Ascanio Seleme: Geddel chora todos os dias na Papuda

Visitas, uma vez por semana. Sexo? Se houver companheiro (a), uma vez a cada mês.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC//FotosPúblicas
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC//FotosPúblicas

Visitas, uma vez por semana. Sexo? Se houver companheiro (a), uma vez a cada mês

Não deve ser mesmo fácil viver na Papuda, o presídio de Brasília. Lá, como nas demais penitenciárias brasileiras, o despertar nunca é livre. Todas as atividades acontecem sempre em horários determinados. Não há comida fora de hora, com exceção das pequenas porcarias que podem ser compradas na cantina da casa no limite de R$ 100 por mês. Sol, apenas uma vez por dia. Visitas, uma vez por semana. Sexo? Se houver companheiro (a), uma vez a cada mês. As limitações são tão absolutas quanto óbvias. Por essas e outras, o ex-ministro e ex-deputado Geddel Vieira Lima chora todos os dias.

Tem gente no presídio que se comove com as lágrimas de Geddel, mas nem por isso ele tem qualquer atendimento especial ou regalia dentro da cadeia. Há também os que tentam tirá-lo daquela agonia diária. Seu vizinho de cela, o empresário e ex-senador Luiz Estevão já chegou a chacoalhar Geddel para interromper seu choro. Uma vez gritou com ele. “Você é bandido, Geddel! E bandido não chora!”, como contou o jornalista Ricardo Noblat. A bronca não adiantou nada, o detento continua chorando, quase sempre na hora de dormir, mas também já foram relatadas crises de choro ao longo do dia.

Geddel está preso na Papuda desde julho de 2017 por atrapalhar investigações contra a J&F. Dois meses depois, descobriu-se o seu bunker em Salvador com malas e caixas contendo R$ 51 milhões em espécie. A sua história é parecida com a de muitos outros políticos como ele. Empresário, com poder local importante, vira político, vai fazendo uma escalada na atividade até se eleger deputado federal e depois virar ministro. Geddel foi ministro de Lula e Temer. Pelo que contam as denúncias do Ministério Público, ele cresceu política e financeiramente sempre às custas de dinheiro público.

O choro de Geddel pode ser comparado ao desabafo do ex-governador Sérgio Cabral. Claro que Cabral tem uma contabilidade jurídica paralela, quer livrar sua mulher da cadeia. Para o caso dele, propriamente, admitir que cobrou e recebeu propina não ajuda em nada. Já está condenado a mais de 200 anos de prisão e nada poderá mudar isso. Faz sentido, portanto, e é razoável aceitar o argumento de Cabral de que a decisão de abrir tudo também serve como uma espécie de catarse, em que ele se livra de um peso e passa a respirar normalmente.

Cabral admitiu publicamente ser ladrão. Deu como desconto a desculpa do vício pelo poder e pelo dinheiro, mas disse que roubava, sim, cobrava propina, sim. Ele não precisava ter dito nada. As provas levantadas nos diversos casos em que já foi julgado falavam por ele. Por isso, está condenado a mais de dois séculos de prisão. Mas Cabral preferiu falar. Embora, tecnicamente, o fato de ele abrir o verbo servir também como uma delação, não dá para negar que a admissão da culpa serviu a Cabral como o choro serve a Geddel.

Ufa, que alívio. Essa frase soa falsa na boca de Cabral. O gesto, que tem o poder de ajudar Adriana Ancelmo a se livrar de uma condenação, colabora para a sensação de falsidade. Mas no íntimo, no fundo de Sérgio Cabral, é claro que haverá alívio decorrente de deixar a questão emergir. Na psicanálise, esse tipo de desabafo é considerado fundamental para a superação de um trauma, de uma perda. A pessoa que se desembaraça de uma culpa ao assumi-la sente-se leve e, paradoxalmente, protegida. Passa a sentir uma sensação de que nada mais poderá alcançá-la, já que revelou voluntariamente a sua pior parte. Está livre, embora no caso de Cabral o paciente siga preso.

O choro de Geddel serve para o mesmo propósito, apesar de o alívio da tensão gerado neste caso ser parcial e ter curta duração. Ao contrário da sensação de alívio permanente que Cabral passou a sentir depois de abrir o jogo, o fato que produz um episódio de choro volta sempre a incomodar, por isso Geddel chora todos os dias. Enquanto o episódio não estiver amplamente resolvido no íntimo de Geddel, ele continuará derramando um pouco de mágoa junto com suas lágrimas diárias.

Resta saber se o choro de Geddel e a autoflagelação de Cabral significam algum tipo de arrependimento. Como exemplo, são excelentes.

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