O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) é reconhecido, nacionalmente e internacionalmente, por seus esforços e inúmeros trabalhos por uma educação de qualidade no Brasil, que vão desde diversos livros e artigos publicados sobre o tema, até a ocupação de cargos de alto escalão, como Ministro da Educação e reitor da Universidade de Brasília (UNB)
Por Germano Martiniano
O entrevistado desta semana da FAP Entrevista é o senador e presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Cristovam Buarque (PPS-DF). Oriundo de Recife (PE), é engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político filiado ao Partido Popular Socialista (PPS). Também foi reitor da Universidade de Brasília (UNB) de 1985 a 1989 e governador do Distrito Federal de 1995 a 1998. A entrevista faz parte de uma série que está sendo publicada, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Eleito senador pelo Distrito Federal em 2002, em 2003 foi nomeado Ministro da Educação, no primeiro mandato de Lula, ficando até 2004. Foi reeleito nas eleições de 2010 para o Senado pelo Distrito Federal, com mandato até o fim deste ano. Cristovam também foi perseguido político da ditadura militar de 1964, e assim, seguiu para o auto-exílio na França. Fora do Brasil trabalhou no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) entre 1973 e 1979, tendo ocupado postos no Equador, em Honduras e nos Estados Unidos.
Cristovam Buarque é reconhecido, nacionalmente e internacionalmente, por seus esforços e inúmeros trabalhos por uma educação de qualidade no Brasil, que vão desde diversos livros e artigos publicados sobre o tema, até a ocupação de cargos de alto escalão, como titular do Ministério da Educação e a reitoria da UNB. Ao ser questionado sobre quais soluções poderiam resolver a questão da violência no Brasil, o senador foi categórico: “A paz só virá com um projeto de desenvolvimento includente socialmente e, em minha visão, o caminho para isso é a escola de qualidade, igual para todos”.
Buarque também comentou o julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, que está preso em Curitiba desde ontem (6/4). Para o senador o resultado, ainda que importante, expôs a instabilidade da Justiça brasileira. “Hoje, quando assistimos as falas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), nós, os 220 milhões de brasileiros, não nos sentimos seguros de que são decisões capazes de nortear corretamente o Brasil por décadas. Tudo indica que, nas próximas semanas, irão tomar decisões diferentes”, avalia o senador.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista com o senador Cristovam Buarque:
FAP Entrevista – O Brasil viveu uma semana agitada com o julgamento do ex-presidente Lula. Como o senhor avalia a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de negar o pedido de habeas corpus para ele?
Cristovam Buarque – O Brasil vive um século de clima agitado por falta de coesão nacional e rumo histórico. O que estamos vendo hoje com a prisão do Lula, votações e com a instabilidade jurídica, é conseqüência dessa falta de coesão e rumo. Na votação do STF, o que mais dificulta para o Brasil, não é questão do habeas corpus aprovado ou negado, mas sim as idas e vindas dos votos dos ministros, a instabilidade que eles criam e a mensagem que eles passam de insegurança. Hoje, quando assistimos as falas dos ministros, nós, 220 milhões de brasileiros, não nos sentimos seguros de que são decisões capazes de nortear corretamente o Brasil por décadas. Tudo indica que nas próximas semanas irão tomar decisões diferentes.
Em relação às eleições presidenciais alguns analistas políticos consideravam que, com Lula concorrendo, se fortalecia o extremo oposto, Bolsonaro. Com o ex-presidente praticamente fora do “jogo”, o senhor acredita que Bolsonaro ainda tem chances reais de vitória ou o centro democrático se fortalece?
Creio que o centro democrático ainda não se fortalece. Hoje corremos riscos de chegar ao segundo turno com os extremos, um autoritário e outro populista, duas alternativas muito ruins. Sobretudo porque são alternativas que não olham para o futuro e sim nostálgicas, uma querendo olhar para década de 1950 e a outra para 1964, ao invés de termos propostas cheias de esperança olhando para o futuro. O centro, lamentavelmente, não está conseguindo trazer uma esperança de novidade. Está querendo se fortalecer, apenas, pelo medo dos dois extremos. Assim, o risco da eleição é que alguns irão votar com raiva e outros votarão com medo. Porém, ninguém votando com esperança, que é o que deveria ser o propósito de uma eleição. Está faltando atrair o eleitor para uma esperança.
Em seu último artigo, o senhor falar sobre o assassinato da vereadora Marielle, que foi vítima, em sua visão, da violência originada na discrepância social que impera no Brasil há séculos. Quais medidas podem ser tomadas para se combater a violência no país, que tem números de mortos bem superiores aos de muitas guerras pelo mundo?
Antes de tudo, tem duplo sentido. Eu não imagino que o assassinato de Marielle foi, antes de qualquer coisa, motivado por razões sociais. Ela foi morta, de fato, por balas. Portanto, seus assassinos que puxaram os gatilhos são os responsáveis imediatos e, vergonhosamente, não estão presos. Agora, o que eu insisto em dizer é que há um causa mais profunda para os assassinatos de nossos heróis, que lutaram pela defesa dos índios, abolição, independência, desenvolvimento, democracia. etc… Há uma causa concreta na violência do Brasil: nunca tentamos ser uma nação na qual exista coesão. Algo que faça nos sentirmos parte de um mesmo conjunto, que apenas sentimos em anos de Copa do Mundo. A falta de coesão e rumo leva a assassinatos. Tivemos muitos no passado. Tivemos o da Marielle e, se não fizermos a coesão e o rumo, que deixa a população alegre e entusiasmada, teremos outros assassinatos no futuro. É isso que meu artigo quis colocar. Quanto a resolver a violência, não resolveremos num passe de mágica. Podemos até prender mais gente, como os assassinos de Marielle, que ainda não estão presos. Podemos construir mais cercas nas casas, construir mais cadeias, termos uma policia mais eficiente. Mas isso não resolverá a violência como um todo. A paz só virá com um projeto de desenvolvimento includente socialmente e, em minha visão, o caminho para isso é a escola de qualidade, igual para todos.
Esta semana o senhor deu entrada em um projeto de lei, o PLS 458, que permitirá, caso aprovado, que as universidades federais tenham autonomia administrativa, financeira e patrimonial para gerir recursos oriundos da prestação de serviços à comunidade. De que maneira este projeto pode realmente beneficiar as universidades?
A crise da Universidade de Brasília (UNB), por exemplo, é muito antiga. Uma das causas é o déficit fiscal do governo federal que vem da crise da previdência. Quando gastamos mais de R$ 200 bilhões por conta do déficit da Previdência, acabamos tirando de algum lugar, como da universidade. Sugeri, portanto, a reitora da UNB que encontrássemos formas de solucionar o problema. Primeiro, aumentando os recursos do governo na hora de elaborar o Orçamento, pois a lei do teto permite aumentar o dinheiro para educação, para a universidade. Mas, enquanto isso não acontece, também sugeri algumas outras ações. Uma delas, por exemplo, é cobrar uma taxa pequena sobre o estacionamento dos carros. Isso daria mais de R$ 20 milhões por ano para a Universidade de Brasília. No entanto, atualmente, este dinheiro não iria para a universidade e sim para o Tesouro Nacional. O que estou tentando, a partir deste projeto de lei, é que os recursos que conseguirem por elas próprias fiquem nas universidades, e não sejam levados para um fundo que ninguém controla e que acaba servindo apenas para financiar desperdícios do governo e não os déficits que temos nas universidades.
O que pode ser feito em curto prazo para termos uma educação de qualidade, do ensino básico ao superior?
Nada. Não existem milagres na educação. As crianças crescem em certa velocidade, elas fazem dois anos, depois três, depois quatro e assim sucessivamente. Ela não pula dos cinco para os vinte anos. Educação se faz através deste ritmo. Nenhum país do mundo fez sua revolução educacional em um prazo curto de tempo. Todos os países levaram algumas décadas para revolucionar a educação. Foi assim na Coréia do Sul, Finlândia, nos países da Escandinávia. Não há milagre em mudanças sociais. Este é um erro no Brasil, os demagogos e populistas querem resolver e prometem mudanças de um dia para o outro. A minha proposta para que o Brasil chegue a ser um país de educação compatível com a desses países citados, igual para pobres e riscos, é que o governo federal crie uma carreira nacional do magistério pagando muito bem, construa novas escolas com equipamentos modernos e todas as crianças em horário integral. Para alcançar essa idéia no Brasil inteiro levará duas, três ou mais décadas. Um dos caminhos para essa realização é que o governo federal o faça adotando as escolas das cidades que não tem condições de dar uma boa educação às suas crianças, e que isso seja feito num ritmo que não quebre a instabilidade fiscal, pois se a inflação voltar, nada disso vai adiantar. A minha proposta, que eu chamo de Adoção Federal das Escolas Municipais, é um programa de longo prazo no Brasil inteiro e de curto prazo nas cidades. Emm dois anos podemos fazer isso numa cidade pequena. Claro que existem coisas que podem ser feitas para melhorar, a curto prazo, nossa educação. Porém, eu não me contento em ir melhorando, eu quero revolucionar a educação brasileira.
O PPS no Congresso Nacional decidiu por abrir conversas para um eventual apoio a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência. O atual governador de São Paulo pode ser a figura que o Brasil precisa para aglutinar o centro democrático e tirar o Brasil do retrocesso econômico e social vivido nos últimos anos?
Não sei ainda. Vai depender dessas conversas. É preciso lembrar que no Congresso se aprovou um indicativo de diálogo e não de apoio. Deste dialogo é que pode surgir um apoio. Hoje eu vejo o Alckmin como uma pessoa que pode ter sucesso no centro, mas se trazer uma esperança nova. Eu ainda vejo que Alckmin enxerga o Brasil como uma grande São Paulo, mas não é. O diálogo, portanto, significa levar para ele o que nosso partido deseja. Qual a nossa proposta para educação? É a federalização ou a municipalização como vemos? Em São Paulo, os municípios não são tão pobres quanto no Nordeste, e deixar a escola na mão do município é condenar a educação da criança que estuda nesta escola. O que Alckmin pensa, de fato, sobre o meio ambiente? Como ele quer tratar o problema da diversidade de gênero, que no PPS é tão presente? Acho cedo, portanto, declarar apoio ao Alckmin sem antes estabelecer um diálogo.
Quais devem ser as prerrogativas do PPS, enquanto esquerda democrática, para apoiar Alckmin nas eleições 2018?
Levei ao Roberto Freire que devemos apresentar ao Alckmin um programa de governo que gostaríamos de ver empunhado por ele. Se ele não aceitar totalmente, que ele nos convença de algumas mudanças. Não precisamos nos impor, podemos mudar e melhorar. Se ele, simplesmente, recusar, creio que podemos levar a outros candidatos que também não estão posicionados nos extremos, como Marina Silva e Álvaro Dias.
O senhor tem falado em suas últimas entrevistas que o Brasil necessita de coesão e rumo. Como ter coesão, atualmente, em uma sociedade tão polarizada como a brasileira?
Não vai ter. Quando eu defendo que venha ter coesão é exatamente termos um candidato a presidente que traga um discurso capaz de coesionar o Brasil. Um discurso de estadista. Um estadista não fala para uma classe social, o estadista fala para o conjunto da população. Além disso, o estadista não fala apenas para o presente. O estadista fala o que propõe para o futuro. Hoje, não tem como ter coesão e nem termos rumo, mas a eleição é daqui a alguns poucos meses e um bom discurso, um bom projeto, por um candidato com carisma, pode construir as bases para essa coesão e esse rumo.