Day: abril 25, 2021

Com Bolsonaro, país aumenta risco de ficar fora de negociações da política externa

Avaliação é do professor no Insper Leandro Consentino, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O Brasil corre o risco de ficar de fora das principais mesas de negociações por conta da política externa do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), isolando-se da futura governança global. O alerta é do doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Leandro Consentino, professor no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

Estados devem reconstruir os organismos internacionais quando a pandemia da Covid-19 tiver fim, segundo Consentino. Ele publicou artigo de sua autoria na revista Política Democrática Online de abril, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso é gratuito no portal da entidade.

Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021

Bacharel em Relações Internacionais e também professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o analista de política externa diz que o país interrompeu um "círculo virtuoso” com o mundo após a vitória de Bolsonaro, em outubro de 2018.

Além disso, segundo artigo de Consentino na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), a situação piorou ainda mais com a subsequente nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de ministro de Relações Exteriores.

“Com uma visão que preconizava completo alinhamento com os Estados Unidos, à época governados por Donald Trump, e outros países governados por populistas conservadores, a política externa brasileira esposou a antítese do paradigma de Azeredo da Silveira, pautando-se por um ideologismo irresponsável”, analisa o autor do artigo na revista mensal da FAP.

Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online

“Governo de turno”

De maneira cada vez mais alheia aos anseios brasileiros, segundo Consentino, “o governo de turno prefere privilegiar suas convicções políticas e ideológicas em detrimento do interesse nacional”.

Assim, conforme acrescenta, o governo coloca em risco os esforços de política externa, conquistados nas últimas décadas e prejudicando a economia e a sociedade brasileira em um momento tão grave como o atual.

“Foi dessa forma que ficamos para trás na corrida pelas vacinas e que tivemos os insumos atrasados por algumas semanas, perdendo centenas de vidas pelo caminho”, lamenta o professor no Insper.

Isolamento

Dessa forma, destaca o autor do artigo na revista da FAP, quando a pandemia tiver fim e os Estados decidirem a reconstrução de organismos internacionais pautados na questão sanitária e na recuperação da economia, o Brasil pode não ser convidado às principais mesas de negociações, isolando-se da futura governança global. “Eis o risco que ora enfrentamos e que precisamos evitar a todo custo”, afirma.

A íntegra da análise de Consentino pode ser vista na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado. 

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Fonte:


Zero Hora: Dentro e fora da TV, Maju Coutinho virou referência para meninas negras

À frente do "Jornal Hoje", que acabou de completar 50 anos, a jornalista celebra as conquistas na carreira, diz estar vivendo sua melhor fase e fala sobre representatividade

Nathália Capeços, Zero Hora

Na pausa para o cafezinho pós-almoço, é a hora de Maria Júlia Coutinho entrar na casa dos brasileiros para trazer as notícias que prometem impactar o resto do dia. E o desafio é grande: o Jornal Hoje, comandado por Maju, é como se fosse aquele amigo antigo da família que comenta os principais fatos equilibrando seriedade e descontração. Afinal, o JH acabou de completar 50 anos fazendo parte da vida dos telespectadores – o noticiário estreou em 21 de abril de 1971. A paulista de 42 anos assumiu a tarefa em 2019, mas reconhece que segue aprendendo todos os dias na função:  

— Quando assumi a bancada, a sensação foi de medo e de honra. Medo porque era um desafio novo, honra por estar à frente de um jornal superimportante — recorda. — É fazendo que a gente vai evoluindo. Todo dia (tenho um) um aprendizado, uma avaliação e reavaliação. 

Numa brecha na rotina corrida, Maju conversou com Donna sobre seu momento na TV, na vida e na carreira. Mas a rotina atribulada faz parte do dia a dia da jornalista há muito tempo. Desde a época de faculdade, ela trabalha na televisão, chegando à Globo em 2007 para ser repórter. Ficou conhecida em todo país ao apresentar a previsão do tempo no Jornal Nacional – o jeito descontraído virou marca registrada. 

A partir daí, a paulista foi ganhando espaço como âncora eventual dos telejornais da emissora, inclusive do JN, onde fez história ao se tornar a primeira mulher negra a sentar na bancada do noticiário mais importante do país. O convite para assumir o Jornal Hoje veio há dois anos e, com ele, ainda mais responsabilidade. Além do trabalho, Maju tem sido inspiração, sobretudo para meninas negras, que se sentem representadas quando a veem na TV. Nas redes sociais, a jornalista compartilha com frequência imagens de garotas de todas as partes do país tirando fotos em frente à televisão para mostrar que estão com o "cabelo igual ao da Maju".

— É um reconhecimento. Dá ânimo e força — define.

Mas estar sob os holofotes também colocou a jornalista no centro de ataques e fake news. Fotos com informações falsas sobre ela, boatos relativos à sua vida pessoal e comentários racistas, infelizmente, não são raridade no seu dia a dia. Para lidar com essa exposição, Maju escolheu dois caminhos: discrição sobre sua vida fora das telas e foco no trabalho. Ela conta que tenta se blindar emocionalmente para acolher as críticas construtivas e ignorar quem quer desestabilizá-la. E quando o limite do bom senso extrapola, o jeito é buscar os direitos na Justiça. No ano passado, dois homens foram condenados por racismo e injúria racial contra a apresentadora.

— Continuar fazendo o meu trabalho é a maior resposta — defende ela.

A seguir, confira um bate-papo com a apresentadora do Jornal Hoje que falou, entre outros temas, sobre a importância da representatividade na TV, como encara a chegada na casa dos 40 anos e a responsabilidade de inspirar meninas Brasil afora.

Você foi a primeira mulher negra na bancada do Jornal Nacional.
Já caminhamos razoavelmente, já vemos mais jornalistas negros ocupando esses postos no jornalismo brasileiro. Mas ainda há um caminho longo pela frente. É importante a representatividade, a diversidade enriquece o trabalho do jornalismo não só com os profissionais negros, mas os gays, os mais velhos, isso tudo dá uma riqueza, precisamos de olhares diferentes. E isso faz a diferença na hora da seleção da pauta, na escolha dos temas, nas análises. Só temos a ganhar com a diversidade nas redações.

Você já foi alvo de ataques racistas. Debater o tema abertamente é um dos caminhos para se construir uma sociedade antirracista?
Debater é o primeiro passo, mas tem que ter ação, não dá para ficar apenas no debate. É preciso real inserção, é preciso ver, na vida real, as pessoas negras que vemos agora nos comerciais. Vemos mais negros em posições de comando em comerciais de TV, mas isso tem que se refletir na vida real para ter efetividade mesmo. Mais representatividade na política, na TV, nos cargos de comando nas administrações de empresas. É isso que vai fazer a diferença.

Você já se retratou no ar após usar uma expressão que gerou polêmica (ela disse que “o choro era livre” em referência a quem contesta medidas de distanciamento social).
É fundamental reconhecer quando não conseguimos passar a mensagem com a clareza que ela exige. Acho que isso nos torna realmente mais humanos e mais próximos do público. Jornalista pode cometer equívocos, pode errar, e o que a gente tem que fazer quando erra é corrigir, se desculpar. Claro que a meta é sempre ser preciso e claro ao comunicar. Mas, quando isso não é possível, a gente se desculpa, levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima e vai.

Como é a experiência de participar do Papo de Política, programa da GloboNews com elenco feminino?
Reforça essa ideia de que mulher pode falar sobre o que quiser. É uma editoria em que sempre tive o sonho de trabalhar, com política. Nunca tive oportunidade, agora veio. Está sendo uma experiência riquíssima. O mais importante é que a gente se complementa, há mais apoio, não há competição. Essa questão da rivalidade tende a ficar cada vez mais fraca, a sororidade está entrando também nas redações, acredito nisso. Sobreviverão as que forem mesmo companheiras, sabendo que cada uma tem o seu espaço. Isso é muito importante.

Você costuma ser discreta sobre sua vida pessoal. É difícil lidar com a curiosidade do público e até com as fake news?
A partir do momento em que fui tomando pé da dimensão que é ficar exposta em rede nacional na TV Globo, aprendi que faz parte do jogo as pessoas terem curiosidade sobre a sua vida e inventarem coisas. Então, tenho que me blindar emocionalmente para lidar com isso, e é isso que tento fazer. Mantenho ao máximo a discrição da minha vida particular, porque acho que ela não deve e não deveria interessar às pessoas, e me preservo. Sei que os ataques são do jogo, apesar de achar que vivemos uma era de ataques que passam do limite, então, tento me preservar. Continuar fazendo o meu trabalho é a maior resposta. Quem critica é outra coisa, crítica construtiva a gente está aberta, eu aprendo. Mas ataque desnecessário tem que ser ignorado. Se extrapola, tem a lei para processar.

A chegada aos 40 anos mudou a relação com sua autoimagem?
Me sinto muito bem aos 40, é a melhor fase que estou vivendo. Estou saudável e tenho um amadurecimento. A estrada que caminhamos, os tombos que levamos, os aprendizados, tudo traz amadurecimento e leveza. Com essa idade, começamos a tirar um monte de pedras da mochila que carregamos na vida e só deixamos aquelas essenciais. Isso para mim é importante, saber que o mais simples é o melhor, que para quase tudo tem um jeito, a não ser para a morte, e levando com mais tranquilidade. Apesar de estarmos vivendo um período caótico, mesmo assim, tento manter a sanidade e a serenidade.

Nas redes sociais, as fotos de meninas negras se inspirando no seu cabelo se multiplicam.
Nunca imaginei que ia ter essa repercussão, que tantas meninas fossem tirar fotos, até os idosos. Acho o máximo, é um reconhecimento, e só agradeço por ter esse retorno do público. Dá ânimo e força de continuar fazendo o trabalho. Parti de um cabelo que era trançado quando criança pelos meus pais. Quando tinha uns oito ou 10 anos, por não ter referências de mulheres negras com cabelos crespos, passei a alisar, e alisei por um bom tempo. Na adolescência, surgiu a revista Raça e vi uma moça com o cabelo todo trançado. Me inspirou tanto, resolvi trançar meu cabelo, e fiquei anos com tranças. Retirei, fiquei um tempo com o cabelo natural, passei a usar babyliss e isso estragou um pouco, e voltei para o natural agora. Estou com o cabelo do jeito que gosto, natural, só à base de cremes.

Quais têm sido suas estratégias para manter a saúde mental em dia na pandemia?
Tem sido só casa e trabalho. Raramente vou aos meus pais. Agora que eles estão vacinados, às vezes dou um pulo lá. Casa, trabalho e, quando tem uma liberação na quarentena em São Paulo, me refugio numa casa na praia que a família tem. Vou só eu e meu marido (o publicitário Agostinho Paulo Moura) para vermos um pouco de natureza. Faço exercício em casa, na bicicleta, ou corro na rua de máscara. E muita terapia, meditação e exercício físico, muita fé mesmo para superar esse momento.

Estilo Maju

Seja para apresentar o Jornal Hoje ou em eventos públicos antes da pandemia, Maju Coutinho sempre esbanjou personalidade na hora de se vestir. Ao ligar a TV no telejornal, impossível não reparar nos looks da apresentadora, que costuma investir em cores fortes e vibrantes, como o amarelo, o laranja e o rosa. Adepta da alfaiataria, Maju investe em peças únicas, sua marca registrada, ou em roupas como pantalonas, vestidos estilo tubinho, camisaria e macacões. A jornalista também foi elogiada por repetir peças ao vivo em diferentes combinações – em entrevistas, contou que "é sustentável". Também já revelou que gosta de se inspirar no estilo de mulheres como Michelle Obama.


Folha de S. Paulo: Contra racismo, futebol inglês decide boicotar redes sociais por 4 dias

Contas dos times de todas as divisões profissionais no Facebook, Instagram e Twitter não serão atualizadas

O futebol inglês vai boicotar Facebook, Instagram e Twitter por quatro dias a partir da próxima sexta-feira (30). A iniciativa, divulgada neste sábado (24), é um protesto porque clubes, federações, associações de jogadores e torcedores acreditam que as plataformas fazem pouco para combater o racismo.

A ação vai englobar a Federação Inglesa (FA), a Premier League (liga dos clubes que organiza a primeira divisão), a EFL (English Football League, responsável pelos torneios da 2ª a 4ª divisão), as duas principais competições femininas e outras seis entidades ligadas a atletas, torcedores e ONGs que lutam contra discriminação no esporte.

Isso significa que as contas dos clubes e federações não serão atualizadas no próximo final de semana. Nas partidas da Premier League, serão 20 times envolvidos. Apenas Manchester United, Manchester City, Chelsea e Liverpool têm 478 milhões de seguidores espalhados pelas três redes sociais.

Em fevereiro deste ano, as organizações enviaram uma carta conjunta às plataformas pedindo maior agilidade na retirada de postagens e comentários racistas, melhores filtros para evitar este tipo de conteúdo e maior capacidade para expulsar usuários. Também pediram que Twitter, Facebook e Instagram trabalhassem melhor com a polícia para identificar e processar responsáveis por mensagens racistas.1 4

Usuários utilizaram emojis (figurinhas) de macacos para atacar o volante brasileiro Fred, do Manchester United, nas redes sociais

"Embora algum progresso tenha sido feito, reiteramos esses pedidos hoje em uma tentativa de reduzir o incansável fluxo de mensagens discriminatórias e assegurar que existam consequências reais para os responsáveis", diz o comunicado divulgado.PUBLICIDADE

Clubes, federações e entidades que assinam o manifesto também solicitam ao governo do Reino Unido que apresse a apresentação de projeto de lei que torna as redes sociais responsáveis pelo conteúdo postado e, com isso, também possam responder judicialmente por ele.

"A Premier League e nossos clubes se unem ao futebol ao realizar este boicote para ressaltar a necessidade urgente para que as redes sociais fazerem mais para excluir ódio racial. Queremos ver melhorias significativas nas suas políticas de conduta e nos processos para combater ofensas discriminatórias em suas plataformas", disse o CEO da Premier League, Richard Masters.


O Globo: Pazuello será preparado pelo Planalto para enfrentar CPI da Covid e blindar Bolsonaro

Governo treina ex-ministro da Saúde, aciona José Sarney, escala equipe e levanta documentos para defender atuação do presidente na pandemia

Jussara Soares, O Globo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto estruturou uma operação de guerra para enfrentar a CPI da Covid no Senado. O plano envolve preparar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello para responder aos questionamentos dos parlamentares, acionar o ex-presidente José Sarney, montar um comitê com representantes de diferentes ministérios e levantar um arsenal de documentos sobre a ação do governo na pandemia. A principal estratégia por trás dessa investida é blindar o presidente Jair Bolsonaro — e a sua pretensão de ser reeleito em 2022 —, desviando o foco das atenções para a atuação de estados e municípios.

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Considerado o principal alvo da comissão, Pazuello será preparado pelo governo para encarar senadores opositores. A ideia é que o ex-ministro da Saúde, que deve assumir um cargo no Planalto, dedique o seu tempo em Brasília a se debruçar sobre uma série de documentos, dados e informações oficiais que reforcem a narrativa de que o governo não foi omisso na pandemia nem na crise do oxigênio em Manaus — o colapso na capital do Amazonas já levou Pazuello a responder a uma ação por improbidade administrativa apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF).

O general da ativa terá à sua disposição um grupo de trabalho formado por integrantes de diferentes ministérios — que fornecerá subsídios para defender as ações do governo. Esse é mais um sinal de apoio de Bolsonaro, que, nos últimos dias, levou o militar a duas viagens, uma ao interior de Goiás e outra a Manaus.

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Para dar suporte a Pazuello e a outros integrantes do governo que serão convocados pela CPI, o Planalto estruturou um comitê de crise formado por representantes de diversas pastas, sob o comando da Casa Civil, chefiada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos. O grupo de trabalho criado para enfrentar a comissão da pandemia foi inspirado numa força-tarefa formada por Ramos durante a Olimpíada no Rio, em 2016, com a participação de diferentes setores, da Polícia Militar à Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), que compartilhavam entre si informações estratégicas sobre o evento esportivo. A ideia é implementar a mesma tática militar para encarar os questionamentos do colegiado no Senado.

O comitê já traçou um plano de trabalho, registrado num organograma com os principais focos de atuação, e tem como meta se reunir semanalmente no Planalto, compilando informações de diferentes ministérios e elaborando um roteiro que será utilizado para integrantes do governo se defenderem na CPI. Dentre os participantes, estão servidores da Saúde, Defesa, Economia, do Itamaraty, Comunicações, da Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União (CGU) e Secretaria de Governo, entre outros. Em uma recente reunião no Planalto, o presidente Bolsonaro já havia alertado que os auxiliares se preparassem porque muitos seriam chamados a prestar depoimento.

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Na última sexta-feira, o coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foi nomeado como assessor especial da Casa Civil. Antes mesmo de ser oficializado no cargo, o militar já vinha frequentando o Planalto diariamente. Segundo apurou O GLOBO, ele ficará dedicado a reunir as informações necessárias para responder aos questionamentos da CPI. A expectativa, segundo um integrante do alto escalão, é que, se o governo conseguir fazer “o trabalho que tem que ser feito”, poderá usar a CPI como “palco” para divulgar as ações do Executivo.

Em outra frente, o Planalto vem tentando minar o poder do senador Renan Calheiros (MDB-AL), favorito para assumir a relatoria da CPI. Nos últimos dias, um ministro do Palácio do Planalto entrou em contato com José Sarney para marcar um encontro. O objetivo dessa investida é convencer o ex-presidente da República a conter o seu colega de partido. Sarney e Renan já comandaram o Congresso em diferentes períodos e mantêm uma relação de proximidade. Mas interlocutores de ambos veem a iniciativa com pouca chance de êxito. O ex-presidente tem demonstrado pouca disposição para as articulações políticas envolvendo o Planalto, enquanto o senador sinaliza a interlocutores que não abrirá mão fácil da relatoria, apesar da ofensiva do governo. Na visão de um conselheiro de Bolsonaro, Renan Calheiros é uma opção mais palatável como relator do que os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ou Humberto Costa (PT-PE).

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Em entrevista ao GLOBO, Renan disse que Bolsonaro “errou e se omitiu na pandemia”. Preocupado, o presidente ligou para o filho do parlamentar, o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB). Os dois se conheceram na Câmara, quando ainda eram deputados federais e jogavam juntos num time de futebol de parlamentares. Na conversa telefônica, Bolsonaro foi direto ao ponto. Disse ao governador que achava que não era o momento de uma CPI, argumentando que o foco do Executivo deveria estar concentrado no combate à pandemia. Renan Filho respondeu que o pai é experiente e sereno e que, portanto, o presidente deveria ficar tranquilo. O governador disse que o senador seria incapaz de cometer uma injustiça, pois já foi alvo de investigações que considera indevidas.

Reforço na articulação

Para a missão de desarmar a CPI, o presidente convocou ainda o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência. Deputado federal eleito cinco vezes pelo DEM do Rio Grande do Sul, Lorenzoni integrou as CPIs da Petrobras, dos Maus-Tratos de Animais e dos Correios, da qual foi sub-relator, entre outras. A ideia é que o ministro use a experiência de quem já atuou como inquiridor para antever a estratégia dos membros da comissão e preparar Pazuello para enfrentar os questionamentos de senadores. O Planalto quer evitar que o ex-ministro se desestabilize diante da pressão. Lorenzoni também deve assumir uma parte da articulação política na CPI e já iniciou contato com parlamentares.

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Opiniões sobre as falhas na articulação já foram tornadas públicas por governistas: em entrevista ao GLOBO, o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, disse que o “governo perdeu o timing na indicação para a CPI”. Membro titular da CPI da Covid, o vice-líder do governo no Senado, Marcos Rogério (DEM-RO), também criticou a atuação do Palácio do Planalto: para ele, faltou “um pouco mais de articulação”.


Fernando Canzian: Fenômeno dos anos Lula, classe C afunda aos milhões e cai na miséria

Mais de 30 milhões deixam classificação; perspectiva para 2021 é de mais perda de renda nas classes D e E

Maior novidade da paisagem econômica brasileira no início deste século, a chamada classe C está sendo empurrada rapidamente de volta às classes D e E.

Ou, o que é pior, indo direto para a miséria pelas consequências da Covid-19 e da desorganização das políticas de mitigação da pandemia do governo Jair Bolsonaro (sem partido).

Pesquisas de diferentes órgãos revelam não só que dezenas de milhões de brasileiros retrocedem a situações mais precárias desde o ano passado mas que suas vidas podem continuar piorando em 2021.

Enquanto classes mais favorecidas começam a estabilizar a renda ou a obter ganhos, as classes D e E —cada vez mais numerosas— devem amargar nova queda de quase 15% em seus rendimentos neste ano.

Isso não só aumentará a desigualdade social brasileira mas retardará a recuperação econômica.

Mais pobre, a gigantesca população de baixa renda consumirá menos, exigindo menos investimentos e contratações de novos empregados pelo setor produtivo.PUBLICIDADE

Com a paralisação de muitas atividades em 2020 e a interrupção do auxílio emergencial em dezembro —só retomado em abril, com valores bem menores—, milhões de brasileiros estão despencando diretamente da classe C para a miséria.

Em 2019, antes da pandemia, o Brasil tinha cerca de 24 milhões de pessoas na pobreza extrema, ou 11% da população, vivendo com menos de R$ 246 ao mês. Agora, são 35 milhões, ou 16% do total, segundo a FGV Social com base nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios Contínua e Covid-19.

Entre esses novos participantes da pobreza extrema, muitos não se encaixam no clássico perfil do miserável brasileiro —oriundo de famílias muito pobres, desestruturadas e de baixíssima escolaridade.

A família de Noemi de Almeida, que estudou até o primeiro colegial, é uma das que fizeram um percurso rápido, e sem escalas, da classe C direto para a miséria.

Com renda domiciliar de quase R$ 4.000 antes da pandemia, ela, o marido e duas filhas agora vivem de doações para comer e moram em um terreno invadido no Jardim Julieta, na zona norte de São Paulo.

Ali, com redes de água e luz irregulares, ao lado de centenas de casas improvisadas, temem, dia e noite, acabar despejados e sem ter para onde ir.

Antes da pandemia, Noemi vendia quentinhas a alunos de uma faculdade na Vila Maria enquanto o marido trabalhava como garçom.

Sem aulas e com o fechamento do comércio, ambos ficaram sem renda, não tiveram mais como pagar o aluguel e agora ocupam, com outras 2.000 pessoas, a área invadida em meados de 2020.

Com os filhos longe da antiga escola, o casal tenta obter alguma renda vendendo água e refrigerantes. “Tem dias que ganho R$ 30. Outros, que não entra nada”, diz Noemi.

A poucos metros dela, Ingrid Frazão, que concluiu o ensino médio e que conseguia com o marido, até a pandemia, cerca de R$ 3.000 mensais, agora vive na mesma ocupação e depende, para se alimentar, de doações e de um sopão distribuído nas redondezas.

Antes o casal se sustentava com empregos formais (ela, faxineira; ele, instalador de alarmes) e conseguia bancar aluguel de R$ 700 mensais na região do Parque Edu Chaves, também na zona norte paulistana. Hoje, não têm a menor perspectiva de sair de onde estão.

No começo, a ocupação iniciada pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) no Jardim Julieta tinha sido organizada para manter terrenos de 4,5 metros de frente por 9 metros de profundidade.

Mas a demanda da população foi tanta que eles foram encolhidos para 4,5 metros por 4,5 metros para acomodar mais gente. Segundo Valdirene Ferreira, uma das organizadoras do local, pessoas não param de chegar e há filas para tentar acomodá-las.

De acordo com a FGV Social, quase 32 milhões de pessoas deixaram a classe C desde agosto do ano passado, ápice do pagamento do auxílio emergencial pelo governo Bolsonaro, em direção a uma vida pior.

A classe E, com renda domiciliar até R$ 1.205, segundo os critérios da FGV Social, foi a que mais inchou: cresceu em 24,4 milhões de pessoas. Já a classe D (renda entre R$ 1.205 e R$ 1.926) aumentou em 8,9 milhões.

Embora o Brasil não possua uma classificação oficial para delimitar classes sociais, algumas dessas tentativas, como da FGV Social e da consultoria Tendências (ver quadro), enquadram as famílias de Noemi de Almeida e Ingrid Frazão —assim como outras encontradas pela Folha no Jardim Julieta e em ocupações no centro de São Paulo— como ex-participantes da classe C.

Mesmo usando parâmetros diferentes, ambas as classificações revelam o mesmo movimento: encolhimento da classe C, cuja expansão ganhou fama no governo Lula (2003-2011), e, agora, o inchaço acelerado das classes D e E —a última na estratificação e que engloba os mais pobres.

Marcelo Neri, diretor da FGV Social, compara a um “terremoto” a mudança brusca de patamar sofrida pela classe C desde o início da pandemia.

Em sua opinião, o auxílio emergencial foi muito mal calibrado: generoso demais em 2020 e insuficiente agora, quando a pandemia faz mais mortos e obriga estados e municípios a interromper atividades.

No auge do pagamento do auxílio, em agosto do ano passado, 82% das pessoas que eram consideradas muito pobres (renda per capita abaixo de R$ 246) um ano antes deixaram de sê-lo momentaneamente —para logo depois voltar à miséria. Em muitos casos, encontram-se hoje em situação pior do que antes.

“O governo acabou produzindo muita instabilidade, o que é péssimo, em particular, para os mais pobres”, diz Neri. “A generosidade de 2020 mostrou que o governo não foi sábio, pois agora não tem dinheiro para socorrer os que mais precisam em um momento muito difícil.”

No ano passado, o auxílio emergencial foi pago entre abril e dezembro empregando R$ 293 bilhões (R$ 600 ao mês inicialmente, e depois R$ 300, a 66 milhões de pessoas).

Mas a nova rodada deste ano tem previsão de duração de só quatro meses e de somar R$ 44 bilhões —15% do total de 2020 (pagando R$ 250, em média, a 45,6 milhões de pessoas).

O auxílio emergencial menor mais a lentidão na vacinação contra a Covid-19 no Brasil por ​falta de planejamento federal devem redundar em recuperação econômica lenta, que afetará sobretudo os mais pobres, ampliando a desigualdade.

Segundo Lucas Assis, economista da Tendências, a massa de rendimentos (salários, Previdência, programas sociais, etc.) das classes D e E deve encolher 14,4% neste 2021.

Já a da classe A (empresários, funcionários públicos, etc.) pode crescer 2,8%, sobretudo por causa da recomposição das margens de lucro que os empregadores vêm perseguindo.

Com menos renda disponível e cada vez mais numerosas, as classes D e E, que normalmente gastam imediatamente quase tudo o que ganham, não devem funcionar como grandes propulsoras da atividade econômica neste ano.

“Pior remuneradas, ainda mais informais do que antes e diante da inflação de alimentos e combustíveis, essas parcelas da população terão pouca renda disponível”, afirma Assis.

Outra pesquisa, da consultoria IDados e publicada pela Folha, mostrou que oito em cada dez famílias com rendimento mensal superior a R$ 5.225 também perderam renda no último trimestre de 2020, na comparação com o mesmo período de 2019.

Diante da realidade dos baixos rendimentos do Brasil, no entanto, essas famílias podem ser consideradas como pertencentes às classes média, média-alta e alta —uma minoria, portanto, no país.

Por isso é que preocupam os efeitos da rápida degradação das condições da numerosa classe C, pois considera-se crucial que ela faça o caminho de volta para que o país engate um ritmo de crescimento mais acelerado.


Ricardo Melo: O golpe está desenhado

Delinquente do Planalto anuncia que 'nosso Exército' está pronto para tomar as ruas

Jair Bolsonaro já se comprovou um caso de Código Penal, psiquiatria, mitomania, alucinação e o que mais seja. Detalhe: chegou ao Planalto com o apoio do capital gordo, da mídia oficial e oficiosa, do Judiciário complacente e de um Congresso sedento de verbas do povo.

Nunca é bom desdenhar de criaturas como essas. Parecem excêntricas, instáveis, mas são mais perigosas do que se pensa. Bolsonaro já tentou explodir quartéis do Exército e uma adutora no Rio. Foi brecado porque descoberto. Sua entrevista em Manaus nesta sexta-feira (23) é mais um sinal inequívoco do grau de autoritarismo. Vale a pena reproduzir trechos de seus planos, mesmo que longos:

"O pessoal fala do artigo 142 [da Constituição], que é pela manutenção da lei e da ordem. Não é para a gente intervir. O que eu me preparo? Não vou entrar em detalhes, [mas é para] um caos no Brasil. O que eu tenho falado: essa política, lockdown, quarentena, fica em casa, toque de recolher, é um absurdo isso aí", disse.

"Se tivermos problemas, nós temos um plano de como entrar em campo. Eu tenho falado, eu falo 'o meu [Exército]', o pessoal fala 'não'... Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas. O nosso Exército, as nossas Forças Armadas, se precisar iremos para a rua não para manter o povo dentro de casa, mas para reestabelecer todo o artigo 5º da Constituição. E se eu decretar isso vai ser cumprido", acrescentou.

"As nossas Forças Armadas podem ir para a rua um dia sim, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer cumprir o artigo 5º. O direito de ir e vir, acabar com essa covardia de toque de recolher, direito ao trabalho, liberdade religiosa e de culto; para cumprir tudo aquilo que está sendo descumprido por parte de alguns governadores e alguns poucos prefeitos, mas que atrapalha toda a sociedade. Um poder excessivo que lamentavelmente o Supremo Tribunal Federal delegou, então qualquer decreto, de qualquer governador, qualquer prefeito, leva transtorno à sociedade.

Cabe observar que nem como golpista o sujeito (chamá-lo de presidente chega a ser acintoso com o povo) conhece limites. Golpistas eficientes não avisam o momento da quartelada. Operam nos bastidores e um belo dia um general Olimpio Mourão da vida aciona seus tanques rumo ao Rio de Janeiro como em 1964.
Bolsonaro, não. Avisa com antecedência.

O que ainda salva o país (por quanto tempo?) de mais um mergulho nas trevas de 1964 é que o golpista assumido e anunciado é repudiado nacional e internacionalmente. Diante das Forças Armadas, não passa de um capitão ejetado que humilha generais como se fossem recrutas. Frente ao povo, afirma-se como um genocida a cada pesquisa que é divulgada.

Para Bolsonaro isto pouco importa. Tem "a caneta na mão". Com isso vem tentando seduzir a soldadesca de suas convicções liberticidas. Nunca falou com tanta clareza como agora em Manaus.

O Brasil democrático já está alertado. A reação imediata a isso (e não em 2022) pode definir o futuro do país

*Ricardo Melo é jornalista e apresentador do programa 'Contraponto' na rádio Trianon de São Paulo (AM 740), foi presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação)

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Gustavo H.B. Franco: Negacionismo fiscal

Em Brasília, o negacionismo fiscal é uma doença antiga, fácil de se contrair

A palavra está na moda, infelizmente. Ouve-se negacionismo a todo momento, até demais.

Aconteceu recentemente com outras palavras emproadas como protagonismo, narrativa, ressignificar, empoderar, resiliência, disruptivo, assertivo. Há muitas assim, pegajosas e que subitamente parecem brotar de todas as bocas e não se consegue duas frases sem nelas tropeçar.

São palavras que funcionam como um adereço extravagante, como um cinto ou bolsa que tem uma grife de meio metro, pintada de dourado, e que transforma os usuários em uma propaganda ambulante, e os define pelo seu pertencimento a uma tribo.

Use uma dessas palavras, e as pessoas vão se lembrar de você as pronunciando, sem se dar conta sobre o que você estava falando. 

Dentre essas palavras de grife, as que comandam mais respeitabilidade são as que terminam com “ismo”, um sufixo geralmente utilizado para designar filosofias, teorias, movimentos artísticos. Quem usa “protagonismo” vira entendido em relações internacionais, e quem fala de “narrativa” se mostra um “insider” em estudos culturais contemporâneos. 

Tudo isso não obstante, a ideia de negacionismo descreve com precisão a postura típica de líderes populistas diante de técnicos e experts, incluindo os da medicina convencional, eis que esse tipo de político não admite qualquer mediação em seu relacionamento com o “povo. Para eles, não existe ciência, só narrativa.

O negacionismo é primo-irmão da pseudociência, e por isso mesmo, tal como se passa com os líderes populistas, é muito mais popular do que se pensa. Quem não gosta de uma solução mágica e de uma cura milagrosa?

Em geral, as pessoas não acreditam em superstições, mas se divertem em praticá-las, sobretudo se são inofensivas. Como horóscopo de jornal. Vai que funciona. 

Nessa parte do mundo em especial, tendo em vista nosso desapego ao real, à hegemonia da intuição e à desconfiança para com o racional, conforme a descrição de Mario Vargas Llosa, a popularidade da medicina alternativa é gigante. E, se é assim com a medicina, imagine com a economia.

O negacionismo tomou a economia há muitos anos, e apenas agora, com a pandemia e com os absurdos gerados pelo negacionismo médico, é que se percebe a exata estrutura conceitual do charlatanismo. É claro que há negacionismo em todas as outras áreas do conhecimento, talvez mais na economia que em qualquer outra. 

Quanto perdemos com a busca de soluções mágicas para problemas econômicos? Um caso em evidência, nessa semana que passou, é a encrenca do Orçamento. 

Os detalhes técnicos são menos importantes que atentar para o modo como os representantes do povo fazem as escolhas sociais. São os parlamentares eleitos que devem escolher entre o Bolsa Família e o Bolsa Empresário, ou entre a habitação popular e o submarino nuclear (ou as fragatas da Marinha), ou entre os auxílios emergenciais e as emendas parlamentares paroquiais.

Entretanto, no Brasil, por estranho que pareça, o Parlamento não gosta de escolhas, pois sempre há perdedores.

A melhor escapatória, e de longe a mais comum, consiste em questionar a necessidade de escolher, negando-se a reconhecer a existência de qualquer limitação aos recursos existentes. Só assim é possível ficar com o almoço e com o dinheiro. Muitos parlamentares preferem duvidar da escassez, para não competir entre si ou confrontar seus coleguinhas. Parece sempre mais cômodo antagonizar o pessoal da área econômica. Ou mesmo a própria ideia de responsabilidade fiscal. Ou negar a existência de “restrições orçamentárias”. Ou dizer que o ministro esconde o dinheiro.

Não será sempre necessário, conveniente e fotogênico duvidar da escassez e, heroicamente, explorar a possibilidade de realizar todos os sonhos, a despeito das (im)possibilidades?

Vai que funciona.

Esse é o negacionismo fiscal, uma doença antiga, fácil de se contrair em Brasília, pois começa com a compulsão em não desagradar ninguém, prossegue com nosso espírito aventureiro (o gosto pela solução mágica) e parece ganhar nova vitalidade com a pandemia.

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS 


Douglas Belchior: Metade da população brasileira hoje enfrenta a fome e a falta de direitos

Uma multidão de miseráveis cresce a cada dia, sob a anuência de um governo fraco, arrogante, incapaz

O Brasil vive um momento de anormalidade democrática. Enfrentamos um progressivo desmonte das políticas de direitos sociais e civis da população. Durante a pandemia, o que temos observado é uma gestão negligente que está sendo imposta ao país.

Essa negligência pode ser comprovada pela demora na aquisição de vacinas e pela ausência de um plano nacional de vacinação efetivo que defina os grupos prioritários e cuide das pessoas que são as mais expostas, vulneráveis. No entanto, o que vemos é uma tentativa perigosa de privatização da vacina, que vai instituir um sistema de fura-fila.

Enquanto isso, o presidente ignora perigosamente os apelos de quem tem fome e os índices que revelam a quantidade absurda de quase 117 milhões de brasileiros que, em algum momento, já viveram algum tipo de insegurança alimentar. Esses dados fazem parte do estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), divulgado há poucos dias.

A fome já é a realidade vivenciada por 19 milhões de pessoas e mais de 43 milhões não dispunham de alimentos suficientes. Ou seja, o empobrecimento da população está se agravando e a pandemia está evidenciando os nichos e os abismos sociais existentes neste país.

Como resposta ao agravamento da pandemia, ao invés de propor um auxílio digno, o Governo responde com um benefício que é quatro vezes menor. Quem consegue fazer uma análise mais ampla, vê o quanto o país piorou ―e muito― em todos os setores nos últimos dois anos, especialmente na área social.

Pior ainda é saber que, do orçamento geral da União, sobrou o equivalente a 28 bilhões de reais de verba destinada ao auxílio emergencial no ano passado. Mas, para este ano, estabelece-se o limite de 44 bilhões de reais acima do teto. Qual a razão disso: maldade ou indiferença?

A fome e a miséria aumentaram, assim como a concentração de renda. Basta lembrar dos 11 novos bilionários que este ano entraram para o seleto grupo dos mais ricos do mundo da revista Forbes.

Essa política higienista, racista e genocida tem escancarado e explicitado todas as desigualdades e intensificado o sofrimento das pessoas. Falta habitação, acesso à água limpa e potável, trabalho, renda e educação. Todos esses segmentos sofreram mudanças radicais e profundas.

Não vemos qualquer iniciativa por parte do Governo para atuar preventivamente, evitando mortes que, a cada dia, batem recordes absurdos. Não é possível achar normal 4 mil mortes diárias. Como também não é natural obrigar os médicos a praticarem a tortura à medida que faltam medicamentos do kit intubação.

Na ausência dessas drogas mais modernas e eficientes, hospitais do Rio de Janeiro já amarram seus pacientes semiconscientes, alguns até conscientes, para não retirarem os tubos usados na intubação.

O país piorou muito nos últimos dois anos porque tem na sua direção um presidente insano e indiferente, que não esconde suas características de supremacista branco. Infelizmente, não chegamos ainda ao pior dessa situação.

Com a pandemia sem controle e sem perspectiva de vacinar o maior número possível de pessoas, estamos condenando os mais pobres a uma vida miserável. E os mais pobres entre os pobres estão sendo empurrados para a fome na sua versão mais cruel. Aqui, falamos, na grande maioria, de mulheres negras, periféricas, mães-solo.

Além de todas as mazelas que assistimos cotidianamente, este ainda é um país que sangra com o racismo e todas as desigualdades decorrentes do racismo presente nos países de herança colonial e escravocrata.

Tem gente com fome, aos milhares, dependendo quase exclusivamente da ação da sociedade civil organizada e de suas campanhas de apoio humanitário. E o Estado e seus gestores prevaricam, à revelia da Constituição. Até quando viveremos essa situação?

É por isso vamos continuar repetindo, como um mantra, #auxilio emergencial até o fim da pandemia!

Douglas Belchior, professor da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos e Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica


El País: Biden reconhece como “genocídio” o massacre de armênios sob o Império Otomano

Com sua decisão, presidente dos EUA rompe com a linha de seus antecessores na Casa Branca, que evitaram falar em extermínio temendo prejudicar as relações com a Turquia

Antonia Laborde, El País

O presidente dos Estados UnidosJoe Biden, reconheceu neste sábado como “genocídio” o extermínio de mais de um milhão e meio de armênios nas mãos do Império Otomano. O anúncio foi feito no 106º aniversário do início do massacre. Com essa qualificação, o democrata rompe com seus antecessores da Casa Branca, que evitaram falar em genocídio temendo prejudicar as relações entre os Estados Unidos e Turquia. O anúncio de Biden aumenta a tensão entre os dois países, agravada depois da compra de equipamento militar russo por Ancara, dos casos de violações de direitos humanos e das intervenções militares na Síria e na Líbia.

“Todos os anos, neste dia, recordamos as vidas de todos que morreram no genocídio armênio da era otomana e reiteramos o compromisso de que essa atrocidade não volte a ocorrer”, afirmou em um comunicado Biden, tornando-se o primeiro presidente na história dos Estados Unidos a classificar de genocídio o massacre de armênios entre 1915 e 1923. Em 1981, durante um comunicado sobre o Holocausto, Ronald Reagan fez uma alusão ao genocídio armênio, mas se retratou sob pressão da Turquia, parceira de Washington na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Em 2019, o Congresso americano aprovou resoluções para reconhecer pela primeira vez o genocídio, mas Donald Trump —que mantinha boas relações com o presidente turco, Recep Tayyp Erdogan— não as levou em conta.

Segundo o comunicado da Casa Branca, Biden telefonou nesta sexta-feira para Erdogan, mas não mencionou o massacre do início do século XX. O presidente americano expressou seu interesse em uma “relação bilateral construtiva com áreas ampliadas de cooperação e uma gestão eficaz das divergências”. A transcrição turca da conversa telefônica indica que Erdogan manifestou suas objeções em relação ao apoio dos EUA às forças curdas na Síria, consideradas grupos terroristas por Ancara.

A Turquia, o Estado herdeiro do Império Otomano, reconheceu que muitos armênios morreram em combates com as forças turcas, mas se recusa a qualificar essas mortes como um genocídio e questiona o elevado número de vítimas. Ancara diz que eram tempos de guerra, que houve mortos dos dois lados e que os armênios mortos ficaram em torno de 300.000, mas os historiadores estimam que o total passou de um milhão e meio.

Grupos armênio-americanos, que pressionaram durante anos para que Washington qualificasse o massacre como “genocídio”, comemoraram a medida neste sábado. “A declaração do presidente Biden sobre o genocídio armênio marca um momento de importância crítica no arco da história em defesa dos direitos humanos”, afirmou Bryan Ardouny, diretor-executivo da Assembleia Armênia da América. “Ao se opor com firmeza a um século de negação, o presidente Biden traçou um novo rumo”, acrescentou em um comunicado.


Carlos Nobre: 'Brasil precisa diminuir desmatamento da Amazônia ainda neste ano para não receber sanções'

Cientista defende que o grande potencial econômico da floresta é mantê-la em pé, mas que é preciso um forte combate ao crime organizado para zerar a degradação o quanto antes

Felipe Betim, El País

O climatologista Carlos Nobre é uma das principais vozes da ciência que alertam para os riscos de savanização da Amazônia caso o desmatamento não seja freado e zerado até, no máximo, 2030. Em entrevista ao EL PAÍS por telefone às vésperas da Cúpula do Clima, o cientista afirmou que ou o Governo Jair Bolsonaro muda sua conduta ou corre o risco de sofrer sanções econômicas. “Se o Brasil quiser deixar de ser o pária ambiental do planeta, não dá para ficar em cima do muro nem deixar para mudar de postura depois, para a COP-26”, explica o cientista, referindo-se à conferência do clima da ONU que será realizada em novembro deste ano, em Glascow (Escócia). “Eu acho que vai ter muita sanção econômica. Podem enterrar de vez o acordo entre Mercosul e União Europeia, por exemplo. Por isso, é muito importante que o desmatamento caia ainda neste ano. Já se sabe que não vai cair muito, mas não pode crescer”, alerta ele.

Atualmente, pouco mais de 80% da cobertura original da Amazônia está preservada. O número parece alto, mas estudos científicos indicam que a floresta está “na beira do precipício da savanização”: a estação seca está três ou quatro semanas mais longa no sul da região e a floresta absorve menos carbono e recicla menos água, explica Nobre. “Há colegas meus que dizem que savanização ja começou. Eu ainda acho que dá para evitar o pior se a gente zerar rapidamente o desmatamento e restaurar grandes áreas, gerando chuvas e diminuindo temperaturas. Mas isso tem que acontecer a jato”. Para salvar a Amazônia, o mundo também precisa ter sucesso na aplicação do Acordo de Paris e não deixar que a temperatura do planeta suba mais que 1,5 grau celsius. Caso contrário, todo esforço de preservação será em vão, explica Nobre. Os desafios são enormes.

Durante seu discurso de três minutos na Cúpula do Clima nesta quinta-feira, Bolsonaro garantiu que o Brasil tem a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030. De acordo com Nobre, mais de 90% de todo o desflorestamento da Amazônia é ilegal e não tem a ver com produção agrícola, mas sim com o mercado de terra. Para mudar esse quadro, é preciso combater o crime organizado, o que praticamente zeraria toda a degradação da floresta, explica. Em sua fala, Bolsonaro reconheceu que medidas de comando e controle são parte da reposta. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”, assegurou o presidente. As metas apresentadas pelos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, foram elogiadas pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu discurso de encerramento nesta sexta.

Porém, um dia depois do pronunciamento de Bolsonaro, aconteceu exatamente o inverso do que ele prometeu diante de 40 líderes internacionais: entre os vetos no Orçamento de 2021, o Governo federal cortou nesta sexta-feira 19,4 milhões de reais do Ibama, sendo que 11,6 milhões seriam destinados para atividades de controle e fiscalização ambiental e seis milhões para a prevenção e controle de incêndios florestais. Bolsonaro também retirou sete milhões do ICMBio, outro braço da fiscalização ambiental, que seriam destinados à criação, gestão e implementação de unidades de conservação. Também cortou 4,5 milhões do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. No total, os cortes do Ministério do Meio Ambiente somam 240 milhões de reais para o ano de 2021.

“Tem que haver um esforço de guerra para acabar ou diminuir o crime na Amazônia. Não pode ser só um discurso de tolerância zero, porque na prática o crime continua acontecendo”, enfatiza Nobre. Os anos de 2019 e 2020 registraram um importante aumento no desmatamento. Em 2021, o mês de março foi o pior dos últimos 10 anos. “O general Mourão [vice-presidente e responsável pelo Conselho da Amazônia] afirmou que o Exército iria sair da Amazônia no dia 30 de abril e que o Ibama iria contratar 700 fiscais temporários. Até agora não contratou nenhum. Muitos fiscais foram aposentados por idade ou estão fora de campo com a pandemia”, alerta o cientista, que teme novo aumento do desmatamento a partir de maio, quando começa o período mais seco na região amazônica.PUBLICIDADE

Nobre explica que o desmatamento das florestas tropicais representa 15% das emissões de gás carbônico no planeta, enquanto que a maior parte, 70%, vem dos combustíveis fósseis. Porém, o objetivo global de zerar as emissões até 2050 passa, necessariamente, por zerar o desmatamento ao mesmo tempo que se investe “em um mega projeto de restauração florestal em todos os trópicos para retirar gás carbônico da atmosfera”. Além disso, proteger as florestas significa, também, proteger a biodiversidade. “Existe um simbolismo imenso na proteção da Amazônia”, explica o cientista. Para ele, Biden percebeu essa preocupação dos consumidores de todo o mundo com a proteção da Amazônia. “E o Brasil tem a maior parte da floresta, o maior desmatamento, a maior incidência do crime organizado, de grilagem de terra, de roubo de madeira... Em função dos dois últimos anos de discurso do Governo federal contrário à proteção das florestas tropicais, o país se tornou o centro das atenções.”

Novo modelo econômico para a Amazônia

Nobre defende que a restauração da Amazônia não deve acontecer para compensar novas áreas desmatadas. Zerar o desmatamento e promover a restauração de áreas devem andar juntos. “Há áreas degradadas e baixa produtividade sem valor econômico. Há estudos indicando que poderíamos aumentar 35% da produção agropecuária reduzindo em 25% as áreas de pastagens. Só nessa brincadeira poderíamos liberar 150.000 quilômetros quadrados de áreas ruins que poderiam ser restauradas”, explica. Ele defende que parte dessa restauração seja feita para construir sistemas agroflorestais, “que são florestas com uma densidade maior de espécies com valor econômico”. Como exemplo cita a cooperativa de Tomé-Açu, no Pará, que gera “140 produtos diferentes a partir de 70 espécies, sendo a mais conhecida o açaí”.

Assim, ele reforça que “o grande potencial econômico da Amazônia” é mantê-la em pé. Também rebate a ideia, muito propagada pelo Governo, de que os mais 20 milhões de habitantes da região recorrem ao desmatamento para poderem sobreviver. “Os empregados do garimpo e da extração de madeira estão em semiescravidão e não ganham nem um salário mínimo por mês. São paupérrimos, estão na classe E. Não podemos dizer que isso é um modelo econômico”, argumenta. Além disso, argumenta que o minério e a madeira extraídos ilegalmente são contrabandeados. Não pagam impostos e nem geram riqueza ao país. “E veja o açaí, movimenta um bilhão de dólares [cerca de 5,5 bilhões de reais] na região e muitos produtores estão na classe C”.

O custo maior da mudança de modelo econômico seria na restauração florestal, garante Nobre. Com pouco investimento, afirma, é possível dobrar ou triplicar a produtividade da pecuária. Ele acredita que no setor privado o momento é positivo, com as grandes companhias de carne investindo em rastreabilidade para não comprar de áreas desmatadas. Sabem que o risco é perder mercados internacionais e investimentos. “O que precisamos, agora, é de uma grande mudança de postura nas políticas públicas, de efetividade no combate ao crime e na valorização da bioeconomia”, destaca.


Alon Feuerwerker: A caça à raposa. E o contra-ataque das “instituições que estão funcionando”

O governo Jair Bolsonaro e o próprio presidente entraram num período de defensiva, pois os tropeços na condução da epidemia da Covid-19 acabaram dando aos adversários a oportunidade de retomar a iniciativa. E o ambiente tornou-se mais favorável ao desarranjo político quando a segunda onda de casos e mortes pelo SARS-CoV-2, turbinada pela cepa de Manaus, antecipou-se violentamente ao cronograma da vacinação e criou um caldo de cultura propício para o contra-ataque dos aparelhos alvo do bonapartismo presidencial.

Já foi descrito nas análises dos últimos quase três anos: o colapso operacional e de imagem da Nova República, catalisado na última etapa pela Operação Lava-Jato, acabou transformando o bonapartismo (um governo concentrado no líder, que exerce o poder em conexão direta com as massas) em objeto de desejo. O problema? Não há um único candidato a Bonaparte, o sobrinho e não o tio: concorrem o presidente da República, os próceres do Judiciário e do Congresso, além de outros menos apetrechados, mas nem por isso menos ambiciosos.

A eleição de Jair Bolsonaro foi, na essência, a outorga de um mandato bonapartista, algo exigido por décadas no processo de formação da opinião pública entre nós. E o presidente até que tentou. Desprezou os partidos na montagem da Esplanada e saiu a aplicar, por decretos e medidas provisórias, o programa vitorioso nas urnas. E vinha naturalmente produzindo conflitos, especialmente com os núcleos empoderados pelo lavajatismo, que provocou um dos maiores efeitos centrífugos no poder político em toda a história nacional.

Aí vieram a pandemia, a dispersão operacional do combate a ela, a captura do debate científico e sanitário pela guerra de facções, os números trágicos de casos e, principalmente, mortes. E a polarização política nesse ambiente acabou por estimular na sociedade a convergência do antibolsonarismo, hoje algo majoritário. Se vai sedimentar, se vai sobreviver até a eleição, se vai ser fragmentado, aí é outra história. Mas a situação do momento é esta. E é tal ambiente que facilita o contra-ataque dos demais candidatos a Bonaparte.

Contra-ataque que na versão poliânica do analismo político costuma ser descrito como “as instituições estão funcionando”. Até demais, diria-se. O Legislativo tenta tomar para ele praticamente toda a execução orçamentária disponível. E o Judiciário ensaia concentrar em si os poderes do Executivo e do Legislativo. E os aos quais isso convém, no momento, por fazerem oposição, aplaudem. Amanhã, quando chegarem ao Planalto, serão eles as vítimas. Mas cada hora com seu problema, cada dia com sua agonia específica.

Antes da criação da CPI da Covid, o desafio do governo era atravessar uns dois ou três meses de borrasca sanitária e econômica, à espera de a segunda onda mergulhar e a economia tirar a cabeça da água para respirar. O quadro agora é outro, o ecossistema propício à instabilidade vai estender-se no tempo, alimentado pelo habitual espetáculo da CPI. Veremos como se dá a caça à raposa, se ela consegue ou não escapar. E isso vai depender não só dos fatos concretos trazidos à CPI, mas também terão grande peso os números da epidemia e da economia.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


André Lara Resende: Obsessão em atar as mãos do Estado paralisa o Brasil há três décadas

Alta dos juros leva a efeitos distributivos perversos

Neste EU& Fim de Semana, de 16 de abril, José Júlio Senna faz uma crítica ao meu artigo “A quem interessa a alta dos juros”, também aqui publicado. O artigo de José Júlio merece um elogio logo na partida pois, coisa rara no debate econômico de hoje, é uma resposta civilizada e racional. Dito isso, passo a expor por que discordo dos seus argumentos e os considero um exemplo dos problemas da retórica dos economistas.

José Júlio concorda que não há hoje pressão de demanda sobre os preços. Discorda que a alta dos preços internacionais das commodities, associada à desvalorização do real, seja o principal fator por trás do aumento da inflação. Atribui a alta mais aos gargalos de oferta criados pela pandemia do que à pressão das commodities. Sustenta que a pandemia desorganizou a oferta, o que é incontestável, e que houve um desvio da demanda de serviços para bens, o que é uma mera conjectura.

De toda forma, o ponto central de seu argumento não depende disso. Reconhece que o núcleo da inflação não saiu de controle, está apenas ligeiramente acima da meta, aponta para 5,5% no fim do ano, mas pode chegar a ser mais alto a partir de maio, antes de voltar a cair. Sustenta que a alta dos preços no atacado, agravada pelos problemas de logística na pandemia, pode não ser transitória.

Segundo ele, o que poderia ser considerado um mero fenômeno estatístico é preocupante, pois corre-se o risco de influenciar as expectativas. Para José Júlio, a razão pela qual o Banco Central deve elevar os juros é justamente para evitar a perda de controle sobre as expectativas. Reconhece que a alta dos juros não irá reverter a alta dos preços, mas sustenta que irá impedir a propagação dos seus efeitos secundários, através das expectativas.

Paremos aqui um instante para perguntar como a alta dos juros irá reverter as expectativas. Os economistas concordam, coisa rara, que as expectativas são fator importante na formação de preços e na evolução da inflação, mas não têm nenhuma vantagem comparativa na explicação de como as expectativas são formadas. Expectativas de inflação são um fenômeno de psicologia coletiva, o que não é bem o campo dos economistas. Ao reconhecer sua incompetência, coisa ainda mais rara, os economistas resolvem o problema presumindo que as expectativas são formadas de acordo com as premissas do seu próprio modelo.

A hipótese de “expectativas racionais”, hoje praticamente hegemônica na macroeconomia, é exatamente isso: a realidade pouco importa, supõe-se que as expectativas são um mero espelho da formação de preços no modelo teórico utilizado. Resolve-se assim o problema de nada ter a dizer sobre a formação das expectativas, desconsidera-se a realidade e as circunstâncias, e de quebra, tem-se uma solução formalmente elegante.

Demonstrando sensibilidade para a realidade, José Júlio reconhece que as circunstâncias hoje nada têm de normais, o ambiente fiscal e político do país representa um terreno fértil para que as expectativas se deteriorem. O que ele fica devendo é explicar como a alta dos juros irá reverter este ambiente fiscal e político.

É possível argumentar que a alta dos juros pode agravar o ambiente político. Quando o comércio, a indústria, os restaurantes, os hotéis e todas as atividades ligadas ao turismo e ao entretenimento estão praticamente paralisados pela pandemia, passam por sérias dificuldades e são obrigados a se endividar para sobreviver, elevar o custo do crédito não é exatamente um elixir para a paz política e social.

Concentremo-nos no que José Júlio afirma ser o delicado ambiente fiscal. Aqui está o ponto central de meu artigo: a elevação dos juros aumenta a despesa financeira do governo e agrava o desequilíbrio fiscal. Repito aqui o ponto que José Júlio, consciente ou inconscientemente, optou por desconsiderar em seu comentário.

Dado que a dívida pública é hoje 90% do PIB, uma elevação de 4 pontos de percentagem na taxa básica, como antecipa o mercado para o fim do ano, implica um aumento de 3,6% do PIB nas despesas do governo. São aproximadamente R$ 267 bilhões, valor apenas ligeiramente inferior aos R$ 294 bilhões da totalidade do auxílio emergencial até o fim do ano passado. Esse valor é equivalente a mais do dobro de todo o investimento público anual dos últimos anos.

O auxílio emergencial exigiu uma emenda constitucional para ser aprovado. Sua extensão, em valores muito reduzidos neste ano, provocou um acalorado debate sobre se poderia ou não ser excluído do teto dos gastos. Já a alta dos juros depende apenas de uma decisão do Banco Central. O teto não vale para as despesas financeiras do Tesouro, que são determinadas pela taxa de juros fixada pelo Banco Central. Enquanto o auxílio emergencial vai para a população necessitada, desamparada pela perda do emprego e da renda, o aumento das despesas financeiras do governo vai para os detentores da dívida.

A dívida pública hoje é uma divida interna, expressa em moeda nacional e carregada essencialmente por brasileiros. É um passivo do Estado e um ativo do setor privado brasileiro. O aumento dos juros é uma transferência direta do Estado para os detentores da dívida, para aqueles a quem a fortuna, vamos dizer assim, deu renda superior às suas necessidades e lhes permitiu acumular riqueza em títulos públicos.

Ainda que se desconsiderem os efeitos distributivos perversos da alta dos juros, como compatibilizá-la com a tese de que é preciso equilibrar o orçamento fiscal, a qualquer custo, para evitar o “abismo fiscal”? A explicação para um tratamento tão diverso entre as despesas financeiras e as outras despesas públicas, inclusive em investimentos essenciais, está na suposta inevitabilidade das “leis” da economia e das finanças.

É possível falar em leis da física e das demais ciências exatas, mas nas humanas, e economia é uma disciplina social, não existem leis imutáveis. As relações humanas são resultado da combinação de fatores psicológicos e ideológicos definidos num contexto cultural sempre em evolução. O arcabouço analítico dos economistas, que pretende se espelhar na física, pode ser circunstancialmente útil, mas não tem validade científica. É um modelo mental, baseado em postulados sobre o comportamento dos indivíduos, que em circunstâncias altamente idealizadas, batizadas de competição perfeita, justifica o cerceamento da intervenção do Estado na economia. Sob aparência de isenção científica, é uma ideologia conservadora, usada para justificar a impossibilidade de fazer diferente. As coisas são como são e não podem ser diferentes, porque assim determinam as leis da economia1.

Voltemos ao artigo de José Júlio. Segundo ele, o Banco Central atua com “certa liberdade para reagir às mudanças de cenário”, mas sujeito a um “arcabouço teórico rigoroso”. Este arcabouço teórico, formulado numa linguagem algébrica inacessível à grande maioria das pessoas, rigorosamente irrealista, serve para justificar a excepcionalidade dada ao Banco Central. Mas vejamos se o que diz José Júlio, sobre os objetivos do BC, segue o mesmo rigor.

Afirmações como “o BC procura manter a projeção de inflação o mais próximo possível do objetivo, no horizonte relevante de tempo” e “na situação atual, a projeção encontra-se na meta, e o risco de eventual desvio para cima supera o risco de eventual desvio para baixo” não são exatamente exemplos de rigor científico. Ao contrário, deixam claro o grau de inevitável subjetivismo na condução da política de juros do BC.

A recém-aprovada lei que deu autonomia ao BC acrescentou entre os seus objetivos a suavização dos ciclos econômicos e o estímulo ao pleno emprego. Ninguém em sã consciência irá afirmar que, nas atuais circunstâncias, a alta dos juros atende a esses objetivos.

José Júlio considera que a alta dos juros de longo prazo, assim como a pressão exercida pelos analistas para que o BC eleve a taxa básica, são meramente um “movimento antecipatório”, que aumenta a eficácia da política monetária. Como, ele não explica. Provavelmente por elevar o déficit do Tesouro e agravar a recessão e o desemprego. Considera que não há espaço para que o BC influencie diretamente a taxa de câmbio, que se o BC atuasse, como já faz o Banco do Japão, para balizar as taxas futuras, estaria “tabelando” o mercado e “quebrando o termômetro”.

Mais uma vez, sob a pretensão de conhecimento técnico, são meras opiniões, baseadas na ideologia de que o mercado está sempre certo e que toda intervenção de políticas públicas cria distorções em relação ao melhor dos mundos. Mas quando o mercado provoca grandes crises como a de 2008, o BC e o Tesouro são chamados a intervir. O “quantitative easing”, QE, foi uma emissão de mais de 20% do PIB nos EUA para salvar o sistema financeiro de seus excessos. Aí sim, o BC e o Tesouro podem emitir e gastar, mas nunca para enfrentar a pandemia e o desemprego.

A ideologia do fiscalismo, a obsessão em atar as mãos do Estado, inclusive para investir em áreas essenciais, como infraestrutura, saúde, educação, segurança, pesquisa e desenvolvimento, paralisa o país há pelo menos três décadas. A má governança do Estado brasileiro, agravada por um governo verdadeiramente catastrófico, justifica o receio de que dar espaço ao Estado para gastar estimule a irresponsabilidade.

Repito então o que disse ao concluir o meu artigo: é evidente que o Estado deve ser responsável e gastar bem. Restrições institucionais e administrativas para os gastos públicos são necessárias, para evitar abusos e distorções, mas precisam ser desenhadas com base no entendimento correto da importância do Estado, como prestador de serviços e como investidor. A teoria econômica convencional, uma ideologia que se pretende ciência, é hoje o principal empecilho ao entendimento correto do papel do Estado.

1 O irrealismo e a incapacidade do instrumental analítico da economia convencional têm sido alvo de críticas contundentes de alguns de seus mais ilustres nomes. Para os que se interessarem, recomendo a leitura do artigo de Paul Romer “The Trouble with Macroeconomics” (2016) e dos recém-publicados de W. Brian Arthur, “Economics in Nouns and Verbs” (2021), e de S. Bichler e J. Nitzan, “The 1,2,3 Toolbox of Mainstream Economics” (2021).

*André Lara Resende é economista