Luiz Carlos Azedo: Emenda das corporações
O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens
O adiamento da votação da reforma da Previdência demonstrou a força das corporações dentro do Congresso, cujo lobby atuou no corpo a corpo com os deputados e por meio de campanhas em rádio e tevê. Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), passou recibo de que estão sendo negociadas com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, novas mudanças no texto. A principal é uma regra de transição para os servidores públicos que ingressaram na carreira até 2003. Hoje, esses servidores têm direito à integralidade e paridade, ou seja, conseguem se aposentar com o valor do último salário e têm reajuste igual ao servidor da ativa.
O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, para ter direito aos dois benefícios, o que gerou forte reação dos servidores. Meirelles resiste às novas mudanças, mas admite os estudos: “São ideias que estão sendo veiculadas, mas, na realidade, a proposta que está na mesa é a proposta do substitutivo que não contempla esta modificação. Com isso, teremos tempo para discutir isso com calma.”
O problema do governo é que o lobby da alta burocracia que se aposenta com salário integral é muito poderoso. Ele atua em todos os poderes, em todos os níveis, e tem entidades sindicais e associações profissionais que não sofrem os efeitos da crise, porque esses servidores têm estabilidade no emprego. Magistrados, delegados federais, promotores, auditores fiscais e gestores lideram as pressões. Esse lobby é muito mais eficaz e refinado, por exemplo, do que o dos trabalhadores do setor privado. É capaz de produzir análises e estudos sobre a questão da Previdência que mostram o “outro lado” da questão.
Um dos argumentos é de que o governo se aproveita de uma situação conjuntural, a recessão, para inflar dados e alarmar a população. Os dispêndios totais da Previdência com benefícios, equivalentes a 6,9% do PIB em 2006, viriam revelando uma tendência de queda relativa desde então, só revertida em 2015, diante do recuo de 3,8% no PIB, quando os gastos passaram de 6,9% para 7,4% do montante global da produção final de bens e serviços na economia do país. Como o governo diz que pretende estabilizar os gastos da Previdência em 8% do PIB nas próximas décadas, argumentam que a meta já foi ultrapassada.
Na guerra de narrativas, o governo ainda está perdendo, mas o discurso de que o sistema de Previdência tira do pobre e dá para o rico está ganhando terreno. Nas contas do governo, o apoio da população à reforma subiu para 37%. Mais de 50% da população, porém, ainda rejeitaria as mudanças. O efeito colateral da campanha feita pelo governo nos meios de comunicação é a coesão dos servidores públicos federais, que pressionam deputados e senadores. Uma canetada, às vezes, pode inviabilizar um projeto ou deixar um político em apuros.
Na pauta
Ao jogar a votação da matéria para o próximo ano, quando os parlamentares disputarão eleições, a aprovação da reforma será ainda mais difícil. Ela não será votada na próxima semana porque o governo não tem mais do que 240 votos na Câmara para aprová-la. No Senado, a situação também estava complicada. Não foi à toa que o líder do governo na Casa, senador Romero Jucá (PMDB-RR), pulou na frente e anunciou que não haveria votação.
A grande dúvida é saber se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vai mesmo pôr em votação em 19 de fevereiro. Ele anunciou essa intenção para não sepultar de vez a reforma da Previdência. E desfazer a impressão de que o governo havia capitulado. Ter uma data para votação foi a maneira de evitar uma debandada dos deputados que estavam comprometidos com a reforma e neutralizar o desgaste dos partidos que fecharam questão a favor de aprovação, a pedido de Temer, estressando suas bancadas, mas viram o governo recuar sem avisar aos aliados.
Uma das dificuldades do governo é a posição do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou de manobra a tentativa do governo de responsabilizar o partido pela não votação. Argumenta que a legenda tem apenas 46 deputados de 513. O líder tucano classificou de fictício o fechamento de questão pela Executiva da legenda: “Não existe punição possível para esses casos no estatuto de nenhum partido. Se punir, o sujeito vai à Justiça e ganha. Isso é briga fictícia, fazer de conta que fechou questão e está resolvido. Eu sou favorável à reforma para retirar privilégios. Mas não é fácil aprovar.”
Luiz Carlos Azedo: Fora de combate
No mesmo dia em que a Executiva do PSDB fechou questão a favor da reforma da Previdência, já sob o comando do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o governo jogou a toalha e desistiu da votação do substitutivo do deputado Arthur Maia (PPS-BA), que nem sequer chegou a entrar em pauta. O presidente Michel Temer, que muito batalhou pela votação, acabou fora de combate. Foi novamente internado na tarde de ontem no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde passou por novo procedimento cirúrgico para desobstruir a uretra.
Temer passa bem, mas terá que usar uma sonda. Entretanto, deve receber alta em 48 horas. Em outubro, o presidente da República passou por uma cirurgia no mesmo hospital. Na ocasião, ele foi internado com quadro de retenção urinária por hiperplasia benigna da próstata. Desde que recebeu alta, porém, voltou ao ritmo intenso de trabalho na Presidência, inclusive nos fins de semana. Não aguentou o tranco.
Com Temer no estaleiro, o esforço do governo para aprovar a reforma da Previdência não foi suficiente para convencer a base governista. Mesmo com as direções do PMDB, do PTB, do PPS e do PSDB fechando questão, as respectivas bancadas continuaram divididas. Além disso, o clima no Senado também não era dos melhores. Seu presidente, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao dizer na terça-feira que não votaria a reforma neste ano, deu mais um argumento para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desistir de vez de pôr a polêmica matéria em pauta.
Coube ao líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciar que a votação da proposta de reforma da Previdência ocorrerá somente em fevereiro do ano que vem. Ele próprio negociou um acordo para isso com Eunício e Maia. No Palácio do Planalto, alimenta-se a expectativa de uma eventual convocação extraordinária do Congresso para isso, mas o risco é virar outra Batalha de Itararé. O governo não tem os 308 votos de que necessita para aprovar a reforma, esta é a verdade dos fatos que se impôs à cúpula governista.
Quem não gostou nem um pouco do recuo dos governistas foi o presidente Michel Temer, que acabou surpreendido após sair da cirurgia. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também ficou pendurado no pincel, pois havia dado entrevista anunciando o propósito de votar a reforma ainda neste ano: “Continuamos trabalhando para aprovar o mais rápido possível a reforma. O objetivo, como tenho dito, é votar na semana que vem”. Meirelles virou dublê de ministro e pré-candidato, pois pretende disputar a sucessão de Temer pelo PSD. Acredita na possibilidade de reeditar o desempenho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, caso a reforma seja aprovada e a economia comece a bombar em 2018.
Derrubada
O veto do presidente Michel Temer que liberava o autofinanciamento irrestrito de campanha foi derrubado ontem pelo Congresso, em sessão conjunta, com 302 votos de deputados e apenas 12 favoráveis. Na votação entre os senadores, o placar foi de 43 votos a 6.
Com a decisão, os candidatos não poderão bancar a própria campanha com recursos próprios além do limite previsto para cada cargo. Serão enquadrados na regra de pessoas físicas, que podem fazer doações até o limite de 10% dos seus rendimentos brutos no ano anterior. A questão, porém, ficará sub judice, porque as regras precisam ser aprovadas um ano antes da eleição. O mais provável é que as dúvidas sobre o assunto sejam dirimidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O clima no Congresso quanto ao veto tem muito a ver com o desequilíbrio provocado pelas novas regras de campanha eleitoral, que acabaram com financiamento de pessoas jurídicas. Há uma interpretação generalizada de que as novas regras vão favorecer candidatos ricos, celebridades e políticos ligados às igrejas evangélicas.
Luiz Carlos Azedo: O passado e o futuro
Os elos entre o passado e o presente no Brasil são cheios de surpresas e singularidades. Vejamos, por exemplo, o caso do populismo. As forças que resistiram ao regime militar somente tiveram êxito porque recusaram a centralidade do Estado e buscaram reforçar e organizar a autonomia da sociedade civil na luta pelo restabelecimento da democracia. Feita a transição, porém, mesmo após a Constituinte, o patrimonialismo, o clientelismo e o fisiologismo, que sobreviveram a duas modernizações autocráticas, continuaram firmes e fortes e o velho populismo renasceu das cinzas depois do fim da “guerra fria”.
Tanto um quanto outro, porém, entraram em crise com a globalização e as novas relações do Brasil com o mundo em transformação, que cobram uma mudança nas relações entre o Estado e a sociedade. Um novo ciclo está se fechando, mas o novo ainda não se abriu, seja por causa desses laços com o passado, seja em razão de que a nova agenda do país não foi construída. Por onde passa essa agenda? Em primeiro lugar, pela transnacionalização das nossas cadeias produtivas e integração competitiva à economia mundial; em segundo, por um novo pacto entre o Estado, o mercado e a sociedade, no qual a modernização não se dê à custa de mais exclusão e desigualdades regionais; terceiro, pela renovação política e fortalecimento da nossa democracia representativa, o que não é uma tarefa fácil diante das mudanças em curso e da emergência das redes sociais e a crise ética dos partidos.
Esse novo cenário faz com que os sinais sejam trocados. Forças que desempenharam um papel democrático e transformador, com as mudanças em curso, ao se oporem a elas, não no sentido da sua forma específica apenas, mas ao rumo geral, acabam se colocando no papel de elementos reacionários e conservadores, num contexto delicado da vida nacional, em que estamos saindo com êxito de uma das mais graves recessões da nossa história, graças a um governo eficiente do ponto de vista da economia e das relações com o Congresso, mas que opera mais uma modernização sem ser moderno e não goza de popularidade por causa da crise ética.
É neste contexto que vamos às eleições de 2018. Por circunstâncias muito singulares, a coalizão que aprovou o impeachment da presidente Dilma Rousseff, formada por forças que participavam do antigo governo e da oposição, não consegue se reproduzir como uma alternativa unificada de poder. É curto o prazo que lhes resta para isso. As alternativas postas com mais vigor para a sucessão do governo Michel Temer representam uma recidiva de tendências populistas de direita e de esquerda, um anacronismo em relação não ao futuro próximo, mas ao próprio presente. Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o deputado Jair Bolsonaro (que está de saída do PSC para o Patriotas) defendem modelos que se baseiam no fortalecimento do capitalismo de Estado e em velhas teses nacional-desenvolvimentistas. Ambos desdenham da democracia representativa, da liberdade de imprensa e da autonomia da sociedade civil.
Diferenças históricas
Por que será, então, que propostas mais comprometidas com a democracia e as mudanças que o país exige não conseguem se apresentar novo processo como alternativa de poder, ainda? Por dois motivos. Um é a crise do PSDB, que somente agora vê uma luz no fim do túnel, com a eleição do governador Geraldo Alckmin à presidência da legenda, mas que não conseguiu ainda se impor ao conjunto das forças que apoiaram ao impeachment como alternativa real de poder. De certa forma, muito mais do que unir um partido fragilizado pelo envolvimento de alguns de seus líderes mais expressivos na Operação Lava-Jato, com forte repercussão eleitoral em alguns estados, falta ao virtual candidato do PSDB à Presidência da República um projeto político de modernização do país que combata as desigualdades e a exclusão e seja capaz de empolgar a sociedade.
O segundo motivo é o governo de transição. Não somente devido ao enorme desgaste causado pelo envolvimento de alguns dos seus principais ministros na Operação Lava-Jato, mas por causa das divergências entre Temer e seus aliados e os tucanos paulistas, que acabam de desembarcar do governo. Por mais cordiais e cavalheirescas que sejam as relações entre o presidente e o governador paulista, essas divergências são de natureza histórica: em princípio, o PSDB nasceu para negar o PMDB. Mas também não é isso que impede a aliança. É a vontade de Temer e seus aliados de terem seu próprio candidato em 2018, de preferência o próprio, bafejado pelo sucesso de suas reformas, quiçá a da Previdência, por indicadores econômicos como as menores taxas de inflação e de juros em décadas.
Luiz Carlos Azedo: A anistia das urnas
Apesar da Lava-Jato, a candidatura de Lula tornou-se quase irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa de 2018 no tapetão
Quem quiser ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora do poder a partir de 2018 que trate de pisar no barro e deixar de lado os tapetes felpudos, porque a senha de que dificilmente o petista estará impedido de disputar as eleições por causa da Operação Lava-Jato foi dada ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que ainda é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse cenário cada dia que passa fica mais improvável, ainda mais com Lula na frente dos adversários em todas as pesquisas.
Ontem, Gilmar Mendes voltou à carga contra decisões judiciais que determinam a prisão preventiva — aquela aplicada antes de qualquer condenação judicial —, sobretudo nos processos da Operação Lava-Jato, e relativizou a jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, ameaça que paira sobre a candidatura de Lula à Presidência nas próximas eleições. O ministro fez palestra num seminário sobre ativismo judicial na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do qual participaram magistrados, procuradores, advogados e estudiosos do direito.
Mendes voltou a criticar os juízes federais de primeira instância e os procuradores da República, numa referência indireta à força tarefa da Lava-Jato em Curitiba: “A prisão em segundo grau, em muitos casos, especialmente no contexto da Lava-Jato, se tornou algo até dispensável. Porque passou a ocorrer a prisão provisória de forma eterna, talvez até com o objetivo de obter a delação. Sentença de primeiro grau, o sujeito continuava preso, confirmava-se a provisória, e com certeza no segundo grau ele começa a execução”, disparou.
A possibilidade de condenados começarem a cumprir penas após a condenação em segunda instância (por um Tribunal de Justiça estadual ou Tribunal Regional Federal) foi fixada pelo STF em fevereiro do ano passado com voto favorável, à época, de Gilmar Mendes. Mas, agora, o ministro pensa de forma diferente e diz que as prisões não são obrigatórias, ou seja, podem ser revistas pelo STF. Há duas ações em pauta no Supremo sobre o assunto.
Naquela ocasião, votaram contra a prisão em segunda instância os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Hoje, estariam a favor de rever aquela decisão os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o que inverteria o placar da votação. Na ocasião, além de Gilmar, que agora mudou de posição, foram a favor da prisão em segunda instância os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O sexto voto foi do falecido ministro Teori Zavascki.
A Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN), que deverá ser a legenda de Jair Bolsonaro, lutam para retomar o rito pleno do “transitado em julgado” no chamado “devido processo legal” (isto é, só se admitir a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes), que muitos consideram responsável pela impunidade dos crimes de colarinho branco.
Ministro do STF mais articulado com os demais poderes, Gilmar Mendes ocupa uma espécie de “vácuo” nas relações institucionais deixado pela presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, com o Congresso e com o presidente Michel Temer. E vem fazendo uma cruzada contra o que chama de “empoderamento” exagerado dos juízes federais e dos procuradores da República, em detrimento até das cortes superiores. Supostamente juízes e procuradores da Lava-Jato quereriam aniquilar a elite política do país.
Expectativa
Para muitos analistas, a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se irreversível nos tribunais, pois sua inelegibilidade poderia parecer uma tentativa de tirá-lo da disputa eleitoral no tapetão. Essa interpretação, observados os rigores da lei, não faz o menor sentido. Mas, se olharmos para o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (STF), em março deste ano, veremos que é provável.
No caso da chapa PT-PMDB, a “abundância de provas” de abuso do poder econômico não serviu para condenação. Prevaleceu o critério político, de não causar mais turbulência institucional, o que seria inevitável com a cassação de Temer da Presidência e a convocação de eleições indiretas para escolha de um presidente com mandato tampão. Naquela ocasião, os ministros do STF Luiz Fux e Rosa Weber foram pela cassação da chapa, apoiando o relatório do ministro do STJ Herman Benjamin. Mas foram derrotados pelo presidente do TSE, Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do ministro Napoleão Maia, que contestou o relator, com apoio dos ministros Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-anistia-das-urnas/
Luiz Carlos Azedo: Oitenta votos
Nos bastidores do Planalto, aposta-se num entendimento entre Temer e Alckmin, que vão se encontrar no interior de São Paulo. Somente um ministro tucano deixou o governo até agora
Enquanto o PSDB não sabe ainda o rumo que pretende tomar na reforma da Previdência, os deputados governistas fazem as contas dos votos que a proposta teria em plenário. “Hoje o governo tem 80 votos”, afirma categórico o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG). “Todo mundo é a favor das reformas, mas ninguém quer votar antes das eleições”, explica. O desfecho da reunião da Executiva do PSDB em Brasília, ontem, corrobora a avaliação. Os caciques do partido resolveram empurrar o assunto com a barriga. “Nós somos a favor da reforma, mas primeiro precisamos discutir qual reforma”, justificou o presidente interino, Alberto Goldman.
A posição da bancada do PSDB, que tem 49 deputados, é uma espécie de termômetro do comportamento dos aliados. Programaticamente, é um partido alinhado com a reforma da Previdência, e até considera uma “reforminha” a proposta do relator Arthur Maia (PPS-BA), que reflete a posição do governo, mas a bancada está hiperdividida e seu líder, Ricardo Trípoli (PSDB-SP), considera impraticável o fechamento da questão. “Em todas as bancadas, a maioria dos deputados está contra a votação neste ano”, justifica Trípoli, que participou da reunião da Executiva, que também contou com os deputados Sílvio Torres (SP), Eduardo Cury (SP), Giuseppe Vecci (GO) e os senadores Dalírio Beber (SC) e Flexa Ribeiro (PA).
O PSDB se prepara para a convenção da legenda, marcada para o próximo dia 9, na qual o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, deverá ser eleito presidente do partido. Nesta semana, sinalizou que defenderá a saída dos ministros tucanos do governo, o que foi confirmado pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Na saída da reunião, ontem, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, deu a entender que o assunto não é assim tão pacífico. Categórico, disse que o partido “não rompeu com o governo”. Mostrou-se mais alinhado com Temer do que com Alckmin: “O PSDB não rompeu com o governo. O PSDB apoia o programa do governo. A participação ou não do PSDB no governo cabe ao presidente”.
Nos bastidores do Planalto, aposta-se num entendimento entre Temer e Alckmin, que vão se encontrar no interior de São Paulo. Somente um ministro tucano deixou o governo até agora, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE). Antônio Imbassahy (Secretaria de Governo), Luislinda Valois (Direitos Humanos) e o próprio Aloysio Nunes (Relações Exteriores) defendem a permanência no governo. Não são poucos os aliados de Alckmin que consideram um acordo com Temer uma espécie de abraço de afogados. Por isso mesmo, a reunião dos dois é cercada de expectativas. Ao anunciar que não pretende se candidatar à reeleição, esvaziando assim articulações palacianas, Temer preparou o terreno para um eventual acordo com o tucano. É muito contraditória a posição do PSDB na questão da Previdência. Ao defender propostas mais arrojadas para combater o deficit previdenciário, fica sem uma boa justificativa para não votar numa proposta de reforma muito mais branda como a de Temer.
Preço a pagar
A polêmica sobre a reforma da Previdência faz um corte político que tem por pano de fundo as eleições de 2018. A maioria dos deputados acha que o desgaste da aprovação junto à opinião pública não valeria a pena, ainda mais para defender um governo que se enfraquece na medida em que o calendário eleitoral se aproxima. O presidente Temer não consegue reverter a impopularidade. Estão nesse balaio de gatos os deputados do PT e outras legendas de oposição e os parlamentares governistas mais sensíveis ao voto de opinião. Tudo porque o governo não conseguiu consolidar uma narrativa em relação à reforma que consolide a ideia de que serão eliminados os privilégios do setor público e não somente os benefícios dos trabalhadores assalariados que se tornaram insustentáveis.
Os políticos também estão com medo da opinião pública, de um modo geral. O envolvimento dos caciques dos grandes partidos na Operação Lava-Jato e a rejeição de duas denúncias contra Temer estão cobrando agora um preço alto. Ontem, a Bovespa despencou por causa da avaliação de que a Previdência não será aprovada. Entre os parlamentares, o assunto mais comentado era os vídeos do senador Romero Jucá (RR), líder do governo no Senado e presidente do PMDB, batendo boca com uma passageira dentro de um avião. Quando parlamentares ficam com medo de andar de avião, a coisa desanda no Congresso.
Luiz Carlos Azedo: O choque de Alckmin
A deliberada distância do tucano em relação ao presidente Temer talvez seja uma tentativa de facilitar a aproximação com o eleitor, mas abre o flanco para outro projeto de centro
Ao mesmo tempo que o PSDB lança um documento no qual propõe uma espécie de novo “choque de capitalismo”, para citar a expressão usada pelo falecido governador Mario Covas na campanha eleitoral de 1989, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ontem, deixou muito claro que defende a saída imediata do PSDB do governo Temer. Se fosse feita há uma semana, a declaração seria parte do tiroteio tucano; agora, não. Candidato único a presidente da legenda, com as desistências do governador de Goiás, Marconi Perilo, e do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), soa como uma espécie de aviso aos navegantes do rumo que tomará campanha eleitoral, mantendo distância regulamentar do presidente Michel Temer nas eleições de 2018.
Na campanha eleitoral de 1989, as teses de Covas causaram perplexidade no campo da centro-esquerda, que foi às urnas profundamente dividida, com seus principais partidos buscando a própria identidade. Numa eleição com 22 candidatos, Leonel Brizola (PDT), Luiz Inácio Lula da Silva (PTB), Roberto Freire (PCB) e até mesmo Ulysses Guimarães (PMDB) ironizaram as posições de Covas, que acabaram abduzidas por Collor de Mello (PRN), com um discurso forte de abertura da economia, reformas liberais e combate às mordomias da alta burocracia e dos políticos. A radicalização política levou Lula e Collor ao segundo turno, dois candidatos que poderiam ser chamados de outsiders. Ao contrário do que se imaginava, as teses de Covas eram até modestas diante das demandas da sociedade.
De certa forma, o documento do PSDB, intitulado “O Brasil que queremos”, faz um contraponto ao programa “Ponte para o futuro”, lançado pelo PMDB às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff e que serve de norte político para as reformas iniciadas pelo presidente Temer. A cúpula tucana defende que o Estado brasileiro deixe de ser “vetor de distribuição de privilégios e concentração de renda nas mãos de ricos e poderosos”. E propõe o fim do “capitalismo de compadrio”, com critérios e metas para concessão de subsídios, renúncias fiscais e benefícios tributários, além do acompanhamento periódico do orçamento público. “Em particular, o acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos precisa ser reavaliado”. É um contraponto às práticas do PMDB e de outros aliados no governo.
O PSDB argumenta que o crescimento econômico é condição necessária para a redução das desigualdades e a geração de riqueza e renda — “Sem crescimento, os demais objetivos sociais e políticos ficam inviabilizados” —, mas fica no meio do caminho quanto à questão da redução do tamanho do Estado: “Nem máximo, nem mínimo, pois esse é um falso dilema, o Estado eficiente, musculoso, deve também recuperar sua capacidade de regulação, garantindo melhores serviços aos usuários e a necessária segurança jurídica para a realização dos negócios”. Coordenado pelo presidente do Instituto Teotônio Vilela, José Aníbal, o texto afirma que o capitalismo é o sistema que “gera melhores condições” para a conquista de qualidade de vida, porém, manéêm o viés social-democrata ao fazer a ressalva de que o livre mercado, por si só, “não é capaz de assegurar distribuição mais equânime das riquezas produzidas e, assim, superar as desigualdades e a pobreza”.
Empecilho
No ninho tucano, Perilo e Tasso desistiram do comando do PMDB para viabilizar a candidatura de Alckmin, pondo um fim à disputa interna pelo controle da legenda, o que é um desfecho lógico diante da relação de forças internas. Ontem, ao inaugurar quatro novos andares do Hospital de Criança de Ribeirão Preto, Alckmin ensaiou o discurso para as eleições de 2018: “Nós precisamos tirar esse Estado pesado, ineficiente, das costas dos trabalhadores e dos empreendedores brasileiros. Não cabe no PIB o tamanho desse Estado que hoje acaba sendo um empecilho ao crescimento do país. De outro lado, um Estado que funcione, que seja eficiente, que tenha boas políticas públicas, que atenda aqueles que mais necessitem e que promova o desenvolvimento regional”, disse.
Aparentemente, apostará numa política econômica mais austera e liberal para consolidar sua candidatura, que vem sendo bem-sucedida internamente, porém, do ponto de vista eleitoral, não se revelou robusta o suficiente para se impor às demais forças do chamado campo democrático. A deliberada distância em relação ao presidente Temer talvez seja uma tentativa de facilitar a aproximação com o eleitor, mas abre o flanco para o grupo palaciano articular outro projeto, no qual a centralidade seja do PMDB e não dos tucanos.
Luiz Carlos Azedo: A Odisseia
Com a saída de cena de Huck, a deriva do chamado centro democrático aumentou. E assim será, porque Temer e Alckmin têm projetos distintos. Ao menos por enquanto
Luciano Huck anunciou ontem que não será candidato a presidente da República, seu artigo de anticandidato na Folha de S. Paulo, porém, poderia ser um manifesto de candidato antipolítico. Bastaria mudar o final. Mas reflete o que andou dizendo a diversos interlocutores sobre as dúvidas quanto a ser ou não ser candidato. Huck resistiu ao que chamou de canto das sereias, comparando-se a Ulysses na Odisseia. No caso, as sereias eram os amigos do empresário, principalmente o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, não os políticos que lhe ofereceram legenda para disputar o Palácio do Planalto, principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), legenda com a qual o apresentador da TV Globo mais simpatizava. Estes estavam na deles.
O administrador e conferencista Bruno Scartozzoni, especialista em construção de narrativas e mitologia comparada, foi quem apresentou a interpretação mais diferenciada da “carta” de Huck. Segundo ele, o texto faz parte do roteiro tradicional da “saga do herói”. Representaria, no caso, a “recusa inicial” diante do chamado, temendo não estar “pronto” ou ser “comum demais” para a árdua tarefa. O passo narrativo seguinte, porém, seria a aceitação da missão após a mesma se tornar “impossível de ser recusada”.
Explica Bruno: “Décadas atrás, um cara chamado Joseph Campbell estudou mitologias de diversas sociedades, algumas que nunca se encontraram ou nunca souberam da existência umas das outras, e descobriu algo impressionante. Todas as histórias mitológicas (ou religiosas, dependendo do ponto de vista) já contadas pelo homem seguem o mesmo padrão ou a mesma estrutura narrativa. Ainda que os elementos mudem, a sequência de fatos é extremamente parecida em todas as sociedades. E para essa sequência ele deu no nome de Monomito ou Jornada do Herói.
E continua: “O primeiro passo da Jornada do Herói é justamente alguém comum, que só quer continuar vivendo sua vida, na sua zona de conforto, receber um chamado para uma aventura espetacular. Inicialmente esse alguém rejeita o chamado, mas, por uma série de razões, em um futuro próximo, ele não terá escolha. É como se o universo puxasse ele pelo braço e falasse ‘és tu mesmo, vem!’”.
Ulysses (Odisseu para os gregos) foi um grande herói da Guerra de Troia, um de seus mais famosos ardis foi a construção de um cavalo de madeira que permitiu a entrada dos exércitos gregos na cidade. Após a derrota dos troianos, ele iniciou uma viagem de volta que durou 10 anos. Penélope, sua mulher, o esperou com fidelidade obstinada, apesar da demora e dos assédios dos amigos. Essa viagem mereceu a criação por Homero do poema épico Odisseia, no qual são narradas as aventuras e desventuras de Ulysses. Sua fidelidade à Ítaca era recíproca e tem tudo a ver também com a situação de Huck, cuja mulher, a também apresentadora Angélica, liderou a resistência da família à candidatura.
Centro à deriva
O suspense em torno da candidatura de Huck, em três semanas de noticiário, porém, transformou o apresentador num grande ator da política nacional, não a dos políticos propriamente ditos, mas a da sociedade desconectada dos partidos políticos tradicionais, que deseja um candidato de perfil moderno e liberal nas eleições de 2018. Huck ocupou um espaço vazio deixado por outros outsiders, como o juiz Sérgio Moro e o prefeito de São Paulo, João Doria, o que é o objeto de desejo de muitos políticos, como Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Cristovam Buarque (PPS), que já pleitearam a liderança de “terceira via” em outras eleições.
Ouro aspecto a considerar: a forte presença de Huck no noticiário fragilizou ainda mais o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), cuja candidatura está confinada ao eleitorado paulista, em meio ao racha do seu partido em razão da participação no governo Temer. E serviu para animar o círculo próximo do presidente Michel Temer a articular sua candidatura à reeleição, no pressuposto de que os bons indicadores previstos para a economia em 2018 e o peso do governo federal poderiam ser suficientes para reverter sua impopularidade. Com a saída de cena de Huck, a deriva do chamado centro democrático aumentou. E assim será, porque Temer e Alckmin têm projetos distintos. Ao menos por enquanto.
Luiz Carlos Azedo: Americanismo ou iberismo
A redemocratização do país não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as suas principais mazelas
A política brasileira tem três características dominantes: o clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo. Autores que estudaram o fenômeno, como Victor Nunes Leal, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, as atribuem ao colonialismo ibérico, que organizou o Estado brasileiro muito antes da formação da nação. Essas características antecedem a formação dos partidos políticos brasileiros, que surgiram com ideias mitigadas para que o atraso pudesse pegar carona no moderno e manter-se.
Para dar um exemplo, voltemos à Independência, que está às vésperas do bicentenário. O Brasil tornou-se um Império em 1822, e não uma República, em razão do projeto de reunificação da Coroa portuguesa e dos interesses dos senhores de escravos em manter o tráfico negreiro, só não anexando Angola porque a Inglaterra não deixou. Mas Dom Pedro I outorgou a Constituição de 1824, ou seja, de cima para baixo, com um viés liberal. A introdução no texto constitucional do princípio da propriedade privada — uma conquista das revoluções burguesas — foi feita com o objetivo de proteger o regime escravocrata. Conseguiu: a escravidão somente foi abolida em 1888. Um ano depois, as oligarquias regionais que haviam se amalgamado à política do Gabinete de Conciliação do Marquês de Paraná, contendo revoltas e revoluções separatistas e/ou republicanas, derivaram para o regime republicano sob influência positivista da Escola Militar da Praia Vermelha. O povo assistiu à proclamação da República “bestificado”.
Mas o velho iberismo domou a República agrarista com seu atavismo, por meio das fraudes eleitorais dos “coronéis” para se manter no poder, contra a emergência das camadas médias e trabalhadores urbanos. Acabou levando o regime café com leite ao colapso. A revolução burguesa se completou pela via das armas, com a Revolução de 1930 e, depois, em 1937, com o Estado Novo. O ditador que representava a política castilhista do Brasil meridional, Getúlio Vargas, manteve-se no poder e derrotou as elites paulistas graças à aliança com as oligarquias do Norte e Nordeste, que novamente emergiram como a força política decisiva na Segunda República. O velho iberismo manteve-se firme e forte, ou seja: o clientelismo eleitoral, o fisiologismo político e o patrimonialismo como via de enriquecimento e preservação do poder. O populismo de Vargas, a força política e eleitoral dominante nos grandes centros urbanos, também assimilou as mesmas práticas, levando-as para os meios urbanos.
A lanterna
Até que a crise de financiamento do Estado e a necessidade de avançar no processo de modernização, em plena guerra fria, levaram à radicalização política. Entre dois projetos de desenvolvimento distintos, a democracia brasileira também se foi de roldão. Os militares protagonizaram novo projeto de modernização; para legitimá-lo e se manter no poder, reconstituíram o velho pacto com as oligarquias conservadoras. O clientelismo, o fisiologismo e o patrimonialismo sobreviveram num regime bipartidário cujo objetivo era institucionalizar o regime autoritário via “mexicanização” do país.
A redemocratização não modificou as características ibéricas da nossa política, embora a Constituição de 1988 tenha criado mecanismos para erradicar as principais mazelas, como aconteceu com o nepotismo nas carreiras de estado, de órgãos e de empresas públicas. O colapso do modelo de financiamento da política e dos partidos, via desvio de recursos públicos e caixa dois, com a Operação Lava-Jato, é resultante disso, num contexto de novo ciclo de modernização da sociedade brasileira com características hegemonicamente exógenas, decorrentes da globalização e de aceleradas mudanças tecnológicas.
É nesse cenário que nos deparamos com um novo projeto de “fuga para frente”, em contraposição às “utopias regressivas” à direita e à esquerda, do deputado Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda apostam no Estado como via de modernização no país. Sob a égide da ética na política, essa tendência busca um canal de expressão na política tradicional para participar da sucessão de 2018 e romper as muralhas do iberismo. Com ideias liberais pós-modernas, o novo americanismo se expressa pelas redes sociais, busca um candidato competitivo e um partido para chamar de seu. Lembra um pouco o aristocrático Carlos Maia e histriônico João da Ega, personagens de Eça de Queiroz, que seguem apressadamente, e sôfregos, a luz vermelha da lanterna do americano na escuridão da noite de Lisboa: “Ainda o apanhamos! Ainda o apanhamos!”.
Luiz Carlos Azedo: O homem de Cunha
Ministro encarregado das negociações com as bancadas, sendo do PMDB, Marun se tornaria o político mais poderoso na Câmara, ofuscando Maia
O presidente Michel Temer chegou a anunciar o deputado Carlos Marun (PMDB-RS) como novo ministro da Secretaria de Governo, encarregado das articulações políticas no Congresso, no lugar do deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA), mas teve que recuar diante da grande reação negativa, a começar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não quer passar de cavalo a burro. É o que aconteceria com a substituição do tucano pelo líder da tropa de choque do ex-deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, que hoje está preso em Curitiba.
Ministro encarregado das negociações com as bancadas, sendo do PMDB, Marun se tornaria o político mais poderoso na Câmara, ofuscando Maia. O parlamentar gaúcho é o herdeiro do espólio parlamentar de Cunha, que está em cana, mas não morreu. Trocou o poder que tinha de ajudar os amigos nas campanhas eleitorais pelo silêncio a cerca desse e outros assuntos. Cunha “puxa cadeia” com galhardia: dedica-se exclusivamente a estudar os processos da Operação Lava-Jato e cruzar informações. Cada minuto do seu silêncio é valioso para gregos e baianos.
O presidente Michel Temer teve em Marun um esteio na luta contra a aceitação das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pela Câmara. Sua nomeação para o cargo não deixa de ser um reconhecimento pelos serviços prestados, mas faltou combinar com Rodrigo Maia, que comanda a Casa com amplo apoio, inclusive de partidos da oposição. Marun na Secretaria de Governo seria um candidato natural à presidência da Câmara, mas isso atrapalha o futuro de Maia, já que numa nova legislatura poderia pleitear a reeleição
Diante do impasse, Temer recuou. O xadrez da reforma ministerial não se restringe à aprovação da reforma da Previdência, vital para o governo obter resultados econômicos mais ambiciosos em 2018. Envolve também as ambições eleitorais de Maia e do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), outro que pode querer se manter no cargo. E atores que se movimentam tendo em vista as eleições presidenciais, entre os quais o próprio Temer. O centro do tabuleiro será dominado por quem conseguir uma maioria sólida na Câmara, isso passa pelo realinhamento de forças partidárias na Casa, previsto para a janela de troca de partidos do mês de abril.
Maia não quer o PMDB ocupando o espaço que era do PSDB no Palácio do Planalto, quer que seu partido ocupe essa posição, uma vez que o desembarque tucano praticamente transforma a legenda no aliado principal de Temer. Há uma outra variável a ser considerada também: a situação no Rio de Janeiro. A cúpula do PMDB fluminense está toda na cadeia, o que equaliza as relações entre seus caciques, que continuam controlando o governo do estado — Luiz Fernando Pezão é um aliado leal aos seus companheiros que estão detrás das grades — e a Assembleia Legislativa. O ex-prefeito carioca César Maia, pai de Rodrigo, é candidato a governador, mas o ex-prefeito Eduardo Paes já está se preparando para deixar o PMDB e concorrer por outra legenda. Sonha com a volta ao ninho tucano. Não interessa ao presidente da Câmara um aliado de Cunha no Palácio do Planalto, operando com a bancada do PMDB fluminense.
Cristovam versus Huck
O namoro do presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), com o apresentador Luciano Huck, estressa as relações na cúpula da legenda. A seção paulista do partido, liderada pelo secretário de Agricultura de São Paulo, deputado federal licenciado Arnaldo Jardim, está firme com a candidatura do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e não abre. O líder da bancada na Câmara, Arnaldo Jordy (PA) e o deputado Rubens Bueno (PR), seu antecessor, apoiam a pré-candidatura do líder do PPS no Senado, Cristovam Buarque (DF), que Freire ignora solenemente.
Pela primeira vez em minoria na Executiva do partido que dirige há 26 anos, Freire usa a mídia e o próprio carisma para tentar empolgar as bases do PPS e reverter a posição da maioria da bancada. A tese do grupo de Freire é filiar Huck, formar um novo núcleo dirigente com os líderes do Agora e mudar o nome do partido. Ontem, em Porto Alegre, em pré-campanha, Cristovam ironizou a situação: “Meu partido, o PPS, deve pensar o amanhã, e não o agora. O agora já passou!”.
Luiz Carlos Azedo: Para onde vai a Lava-Jato?
A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF
A Operação Lava-Jato vive um momento crucial, que balizará o futuro das investigações e dos políticos nela envolvidos. Os fatos estão se sucedendo muito rapidamente quanto a isso. Ontem, os desembargadores do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro (TRF-2) votaram por um novo pedido de prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, do PMDB. A Justiça Federal também determinou o afastamento deles da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Os três já se entregaram e vão recorrer. Haviam sido presos na Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava-Jato no Rio, mas foram soltos após votação na Alerj na sexta-feira passada, sem que houvesse notificação judicial. São suspeitos de receber propina para defender interesses de empresários dentro da Alerj e de lavar o dinheiro usando empresas e compra e venda de gado. Para deixarem a cadeia, agora, só com uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF).
Há um lusco-fusco jurídico nessa questão. Um deputado federal cumpre pena em Brasília e não foi afastado das funções, ou seja, acorda parlamentar e dorme presidiário. Recentemente, o Senado revogou decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastava do exercício do mandato o presidente licenciado do PSDB, Aécio Neves, com base em decisão do plenário da Corte, por 6 a 5, no sentido de que cabe ao Congresso aceitar ou não a prisão de senadores e deputados.
Essa jurisprudência está sendo replicada nos estados pelas câmaras municiais e pelas assembleias legislativas, que estão soltando vereadores e deputados cujas prisões foram decretadas por juízes e tribunais, respectivamente. Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, com mais retumbância do que em outros lugares, porque um dos três parlamentares é o político mais poderoso do Rio de Janeiro, o presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), e a decisão foi tomada pela Justiça Federal.
Para onde vai a Lava-Jato? A pergunta é pertinente, quando nada porque nenhum político com mandato que esteja envolvido no escândalo foi julgado e condenado até agora pelo STF. As condenações de ex-parlamentares são outra história, porque estão correndo em primeira e segunda instâncias, graças à atuação de delegados, procuradores e juízes federais. Argumenta-se que o STF não está aparelhado para acompanhar investigações criminais, daí o atraso. Mas não é só isso.
Tiro no pé
Há muitas divergências na Corte quanto às delações premiadas, aos acordos de leniência, às prisões prolongadas e até mesmo às prisões após julgamento em segunda instância, que arranhariam o “transitado em julgado” e o chamado “devido processo legal”, mas têm jurisprudência do próprio Supremo. São frequentes as polêmicas públicas entre os ministros quanto a isso. O caso dos três deputados fluminenses certamente será julgado na instância máxima do Judiciário, o STF. Ontem, por exemplo, o ministro Luiz Fux classificou de promíscua a decisão da Assembleia Legislativa fluminense que havia revogado a prisão dos três deputados e disse que o dispositivo aprovado em relação ao Congresso não se aplica aos parlamentos estaduais e municipais. Não é pacífica essa interpretação na Corte.
Em 24 horas, o novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, que assumiu oficialmente nessa segunda-feira, armou um banzé na Polícia Federal e na relação da instituição com o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal. Em entrevista, pôs em dúvida se “uma única mala” era suficiente para apontar se houve corrupção passiva, numa alusão aos R$ 500 mil, transportados pelo ex-deputado Rocha Loures, que supostamente seriam destinados ao presidente Michel Temer. Resultado: houve forte reação da sua própria instituição e, para acalmar a corporação, manteve o coordenador da Operação Lava-Jato na Polícia Federal, delegado Josélio Azevedo de Souza.
Luiz Carlos Azedo: Huck, Temer e Alckmin
A polarização ainda não chegou ao centro; ou seja, há um enorme espaço a ser ocupado, o que alimenta a ideia de um candidato antipolítico
Para a reconstrução do centro democrático como alternativa de poder, apareceu uma espécie de teoria do pó de pirlimpimpim: bastaria um candidato que simbolize a antipolítica, com bom trânsito entre os nossos intelectuais e técnicos iluministas e conhecido no povão para que isso acontecesse num passe de mágica. O apresentador Luciano Huck, por exemplo, preenche muito bem esses requisitos. Vem de uma família de professores universitários, é carinhoso com seu público e tem as ideias liberais que caracterizam a maioria das nossas celebridades quanto aos costumes, o sucesso individual e o glamour social, alavancados pelo empreendedorismo bem-sucedido e pelo alto e bom gosto no padrão de consumo.
Huck é o sujeito que qualquer um que acredita no próprio taco e na ascensão social via “sociedade do espetáculo” gostaria de ser. Seu ingresso na política é um avanço: reflete uma força que vem se manifestando na sociedade de maneira multifacetada: a do nosso “americanismo”, que está em toda parte. No estilo de vida que levamos, nos nossos padrões de consumo urbano e rural, no “neotaylorfordismo” que a “internet das coisas” começa a engendrar, na música, nos movimentos negro e de gênero, mas que ainda não havia chegado com força à nossa política.
Nela emergiu por onde menos se esperava: a alta burocracia do chamado “poder instalado”, via Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e Justiça Federal. O abre-alas do nosso “americanismo” é a Operação Lava-Jato, que protagoniza uma limpeza ética nas relações promíscuas do Estado com os interesses privados patrocinada pelos políticos e grandes empresários. Mas esbarra nas muralhas de nossa fortaleza ibérica: o Congresso Nacional, com seu patrimonialismo, seu fisiologismo e seu clientelismo atávicos. Desde as jornadas de junho de 2013, nas quais os jovens de todos os matizes protestaram contra as obras e desperdícios da Copa do Mundo (como se viu, um grande butim para os políticos se financiarem nas eleições de 2014), o “americanismo” rondava a política com um discurso antipolítico e moralizador.
Não foi à toa que jovens investidores do mercado financeiro e da inovação tecnológica emergiram como líderes dos protestos organizados pelas redes sociais na campanha do impeachment de Dilma Rousseff, formando movimentos e grupos organizados em rede que agora buscam canais de expressão na grande política institucional. Como não foram capazes de se unificar e formar um grande partido renovador da política brasileira, seja porque não fosse esse o projeto original, seja porque a reforma política foi feita para impedir que isso ocorresse, estão diante da pergunta clássica: o que fazer em 2018? Em todos esses movimentos — Vem Pra Rua, Renova, Agora, etc. —, há jovens empresários que viveram nos Estados Unidos e observaram de perto as campanhas do ex-presidente democrata Barack Obama e do republicano Donald Trump, que alavancaram suas campanhas nas chamadas “novas mídias”, embora com objetivos, estratégias e momentos diferentes. Ambos flanquearam seus respectivos partidos para impor suas candidaturas de fora para dentro.
Bloqueio
Muita água ainda vai rolar até as eleições, porém o roteiro da candidatura de Luciano Huck é mais ou menos esse. A eleição parece polarizada pela dicotomia direita-esquerda, alimentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC), que exploram o medo recíproco dos eleitores mais à esquerda e mais à direita. Entretanto, a polarização ainda não chegou ao centro; ou seja, há um enorme espaço a ser ocupado, o que alimenta a ideia de um candidato antipolítico. Bastaria encontrar um partido com o mínimo de estrutura nacional, algum tempo de televisão e disposição de servir à causa de um projeto transformista liberal pós-moderno. Será?
Depende. Os grandes partidos brasileiros ainda não morreram. Pode ser que se enfraqueçam muito nas eleições, mas resistem. O PMDB, por exemplo, domou a Lava-Jato e controla o governo federal. Enquanto o presidente Michel Temer não desistir de sua enrustida candidatura à reeleição, essa máquina poderosa inviabiliza qualquer candidatura que unifique as forças que apoiaram o impeachment. Não deixa, por exemplo, que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, consiga articular a coalizão dessas forças em nível nacional. A candidatura unificadora do centro democrático é apenas uma narrativa. Não surgirá de articulações iluministas, mas do resultado do primeiro turno, que não terá um candidato único do centro democrático.
Luiz Carlos Azedo: Detrás das grades
O dispositivo que atribui poder ao Legislativo de autorizar ou não a prisão de seus integrantes está na Constituição de 1988 para preservar o mandato popular
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por 39 votos a 19, decidiu revogar as prisões dos deputados Jorge Picciani, presidente da Casa; Paulo Melo, ex-presidente; e o líder do governo, Edson Albertassi, os três do PMDB. Foi uma demonstração de força de Picciani, o principal cacique político do estado, que tem um governador combalido pela crise econômica, ética e política, Luiz Fernando Pezão; o ex-governador Sérgio Cabral na cadeia e o ex-prefeito Eduardo Paes com o filme queimado. As prisões haviam sido determinadas pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), por unanimidade.
É uma decisão para entrar na longa história da política fluminense, porque Picciani, Melo e Albernassi comandaram a operação por detrás das grades, pois estavam presos em Benfica. Provaram, assim, que são mesmo os mandachuvas da política fluminense e que têm nas mãos o controle sobre a maioria dos colegas. A revogação fez valer o princípio constitucional de que cabe ao Legislativo autorizar ou não a prisão de seus integrantes. Essa prerrogativa está em linha com recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e já vinha sendo exercida em outros estados e municípios, nenhum dos quais com a mesma repercussão.
Há também todo um debate sobre o “transitado em julgado” nas prisões preventivas da Operação Lava-Jato, consideradas longas demais por alguns ministros do STF, como Gilmar Mendes, por exemplo. Não era esse o caso dos três parlamentares, que estavam há menos de 24 horas no xadrez. O dispositivo constitucional que atribui poder ao Legislativo de autorizar ou não a prisão de seus integrantes está na Constituição de 1988 para preservar o mandato popular contra ações arbitrárias do Executivo ou do Judiciário. A Constituição só autoriza a prisão de parlamentar em flagrante delito, por crime inafiançável.
Foi uma resposta dos constituintes às cassações ocorridas durante o regime militar, desde 31 de março de 1964. A motivação foi essencialmente política, ou seja, preservar o direito ao dissenso e à representação política das minorias que se opuserem a quem está no poder contra eventuais retaliações do Executivo ou do Judiciário, o que é muito comum nos estados e municípios. Essa é a essência do dispositivo, que não foi criado para blindar políticos notoriamente corruptos. Mas é isso o que está acontecendo.
Imunidades
Até que haja uma decisão em contrário do Supremo, o que não está descartado quando o caso dos políticos fluminenses chegar à Corte — dependendo do ministro a ser sorteado para relatar, é claro —, não se discute a constitucionalidade da decisão. O que se questiona é o aspecto ético, pois não está escrito na Constituição que parlamentares condenados em matéria penal devam ter as prisões revogadas, necessariamente, em razão da soberania do mandato popular. Ninguém foi eleito para malbaratar os recursos públicos.
Na verdade, há uma grande demanda político-institucional no país, que precisa repactuar a relação entre o Estado e a sociedade. Os políticos têm a responsabilidade de gerir e teoricamente precisam da sociedade para se legitimarem. Ocorre que a reprodução de seus mandatos depende muito mais do controle que exercem dos recursos públicos do que dos laços que mantêm com a sociedade. Este é o drama: em tese, as eleições são o meio legítimo para o país trocar de elite política, mas é muito difícil isso acontecer. A reforma política foi feita para manter os grandes partidos e seus caciques no poder. O patrimonialismo, o clientelismo e o fisiologismo estão no mesmo pacote