Tibério Canuto: O agosto petista

Quando o registro do PCB foi cassado em 1947 o PCB deu por finda sua política de “conciliação de classe” que o tinha levado a aconselhar os operários a apertar os cintos. Greve por melhores salários, nem pensar. Era antipatriótica, conspirava contra o governo de salvação nacional de Getúlio Vargas.
Foto: Ricardo Stuckert
Foto: Ricardo Stuckert

Quando o registro do PCB foi cassado em 1947 o PCB deu por finda sua política de “conciliação de classe” que o tinha levado a aconselhar os operários a apertar os cintos. Greve por melhores salários, nem pensar. Era antipatriótica, conspirava contra o governo de salvação nacional de Getúlio Vargas.

O PCB sentiu-se traído pela burguesia, que, guiada pela lógica da guerra-fria, embarcou de proa na onda anticomunista que varreu o mundo. Os comunistas entenderam que o pacto social estabelecido foi rompido e movimentou seu pêndulo para esquerda.

O Manifesto de agosto de 1950, assinado por Prestes, foi a maior expressão da guinada esquerdista. Os comunistas abandonaram os sindicatos e a via parlamentar para se concentrar na via extra institucional. Deliraram com a pregação do armamento geral do povo e a criação de um exército popular de libertação nacional.

A política sectária levou o PCB ao gueto, com a perda de vínculos com a classe da qual se auto atribuía porta-voz e vanguarda. Isolado, perdeu vínculos com a sociedade e suas fileiras definharam.

Só voltou a ser um sujeito da vida política nacional depois que suas bases atropelaram o sectarismo e pressionaram por enterra-lo, coisa que iria se consolidar com a Declaração de Março de 1958.

A referência ao Manifesto de Agosto vem ao caso para entender o movimento que o PT vem operando. Desde o impichi, sente-se traído pela burguesia. A carta que José Dirceu escreveu ainda na prisão reclama quanto a ruptura do pacto estabelecido e preconiza a inflexão à esquerda, propondo um retorno aos tempos da política de “classes contra classes” praticada pelo PT antes do seu amancebamento.

O sentimento de traição entende-se porque, no seu governo, Lula domesticou a CUT, o MST, a UNE e assemelhados, levando a pelegada ao paraíso das estatais. Mais ainda, porque uma das poucas verdades que Lula disse em sua vida é que empresários e bancos nunca ganharam tanto como no seu governo.

Quem leu o artigo de José Dirceu pregando o diálogo com os militares percebe claramente que o PT está de volta aos anos 50, quando a esquerda via o capital externo como um polvo a sugar as riquezas nacionais e dividia as Forças Armadas entre oficiais “entreguistas e golpistas” e “nacionalistas democráticos”.

Conheceremos melhor o “Manifesto de Agosto” petista no dia 24 de janeiro, quando Lula será julgado pela segunda instância da Justiça Federal. O PT quer fazer dessa data o seu 7 de maio de 1947, dia que o registro legal do PCB foi cassado.

Há uma falácia terrível nessa paródia. O PCB perdeu o seu registro sem ter cometido qualquer desvio de conduta no terreno ético. Já Lula corre o risco de ser condenado em segunda instância por ter pisado na jaca em matéria de corrupção.

Mesmo assim, o PT e Lula anunciam uma estratégia de apostar no confronto e de “ir até as últimas consequências” com a candidatura Lula. Em outras palavras, travará mais a batalha no campo extra institucional – leia-se por meio da “pressão das massas” – e menos no terreno jurídico.
Este será usado à exaustão com vistas a criar um clima de comoção nacional. Lula e o PT acreditam que as massas emparedarão o Poder Judiciário. Confia ainda que manterá seu bloco unido até o suspiro final.

A estratégia do tudo ou nada sempre dá em nada. Não será diferente com Lula.

A esquerda sempre teve uma fé messiânica de que na hora do aperto as massas sempre saem em seu socorro.

Quando a Aliança Nacional Libertadora foi colocada na ilegalidade por Getúlio Vargas, o PCB e a ala esquerda do tenentismo achavam que estavam dadas as condições de uma insurreição que seria respaldada por um levante popular. O putsch de 1935 não passou de uma quartelada sem respaldo nas massas populares.

O PCB, quando cassado, também não foi socorrido pelas massas, sobretudo porque enveredou pelo sectarismo. Nada indica que será diferente com o PT, se der consequência prática à sua estratégia aventureira.

Além do furo de não contar com as massas de um país cujo povo é refratário a radicalizações, o estratagema petista tem dois outros furos.

O primeiro é acreditar que a Justiça deixará seu caso arrastar-se até a undécima hora, a ponto de fazer irreversível sua presença na urna eletrônica. Tenho pra mim que a celeridade da Justiça Federal da 4ª Região não será um episódio isolado no caso desse julgamento de Lula. Por uma razão simples: todas as instâncias da Justiças terão o mesmo entendimento que a eleição não pode ocorrer em meio a tamanha insegurança jurídica.

O segundo furo é confiar na firmeza de aliados como Renan, Eunício, Roseana Sarney e demais coronéis do Nordeste. Se não houver a garantia de que a candidatura Lula não será impugnada ao fim do processo, eles pulam do barco. Ou sequer entram nele.

O complicador para Lula é que não é possível ter uma estratégia de dois bicos. Um, a sua candidatura e outro o chamado plano B. Essa coisa faz água para um lado ou para outro., quando não faz para os dois. Pensar em plano B para agosto é coisa para kamikaze. Mas pensar antes é mandar para a cidade de pés juntos a candidatura de Lula.

Se para o PCB agosto de 50 foi a data histórica do seu movimento pendular para a esquerda, para o PT agosto de 2018 pode ser seu mês de cachorro louco.

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