Fernando Gabeira: Ascensão e queda de Alvim

Predominância da visão de esquerda na cultura brasileira jamais será superada na truculência

O episódio Roberto Alvim me colheu num lugar distante dos grandes centros, em áreas sem conexão. Alegrou-me a ampla rejeição interna e externa ao seu discurso. Mas, infelizmente, Alvim não me surpreendeu.

Ele já havia apontado em artigos sua política, raiz dessa aberração, sustentando que o governo via a cultura como uma plataforma para a defesa de suas ideias. Basicamente, ele nega a autonomia da arte e a vê ora como sua aliada, ora aliada do PT. Portanto, é reduzida a propaganda partidária. E qualquer força política que tente transformar a arte em departamento de propaganda acaba fazendo dela uma divisão de seu exército. Como tinha escrito isso antes, não me surpreendeu que Alvim, com tantos outros nazistas para escolher, se tenha fixado em Goebbels. Era o ministro da Propaganda.

Ao repetir um discurso nazista, Roberto Alvim subitamente buscou um elo para as peças da engrenagem que estavam soltas. Guerra cultural, bombardeio de arte conservadora. É um todo coerente, A arte tem de ser nacional, diz ele. Num mundo cada vez mais interligado, o que significa isso?

No passado já discutimos bobagens sobre a bossa nova. Diziam que não era genuinamente brasileira, tinha influência do jazz. E o rock brasileiro conheceu a oposição contra a guitarra elétrica. Um dos filmes brasileiros mais analisados no exterior é Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, sobre o País mudando de cara, diferente da idealização das elites. Temo que um filme como esse fosse combatido pelos que defendem a ideia de que a arte seja nacional, por fugir a seus padrões. Na visão autoritária, o que não é nacional é cosmopolita, alvo de duas forças, o nazismo e o stalinismo.

Essa história de que a arte deve ser heroica é um passo para condenar os dramas do indivíduo, suas hesitações e seus fracassos, e catalogá-los como arte decadente, seja na literatura ou na pintura abstrata. Alvim não disse apenas algo escandaloso. Foi coerente e seguiu os passos lógicos da orientação geral: guerrear na cultura, formular um programa que produza heróis e patriotas. É como se sentiam muitos alemães sob o governo de Hitler.

Como há ainda tantas peças soltas que se podem ligar e produzir uma faísca como o discurso de Alvim, é fundamental contar com a resposta nacional e do exterior. Para mim, é a garantia de que em termos estratégicos esses tresloucados não vão prevalecer. Isso não significa que não possam causar grande mal, antes de sua derrota. Daí a necessidade de pensar cada vez mais numa frente democrática, superar pequenas diferenças, ressentimentos, admitir que estamos em perigo e não bastam reações pontuais.

Um dos pontos que precisam de impulso comum é o reconhecimento da autonomia da arte, que não pode ser reduzida a propaganda partidária. Aparentemente é uma tese simples. Mas na prática ainda há expectativa sobre uma arte engajada, participante e transformadora. Belas palavras, mas o que significam realmente?

Dois autores que nos anos 1960 eram considerados alienados são os que sobreviveram com mais força: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. No caso de Clarice, foi patética a resistência ao intimismo, à descrição subjetiva do mundo – tudo isso a jogava fora da história. E o curioso é que Clarice, numa grande manifestação contra a ditadura, estava lá de mãos dadas com outros artistas, no Rio.

Não que as pessoas não devam ter uma ideia de como deva ser a arte, nem que os artistas tenham de se encerrar numa torre de marfim. O diabo é querer transformar sua visão de arte numa política de governo, numa expectativa de definir seus rumos, marcar seus limites ou até transfigurá-la numa linha auxiliar de partido.

Os artistas sofreram muito sob o comunismo. Visitei o museu de Anna Akhmatova, em São Petersburgo, depois de ler uma história da cultura russa. O que ela sofreu sob o stalinismo, filho preso, bloqueio de trabalho, parece além da capacidade humana. O nazismo mandava para campos de concentração, executava, bania obras.

O princípio que os une é o mesmo: ter uma causa superior a tudo, à qual todos, principalmente os artistas, devem ser unir, sob pena de se tornarem inimigos do país que os fanáticos julgam encarnar. Isso explica como eles associam o rock and roll ao satanismo, ao aborto, dizem que Theodor Adorno escrevia as músicas dos Beatles e insultam, como Alvim, uma artista como Fernanda Montenegro. Eles estão em guerra contra o diferente, o que no fundo é contra a liberdade do artista e do indivíduo.

Creio haver uma predominância da visão de esquerda na cultura brasileira. Mas ela jamais será superada na truculência. Esta é a forma de confirmar a supremacia da esquerda: admissão de que só pode ser superada por caminhos autoritários. A única forma com possibilidade de equilibrar o jogo é o embate de ideias na cultura e a aparição de talentos nas artes.

É irreal esperar uma arte conservadora a partir do governo, ou uma arte revolucionária a partir de partidos de esquerda. Há um campo de direita mais sofisticado. Seu avanço no universo cultural pode até ser invalidado por essa visão bélica do governo. É como se Bolsonaro repetisse velha frase, de origem alemã: quando ouço falar em cultura, saco minha pistola.

Para desfazer, com o mínimo de traumas, essa teia perigosa será preciso muita habilidade coletiva. Uma frente, em certos momentos históricos, pode cumprir esse papel.


Fernando Gabeira: As dores do Rio

Não foram os pecados que levaram a cidade à beira do colapso. Foram escolhas econômicas e políticas

Quase não paro no Rio. É o tempo de matar saudade da família, refazer as malas, obter da emissora o sinal verde para um novo projeto e cair na estrada.

Isso aumenta minha preocupação com a cidade. No fim de semana, assisti ao filme “Coringa”. Parecia ter chegado a Gotham City. O filme começa com a notícia da greve dos lixeiros, a sujeira se acumulando e Gotham sendo tomada por uma grande quantidade de ratos.

No Rio, a notícia era o medo com a contaminação da água, as autoridades pedindo desculpas, especialistas dizendo que não há previsão de normalidade e a água mineral sumindo do mercado.
Em Gotham City, a polícia baixava o pau na multidão fantasiada de palhaço que se indignou com as autoridades e protestava contra os ricos. No Rio, cassetetes, gás lacrimogênio contra uma multidão fantasiada que, ao que parece, queria apenas extravasar sua alegria.

Não é a primeira vez que o Rio se parece com as metrópoles distópicas do cinema. Tive sensação semelhante ao ver “Blade Runner”, que era uma investigação sobre o futuro.

A diferença é que no filme sobre cidades do futuro, a natureza já não tem nenhum papel. Gotham City trata do lixo produzido pelo consumo, as luzes são artificiais, assim como os reflexos que pontuam a narração dramática.

É impossível dissociar a natureza do Rio, mesmo na sua decadência. Talvez seja por isso que, no meio da década de 50 do século passado, Rubem Braga escreveu sua célebre crônica “Ai de ti, Copacabana”.

Nela, muito antes de se falar da elevação do nível dos oceanos, Copacabana é tomada pelo mar. Robalos e garoupas sobem nos elevadores, siris comem cabeças de homens no prato, peixes escuros nadam na maré fétida.

Naquele texto memorável, Copacabana era punida pelos seus pecados. Hoje, os pecados talvez tenham se transformado. Os rapazes maliciosos do passado andavam de lambreta, hoje um veículo de avôs e tios mais velhos. As moças passavam óleo no corpo, hoje Deus sabe o que tragam os corpos juvenis.

A distopia do saudoso Rubem Braga, no entanto, não está tão distante da realidade. O aquecimento global eleva o nível dos mares, dizem os cientistas, diante do ceticismo de alguns. E os pecados estão sob controle do novo prefeito, que é um pastor evangélico.

A cidade se decompõe sob orientação divina. Muitos se salvarão após a morte, uma tendência do Rio que se estendeu ao Brasil com a eleição de um presidente terrivelmente evangélico.

É nosso o reino dos céus, mas aqui embaixo as grandes distopias terão de ser pensadas com as forças naturais, a elevação dos mares, os incêndios nas florestas, os rios envenenados pelas barragens de minério, as pessoas fazendo a guerra pela água que restou.

A luz artificial de Gotham City oferece grandes recursos para narrar o drama da decadência. No Rio, será preciso pesquisar muito a luz natural para encontrar o tom exato e descrever o apocalipse.

Não é como alguns filmes de época que tratam da decadência com elegância. Será preciso seguir a trilha do velho Braga: peixes, pássaros, árvores e flores boiando na desordem geral.

Claro que esses filmes não descrevem o fim de tudo. Apenas alertam para ele, estimulam as pessoas a evitar, ou no mínimo retardar, o processo de dissolução.

Metrópole cultural, o Rio não é apenas natureza. Existem nele forças que podem erguê-lo de novo.

Que me desculpem os moralistas de ontem e de hoje, mas não foram os pecados que levaram o Rio à beira do colapso. Foram escolhas econômicas e políticas. A cidade prosperou como um oásis liberal para os de dentro ou fora do país.

O óleo na pele das meninas da praia serve apenas para acentuar o bronzeado. O óleo embaixo da terra ou no fundo mar pode nos viciar e inibir alternativas estratégicas.

Quando chove em Ipanema, atualmente, as ruas ficam tomadas por esgoto e lixo. Não creio que seja um castigo divino porque homens ou mulheres andam de mãos dadas na Farme de Amoedo. O grande pecado abaixo do Equador é a incompetência.

Às vezes, dá vontade de rir como o Coringa ou chorar como uma criança diante da própria fragilidade. Mas isso tudo é cinema. Na vida real, temos saídas.


Fernando Gabeira: As maneiras de cair

Eles estão sempre esticando os dedos para um tiro hipotético, ou então usando armas ostensivamente

Neste fim de ano, deixei de escrever resenhas para entender o que se passou no Brasil, apenas através de linhas gerais. Examinei o governo Bolsonaro, a novidade de 2019, comparando-o com o de Margaret Thatcher na Inglaterra.

Destaquei três pontos nos projetos de ambos. O primeiro e decisivo é a promessa de soltar as amarras do mercado. O segundo, a decisão de impedir que o adversário jamais volte ao poder, no caso inglês o Labour Party. E, finalmente, o terceiro, uma vontade de recuar a um passado idílico nos costumes.

Thatcher disse numa entrevista de TV que admirava os valores vitorianos e gostaria de vê-los de novo na Inglaterra. Apesar do avanço econômico, as coisas deram um pouco errado para Thatcher. O Labour voltou com Tony Blair, e o avanço do mercado acabou sepultando os traços morais do passado que ela queria reviver.

Como já cumpri esta tarefa de examinar o conjunto, deixei de tocar num tema que é muito presente no Brasil. Na verdade, queria levá-lo para o ano que vem, no capítulo restos a pagar. No entanto, a aparição de centenas de peixes-pênis na praia de Drakes, na Califórnia, acionou de novo sua atualidade.

Os peixes-pênis, na verdade, são vermes que engordam e assumem essa forma. Se aparecessem no Brasil, talvez fossem saudados pelo governo, que é um dos mais fálicos da História de Brasil, no sentido de associar o pênis ao exercício do poder.

Os fatos estão aí desde o princípio. Num momento é o golden shower; num outro, o presidente Bolsonaro faz piada com o tamanho do pênis dos orientais. Recentemente, uma fala gravada de Fabrício Queiroz avisava aos funcionários de Flávio Bolsonaro: o MP preparou uma pica do tamanho de um cometa para enterrar em nós.

O pênis é um instrumento de poder e agressão. Isso tem inúmeras outras implicações. A primeira consequência histórica é o divórcio cada vez mais profundo entre essa corrente bolsonarista e as mulheres.

A fixação se extravasa também para a política de armas, não só nos projetos que detonam o Estatuto do Desarmamento, mas também nos gestos cotidianos. Estão sempre esticando os dedos para um tiro hipotético, ou então usando armas ostensivamente em lugares onde não têm nenhuma função, como um quarto de hospital

Faz parte da mesma atitude o horror aos homossexuais. Bolsonaro disse para um repórter que ele tinha uma cara terrível de homossexual. Ele costuma usar terrível de uma forma ambígua, como usamos bárbaro, por exemplo.

Independentemente do adjetivo, ele parece ver, e disse no passado, o homossexualismo como uma tragédia familiar. Tudo isso, teoricamente, pode ser trabalhado com o tempo. Não sei se o resultado será bom, nem quanto tempo vai durar.

Bolsonaro caiu no banheiro e perdeu momentaneamente a memória. Sei o que é isso, porque ja caí também num hotel de Porto Velho, em Rondônia. Essa história de mudar de hotel nos engana; às vezes, no lusco-fusco noturno, fazemos o trajeto do hotel anterior. O resultado é doloroso. Assim é também na vida, enfrentar novas situações com o roteiro do passado.

Essas quedas são perigosas. Podem atingir o hemisfério direito do cérebro e causar transtornos. O país esteve em risco, de certa forma.

No livro “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, o grande psiquiatra Oliver Sacks, morto recentemente, conta um caso curioso. Seu paciente, atingido no cérebro, não conseguia mais distinguir entre pessoas e objetos, a própria perna com o sapato, por exemplo.

Felizmente, nada aconteceu de grave com Bolsonaro. Mas se a queda levasse a parte de sua memória onde se concentram todos esses dramas, talvez pudesse acordar despreocupado com tamanhos de pênis, orientações sexuais diferentes.

Certas quedas no banheiro não servem para nada. Senti apenas muita dor nas costas, e os enfermeiros do hospital público quase arruinaram meu braço, pois aplicam injeções em muitos ao mesmo tempo.

Não esqueci nada, nem aprendi nada. O que não impede de desejar que os outros sejam mais produtivos em suas quedas. O cérebro humano é tão fantasticamente complicado que não custa nada esperar por um milagre.

Estamos num fim de ano, hora de olhar as coisas de forma positiva. Em 2020, que sejamos como um capoeira, que, como dizia Vinicius de Moraes, não cai, mas se um dia ele cai, cai bem.


Fernando Gabeira: Uma guerra particular

Simpatizantes de Bolsonaro frequentaram boas escolas e não fecharam suas cabeças para sempre. Podem mudar no futuro

Me segura que vou ter um troço. Esta é uma frase cômica, talvez muito vulgar para um tema clássico como a política externa de um país. No entanto, ela me parece adequada para definir os passos de Bolsonaro neste primeiro ano de governo.

Ele começou questionando a relação com a China, o nosso maior parceiro comercial. Os chineses não podem comprar o Brasil, dizia. Com o tempo, a turma do deixa-disso o convenceu de que as relações com a China são necessárias. Os próprios chineses, do alto de muitos séculos de experiência, estavam tranquilos. Hoje, Bolsonaro já fala de um futuro comum com a China.

Bolsonaro resolveu transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. De novo, a turma do deixa-disso o convenceu de que não era oportuno. O filho Eduardo insiste na tese. Isto indica, pelo menos, que na próxima geração de Bolsonaros no poder a transferência pode ocorrer. Isso leva tempo e depende das urnas.

Bolsonaro disse a Trump que o ama. Sua ideia era se alinhar totalmente com os Estados Unidos. De novo, a turma do deixa-disso alertou: calma, é preciso se aproximar sim, mas com cautela.

Ele achou que os Estados Unidos indicariam o Brasil para a OCDE. Pensava que isto viria de uma hora para outra. Os americanos indicaram a Argentina, pois já tinham compromisso anterior com o vizinho. Trump vai cumprir a promessa. Mas no seu tempo. Por enquanto, fala em taxar aço e alumínio do Brasil sem, ao menos, telefonar para Bolsonaro.

Por falar em Argentina, Bolsonaro criticou a escolha popular e disse que aquilo iria se tornar uma nova Venezuela. Resolveu que não iria à posse de Alberto Fernández. Em seguida, designou um ministro. Voltou atrás e disse que não iria mais ninguém. De novo, a turma do deixa-disso entrou em campo. Bolsonaro atenuou seu discurso e resolveu enviar o vice, general Mourão.

Nem sempre foi possível segurar Bolsonaro. Às vezes, ele teve um troço, como no momento em que divulgou o vídeo do golden shower. Sua ideia era mostrar como o mundo estava perdido.

Bolsonaro de novo teve um troço quando foi criticado por Macron e ofendeu Brigitte, a mulher do presidente francês.

No campo da política ambiental, aí sim não foi possível contê-lo. Ele não consegue entender a preocupação mundial com a Amazônia, muito menos com o aquecimento do planeta.

Mesmo contido em vários momentos, continuou tendo um troço, dessa vez acusando Leonardo DiCaprio de financiar as queimadas na Amazônia. Em seguida, investiu contra Greta Thunberg: pirralha, pirralha.

Bolsonaro não entende a influência crescente da juventude. Ainda mais quando é encarnado por meninas. Ele mesmo disse que fraquejou quando fez a filha, depois de tantos varões na família.

Ele no momento ainda tem o apoio de 30% dos brasileiros. Este índice é dinâmico, pode cair.

Mas a verdade é que muita gente como ele duvida do aquecimento global, questiona o papel das ONGs e acha Greta uma pirralha que deveria estar estudando.

Bolsonaro não é um relâmpago em céu azul. Nem simples produto da ignorância, pois seus simpatizantes frequentaram boas escolas. Isto não significa que fecharam suas cabeças para sempre. Podem mudar no futuro.

Por enquanto, não há outro caminho, exceto segurar para que Bolsonaro não tenha um troço. Em termos domésticos, tem sido mais difícil. Foi preciso a intervenção da Justiça para evitar que nomeasse um diretor da Fundação Palmares simpático à escravidão.

Além da Justiça, o próprio Congresso tem de segurar Bolsonaro: supressão de radares nas estradas, mineração em terras indígenas, ataques à ciência, ele vive tendo um troço.

Sexta-feira passada foi o 13 de dezembro. Felizmente, o ano termina sem que consigam ter o grande troço, aquilo que ameaçam constantemente nas entrevistas: um AI-5.

Foi um ano duro para todos os seguradores no Brasil, inclusive a imprensa, que sofreu alguns solavancos para evitar os troços. No entanto, chegamos ao final de 2019 sem grandes sobressaltos. E com muito mais experiência para a nova temporada. Creio que isto é uma forma modesta de dizer Feliz Ano Novo.


Fernando Gabeira: A pós-verdade no poder

Dizer que a escravidão foi boa para os negros é um título de loucura que você não apenas pode como deve contrariar

Minha formação cultural se deu principalmente no século XX recheado de rocambolescas teorias revolucionárias. De um modo geral, eram apostas no futuro, uma inconsciente reconstrução do paraíso. Se há algo no século XXI para o qual custo a encontrar o tom adequado de lidar é esse período de pós-verdade, em que as evidências científicas ou não são atropeladas por narrativas grotescas.

O intelectual francês Bruno Latour considera que esse período foi de uma certa forma inaugurado por Colin Powell quando apresentou falsas evidências de armas de destruição em massa, antes da invasão do Iraque. Mas a tendência era muito mais forte, e aqui nos trópicos deságua no terraplanismo, na mamadeira de piroca, na crença de que o filósofo alemão Theodor Adorno escrevia as músicas dos Beatles, que John Lennon tinha um pacto com o diabo, que o rock leva ao aborto, que por sua vez leva ao satanismo. Como lidar? Às vezes, lembro-me da infância e dos conselhos paternos muito presentes nos adultos mineiros: não contrariar.

Lembro-me de uma ambulância que parou na porta do vizinho, um grupo se formou e, sem contato com os médicos e enfermeiros, alguém afirmou: “Foi leite com manga, certamente foi leite com manga que derrubou o vizinho”.

Essa ideia de não contrariar as afirmações malucas me acompanhou nos anos de juventude. No livro “O que é isso, companheiro?”, relato o caso de um louco que acordou gritando quando estávamos presos em Ricardo de Albuquerque. Ele tentava em voz alta, desesperadamente, ajudar a encostar um caminhão imaginário e às vezes se alarmava: “Vai bater, vai bater”.

Não conseguíamos dormir com aquele barulho. O único caminho foi ajudá-lo também em voz alta a encontrar o caminhão. Avançamos num ritmo conjunto até que conseguimos estacionar aquele maldito caminhão nas nossas exíguas celas de um distrito policial.

Mas essa tática é ineficaz quando se dizem coisas absurdas em nome do governo, sobretudo as que influenciam o destino de milhares de pessoas, a própria realidade histórica do Brasil. Dizer, por exemplo, que a escravidão foi boa para os negros é um título de loucura que você não apenas pode como deve contrariar. Inclusive destituir legalmente essa nomeação. Muitos adeptos do governo consideram apenas a economia, o combate ao crime e a gestão da infraestrutura como pontos essenciais. O resto seriam apenas borbulhas inconsequentes. Mas um país não se reduz à economia, à infraestrutura e ao combate ao crime. Ele é tecido de múltiplas teias que se interpenetram.

Considerar como apenas perfumaria nossa história de escravidão, tentar que revolvam nos túmulos nossos formadores — como Joaquim Nabuco, mas sobretudo milhares de negros açoitados e assassinados — é introduzir um elemento de corrosão que apodrece todo o tecido nacional.

Se tivesse tempo, iria me divertir demonstrando que Theodor Adorno jamais escreveria um verso como esse: “Help, I need somebody”.

Essa loucura é do gênero que não se precisa tanto contrariar. É preciso reservar um espaço para as de Bolsonaro. Elas repercutem na imagem do Brasil. Quando um presidente acusa um astro de Hollywood de financiar queimadas, ele nos expõe à autocombustão no conceito internacional.

Economia e infraestrutura não se fazem sozinhas. Política de segurança é algo muito complexo para se focar apenas na repressão. Andei por Paraisópolis para realizar um programa de televisão. O governo estadual afirmou que cumpriu o protocolo, e isso não foi entendido pelas pessoas. Se cumprir o protocolo leva à morte de nove jovens, alguma coisa estava errada nesse protocolo.

Certamente algo terá de mudar, assim como a própria ideia desses bailes funks chamados pancadões precisa ser, de uma certa forma, adaptada à vida das pessoas. Senti em Paraisópolis que há pessoas doentes, falei com muitos idosos, vi muitas gestantes. Elas não frequentam baile funk, mas são atingidas por ele. Não tenho uma saída no bolso. Aliás, fui ouvir as pessoas em que sentido apontam para se equacionar o problema.

Andamos por um território sensível cada vez mais acossados pela realidade, e os terraplanistas investem contra o rock e o satanismo. No século passado, os grandes, os chamados loucos de Deus, deixavam todos os confortos materiais para seguir sua orientação religiosa. O século virou, e hoje os loucos entram no governo e já nem se lembram mais de Deus, siderados que estão no combate ao satanismo. Da busca da verdade à pós-verdade o novo século me desconcerta.


Fernando Gabeira: Um esforço para entender javanês

Forma que Tofolli usou para recuar é complicar ao máximo, para que não se entenda perfeitamente sua trajetória

Um artigo difícil de escrever. No barco para Galinhos, constatei que deixei os óculos de leitura no carro, que ficou para trás, no estacionamento.

Minha tarefa era ler o voto de quatro horas de Toffoli, diante de péssimas referências. Um ministro disse que o voto tinha sido redigido em javanês. Ler mais de 300 páginas em javanês, sem óculos, depois de um duro dia de trabalho, é superior às minhas forças. Se os ministros não estavam entendendo, o melhor seria esperar o resultado final.

Pelos fragmentos dos votos e pela tendência geral, suponho que cairá a proibição ao Coaf — atual Unidade de Inteligência Financeira — de trocar informações com os órgãos de investigação e que voltará a correr inquérito sobre Flávio Bolsonaro.

Numa visão mais ampla, posso intuir que houve um recuo. Toffoli disse que havia lendas urbanas em torno do caso. Uma delas era a de que 935 processos foram paralisados. Mas a informação partiu do Ministério Público. Da mesma forma, ele não se deteve no caso Flávio Bolsonaro. Mas foi a partir dele que proibiu as investigações sem autorização judicial.

O principal é que haja um recuo. Há muitas formas de recuar, nem muito depressa para parecer que está com medo, nem muito devagar para parecer provocação. A forma que Tofolli usou é a de complicar ao máximo, para que não se entenda perfeitamente sua trajetória.

Fragmentos da sessão de quinta já indicavam que eram muitas as perguntas dos próprios ministros e que dificilmente passará a ideia de restringir a troca de informações à prévia autorização judicial.

Esse período ainda inacabado foi aberto pela grande ofensiva da Lava-Jato contra a corrupção, provocando um terremoto político em escala continental. Um dos personagens, a Odebrecht, é até citada no filme americano “A lavanderia”.

Depois das eleições, veio a contraofensiva cujos marcos foram as revelações do site The Intercept e,em seguida, a derrubada da prisão em segunda instância. O Supremo atua como modulador dessa contraofensiva mas parece que, desta vez, Toffoli avançou demais, por contra própria. De um lado, é indefensável paralisar ou inibir investigações baseadas em atividades financeiras.

Na decisão de Toffoli não apenas a Lava-Jato foi atacada, mas um princípio basilar da luta contra a corrupção expressa na expressão americana follow the money . É um princípio seguido internacionalmente. Daí a reação de alguns representantes da OCDE, algo que Tofolli nega mas os registros da imprensa confirmam.

Não deixa de ser curioso reclamar de lendas urbanas nas circunstâncias em que Toffoli reclama. Tanto sua atuação no caso Flávio Bolsonaro como a inibição do Coaf são fatos sobre a mesa.

Se realmente quisesse transparência, Toffoli poderia mobilizar grande equipe de jornalistas que trabalha no Supremo. Dizem que é maior que o elenco de uma empresa de televisão. O que houve para não atuarem?

Talvez fosse difícil explicar claramente o que ia na cabeça de Toffoli, assim como ficou difícil entender o enredo para os próprios ministros.

O ideal teria sido uma transparência maior, inclusive sobre os próprios interesses no caso. Tanto a mulher de Toffoli como a de Gilmar tinham suas atividades financeiras sob exame.

De fato, em ambos os casos, o vazamento de algo que ainda estava sob exame configura irresponsabilidade com a privacidade das pessoas.

A partir daí é possível um entendimento sobre erros que não podem acontecer. Mas a reação foi muito mais longe: esterilizar os laços entre autoridades financeiras e policiais.

E como se não bastasse isso, a interrupção do processo de Flávio Bolsonaro bombardeou os fundamentos de algo que parecia consenso com a passagem da Lava-Jato: a lei vale para todos.

E por acréscimo mostrou também uma realidade inconveniente: o governo que se elegeu com o tema de combate à corrupção e de apoio à Lava-Jato também torpedeava o princípio basilar de que a lei vale para todos.

Não sei quantos milhares de páginas vão escrever, quantas horas vão gastar nos seus votos. Sei apenas que na semana que entra tudo poderá ficar mais claro. Com os óculos de leitura e a opinião dos outros ministros, posso entender melhor como o STF vai desenrolar esse bizantino enredo.


Fernando Gabeira: O Big Toffoli

No mundo, a Justiça se move na tentativa de preservar a privacidade das pessoas. Aqui no Brasil é diferente

Numa semana muita dura e cheia de eventos, pensei em trazer um tema novo. Já falei de Bolívia e Chile, comentei a saída de Lula e me debrucei, sem ânimo, sobre a invasão da embaixada da Venezuela em Brasília. Isto me interessou, pois poderia usar de novo a palavra quiproquó, tão sonora e fora de moda.

Sinceramente, meu tema de preferência era um chamado projeto Nightingale, no qual o Google é acusado de vender milhões de dados médicos e hospitalares das pessoas para grandes empresas do setor. A coleta e venda de informações é um grande negócio no mundo. Tende a ser o mais interessante, pois os dados valem dinheiro, sobretudo em grandes quantidades.

Iria refletir um pouco sobre a privacidade num mundo do Google e das redes sociais quando soube que o presidente do STF, Dias Toffoli, agora por um artifício legal, tem acesso aos dados financeiros de 600 mil contas de pessoas e empresas.

Ele proibiu a UIF (antigo Coaf) de partilhar esses dados com os órgãos de investigação. Um absurdo sem nome. Tenho escrito sobre isso e, para dizer a verdade, com pouca repercussão. É um ato de exceção. Os próprios funcionários da OCDE que estiveram no Brasil dizem que a medida de Toffoli está em contradição com as normas e os compromissos internacionais do Brasil.

Toffoli não se interessa por isso. Seu objetivo era congelar as investigações sobre Flávio Bolsonaro e impedir que a Receita continuasse pesquisando os movimentos financeiros de sua mulher e da mulher de Gilmar Mendes. Ele não se contentou em paralisar investigações. Ele quer acesso a todos os dados coletados pela inteligência financeira.

É o Big Toffoli navegando pelas contas de todo mundo, conhecendo os segredos financeiros que ele mesmo impede de serem investigados adequadamente. Como é possível o país conviver com essa barbaridade? Mesmo os aliados de Toffoli deveriam temer essa concentração de poder. Nos últimos tempos, aproximou-se de Bolsonaro para salvar a pele do filho senador. Mas, no passado, foi um funcionário do PT, um assessor de José Dirceu.

Acho que tanto o PT como Bolsonaro deveriam temer Toffoli. A quem servirá com esse acesso ilimitado aos dados pessoais e empresariais? Pode usá-los para fulminar Bolsonaro ou mesmo para enrascar mais ainda seu partido de coração, que é o PT.

Em muitos lugares do mundo, a Justiça se move na tentativa de preservar a privacidade das pessoas, acossando o Google e o Facebook, entre outros. Aqui no Brasil é diferente. É a própria Justiça que invade a privacidade alheia, na pessoa do presidente do STF. Não se trata mais nos trópicos de reduzir o poder das gigantescas empresas, mas de ampliar ao extremo o poder pessoal de Toffoli.

Num mesmo ano, Toffoli salvou Lula e Bolsonaro. Lula porque foi dele, fiel advogado do PT, o voto de Minerva que acabou com a prisão em segunda instância. E Bolsonaro, porque foi ele quem tirou as nádegas do jovem Flávio da seringa do controle de operações financeiras.

Podemos falar tudo de Lula ou Bolsonaro. Mas ninguém apanha mais do que eles nas redes ou na imprensa. Ambos reclamam, Bolsonaro tira verbas publicitárias de quem o critica; Lula, volta e meia, se lembra do controle social da imprensa. Mas nenhum dos dois chegou ao ponto de Toffoli: instalar uma delegacia, convocar Alexandre de Moraes como seu braço policial e partir para cima de quem o critica, com polícia revistando casas e computadores.

Lula precisou de Toffoli. Bolsonaro também. Mas eles ignoram, talvez, que Toffoli seja muito mais do que um simples auxiliar para encrencas. Diante da vulnerabilidade dos líderes populistas que polarizam o Brasil, ele vai construindo seu universo pessoal de poder. E um poder mais persuasivo que o deles.

Toffoli é o Big Toffoli. Assim com os homens e, além disso, é o único que tem poder de acessar os dados financeiros de quase todo mundo. Digo quase todo mundo, porque não me incluo nesses 600 mil. Minha conta bancária é de uma monotonia tediosa. Mas não me inibo em defender a privacidade dos outros, ricos ou pobres.

Em 13 anos de oposição, o PT nunca me fez mal. Espero o mesmo de Bolsonaro. Ambos têm seguidores agressivos. Mas nenhum pode como Toffoli mandar a Polícia Federal vasculhar meus computadores, incluir-me nos detratores do Supremo.

A democracia tropical, com a sua incessante troca de favores, está parindo um monstro. Uso a expressão num contexto institucional. Pessoalmente, Toffoli até se parece com um desses candidatos por quem suspiram velhas senhoras em busca de bons moços para votar.

Mas a ampliacão do seu poder pela captura de dados financeiros o transforma num Big Toffoli.


Fernando Gabeira: Vendavais ao sul da América

Bolívia e Chile nos passam uma complexa lição de casa, é preciso decifrá-la...

Os ventos que sopram na Bolívia e no Chile são surpreendentes para quem se detém apenas em números de crescimento econômico. Tento entendê-los com minhas lembranças antigas e os dois últimos trabalhos que fiz nesses países. E algumas leituras.

Na Bolívia cobri para o Estadão uma crise singular no governo Evo Morales. Um choque com sua própria base de sustentação. O tema era a estrada Atlântico-Pacífico, financiada pelo Brasil. Ela iria atravessar um território indígena e houve grande reação. Cruzaria não apenas o território indígena, mas também o Parque Nacional Isiboro-Secure.

Mas ao longo desse tempo a política econômica de Evo Morales conseguiu grandes índices de crescimento e reduziu a pobreza, incluída a extrema pobreza. A política ambiental nunca foi muito bem. Lagos secando e um tratamento leviano com as queimadas, que acabaram se tornando um drama nacional neste ano.

Quando vejo o desenrolar da experiência do Movimento ao Socialismo, acabo suspeitando de que as variáveis econômicas e ambientais foram secundárias como estopim. O nó estava na política, na vontade de Evo Morales se perpetuar no poder. A Constituição não permitia. Ele fez um referendo em 21 de fevereiro de 2016. Perdeu e, em seguida, ganhou no tapetão da Justiça Eleitoral e da Suprema Corte. Isso ficou engasgado na garganta dos eleitores.

Baseio-me no relato de repórteres que cobriram a campanha de Evo. Registraram gritos de “o povo disse não” quando ele passava.

Vieram as eleições, a súbita suspensão das apurações, laudo da OEA denunciando irregularidades. Quando Evo aceitou uma nova eleição, era tarde. A polícia já havia cruzado os braços, o Exército pediu sua renúncia, como o fez com Sánchez de Lozada no passado.

Lembro-me, no exílio, de que a Bolívia representava para nós um símbolo de instabilidade. Quando os bolivianos voltaram um pouco antes de nós para seu país de origem, costumávamos brincar: levem o carnê mensal do metrô, pois podem ter de voltar antes do fim do mês.

Agora é com tristeza que vejo o país mergulhar de novo na instabilidade. Alguns temas do passado afloram de novo, como a tensão entre brancos e indígenas, com lances racistas e violência nas ruas. Apoiadores de Evo Morales achavam que ele era o único capaz de unir um país dividido. Não o foi para sempre. E certamente perdeu essa condição no referendo. A outra parte se sentiu lograda, daí os gritos de “não somos imbecis!” nas manifestações.

Fui ao Chile, também pelo Estadão, para cobrir uma revolta estudantil. Uma das muitas, mas essa mais longa. Também com base nessa experiência, compreendi como era importante para os chilenos uma educação gratuita de qualidade. Apesar dos arroubos da juventude, o movimento estudantil tinha o apoio de grande parte da sociedade. Quando ouço dizer que o Brasil terá algo como no Chile, a primeira coisa que me vem à mente é a diferença entre os movimentos estudantis chileno e brasileiro. E ainda há a precária situação dos aposentados.

Não quero dizer que o Brasil não tenha problemas, apenas que são situações diferentes. No Chile houve uma fermentação na sociedade e uma revolta, guardados proporções e contextos, com características parecidas com o que aconteceu no Brasil em 2013.

Isso é o que me leva a afirmar como é vazia essa discussão sobre exortar os brasileiros a se rebelarem como no Chile e as ameaças de Lei de Segurança Nacional, AI-5 e outras maneiras de endurecer. Na minha opinião, tanto o líder que conclama como os que o ameaçam com a punição trabalham com a falsa ideia de que esses movimentos nascem de cima para baixo, não dependem de uma voz de comando nem mesmo do sistema partidário.

Na minha opinião, repito a fórmula, porque não quero envolver ninguém nessa fórmula, os ventos que sacodem a América do Sul refletem um grave desequilíbrio, que, por sua vez, nasce em algo maior: as ilusões do socialismo e do liberalismo.

O modelo econômico boliviano começava a declinar, o déficit subia, era evidente a necessidade de um reajuste que vai abalar a taxa de investimento. No caso chileno, uma visão radical do liberalismo com pouca sensibilidade social. Em governos de esquerda como o da Venezuela, uma irracionalidade econômica gritante.

Integrar racionalidade econômica e sensibilidade social e ambiental é um desafio. Mesmo porque é um programa aparentemente modesto, poucas chances de empolgar as massas ou produzir um líder popular. Mas a julgar pela experiência de outros países, como Portugal, com toda a sua modéstia, a coisa parece funcionar.

Aqui a cena está dominada por sonhadores, glorificando o Estado ou o mercado com ideias acabadas sobre nosso futuro, quase sempre incomodados com a democracia quando ela entra em choque com seus sonhos. Vivemos muito nessa atmosfera onírica. Acontece um desastre, discutimos se o óleo é de esquerda ou de direita, em vez de conjugar esforços nas ações de emergência.

Um caminho que talvez nos ajudasse seria examinar, de forma mais profunda do que fiz aqui, os erros e acertos que levaram às crises da Bolívia e do Chile. Mas como fazer isso, se os lados já têm uma explicação antecipada para os fatos? Já tentei me aproximar disso no passado, imaginando os bolcheviques derrotados em Paris culpando seus adversários ou os alemães reclamando que o Muro de Berlim não caiu porque os comunistas não deixaram.

Apesar de todas as porradas que vêm dos extremos, o esforço para entender ainda anima muita gente. Dizem que a fé move montanhas, mas para quem tem expectativas mais modestas não há saída exceto analisar com alguma frieza, reconhecendo que, ao menos na nossa América, a realidade costuma atropelar os sonhos.

Bolívia e Chile nos passam uma complexa lição de casa. É preciso decifrá-la antes que nos devore.


Fernando Gabeira: Último capítulo sem surpresas

Não basta ser contra a mineração nas terras indígenas, é necessário apresentar uma visão estratégica para a Amazônia

Não foi uma boa para mim lá embaixo, pensava eu quando o carro alcançava a Rodovia Reginaldo Rossi, saindo de Porto de Galinhas para Recife. O trabalho duro transcorreu bem. Mas as notícias pareciam me espancar. A mais importante delas, a decisão do Supremo de acabar com a prisão para condenados em segunda instância.

Já escrevi muito sobre isso. Sabia que esse seria o resultado. Achei até que Toffoli se esforçou no jogo de cena para buscar uma atenuante. Mas era a pura e simples queda da prisão em segunda instância que estava em jogo. Com essa decisão e também com o bloqueio de investigações sobre atividades financeiras, demos um passo atrás, depois de tanta esperança popular no combate à corrupção.

Que sentido tem argumentar de novo? Agora é esperar as consequências, não apenas na inquietação popular, mas também na vida política em geral. Não voltamos à estaca zero. Mas foi uma guinada que interessa àqueles que ainda esperam enriquecer com dinheiro público.

Como se não bastasse, a grande pancada, Bolsonaro atingiu três vezes minhas convicções, isso num prazo de 24 horas. No campo da cultura, promoveu um diretor de teatro que ofendeu Fernanda Montenegro. O governo não reconhece os grandes talentos nacionais porque está envenenado pela luta ideológica.

Bolsonaro decidiu ainda que vai mandar um projeto de mineração nas terras indígenas. Compreendo que os militares veem uma vantagem estratégica na exploração de minério na Amazônia. Tenho uma visão estratégica diferente; além do mais, venho de Minas. Aprendemos a dizer: olhem abem as montanhas. Não só no sentido de cuidar delas. Mas de olhar mesmo porque elas desapareceram.

Segundo a Constituição, será preciso uma lei complementar para autorizar esse passo. Romero Jucá tentou muito. E não conseguiu ao longo dos anos em que tive a oportunidade, entre outros, de combater essa ideia.

Não contente, Bolsonaro revogou um decreto que proibia o avanço da plantação de cana-de-açúcar no Pantanal. Um dos grandes defensores dessa ideia foi o governador André Puccinelli, que ameaçou inclusive Carlos Minc, na época ministro do Meio Ambiente. Puccinelli foi preso por corrupção e deixou a cena.

Romero Jucá não foi preso nem deixou totalmente a cena política. Perdeu a eleição e foi várias vezes citado na Lava-Jato. De qualquer forma, a luta desses dois políticos do PMDB é hoje recompensada pela visão de Bolsonaro. Não se trata, como se vê, de um problema partidário.

São duas grandes questões que precisam ser respondidas com argumentos adequados. Quero dizer: não basta ser contra a mineração nas terras indígenas, mas é necessário também apresentar uma visão estratégica para a Amazônia que seja mais interessante e moderna do que a velha expectativa de enriquecer com o minério, quando outras fontes de riqueza da produção do conhecimento e a indústria do turismo devem ser levadas em conta.

O Pantanal já teve canaviais no século XIX. Havia indústrias e quase 200 quilômetros de plantação.

O Pantanal não acabou.

Acontece que estamos no século XXI, e o Pantanal não é mais o mesmo. Tornou-se mais vulnerável com os grandes incêndios, explorou suas belezas naturais e sua fauna, tornando-se um polo turístico nacional. Assim como a mineração nas terras indígenas, o crescimento de canaviais no Pantanal não aparece hoje num contexto de falta de alternativas econômicas.

Pelo que conheço do Congresso, não foi até hoje, nem será simples agora, aprovar a mineração nas terras indígenas. É bandeira de Bolsonaro? É. Mas significa de fato a aspiração da maioria dos brasileiros ou a bandeira ficou meio dobrada diante de outras mais sedutoras eleitoralmente?

Combater a proposta de Bolsonaro não significa nem combater as ideias da maioria. É combater uma visão minoritária sobre a Amazônia.

Numa semana em que se apanha na Justiça, na cultura, nas propostas antiecológicas de Bolsonaro, felizmente, como todos, segui trabalhando. Idas e vindas na Rodovia Reginaldo Rossi. Ele tentou ser vereador e perdeu. As derrotas nem sempre derrubam. Costumam dar um samba-canção ou um bolero.


Fernando Gabeira: A política como um pesadelo

Será que o porteiro realmente viu um dos assassinos procurando por Bolsonaro, que nesse dia estava em Brasília?

Enquanto a mancha se desloca para o Sul e ameaça Abrolhos, já não sei mais se a espero no Rio ou vou ao seu encontro. De qualquer forma, tento manter o foco no desastre ambiental enquanto as loucuras na política se desdobram num ritmo vertiginoso.

No princípio da semana, pensei em dedicar as horas vagas a pensar na questão da linguagem na política, que me surpreende tanto quanto a mancha de óleo. Os deputados do PSL brigam entre si com memes e se insultam usando personagens de história infantil. Se não parasse com as crianças, de vez em quando, não saberia quem é Peppa. Uma das contendoras na luta interna foi chamada de Peppa pelos adversários. Ainda bem que eu já vi as aventuras da porquinha rechonchuda.

Pensei em refletir sobre a nova geração de políticos e como a linguagem da infância ainda está presente no seu imaginário.

Mudei de eixo à tarde. Vi imagens do depoimento de Alexandre Frota na CPI das Fake News. Ele exibiu cartazes com frases do guru dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Era tão escandaloso que fiquei tentado a examinar o avanço da linguagem pornográfica no discurso da extrema direita.

Foi então que vi aquele vídeo das hienas cercando o leão Bolsonaro e pensei em voltar ao universo infantil. Não houve tempo. Eduardo Bolsonaro invocou o AI-5, numa entrevista a Leda Nagle. Voltei aos anos 60 e pensei até em mostrar como as coisas mudaram nesse quase meio século. Desisti desse esforço pedagógico. As pessoas que confundem épocas tão díspares não o fazem por ignorância, mas por necessidade. Constroem um enredo mental para o papel que amariam representar. No caso de Eduardo Bolsonaro, é a vontade de reviver a ditadura, com poder absoluto sobre a vida e a liberdade de expressão dos outros.

Em certas viagens a Ouro Preto, fantasio uma volta ao século XVIII. Mas só por alguns momentos, quando não há carros nem buzina.

Há tempos, quando Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco, foi preso, achei explosivo o fato de ser vizinho do homem que se tornou presidente da República. Imaginei como isso não daria um roteiro para uma série de televisão. Li que o filho mais novo do presidente namorava a filha do matador. Imaginei as possibilidades clássicas dessa história.

Vejo surgir agora um novo personagem dramático: o porteiro do condomínio Vivendas da Barra. Ele é o mais antigo dos funcionários, deve conhecer todos os moradores, seus hábitos e relações superficiais. Sua lembrança do dia da morte de Marielle Franco enriqueceu as fantasias sobre a vizinhança de Bolsonaro com Ronnie Lessa, miliciano, matador e comerciante de armas.

Será que o porteiro realmente viu um dos assassinos procurando por Bolsonaro, que nesse dia estava em Brasília? Por que teria anotado o número da casa buscada pelo cúmplice do matador como se fosse a casa de Bolsonaro? Como pode ter ouvido a voz de seu Jair, sem estar sintonizado com o canal da Câmara dos Deputados, onde Bolsonaro estava naquele momento?

Não vou especular sobre esse mistério, enquanto não ouvir a versão do próprio porteiro. As procuradoras do MP do Rio dizem que ele provavelmente mentiu.

Mas por que um velho e experiente porteiro confundiu duas casas? Para nós que vemos imagens aéreas, elas são todas iguais. Somos traídos pela superficialidade de nossa percepção, como os esnobes que dizem que a caatinga é monótona porque toda a vegetação é igual.

Para ele, certamente cada uma delas tem uma história, desde o tipo de visitas aos pequenos cuidados cotidianos, instalação elétrica, vazamentos, no sentido literal.

Não entendo como pode ter confundido. Mentiu e enganou? Foi induzido? Sua memória funciona bem ou já dá sinais cotidianos de pequenas confusões? Para um roteirista, é relativamente fácil cobrir essas lacunas. Para mim, no entanto, os tempos são desconcertantes. Volto a perseguir a mancha. Também é desconcertante. Mas pelo menos vejo pessoas reais, com as luvas negras de óleo, tentando limpar as praias, proteger corais e mangues.

Desenhos infantis, frases pornográficas, jovens aspirantes a ditador ou mesmo intrincados enredos policiais —tudo é uma espécie de desastre, mas pede outro tipo de voluntariado, equipamento e paciência.


Fernando Gabeira: Uma certa dimensão do desastre

A mancha de óleo no Nordeste vem de um oceano castigado, em rápida degradação

O desastre no Nordeste não é apenas desconcertante pelo mistério de sua origem, a imprevisibilidade da aparição do óleo. Ele encerra, espero, um ano de grandes turbulências ambientais no Brasil.

Tivemos incêndios na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, em importantes parques nacionais, como o da Serra do Cipó, chamado de Jardim do Brasil pelo paisagista Burle Marx. Fora do Brasil as coisas também não foram tranquilas, sobretudo com os grandes incêndios na Califórnia.

Incêndios na Amazônia, no Pantanal ou mesmo na Califórnia acontecem quase todos os anos, mas têm sido mais intensos. E em alguns lugares cai a disponibilidade de água.

Tudo indica que entramos numa era irreversível de eventos extremos. Isso num momento em que temos um governo despreparado para encarar essa dramática dimensão. E dificilmente, a julgar pela reação às manchas de óleo no Nordeste, conseguirá acompanhar o seu tempo. Bolsonaro, por exemplo, não foi ao Nordeste, não entendeu a gravidade do problema, não esboçou um gesto pessoal de solidariedade. Isso é o bê-á-bá da conduta de um presidente.

Existem vários fatores que obliteram sua visão. Um deles é entender o desastre ambiental como uma luta política. Achar um culpado à esquerda, desafiar ONGs, enfim, em vez de se preocupar com o oceano, prefere alvejar seus adversários.

Bolsonaro não percebe a riqueza e a complexidade dos oceanos. Digo isso porque o observo com atenção. Logo após a vitória na eleição de 2018, seu projeto era fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. A visão que tinha do meio ambiente se limitava às florestas, aos rios e às plantações. Ignorava não apenas os oceanos, como também os graves problemas ambientais das metrópoles.

Bolsonaro não apenas é incapaz de compreender os oceanos. Ele pensa em urbanizá-los. Multado por um fiscal do Ibama pescando na Estação Biológica de Tamoios, resolveu que a unidade de conservação deve acabar, pois Angra dos Reis será transformada numa Cancún com a grana da ditadura saudita. Por mais importante que seja para a pesquisa da vida marinha, Bolsonaro a vê como inútil.

Esse é o contexto de sua ausência no Nordeste. Por que, com essa bagagem cultural, iria importar-se com recifes e corais num território governado pela oposição?

O governo não apenas deixou de acionar o plano nacional de contingência para esse tipo de desastre, como se recusou a coordenar diretamente os esforços estaduais e municipais. Coordenar no nível mais alto, uma vez que a coordenação operacional até que existiu nos dois centros montados em Salvador e no Recife. O ministro do Meio Ambiente designou a Marinha como coordenadora 41 dias depois de ela estar de fato trabalhando no desastre. Se dependesse de ele acordar, seriam 41 dias perdidos.

Ele foi duas vezes ao Nordeste. Tanto em Sergipe como na Bahia, não falou com os governadores, nem mesmo com o prefeito de Salvador.

O ministro do Turismo foi ao Nordeste. Disse que uma praia estava própria para o banho sem consultar as autoridades ambientais de Pernambuco. Como se isso pudesse ser definido a olho nu.

Esse modo tosco de governar não impediu que, em algumas dimensões, a máquina tenha funcionado. O Ibama trabalhou pesado. Encontrei seus funcionários nas praias mais remotas e até trocamos informações.

A propósito disso, concluí nessas viagens que as melhores notícias vêm da sociedade. O voluntariado, que já existia no Brasil, aparece agora também como um dado irreversível, sobretudo apoiado nas redes sociais. Essa nova força é que nos pode inspirar na formulação de políticas para um tempo de mudanças climáticas. Na Universidade da Bahia um professor concebeu o sistema de coleta de óleo com redes de pescadores. Os pescadores dispuseram-se a trabalhar para evitar que o óleo chegue a Abrolhos. O Ibama liberou redes apreendidas no passado e que estavam estocadas. É uma tentativa válida.

Em Pernambuco os voluntários entregaram-se à tarefa com intensidade maior, por exemplo, do que vi na Galícia. Em compensação, lá todos estavam de macacão, luvas e óculos especiais.

Essa dificuldade parece ter sido superada pelos Guardiões do Litoral, um grupo que limpa as praias e tenta descontaminar mangues e corais. Ali estão equipados devidamente. O que não evita uma ou outra dor de cabeça, pela combinação do cheiro do óleo com o forte calor.

A conjugação dessas forças com um governo eficiente é que nos pode preparar nos tempos de aquecimento global. Talvez isso já exista no Japão. O desastre do Nordeste não tem ligação com isso. Mas acontece num oceano castigado, em rápida degradação. Aliás, a importância da proteção marinha já havia subido ao topo da agenda na Conferência Rio+20.

Esse governo é incapaz de encarar a tarefa que tem pela frente. Sua eficiência depende da articulação com a sociedade. O ministro do Meio Ambiente, que deveria manter uma relação direta com o voluntariado, passando informações, agradecendo aquele esforço, preferiu brigar com o Greenpeace, sugerindo que um barco da organização derramou o óleo. As pessoas retirando óleo das praias e ele produzindo fake news.

É um universo paralelo que duvida do aquecimento, desconfia que a organização social, com sua visão crítica do governo, seja um celeiro de marxistas. Aliás, por falar no velho Marx, ele dizia que a humanidade não se coloca um problema que não possa resolver. Ele não contava com transformações climáticas, escassez de recursos hídricos, enfim, com todas essas consequências da produção.

Se depender de certos humanos, como Bolsonaro e seu ministro, teríamos mais que um problema sem solução. Teremos algo que nos vai engolir e arruinar. Somos um grande país? Dinossauros também eram grandes. Apenas não souberam se adaptar.


Fernando Gabeira: Uma vez, o Flamengo

Ficou faltando o Brasil. Não se sabe ainda quando vai parar de jogar para o lado, perder seus preconceitos, unir talentos

Raramente escrevo sobre esporte. Lembro-me de ter escrito um artigo comparando o Flamengo e o Brasil.
Dizia na época que ambos eram meio caóticos e não cumpriam a promessa de grandeza, apesar de todo o potencial.
Pois bem, o Flamengo deu a volta por cima. O ensinamento dessa virada não deveria, creio eu, limitar-se a um aprendizado apenas no futebol.
O Flamengo começou por ajustar suas finanças, o que lhe deu condições de montar uma infra melhor e investir em grandes nomes.
A chegada do técnico Jorge Jesus foi resultado dessa capacidade de investir. Sua filosofia de trabalho acabou dando um sentido maior a todo o esforço.
O futebol brasileiro parecia entediante perto do europeu, jogado com intensidade do princípio ao fim da partida.
Jesus quer que o time siga atacando até o final, independentemente de estar vencendo com folga. Não era essa a atitude frequente. De um modo geral, os times faziam um, dois gols e tentavam administrar o resultado, ganhando tempo. Com isso, o espetáculo acabava antes do fim regulamentar.

Imagine se um espírito de trabalhar com eficácia todo o tempo fosse transportado para a máquina do governo. Nada se parece mais com o futebol brasileiro do que a burocracia. Muitas jogadas laterais, falta de objetividade, o tempo sentido como a algo a se matar e não uma oportunidade de fazer cada vez melhor.
Outro aspecto da filosofia de trabalho de Jesus é impulsionar os limites, algo que existe também no esporte de ponta. Havia um tabu segundo o qual um time que joga na quarta descansa no domingo, ou vice-versa, dando lugar aos reservas.
Por que não jogar duas partidas por semana, com as técnicas de recuperação que existem? Todos temiam o fracasso do Flamengo pela exaustão. E os jogadores seguiram correndo até o final de todas as partidas.
Imagine essa ideia transportada para um Congresso com gana de trabalhar todo o tempo, sem grandes hiatos entre um e outro projeto relevante.
O potencial do Flamengo estava na sua grande torcida. Na medida em que o time parecia jogar com seriedade, os espectadores aumentaram. O investimento foi alto, mas o retorno maior ainda da torcida.
Se ampliamos a ideia para um país, vamos compreender um pouco por que os estádios da política andam vazios. O investimento bem aplicado chega na ponta e a resposta das pessoas impulsiona mais ainda.
No caso do derramamento de óleo na costa do Nordeste, esse potencial é visível. Enquanto o governo acusa o Greenpeace, centenas de voluntários enchem as praias retirando o óleo, inclusive sem equipamento adequado.
Certos bons jogadores do Flamengo, no passado, não eram escalados sob o argumento de que ocupavam o mesmo espaço no campo. Jesus trouxe a ideia do movimento e flexibilidade e com ela a chance de usar o melhor elenco possível.
Um pequeno preconceito tático impedia a busca do melhor elenco. Se olhamos para a política então os preconceitos se multiplicam. Há centenas de argumentos para impedir que os melhores atuem em conjunto em busca do melhor resultado.
Desde a guerra dos egos ao sectarismo ideológico, tudo conspira contra a escalação de um time dos sonhos para buscar uma sucessão de vitórias.
Não sou ingênuo a ponto de supor que um país seja simples como um jogo de futebol. Para começar o esporte tem regras definidas, o campo da política é mais fluido, as próprias regras estão em constante debate.
Mas não é de todo impossível encontrar países, em certos momentos históricos, onde há um grande esforço no sentido de avançar, romper obstáculos.
De qualquer forma, Flamengo e Brasil eram para mim promessas não cumpridas. Ficou faltando o Brasil. Não se sabe ainda quando vai parar de jogar para o lado, perder seus preconceitos, unir talentos, enfim deixar de apenas ser um sonho para o futuro.
Imersos no torpor dos trópicos, às vezes precisamos de gente de fora para enxergar o óbvio e, realmente, começar a jogar.