento: “Queremos Getúlio”. Naquela época, diante do esgotamento da ditadura do Estado Novo e do fim da II Guerra Mundial, as forças políticas que haviam se oposto ao regime iniciaram o ano reivindicando a redemocratização do país. Pressionado, Vargas comprometeu-se a realizar eleições e manteve-se numa posição dúbia em relação à possibilidade de se candidatar.

No fim de outubro, quando Vargas tentou substituir o chefe de Polícia do Distrito Federal, João Alberto Lins de Barros, por Benjamin Vargas, seu irmão, a manobra acabou interpretada por seus adversários como um golpe para preparar a continuidade no poder. No dia 29, o alto comando do Exército, tendo à frente o ministro da Guerra, general Góes Monteiro, depôs Vargas da presidência, que em seguida foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.


Luiz Carlos Azedo: A fortuna do príncipe

Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994

Um dos últimos capítulos do clássico O príncipe, de Nicolau Maquiavel, obra seminal da teoria política, parece escrito sob medida para as movimentações de bastidor dos líderes principais do PSDB na tentativa de construção de candidatura capaz de unificar forças de centro e derrotar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado Jair Bolsonaro (PSC), que hoje polarizam as pesquisas eleitorais. Intitulado “De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva resistir” (Quantum foruna in rebus humanis possit, et quomodo illis sit occurren dum), trata da relação entre as virtudes dos governantes e a sua fortuna (que tem mais a ver com as contingências do que propriamente com a sorte ou o acaso).

Para Maquiavel, o governante prudente se prepara para as adversidades. “Não ignoro que muitos têm tido e têm a opinião de que as coisas do mundo sejam governadas pela fortuna e por Deus, de forma que os homens, com sua prudência, não podem modificar nem evitar de forma alguma (…) Esta opinião se tornou mais aceita nos nossos tempos pela grande modificação das coisas que foi vista e que se observa todos os dias, independentemente de qualquer conjectura humana. Pensando nisso algumas vezes, em parte, inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase.”

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, parece não seguir essa receita e não se cansa de dizer que a política é destino. De certa forma, as três eleições que perdeu — duas para a prefeitura de São Paulo (2000 e 2008) e uma à Presidência da República (2006) —parecem corroborar esse ponto de vista, pois as derrotas não o impediram de governar São Paulo por quatro mandatos, a primeira vez em razão da morte do governador Mario Covas (era o vice), e as outras três, porque foi eleito para o cargo (2002, 2010 e 2014).

Alckmin é o candidato do PSDB por ocupar a posição estrategicamente mais importante nas esferas de poder da legenda na administração do estado mais populoso e desenvolvido do país. Ao lado de Fernando Henrique Cardoso e Tasso Jereissati, está entre os líderes tucanos menos afetados pela Operação Lava-Jato, o que parecia transformá-lo em mono-opção partidária às eleições presidenciais de 2018. O candidato natural seria o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do partido (obteve 51 milhões de votos em 2014, na disputa de segundo turno contra a então presidente Dilma Rousseff), mas acabou fora da disputa, em razão da delação premiada do empresário Joesley Batista. Entretanto, o destino prega mais uma peça ao governador paulista. Alckmin parece aquele príncipe retratado por Maquiavel que estava em franco e feliz progresso, mas corre o risco de ser arruinado.

Discordância
Maquiavel nos ensina que, variando a sorte e permanecendo os homens obstinados nos seus modos de agir, “serão felizes enquanto aquela e estes sejam concordes e infelizes quando surgir a discordância”. É mais ou menos o que está acontecendo com Alckmin, com o PSDB à beira da implosão em razão da disputa pelo controle da legenda com Aécio Neves, que apoia a candidatura do governador goiano Marconi Perillo, a presidente do PSDB, contra o senador Tasso Jereissati, candidato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do governador paulista.

Alckmin corre o risco de ser “cristianizado” nas eleições, porque outros caciques do PSDB paulista estão aliados a Aécio, principalmente o chanceler Aloysio Nunes Ferreira e o senador José Serra (SP), que já se articula para a sucessão paulista. Há um plano B em curso para as eleições: o apresentador de tevê Luciano Hulk, que negocia sua filiação ao PPS, com forte apoio de grupos empresariais liderados por jovens investidores formados nos Estados Unidos.

Prudente por natureza, Alckmin pode repetir a performance de Orestes Quércia (PMDB), governador paulista “cristianizado” nas eleições de 1994, quando provou do mesmo veneno que usou contra Ulysses Guimarães, em 1989. Como dizia o bruxo florentino, “a sorte sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam”. Com Hulk, a grande novidade desse processo, porém, pode ser o surgimento de um certo “americanismo” na política brasileira, tradicionalmente prisioneira do velho iberismo fisiológico e patrimonialista.

Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/fortuna-do-principe/


Luiz Carlos Azedo: Tucanos em crise

A saída de Tasso e a assunção de Goldman revelam que, além de Aécio, outros atores também se movimentam nos bastidores para manter poder de fogo na legenda

É incrível a confusão no PSDB. Os tucanos não conseguem de entender. O racha no partido se aprofundou devido ao artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no domingo passado, no qual propôs o desembarque do governo em dezembro, e à proximidade da convenção nacional da legenda, marcada para dezembro. Candidato a presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE), que exercia o cargo interinamente, foi destituído ontem e substituído pelo ex-governador de São Paulo Alberto Goldman.

Tasso está em rota de colisão com o presidente licenciado do PSDB, senador Aécio Neves (PMDB-MG), que mais uma vez demonstrou poder de articulação e combatividade ao destituí-lo do cargo. Mostrou que ainda tem força, mesmo que desgastado por causa da Operação Lava-Jato. A ação, porém, foi brusca. Aécio reassumiu a presidência e designou Goldman seu substituto, para garantir isonomia na disputa pela presidência entre Tasso e seu adversário, o governador de Goiás, Marconi Perillo. A reação de Aécio foi uma resposta ao discurso de Tasso ao lançar sua candidatura, no qual reconheceu erros do partido e defendeu regras de compliance para os filiados.

Aécio já havia demonstrado capacidade de resistência ao conseguir apoio da maioria dos colegas para revogar, no plenário do Senado, a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que o afastara do cargo, dentre outras “medidas cautelares”. A decisão veio na sequência de uma vitória por 6 a 5 no próprio STF acerca da necessidade de o Senado dar a palavra final sobre decisões judiciais que impedem o exercício de mandato de senadores.

Ex-candidato a presidente da República que obteve 51 milhões de votos no segundo turno das eleições de 2014, Aécio é aliado do presidente Michel Temer e defende a permanência do PSDB no governo. Nos bastidores do Congresso, já havia demonstrado poder de articulação; agora, mostrou que ainda tem pleno controle do PSDB. De certa forma, a decisão foi um recado para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que pleiteia a vaga de candidato a presidente da República pelo partido.

Tudo indicava que a situação estava sob controle do governador paulista, mas a saída de Tasso e a assunção de Goldman revelam que outros atores também se movimentam nos bastidores para manter poder de fogo na legenda. É o caso do senador José Serra (SP) e do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira. Aécio sozinho não teria forças para destituir Jereissati. Ambos resistiram, por exemplo, à candidatura de João Doria a prefeito de São Paulo, com a qual Alckmin atropelou os demais tucanões paulistas.

Como se sabe, Doria se movimentou para ser o candidato do PSDB a presidente da República, logo depois de sua vitória nas últimas eleições municipais. Seus esforços foram frustrados pelo desgaste de sair candidato muito antes da hora e as demandas da capital que administra. Alckmin parecia absoluto, aliado a Tasso Jereissati e Fernando Henrique Cardoso. Foi surpreendido pela decisão de Aécio.

Reforma

O presidente Michel Temer reconheceu ontem a necessidade de uma reforma ministerial, mas disse que a fará no tempo certo. Havia uma perspectiva de fazê-la somente em abril do próximo ano, quando da desincompatibilização dos ministros que vão disputar a eleição, mas ela deverá ocorrer tão logo o PSDB decida se fica ou não no governo, ou seja, no começo de dezembro.

A reforma ministerial será balizada pela reforma da Previdência. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou que o governo vai mitigar a reforma para aprová-la. Para Temer, qualquer avanço na Previdência é lucro. Sinaliza a vontade de fazer a reforma e, ao mesmo tempo, reduz resistências.


Luiz Carlos Azedo: A receita do comandante

 

O falecido senador Ernâni do Amaral Peixoto, um dos caciques do antigo PSD, dizia que todo governante precisa de um bom chefe de polícia. Trazia na bagagem a experiência de interventor do Estado Novo no antigo Estado do Rio de Janeiro, do qual foi governador eleito de 1951-1954. Herdeiro da tradição dos “saquaremas” (políticos conservadores do Império), Amaral era também discípulo do “americanismo” de Oswaldo Aranha, ex-ministro da Justiça e chanceler brasileiro que abriu a primeira Assembleia Geral da ONU, seu grande aliado nas articulações para convencer Getúlio Vargas, seu sogro, a engajar o Brasil na guerra contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão).

Quem quiser detalhes sobre a tese do “comandante” (oficial de Marinha, Amaral Peixoto reformou-se com a patente de almirante) sobre os chefes de polícia, ele próprio explica direitinho no livro Artes da política – diálogos com Amaral Peixoto, de Aspásia Camargo, Dora Rocha e Lucia Hippolito. Aparentemente, a receita do velho cacique pessedista foi adotada pelo presidente Michel Temer, que ontem trocou o comando da Polícia Federal.

Temer desprezou a lista tríplice que havia sido apresentada pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, e escolheu para lugar de Leandro Daiello o jovem delegado Fernando Segóvia, como havíamos antecipado no domingo. O novo diretor da PF é considerado o mais político delegado de sua geração e deve promover uma grande renovação na cúpula da corporação. Seu nome foi articulado pelo ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, supostamente com o apoio do ex-presidente José Sarney, em razão de sua passagem pela superintendência da PF no Maranhão. É ligadíssimo ao ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes.

A mudança já era esperada pela corporação, porque começou a ser articulada logo após a votação da segunda denúncia contra Temer. Segóvia tem a seu favor o apoio da Federação Nacional dos Policiais Federais, que emitiu uma nota elogiando a substituição. A preferência do ministro da Justiça, Torquato Jardim, era pelo delegado Rogério Galloro, que seria o substituto natural de Daiello, por ser o número dois da hierarquia.

Segóvia estaria para Temer como o falecido delegado Romeu Tuma estava para o presidente Sarney no comando da Polícia Federal, com a diferença de que não passou pelos órgãos de segurança do antigo regime militar, embora seja também um especialista em inteligência. Formado em direito pela Universidade de Brasília (UnB), está há 22 anos na PF, foi adido policial na África do Sul. Em boa parte de sua carreira, exerceu funções de inteligência nas fronteiras do Brasil. Leandro Daiello estava no cargo desde 2011, nomeado na gestão do então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e já havia manifestado interesse em deixar o cargo.

A nomeação de Segóvia enfraquece o ministro Torquato Jardim, que tem um contencioso com os políticos do PMDB do Rio de Janeiro. É um passo atrás no sentido de preservar a autonomia da Polícia Federal; por outro lado, pode reduzir o conflito existente entre a instituição e o Ministério Público Federal, em torno de temas como o oferecimento de denúncias e a negociação de delações premiadas. Também pode representar mais uma inflexão nas investigações da Operação Lava-jato, desejo de muitos caciques do PMDB e dos ministros do Planalto que estão enrolados por causa das delações premiadas de Marcelo Odebrecht e Joesley Batista.

Pela Constituição, a Polícia Federal exerce atribuições de polícia judiciária e administrativa da União, “a fim de contribuir na manutenção da lei e da ordem, preservando o estado democrático de direito”. Não pode sofrer interferência do presidente da República.

Zelotes
O Ministério Público Federal no Distrito Federal apresentou denúncia ontem contra o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega por fatos apurados na Operação Zelotes. Também foram denunciados o ex-presidente do Carf Otacílio Cartaxo e outras 12 pessoas. Segundo o MPF, os 13 responderão por corrupção, advocacia administrativa tributária e lavagem de dinheiro. A Operação Zelotes investiga pagamentos de propina a conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e outros servidores públicos para que multas aplicadas a empresas — entre bancos, montadoras, empreiteiras — fossem reduzidas ou anuladas.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Adeus, mudanças!

Bem que Temer tentou convencer os líderes da base aliada, mas não teve sucesso. “Alguns líderes disseram realmente que está difícil, que não temos votos para aprovar a reforma hoje”, disse

O presidente Michel Temer admitiu ontem que o seu governo não tem força para aprovar a reforma da Previdência: “Vou insistir, vou me empenhar, mas concordo que, sozinho, o governo não tem condições de aprovar a reforma da Previdência”, disse. Resultado: o principal índice da bolsa paulista caiu mais de 2% e fechou abaixo dos 73 mil pontos pela primeira vez em dois meses. Foi a reação do mercado, ressabiado por causa do potencial de impacto da não aprovação da reforma nos índices de risco do Brasil.

Bem que Temer tentou convencer os líderes da base aliada, mas não teve sucesso. “Alguns líderes disseram realmente que está difícil, que não temos votos para aprovar a reforma hoje”, disse. Segundo ele, a questão da Previdência não é algo de interesse do governo, mas do país, admitiu. O presidente da República, ao manter o discurso a favor da mudança das regras da Previdência, compartilha o desgaste político de não aprová-las com os aliados, principalmente os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE). Ambos avaliam que o governo não tem votos para aprovar a reforma, a não ser que seja muito mitigada, com objetivo apenas de dizer que o governo fez o que prometeu.

Temer mal metabolizou o desgaste das votações das duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot contra ele, que foram rejeitadas pela Câmara, e já se vê às voltas com o desembarque iminente do PSDB, anunciado para dezembro pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num artigo de jornal. Temer foi pego de surpresa pelo aliado “mui amigo”, que aprofundou o racha no PSDB a favor dos que desejam romper com o governo. FHC também tirou o tapete do presidente licenciado da legenda, senador Aécio Neves (MG), aliado de Temer, que recentemente conseguiu não só recuperar o exercício do mandato, do qual havia sido afastado por uma decisão da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, como se blindou contra um possível processo de cassação no Senado. Para isso, foi fundamental a solidariedade da bancada do PMDB e de Temer.

A eleição do senador Tasso Jereissati (CE) para a presidência do PSDB será um golpe de morte na aliança do partido com Temer, apesar da indignação dos tucanos que ocupam posições no ministério. É o caso, por exemplo, do ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (SP), que não esconde a irritação com a cúpula do partido. A posição de FHC foi corroborada por declarações do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para quem o PSDB não precisa estar no governo para aprovar as reformas.

É uma boa senha para Temer antecipar a reforma ministerial, que ocorreria naturalmente em abril, reorganizando a base. As votações na Câmara mostraram que o presidente da República conta com 240 deputados para o que der e vier. É com eles que pretende recompor sua equipe, jogando ao mar os representantes dos partidos infiéis, processo que já começou. Experiente no jogo parlamentar, pois presidiu a Câmara por três mandatos, Temer sabe que é mais fácil negociar a aprovação das suas propostas com os antigos partidos de oposição, que estão demarcando distância regulamentar de seu governo, do que com uma base mais fisiológica insatisfeita.

Outro problema de Temer é a deriva eleitoral dos caciques da legenda, que já começam a aderir à candidatura de Lula. Sem um nome competitivo que possa chamar de seu, Temer corre o risco de ter um fim de governo semelhante ao do ex-presidente José Sarney. Tanto que muitos já comparam as eleições do próximo ano com a de 1989, mas há pelo menos duas diferenças importantes no plano institucional: primeira, a sucessão de Sarney ocorreu numa eleição solteira, o que não é o caso agora; segunda, Sarney não podia ser candidato à reeleição, o que não é o caso de Temer.

Mãos pesadas

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) ontem aumentou em 14 anos a pena de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. Foram condenados mais cinco réus na Lava-Jato, entre eles o casal Mônica Moura e João Santana— ex-marqueteiro da legenda. Vaccari, que cumpre prisão preventiva em Curitiba, havia sido condenado em fevereiro a 10 anos de prisão por corrupção passiva, em decisão de primeira instância. A pena agora aumentou para 24 anos.

O desembargador Leandro Paulsen, que absolveu Vaccari nas duas apelações criminais julgadas anteriormente, destacou que “neste processo, pela primeira vez, há declarações de delatores, depoimentos de testemunhas, depoimentos de corréus que à época não haviam celebrado qualquer acordo com o Ministério Público Federal e, especialmente, provas de corroboração apontando, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que Vaccari é autor de crimes de corrupção especificamente descritos na inicial acusatória”.


Luiz Carlos Azedo: 100 anos depois

O centenário da Revolução de Outubro, por causa da adoção do calendário gregoriano pelos russos, um legado dos bolcheviques, comemora-se hoje. A Revolução Russa, que começou em fevereiro, com a destituição do czar Nicolau II, provocou grande entusiasmo entre os intelectuais brasileiros antenados no mundo. Já naquela época, havia socialistas de diversos matizes nos nossos meios intelectuais, mas o que predominava no movimento operário e sindical, que promoveu uma onda de greves por todo o país naquele mesmo ano, eram as ideias anarquistas.

Foi nesse meio que surgiu o Partido Comunista, sob a liderança de Astrojildo Pereira, em 1922, o mesmo ano da Semana de Arte Moderna de São Paulo. A mesma divisão que ocorrera na Rússia entre social-democratas e comunistas, a partir da tomada do poder pelos bolcheviques, se reproduziu em todo o mundo. No Brasil, não foi muito diferente. Num período conturbado da República, que estava sob comando das oligarquias, muitas das quais remanescentes do regime escravocrata, o antigo Partido Comunista (PCB) era uma seção da III Internacional, refletia a doutrina e seguia as orientações de Moscou, em confronto aberto com os social-democratas e outras tendências socialistas.

As ideias comunistas no Brasil eram consideradas muito exóticas e pouca influência tinham na vida nacional, até que Astrojildo Pereira viajou para Bolívia com uma mala de livros marxistas, entre os quais O Estado e a Revolução, de Lênin, para um encontro com Luiz Carlos Prestes. O líder tenentista havia se exilado, depois de percorrer 25 mil quilômetros, em 11 estados, a maioria a pé, à frente de 1.500 homens, a chamada Coluna Prestes. Tornara-se um mito. Foi assim que Prestes aderiu ao comunismo, se recusou a comandar a Revolução de 1930, que considerava burguesa, e agregou o seu prestígio popular e militar ao minúsculo PCB.

De Moscou, Prestes articulou a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1934, da qual foi presidente de honra. Reuniu, entre outras personalidades, Herculino Cascardo (presidente), Amoreti Osório (vice-presidente), Francisco Mangabeira, Roberto Sisson, Benjamim Soares Cabello e Manuel Venâncio Campos da Paz, Moésia Rolim, Carlos da Costa Leite, Gregório Lourenço Bezerra, Caio Prado Júnior, Aparício Torelly, Miguel Costa, Maurício de Lacerda, Abguar Bastos, os ex-interventores como Filipe Moreira Lima (Ceará) e Magalhães Barata (Pará), o deputado federal Domingos Velasco e o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto.

O programa da ALN foi lido no lançamento pelo jovem Carlos Lacerda. Seguia as orientações do VII Congresso da Internacional Comunista, para cujo burô (o Comintern) Prestes havia sido eleito. Na essência, era um programa anti-imperialista e antifascista, que expressava o célebre “informe” do búlgaro George Dimitrof, seu secretário-geral, sobre unidade das forças populares na luta contra o fascismo. Mas traduzia também a radicalização política em curso no país, com crescimento do integralismo e, sobretudo, a simpatias de Vargas e de parte do governo pelo Eixo (a aliança Alemanha-Itália-Japão).

Paradigmas

Sentindo-se ameaçado, Vargas resolveu fechar a ALN, que já reunia um milhão de militantes. É aí que Prestes retorna ao país com a missão de organizar uma insurreição nos moldes soviéticos, como se tentara na Alemanha e na China, sem sucesso, o que aconteceu de forma precipitada em 27 de novembro de 1935, nos quartéis do Rio, Recife e Natal. O resto da história é mais conhecida. Foi nesse processo que se consolidou um pensamento hegemônico na esquerda brasileira, que parece renascer das cinzas sempre que surge uma oportunidade, apesar de ter se tornado anacrônico, principalmente depois da guerra fria. São ideias que não morreram completamente, mesmo depois do colapso da União Soviética e da queda do muro de Berlim, quando nada porque alguns de seus paradigmas estão vivíssimos.

Um deles é a ditadura do partido como força capaz de promover a modernização e combater as desigualdades sociais (China e Vietnã, na Ásia). Outro velho dogma é a tese de que um país periférico não pode se tornar uma nação desenvolvida sem romper as cadeias de dominação (Cuba, na América Latina). Finalmente, a tese de Lênin de que o capitalismo de Estado é a antessala do socialismo, que legitima governos autoritários em Angola, Moçambique e Venezuela. Já a Coreia do Norte é um caso à parte: ainda vive uma monarquia no “comunismo de guerra”.

Historicamente, o capitalismo de Estado foi uma via de industrialização, tanto para os regimes fascistas que tomaram conta da Europa, como para os regimes comunistas do Leste europeu. Há uma certa simbiose entre o modelo econômico e o regime político autoritário. No livro A Quarta Revolução, Adrian Wooldridge e John Micklethwait, seus autores, advertem que existe uma corrida mundial para reinventar o Estado, na qual regimes autoritários do Oriente estão levando certa vantagem em relação às democracias do Ocidente. Esse é o perigo.


Luiz Carlos Azedo: O fogo amigo

Não é de agora que as articulações para substituir o diretor da Polícia Federal estão sendo feitas. O litígio entre o ministro da Justiça e os caciques do PMDB fluminense é grande oportunidade

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, pode pôr as barbas de molho porque o fogo amigo só aumenta. De um dia para o outro, o eixo do problema da segurança pública no Rio de Janeiro, onde a pirotecnia não está dando conta do recado, deixou de ser a infiltração do crime organizado no sistema de segurança e no mundo político para ser a inabilidade do ministro, que disse o que todos os cariocas sabem, embora nem todos gostem de ouvir. O pior ainda está por vir: avançam as articulações do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, para substituir o diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, pelo delegado Fernando Segóvia, ligado ao ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes.

Não é de agora que as articulações para substituir o diretor da Polícia Federal estão sendo feitas. O litígio entre o ministro da Justiça e os caciques do PMDB fluminense, principalmente o governador Luiz Fernando Pezão, e o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, é grande oportunidade a ser aproveitada. A autonomia da Polícia Federal sob comando de Daiello é uma ameaça para o Palácio do Planalto por causa da Operação Lava-Jato. A rejeição da denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot não resolveu o problema; apenas blindou constitucionalmente o presidente da República, assim como aos demais envolvidos, entre os quais Padilha, até dezembro de 2018. Quando o mandato de Temer acabar, a denúncia seguirá seu curso inexorável.

Outras investigações que estão sendo feitas pela Polícia Federal chegam muito perto do Palácio do Planalto, ainda mais porque os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Alves e o ex-deputado Rocha Loures, bolas da vez da Operação Lava-Jato, não têm foro privilegiado. Há também uma conexão com a situação do Rio de Janeiro, onde o que seria a “banda boa” da Polícia Militar, para fazer a ressalva que muitos cobram do ministro Torquato, tem profundas ligações com o establishment político fluminense, que está sendo investigado. A grande dificuldade que a força-tarefa comandada pela nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encontrará pela frente será ter a colaboração do governo fluminense para encontrar essas conexões.

O assassinato de um comandante de batalhão no Méier é suspeito até que tudo seja esclarecido, mas o ministro foi politicamente incorreto ao citar o caso em meio à comoção dos familiares dos policiais militares cariocas mortos, que estão sofrendo com a violência, a maioria homicídios com características de execução. Um dos fios da meada é a própria Lava-Jato, pois o doleiro Lúcio Funaro, que fez delação premiada, era o operador de propina do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que está preso em Brasília.

Como se sabe, todo crime tem uma motivação e deixa um rastro. Procuradores federais da área criminal estarão carecas de saber que o padrão de queima de arquivo adotado pela banda podre da polícia é a simulação de latrocínio, de preferência com um “bode” para levar a culpa se um dos sicários for preso. Mas, a esta altura do campeonato, a lavagem de dinheiro de propina, no caso dos políticos fluminenses envolvidos na Lava-Jato, talvez seja um caminho muito mais fácil para se chegar à “banda podre” da polícia fluminense, porque o rastro da propina geralmente tem pegadas de policiais ou ex-policiais envolvidos.

Lava-Jato
Ninguém deve se enganar. Os adversários da Lava-Jato estão na ofensiva. O ex-ministro Geddel Vieira Lima, por meio de seus advogados, embora preso, vive dias de caçador: quer que a Polícia Federal informe como ficou sabendo e quem denunciou a existência das malas e caixas com R$ 51 milhões no apartamento de Salvador, com o nítido propósito de anular a investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), como aconteceu com a Operação Castelo de Areia. Os deputados petistas Paulo Pimenta (SP) e Wadih Damous (RJ), que são advogados experientes, recentemente, divulgaram entrevista do ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Durán, com propósito de anular a delação premiada de Marcelo Odebrecht.

As grandes bancas de advocacia do país saíram do estado de torpor em que se encontravam desde a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, o primeiro êxito da Operação Lava-Jato. Articulam-se para anular os acordos de delação premiada de Marcelo Odebrecht, homologados em janeiro, a “delação do fim do mundo”. Seu efeito pode ser comparado à “teoria do caos”, pois motivou a abertura de investigações contra nove ministros de Temer, 42 deputados e 28 senadores, além de arranhar ou mesmo manchar a reputação de centenas de políticos citados no caixa dois da empresa. A delação de Joesley Batista, que seguiu a mesma receita, atingiu o presidente Michel Temer (PMDB) e serviu de base para a primeira denúncia de Janot contra o presidente Temer, que agora está pessoalmente empenhado em conseguir sua anulação. As delações abriram tanto o leque de acusações que levaram Janot ao isolamento político; entretanto, a delação de Funaro é focada na relação entre Eduardo Cunha e o presidente Temer.


Luiz Carlos Azedo: O finado coronel

O Palácio do Planalto tenta debelar a crise política aberta pelas declarações de Torquato, mas isso não resolve a situação caótica da PM fluminense, que vive uma guerra de facções políticas

O falecido coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, que comandou a Polícia Militar fluminense nos dois governos de Leonel Brizola, foi uma espécie de precursor das unidades de pacificação implantadas nas favelas cariocas pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), que está preso em Benfica. Defendia uma mudança de conceitos e mentalidade na corporação, que fora engessada, segundo ele, em uma estrutura concebida por Getulio Vargas, em 1936, para atuar como força auxiliar do Exército numa guerra civil ou contra insurreições, em razão da Revolta Constitucionalista de 1932 e da chamada Intentona Comunista de 1935. Durante o regime militar, essa concepção se consolidou.

O Plano Diretor da PMERJ elaborado por Cerqueira tinha o objetivo de mudar o comportamento repressivo da tropa e implantar um novo modelo de policiamento, a partir de efetiva integração comunitária. A política, porém, enfrentou grande resistência e dividiu a corporação entre “bundões” e “fodões”. No jargão grosseiro dos quarteis, os primeiros eram os oficiais burocratas, defensores da integração e da prevenção; os segundos, oficiais operacionais, defensores da repressão.

Com Brizola no governo fluminense, a PM deixou de subir o morro e usar as botas para arrombar as portas dos barracos, como era tradição, mas a outra face da moeda foi a entrega do controle dos morros para os traficantes. Não era a intenção de Nazareth Cerqueira, mas foi o que acabou acontecendo. O interesse eleitoral falou mais alto. Nas eleições municipais de 1988, por exemplo, Marcelo Alencar foi eleito prefeito graças ao prestígio de Brizola nas comunidades.

Desde então, a cada eleição, um dos grupos apoia o candidato de oposição. Moreira Franco, por exemplo, em 1986, foi apoiado pelos “fodões”. Já Anthony Garotinho, em 1998, pelos “bundões”. Foi no seu governo que emergiu o poder de uma nova categoria na PM fluminense: “a banda podre”, como denunciou o então secretário de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, que acabou demitido. Os filmes Tropa de Elite 1 e 2, citados pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, relatam os bastidores da PM fluminense.

O Palácio do Planalto tenta debelar a crise política aberta pelas declarações de Torquato, mas isso não resolve a situação caótica da PM fluminense, que vive uma guerra de facções políticas, num ambiente cuja cultura é secular. A situação da PM do Rio é de caos doutrinário. As unidades de pacificação já não dão conta recado, nem os antigos batalhões. Como ontem foi Dia de Finados, fica o registro de que o coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira foi assassinado no saguão do prédio onde trabalhava, pelo sargento da PM Sidney Rodrigues, na tarde de 14 de setembro de 1999. O assassino foi morto logo a seguir, com um tiro na nuca, supostamente, disparado por um segurança da Terma Aeroporto, que funciona no térreo do edifício. Pai de sete filhos, Cerqueira estava aposentado na Polícia Militar desde 1994. O crime nunca foi esclarecido.

 


Luiz Carlos Azedo: O sincericídio

 

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, está com a cabeça a prêmio, mas não caiu, porque pôs o dedo na ferida do problema de segurança pública no Rio de Janeiro, que é muito mais complexo do que as autoridades locais admitem. Criticado por apontar o envolvimento dos comandantes da Polícia Militar com o crime organizado, voltou à carga ao desafiar as autoridades locais a desmenti-lo. Torquato afirmou que toda a linha de comando que precisa ser investigada, o que provocou um princípio de rebelião na corporação, que obteve solidariedade das autoridades locais, principalmente do governador Fernando Pezão (PMDB-RJ), do presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que está em viagem ao exterior.

Disse o ministro: “Nós temos informação: R$ 10 milhões por semana na Rocinha com gato de energia elétrica, TV a cabo, controle da distribuição de gás e o narcotráfico. Em um espaço geográfico pequeno. Você tem um batalhão, uma UPP lá. Como aquilo tudo acontece sem conhecimento das autoridades? Como passa na informalidade? Em algum lugar, voltamos à Tropa de Elite 1 e 2. Em algum lugar alguma coisa está sendo autorizada informalmente”, afirmou o ministro. Torquato se baseou em relatórios de inteligência da Polícia Federal e, provavelmente, das Forças Armadas.“Existe um serviço de inteligência sobre tudo que eu falo. Todo serviço de inteligência é sigiloso. Você não pode dizer quem, quando, como”, destacou.

Para o núcleo político do governo, foi um sincericídio do ministro. O Palácio do Planalto tenta gerenciar a crise para não sair com a imagem arranhada do episódio; os políticos fluminenses, responsáveis pela segurança pública estadual, da qual não dão conta, porém, cobram uma retratação do ministro, que não virá, porque seria sua desmoralização. Torquato foi ao centro da questão: a simbiose entre o crime organizado e a chamada banda podre da polícia. O que acontece nas favelas do Rio de Janeiro é um pacto corrupto entre traficantes e policiais militares, que vai muito além da venda de drogas e da segurança do comércio local. Envolve uma rede de serviços e atividades comerciais da economia informal.

A ponta deste iceberg é a taxa de homicídios não investigados. A economia informal não tem título em cartório, funciona no fio do bigode. A mesma regra que vale para o “avião” que deu um “banho” no traficante, vale para quem tomou dinheiro emprestado e não pagou ao agiota: a cobrança é feita à mão armada. Quem olha para o alto e vê aquele incrível emaranhado de fios sobre as ruas e becos não imagina como funciona a rede de tevê a cabo. Muito menos a distribuição de gás e o serviço de mototáxi. Existe uma economia informal de grande envergadura nas “comunidades” cariocas, boa parte controlada por milícias formadas por policiais expulsos da corporação por conduta indigna e criminosa.

O comércio e os empreendimentos da Rocinha, por exemplo, movimentam R$ 13 bilhões por ano. Tem mercado, farmácia, lotérica, concessionária de moto, rede fast-food e até shopping. Há mais de 6.500 empresas e empreendedores locais, cujas relações comerciais são predominantemente informais. Para que tudo funcione, na ausência de infraestrutura e serviços organizados, as soluções encontradas são pactuadas com quem tem o controle geográfico da região: a polícia controla o fluxo de entrada e a saída do morro; os traficantes, as partes altas e seus acessos. A crise explode quando os pactos são rompidos de um lado ou de outro, seja por uma troca de comando, seja por uma disputa entre traficantes.

Tensão
Ocorre que a entrada em cena das Forças Armadas gerou uma mudança de paradigma, por causa das operações de inteligência, que passaram a ser mais ativas, até por uma necessidade de planejamento das operações. Mesmo assim, as realizadas até agora foram prejudicadas por vazamentos de informações atribuídos à Polícia Civil e à Polícia Militar. Essa foi a principal razão da criação da força-tarefa que vai investigar o crime organizado no Rio de Janeiro, depois de enfáticas declarações do ministro da Defesa, Raul Jungmann, sobre a influência do crime organizado na política fluminense. A escolha do Ministério Público Federal para liderar as investigações teve objetivo de reduzir ao máximo os vazamentos; porém, não agradou a Polícia Federal, que pretendia estar à frente dos trabalhos. A disputa é antiga, mas nunca impediu as operações.

A tensão, porém, aumentou com a morte do comandante do batalhão do Méier, coronel Luiz Gustavo Teixeira, na semana passada, até agora não explicada direito. O governador Luiz Fernando Pezão resolveu interpelar judicialmente o ministro no Supremo Tribunal Federal, o que esticou a corda de vez. A conclusão é de que não haverá cooperação entre a força-tarefa federal e as autoridades locais se o ministro da Justiça não se retratar das declarações. Torquato não vai recuar. (Correio Braziliense – 02/11/2017)

 


Luiz Carlos Azedo: Nada pelo social

 

“Tudo pelo social”, o slogan do governo Sarney, foi escolhido com base nas regras de ouro do marketing, mas deu tudo errado, com o fracasso do Plano Cruzado. Foi inspirado na Constituição de 1988, a carta cidadã de Ulysses Guimarães, que ampliou os direitos sociais dos brasileiros, contra a qual José Sarney se bateu, depois de embarcar no populismo voluntarista de sua política econômica de crescimento acelerado e fracassar. Acabou o mandato com governo na lona, em meio à hiperinflação, juntamente com seus aliados. Todos eles assistiram perplexos uma disputa de segundo turno entre os ex-presidentes Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, vencida pelo primeiro, que foi apeado do poder porque era um “outsider” na política. A crise econômica parecia imbatível.

Ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardozo fez o ajuste fiscal e um plano de estabilização da economia que deram tão certo que acabou presidente da República. Foi eleito graças ao fim da hiperinflação. Seu governo fez a reforma patrimonial do Estado (privatizações) e adotou uma política social liberal, que consistiu na focalização dos gastos sociais nos mais pobres. As políticas sociais universalistas enfrentaram grande restrição de recursos, mesmo assim, foram inovadoras em alguns aspectos, entre os quais a universalização do ensino básico, sob comando do ex-ministro da Educação Paulo Renato, já falecido, e alguns êxitos importantes na saúde pública, como o controle da epidemia de Aids e a produção de medicamentos genéricos, com a quebra de patentes internacionais, mérito do senador José Serra (PSDB-SP).

Lula deitou e rolou quando assumiu o poder, porque a cama estava arrumada. A crise cambial que enfrentou foi fruto de expectativas negativas, mas acabou facilmente superada quando anunciou na Carta aos Brasileiros que manteria o “mais do mesmo” da política monetária do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan: superavit fiscal, câmbio flutuante e meta de inflação. Na crise financeira internacional de 2008, porém, caiu no canto da sereia da chamada “nova matriz econômica” de Dilma Rousseff. Como o Brasil ainda surfava as altas taxas de crescimento da China e a expansão da economia mundial, Lula conseguiu manter taxas elevadas de crescimento na sua sucessão, chegando a 7% em 2010, quando Dilma foi eleita pela primeira vez.

Tudo parecia caminhar na direção da transformação do Brasil numa potência emergente, com uma classe média numerosa, mas o naufrágio era iminente. As manifestações de 2013 foram o recado dos jovens de que as coisas não estavam indo bem, apesar do oba-oba em torno da Copa do Mundo. Além disso, os sintomas de que a corrupção era sistêmica e fora organizada de cima pra baixo já eram aparentes. Mesmo assim, Dilma foi reeleita em 2014, quando a economia já mandava sinais de que o seu motor estava pifando.

Desemprego
Dilma ganhou o segundo mandato, mas não levou. O impeachment de Dilma Rousseff foi mais um ponto fora da curva, como o de Collor de Mello. Dilma não soube aproveitar as oportunidades, potencializou todas as ameaças, anulou os pontos fortes de seu governo e não conseguiu compensar nenhum de seus próprios pontos fracos. O que parecia impossível aconteceu: perdeu o mandato de presidente da República com o povo na rua pedindo sua cabeça, enquanto o PT, acuado, procurava preservar suas forças com a narrativa do golpe e a candidatura de Lula a presidente em 2018.

Chegamos ao governo de Michel Temer, que não somente articulou a queda de Dilma, como herdou seu sistema de alianças, expurgado do PT e seus satélites de esquerda. A antiga oposição se incorporou ao governo, dando-lhe legitimidade e base de apoio no Congresso para enfrentar as adversidades. No caso, foram duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, ambas rejeitadas pela Câmara, da qual Temer foi presidente três vezes. Soube neutralizar os pontos fracos e conter as ameaças para preservar o mandato.

Temer reverteu a recessão e retomou o crescimento; jogou a inflação abaixo de 3,5% ao ano, com uma taxa de juros que deve chegar a 7%. Teria tudo para ter o mesmo sucesso de Itamar Franco e emplacar um sucessor, mas está longe disso. Além do desgaste provocado pelo envolvimento do governo na Operação Lava-Jato, o governo parece não dar a menor bola para a questão social, haja vista a portaria sobre trabalho escravo, num país com 13 milhões de desempregados declarados. Não tem política de emprego, a face mais perversa da crise social, que cresce vegetativamente, a ponto de os indicadores de 2017 serem superiores aos de 2016, porque o ingresso de jovens no mercado de trabalho é superior à geração de novos postos de trabalho, que este ano atingiu 1 milhão de postos. O mais grave, porém, a crise de segurança, na qual a violência urbana, principalmente no Rio de Janeiro, escandaliza o país e o mundo.