Day: março 17, 2021

Folha de S. Paulo: Caça Gripen começa fase de testes supersônicos no Brasil

Nova aeronave de combate da Força Aérea supera barreira do som sobre o interior de SP

Igor Gielow, Folha de S. Paulo

O novo caça brasileiro, o Saab Gripen E, iniciou sua fase de testes em velocidade supersônica sobre os céus do interior paulista.

Os voos começaram no dia 26 de fevereiro em Gavião Peixoto, interior de São Paulo.

É lá que fica a fábrica da Embraer e o centro de desenvolvimento do Gripen brasileiro, em parceria com a fabricante do avião, a sueca Saab.

Dos 36 modelos comprados por 39,3 bilhões de coroas suecas (R$ 25,8 bilhões se fossem pagas hoje) em 2014 pelo Brasil, 15 serão produzidos naquela unidade.

Os testes supersônicos são vitais para aferir os limites dos sistemas da aeronave. A Saab não revela qual velocidade máxima atingida até aqui —o avião vai até duas vezes a velocidade do som, cerca de 2.400 km/h.

Quando a barreira é quebrada, pouco depois dos 1.200 km/h, um grande estrondo é ouvido. Para evitar incomodar moradores, os testes estão sendo feito em uma região mais desabitada, a noroeste de Gavião Peixoto, a uma altitude de 5.000 metros.

A velocidade máxima visa levar a aeronave rapidamente a seu ponto de emprego, mas o combate ocorre de forma mais lenta.

Por ora, os testes são conduzidos por um piloto sueco. Uma turma de pilotos da Embraer já voltou ao Brasil, tendo feito o primeiro voo solo com o Gripen em novembro, e desde janeiro militares da FAB estão em treinamento operacional na Suécia.

Segundo a FAB, três aviadores da Força e dois da Embraer já foram treinados nos bipostos Gripen D, a geração anterior do caça.

O avião, matrícula FAB4100, chegou ao Brasil em setembro do ano passado.

Ele ficará em teste durante toda a campanha de desenvolvimento do Gripen E, monoposto, e F, de dois lugares.

Será a última aeronave a ser entregue para a FAB. Outras quatro deverão ser apresentadas à Aeronáutica até o fim deste ano, segundo o cronograma da Saab.

O modelo F está sendo desenvolvido em parceria com a Embraer, que irá produzir os 8 aviões do tipo da encomenda inicial de 36 –além de 7 para um piloto.

O desenho da parte frontal do F, com dois lugares, está sendo feito no Brasil. O primeiro voo deverá ocorrer em 2023.

Em Gavião Peixoto, são testados parâmetros de voo, exposição ao clima tropical e a integração de armas e sistema de comunicação criptografada.

Além disso, são avaliados todos os sistemas do Gripen num simulador em solo chamado S-Rig, instalado em 2019.

“Com esta plataforma, novos hardwares e softwares podem ser testados em um ambiente simulado e controlado, para investigar erros, replicar eventos de falha e treinar as tripulações”, diz a Saab.

Ao todo, desde sua chegada ao Brasil, o 4100 fez cerca de 30 voos de teste.

Do ponto de vista militar, a certificação da aeronave para uso no Brasil é feita pelo Instituto de Fomento de Coordenação Industrial, em São José dos Campos.

O órgão também avalia o cumprimento da transferência tecnológica para a FAB, Embraer e demais empresas brasileiras no programa.

Até o ano que vem, os equipamentos de apoio à operação do Gripen serão instalados na Ala 2, em Anápolis (GO), a base do avião no Brasil.

O Brasil gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano para manter a produção do avião, valor que é creditado como adiantamento ao financiamento de 25 anos feito pelo governo sueco.

O desenvolvimento do avião sofreu atrasos entre 2015 e 2016 devido à recessão, e a entrega do último Gripen passou de 2024 para 2026, segundo a estimativa atual.

Os Gripen substituirão progressivamente os F-5 e AMX em serviço no país. A FAB sonha com uma frota expandida a 120 aviões, o que esbarra em dificuldades orçamentárias, enquanto Saab e Embraer vislumbram usar a base brasileira para fabricar caças para o mercado externo.


O Globo: Troca no Ministério da Saúde irrita Arthur Lira e provoca insatisfação no Centrão

Escolha de Marcelo Queiroga incomodou o presidente da Câmara, que preferia médica Ludhmila Hajjar ; senador Ciro Nogueira, presidente do PP, atua para conter os ânimos

Bruno Góes, Paulo Cappelli e Natália Portinari, O Globo

BRASÍLIA – A escolha do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, provocou insatisfação no presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e em seus aliados. Eles demonstram desconfiança com o médico, escolhido por sua ligação com Jair Bolsonaro. A preferência pelo seu nome, porém, contou com o aval do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), que tenta acalmar os ânimos.

Ao concretizar a substituição de Eduardo Pazuello, Bolsonaro rifou a cardiologista Ludhmila Hajjar, apoiada publicamente por Lira. O deputado do PP, segundo interlocutores, ficou "muito chateado".

No partido, Lira havia defendido a indicação de Ludhmila em detrimento do deputado Luizinho (PP-RJ), preferido entre os parlamentares. À bancada, Lira disse que Bolsonaro não aceitaria o nome de um político nesse momento e, então, o ideal era dar apoio a Ludhmila. Quando o presidente mudou de ideia, Lira se irritou.

Em conversa no Palácio do Planalto com o presidente, na tarde de terça-feira, porém, Ciro Nogueira deu aval ao nome do cardiologista. Ao sair do Palácio do Planalto, ele tentou acalmar os ânimos de Lira. Na segunda-feira à noite, após o anúncio de seu nome, Queiroga se reuniu com diversos deputados do PP, como Hiran Gonçalves (RR), Celina Leão (DF), Margarete Coelho (PI) e de outros partidos, como Soraya Santos (PL-RJ).

Parlamentares cobram desde o fim do ano passado o cumprimento de um calendário de vacinação factível e veem como fundamental uma mudança de postura do ministério. Alguns aliados de Lira dizem até mesmo publicamente que não há mais chance para erros.

– O Congresso vai dar o todo apoio. Mas, numa situação grave dessas, o ministro não pode aprender a ser ministro. Tem que ser ministro e colocar em prática o calendário de vacinação – afirma o vice-presidente da Casa, Marcelo Ramos (PL-AM).

Além de condenarem o papel de Pazuello na Saúde, alguns parlamentares esperavam que pudessem ter mais influência no ministério para coordenar as políticas voltadas diretamente para suas bases eleitorais.

Parlamentares do Centrão e aliados de Lira disseram ao GLOBO, em caráter reservado, que a postura de Bolsonaro no episódio poderia incitar retaliações em "votações importantes". Entretanto, essa ainda é uma conjectura diante da insatisfação.

– É um dos ministérios mais delicados de qualquer governo. Não é possível trazer alguém para tentar entender o que está acontecendo. É delicado. Queiroga é uma pessoa que tem capacidade médica, mas não conhece o sistema de saúde. Temos o exemplo do Teich. Quanto tempo ele durou? Um mês. Era extremamente qualificado academicamente, mas o Ministério da Saúde é uma área técnica, mas também política. Em um momento como esse, não dá pra botar pessoa que ainda está tentando entender o que está acontecendo internamente – diz o deputado Hugo Leal (PSD-RJ).


Roberto DaMatta: Viramos jacaré?

Meu senso de antropólogo cultural antigo e de não especialista (hoje, o Brasil é a pátria desses maravilhosos profissionais) prevê que teremos múltiplas vacinas contra o competidor biológico maior, a Covid-19, com suas famílias e linhagens que o governo Bolsonaro incrementa por meio de um pueril negacionismo e por uma adulta e criminosa sabotagem.

O vírus, não custa repetir, além de ser um agente epidêmico mortal e sem intenções (exceto sobreviver), é — tal como as nossas elites, de que somos parte e parcela — um predador invisível e solerte.

Aliás, conforme escreveu um “especialista” chamado Charles Darwin, no mundo natural, além de uma perturbadora ausência de intenção (ou causa final) e de uma óbvia presença de oportunidade, quem melhor se adapta e mais se reproduz triunfa.

O significado dessa desgraçada vitória, devo logo dizer antes que me levem à guilhotina moral, é a grande questão do nosso mundo, já que, de modo claro, ela suprime um outro mundo, uma outra vida e — quem sabe? — engendra uma história alternativa...

Se levamos a sério as premissas darwinistas, cabe honrar ao menos “este mundo” de que estamos certos e onde atuamos. Pois o fato inexorável é o seguinte: se tudo ocorreu ao acaso num planeta igualmente singular, posto que ele próprio é “vivo”, o sentido final da existência não precisa ser justificado por uma outra vida. Ela tem que fazer sentido aqui e agora, como demandam o vírus, os sanitaristas e todos os inesperados. Acima de tudo, os inesperados paradoxalmente previstos (e planejados) dos abismos entre quem tem demais e os despossuídos.

Não é preciso ser um sábio para dirimir os abismos sociais do Brasil. Eles saltam aos olhos quando saímos de casa — se casa temos...

Nesta etapa antropocênica — em que a pandemia impede, entre outras dimensões, que se possam disfarçar as imensas desigualdades mundiais, os vergonhosos abismos sociointelectuais nacionais e os transtornos de um planeta agredido por “empreendedores” esquecidos de que são por ele englobados e foram por ele engendrados —, não há a menor dúvida de que a espécie triunfante, o Homo sapiens, é ao mesmo tempo Deus e algoz do mundo que habita e dele mesmo.

Diz um celebrado mestre-pensador (Claude Lévi-Strauss) que, graças à invenção da linguagem articulada e dos costumes, somos um superpredador com um trajeto semelhante ao do câncer, porque conseguimos uma multiplicação além da Bíblia. Hoje somos onipresentes. A onisciência e a onipotência que nos tornariam divinos está em nossa volta e se afirmam nos laboratórios e nas “armas de destruição em massa”, esse eufemismo para artefatos com o poder de simplesmente assassinar o planeta em nome de alguma desavença nacional!

Avaliando com minha óbvia insuficiência essas pressões, tenho, não obstante, um temor de idoso: imagino, conforme confesso ao meu filho Renato, um consumado biólogo, pesquisador e professor universitário, que o vírus pode ter vindo para ficar.

O que significa esse “ficar” quando o ideal de conforto, satisfação e dignidade depende de um rude individualismo (primeiro eu, depois os meus e em seguida quem pensa e faz como eu!) — uma consciência do mundo que convenientemente inibe reciprocidades, interdependências e só imagina o outro como adversário ou inimigo a ser eliminado (ou cancelado, como se diz atualmente)?

Não deixa de ser paradoxal que o lado mais perturbador do vírus seja sua potência de bloquear o que nos tornou humanos: a sociabilidade ancorada na presença do outro. A dialética da costumeiro e do exótico — do encontro interessado ou espontâneo. Enfim, o que originou as grandes descobertas, inclusive a desses bichos invisíveis que existem ao nosso lado e interagem conosco porque são tão antigos quanto nós.

A habitual negação e a sabotagem do vírus no Brasil — cujo maior responsável é uma atitude emocional e irracional do presidente Bolsonaro e de seus seguidores —não são só um ato de desgoverno desses que permeiam e estruturam a admiração nacional desde que nos entendemos como um coletivo; são um risco para a Humanidade.

Certo que Adão não foi criado no Brasil, mas é igualmente verdadeiro que a Humanidade pode ser radicalmente ameaçada a partir de nossa cuidadosa e precisa negligência negacionista. De nossa incapacidade de realizarmos uma leitura mais abrangente de nosso lugar na Terra.

Enfim, se não nos conscientizarmos do perigo que estamos causando a todo o planeta; se não nos dermos conta de que o vírus impede o comércio, a aliança, a troca em todos os seus níveis que nos fizeram humanos, então vamos virar jacarés.

Cumpriremos um dos mais devastadores vaticínios do mais insensível presidente da nossa história.


Vinicius Torres Freire: Sem vacina e infectado por Bolsonaro, país tem de tomar remédio ruim de juros

BC não tem alternativa no país que Bolsonaro sabota a saúde e a economia

O Banco Central vai aumentar a taxa básica de juros em sua reunião desta quarta-feira (17). Caso não o fizesse, provocaria um tumulto final na economia sob o desgoverno de Jair Bolsonaro. Não importa o que a leitora, que é perspicaz, ache do regime de metas de inflação, da autonomia do BC ou do “neoliberalismo”: haveria tumulto. A curto prazo, não há solução alternativa.

Caso o BC se fingisse de morto, o dólar iria muito além dos R$ 6, de imediato e para começar. A inflação, que já está marcada para ir a perto de 7% anuais lá por junho, por aí ficaria. Esses seriam os primeiros sintomas de coisa ainda pior.

Isto posto, a alta da Selic não vai sair barato, talvez para o crescimento de 2022 e com certeza não para o controle da dívida pública, um problema central do país, qualquer que seja a solução que se imagine para um endividamento ainda sem limite.

Por falta de crédito, taxas de juros de longo prazo muito salgadas, o governo do Brasil se endivida ou rola sua dívida cada vez mais a curto prazo. Uma taxa Selic real (descontada a inflação) em zero ou perto disso até o fim do ano que vem daria um refresco. Não, não é solução. O país está tão arrebentado que dependemos dessas coisas marginais para não afundarmos de vez.

Não, a taxa básica de juros não estaria entre os determinantes da atividade econômica a curtíssimo prazo (menos de um ano), se tanto. O resto de crescimento que se pode salvar em 2021 depende, como é óbvio, de contenção do morticínio, da lotação das UTIs e de vacinas, nada disso à vista antes de meados de abril, se tivermos sorte.

No ritmo atual, em nove dias as UTIs da prefeitura da cidade mais rica do país, São Paulo, estarão lotadas. Se forem abertas mais vagas, em esforço recorde, inédito e talvez limite, lotam em 17 dias.

No mais, o crescimento dependeria da existência de algum governo, com qualquer rumo que fosse. O “teto” de gastos não desabou por um triz neste março. Goste-se ou não desse telhado de vidro já encardido e rachado, entre outros problemas estruturais desde sempre, se o “teto” tivesse desabado agora, sem alternativa bem pensada, estaríamos indo à breca imediata. Bolsonaro tentou derrubar o teto.

O estímulo da política monetária (juros do BC, grosso modo) à retomada econômica será menor. Quão menor? Também dependerá da campanha de alta de juros que o BC levará adiante. Há quem diga que a Selic deve ir apenas dos 2% atuais para 4% no fim do ano. Já seria forte. Na média de opiniões reputadas e preços de mercado, imagina-se que vá a 5,5% ao ano. Uma paulada.

Tanto maior será a paulada quanto maior o desgoverno. As altas do dólar e das commodities são os fatores dominantes da inflação, determinados majoritariamente por motivos externos. A pressão do exterior poderia ser em parte contrabalançada por um governo que tratasse da epidemia e tivesse rumo, qualquer rumo, na economia. Mas Bolsonaro agora tenta sabotar com mais frequência até as últimas proteções contra o caos: vide patada no Banco do Brasil, na Petrobras, a tentativa de sabotar o teto de gastos na votação de PEC Emergencial.

Afora os fatores externos, o dólar está ainda mais alto por causa do endividamento sem limite, porque o Brasil não cresce, porque Bolsonaro seca o chão onde pisa ou cospe seus vitupérios idióticos, facinorosos e autoritários.

Ah, tratávamos do Banco Central. O BC se tornou um barquinho nesse mar de imundície tormentosa. Está sendo levado, não tem o que fazer a não ser atenuar o pior.


Ruy Castro: Abominável senhor dos destinos

Nunca a vida de tantos brasileiros esteve nas mãos de tão poucos, garantidos pelas instituições

Um encontro numa sala reservada do Palácio do Planalto, no último domingo (14), reuniu quatro pessoas. Em jogo na conversa, a vida de centenas de milhares de brasileiros. O resultado da reunião, inevitável pelas circunstâncias, parece indicar que esses brasileiros perderam —muitos que acompanharam o caso pelo celular ou pela televisão talvez não estejam vivos daqui a um mês. Esse desfecho terá as digitais de três dos presentes na sala: Jair Bolsonaro, o general Eduardo Pazuello e o deputado Flávio Bolsonaro. Já a quarta pessoa, a médica Ludhmila Hajjar, poderá dormir em paz.

O encontro, todos sabemos, referia-se ao convite de Bolsonaro para que ela aceitasse a suposta pasta do Ministério da Saúde no lugar do pesado, mas invertebrado, Pazuello. Para isso, teria de declarar sua sujeição às ordens do verdadeiro ministro, que é Bolsonaro, e assumir a co-autoria na chacina da população pela Covid. Co-autoria esta já garantida a Pazuello, cujos netos lerão nos livros que o vovô foi cúmplice na morte de 265 mil brasileiros pela pandemia. O que a dra. Ludhmilla recusou não foi um convite, mas uma intimação.

O tenebroso nessa reunião é como tantos destinos —o número de vidas perdidas no Brasil ameaça chegar a inacreditáveis 500 mil ou 600 mil— podem depender de tão poucos. Entende-se que Bolsonaro e Pazuello quisessem arguir a dra. Ludhmilla, para certificar-se de que ela seria um capacho à altura de Pazuello. Mas o que Flávio Bolsonaro fazia ali, mesmo em ameaçador silêncio?

Não apenas a saúde no Brasil está refém de um grupo de sujeitos abomináveis. Tudo mais está refém deles. Quando se diz que as instituições "estão funcionando", é para garantir a continuidade do desmoronamento do país.

Já não há instituição do Estado que não esteja visceralmente aparelhada. A costura da provável ditadura está sendo feita por dentro e aos nossos olhos.


Bruno Boghossian: Desastre na pandemia pesa sobre planos de Bolsonaro para 2022

Morticínio abala tentativa do presidente de preservar força para reeleição

Quando a pandemia deu as caras, Jair Bolsonaro apostou todas as fichas em seu projeto de reeleição. O presidente sacrificou os esforços mais urgentes de contenção do vírus e tentou fazer com que a economia continuasse girando à força. A estratégia acentuou a tragédia no país e, agora, ameaça seus próprios planos políticos.

Até a virada do ano, Bolsonaro sustentou sua popularidade com base nesse discurso. O comportamento conflituoso manteve sua base eleitoral coesa, enquanto o pagamento do auxílio emergencial criou um colchão de aprovação ao governo. O morticínio que essa plataforma produziu, no entanto, começa a cobrar um preço do presidente.

A nova pesquisa do Datafolha indica uma tendência continuada de piora nos índices de avaliação de Bolsonaro. Ele nunca teve aprovação significativa durante a crise, mas agora 54% dos brasileiros consideram seu trabalho na pandemia ruim ou péssimo. A reprovação subiu tanto entre os mais pobres (que tiveram o auxílio) como entre os ricos (que já foram o núcleo de sua base de apoio).

O morticínio furou uma blindagem que Bolsonaro tentou construir no último ano. Na sondagem, 43% dos entrevistados citaram o presidente como principal culpado pela situação do país, à frente de governadores (17%) e prefeitos (9%). O número ganha peso porque a responsabilidade de governantes é um componente importante da decisão do eleitor.

Os números sugerem que a saúde é um fator político mais carregado do que Bolsonaro gostaria de admitir. A avaliação negativa do governo nessa área se somou à dificuldade da economia e se refletiu no índice de reprovação ao governo, que subiu para 44%. Mesmo assim, 30% dos brasileiros ainda consideram o trabalho do presidente ótimo ou bom.

O desastre nacional não foi suficiente para fazer com que Bolsonaro abandonasse a sabotagem e o negacionismo. Ele só mudou o discurso sobre a vacina e decidiu trocar o ministro da Saúde quando viu que sua reeleição poderia ficar em risco.


Elio Gaspari: Bolsonaro fritou o bode

O presidente e Pazuello encarnam um tipo de comando primitivo

Quando se acha que aconteceu de tudo, o capitão consegue mais uma. Fritando o general que transformou em bode expiatório, chamou a Brasília a médica Ludhmila Hajjar para convidá-la.

Bolsonaro e Pazuello encarnam um tipo de comando primitivo, às vezes confundido com o folclore da caserna. O general entrou no Ministério da Saúde com uma tropa de ocupação. Colocou 25 oficiais da ativa e da reserva em posições de comando. Um tenente-coronel cuidava das aquisições de insumos estratégicos; outro, de sua logística. Deu no que deu. O coronel secretário-executivo usava um brochinho com uma caveira atravessada por uma faca.

Afora isso, o próprio general dirigiu-se a parlamentares como se fosse um sargento falando a recrutas: “Não falem mais em isolamento social”.

Oficiais exibicionistas ridicularizam comandados. Às vezes mandam soldado puxar carroça. Como ministro, o general Pazuello fez fama mostrando-se como um soldado do capitão ao lembrar que “um manda, e outro obedece”.

O ministro talvez pudesse ter recorrido à memória que o vice-presidente Hamilton Mourão tem da história militar americana. Em 1866, o presidente Andrew Johnson mandou o general Ulysses Grant para uma missão no México. Ele se recusou, e o presidente se enfureceu, vendo no gesto um ato de indisciplina. Grant acabara de vencer a Guerra Civil e explicou: “Eu sou um oficial do Exército e devo obedecer às suas ordens militares. No caso, trata-se de uma missão civil, puramente diplomática, e não estou obrigado a aceitá-la”.

Formação militar nada tem a ver com folclore, muito menos com incompetência administrativa. A hidrelétrica de Itaipu foi construída por um coronel da reserva que morreu sem fortuna ou encrencas. José Costa Cavalcanti havia sido deputado e não elevava o tom de voz. O mais folclórico dos generais-presidentes (João Figueiredo) foi o pior da cepa. Castello Branco não usava a linguagem que Bolsonaro usou na conversa com a médica Ludhmila Hajjar.

O estilo que Bolsonaro cultiva com seu pelotão palaciano tem folclore e falta-lhe conteúdo. O Planalto vive assombrado pelo que considera uma campanha de desinformação. Tanto é assim que uma das primeiras providências de Pazuello foi alterar o boletim estatístico de mortes pela pandemia. Produziu o memorável episódio da formação do consórcio de veículos de imprensa, que faz o serviço a custo zero.

Pazuello passará para a história do ministério como gerente de um desastre. Tornou-se bode expiatório por ter irradiado uma visão negacionista da pandemia. As vacinas de Manaus foram para Macapá, a avalanche de imunizantes não aconteceu, e a CoronaVac chinesa do governador João Doria revelou-se uma dádiva. Durante a última semana de sua gestão, o Brasil tornou-se um dos dez países com mais mortes por milhão de habitantes. Foi a consequência da “conversinha” da nova onda de contágios.

Não precisava ter sido assim. Os Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Portugal sofreram no ano passado. Sem as “frescuras” do folclore militar, não estão mais nessa lista maldita.

Que o médico Marcelo Queiroga, nova variante da cepa de ministros de Bolsonaro, tenha sorte.


Ricardo Noblat: Acuado pelo vírus, Bolsonaro assiste Lula atrair velhos aliados

Versão Lulinha paz e amor de volta à cena

De Guilherme Boulos a Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda na ditadura entre 1967 e 1974, passando por José Sarney (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), todos admitem votar em Lula se ele disputar com Bolsonaro o segundo turno da eleição do próximo ano. É o tal “arco da sociedade” de antigamente.

Boulos e Delfim são os mais entusiasmados. O primeiro ainda não explicitou seu apoio a Lula porque tem antes de convencer o seu partido. A tarefa de Delfim é mais hercúlea – abrir trincas no paredão do mercado financeiro que resiste a Lula e ainda põe um resto de fé em Bolsonaro à espera das reformas.

Na eleição de 2018, quando o candidato do PSDB a presidente obteve no primeiro turno apenas 5% dos votos válidos, Fernando Henrique, embora amigo de Fernando Haddad (PT), preferiu não votar em ninguém no segundo turno. Arrependeu-se, como admitiu ontem em entrevista a Tales Faria, do UOL:

– Se ficar Lula e Bolsonaro, faço minha culpa, minha culpa e voto no menos ruim.

Fernando Henrique ainda espera que seu partido escolha um nome com chances de derrotar Bolsonaro, mas já avisa: “Se não se opuser a Bolsonaro com firmeza, fracassará”. João Doria (PSDB), governador de São Paulo, recuou do seu propósito de enfrentar Bolsonaro, embora tope enfrentar se seu partido quiser.

João Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, persevera na intenção de bater-se contra o atual presidente. Até aqui, pelo menos, seu nome parece encontrar menor oposição dentro do partido. Na eleição de 2018, o Rio Grande do Sul deu 63% dos seus votos a Bolsonaro no segundo turno.

O MDB de Sarney é também o MDB de Michel Temer que, por enquanto, permanece calado. Em segredo, Temer deu conselhos a Bolsonaro na esperança de que seu governo se ajeitasse. Pouco escutado, retraiu-se. Ele e Lula sempre se deram bem. Dilma não quer conversa com Temer, mas ela está fora do jogo.

Bolsonaro é quem deve se preocupar com sua permanência no jogo. Começou a colher os resultados desastrosos de sua omissão no combate à pandemia. Ou melhor: da sua parceria com a Covid no estrago que ela provoca no país. Sucessivas e recentes pesquisas de opinião pública atestam que ele está ladeira a baixo.

No dia em que o número de mortes alcançou o recorde de 2.798, quase duas por minuto, e a Fundação Oswaldo Cruz anunciou que o país enfrenta o maior colapso hospitalar de sua história, o Datafolha conferiu que a atuação de Bolsonaro na guerra contra o vírus é considerada ruim ou péssima por 54% dos brasileiros.

Na pesquisa Datafolha realizada em 20 e 21 de janeiro último, 48% reprovaram o desempenho dele. Na rodada atual, para 43%, ele é o principal culpado pela fase aguda da pandemia, seguido pelos governadores (17%) e os prefeitos (9%). O índice dos que nunca acreditam no que ele diz oscilou de 41% para 45%.

No ocaso da gestão do general Eduardo Pazuello, substituído no cargo pelo médico bolsonarista Marcelo Queiroga, a avaliação positiva do Ministério da Saúde, de janeiro para cá,  caiu de 35% para 28%, o menor índice desde a chegada do novo coronavírus. A avaliação negativa subiu de 30% para 39%.

Em sua primeira fala como ministro, Queiroga disse a que veio. Recomendou o uso de máscara e a lavagem das mãos, solidarizou-se com as vítimas da Covid e repetiu que dará continuidade ao trabalho de Pazuello e seguirá as orientações de Bolsonaro. É uma nova versão do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Hamilton Mourão, vice-presidente da República, deu razão a Queiroga: “A função do ministro, quem define é o presidente. O ministro é um executor das decisões do presidente. Até por isso, o presidente é o responsável por tudo o que aconteça ou deixe de acontecer, essa é a realidade”. (Maldade com Bolsonaro!!!)

Na célebre e barulhenta reunião ministerial de abril do ano passado, o ministro do Meio Ambiente sugeriu a Bolsonaro “passar a manada” da desregulamentação do setor enquanto a mídia estivesse ocupada com a pandemia. Acuado pelo vírus, Bolsonaro assiste Lula aparar suas eventuais diferenças com antigos aliados.

O futuro assegura um emprego bem pago ao general Pazuello

A quarta estrela será difícil

Se quiser retornar ao quartel, tudo bem. O general Eduardo Pazuello, de saída do Ministério da Saúde, deixou ali grandes amigos. Só não deve contar necessariamente com a quarta estrela que lhe falta no ombro. Doublé de general e de ministro de um governo turbulento, ele desgastou-se no Exército.

Mas o provável é que ganhe uma embaixada para não ficar ao desamparo, e ainda por cima sob o risco de ser chamado a depor diante de um juiz da primeira instância e de ouvir voz de prisão, acusado de improbidade administrativa. Embaixada quer dizer: um emprego bem pago que lhe confira visibilidade.

Pode ser dentro do Palácio do Planalto, a relativa distância do gabinete do presidente Jair Bolsonaro, ou fora, no comando de alguma empresa estatal. Ou como conselheiro de uma dessas empresas. Desabrigado não ficará para não sujeitar-se a vexames e em reconhecimento aos serviços prestados ao ex-capitão.


Rosângela Bittar: Enquanto isso...

Recobrando a liberdade de ir e vir, o ex-presidente Lula reanima velhos contatos

Discretamente, como convém a quem ainda não ganhou certificado de inocência nem a plena reabilitação política, o ex-presidente Lula vai escrevendo, na prática, seu roteiro de candidato. A manifestação da volta, pensada por ele mesmo, um retrato fiel do velho Lula de sempre, contém indicação ampla sobre o que se deve observar nos passos seguintes. Tanto no que revelou como no que escondeu.

pandemia foi a preliminar de efeito político imediato. A simples menção às ações necessárias já resultou na troca do ministro da Saúde. Satisfez o eleitorado só pelo contraste entre suas palavras de mero bom senso e a realidade política atual, forjada na irracionalidade.

Recobrando a liberdade de ir e vir, mesmo que em modo virtual, Lula reanima velhos contatos. Chama a atenção de empresários e convoca políticos amigos, como os caciques do MDB. Partido disseminado por todos os Estados, o MDB é uma federação de lideranças neutras ideologicamente, que agrega civis e militares, empresários e sindicatos, capital e interior, uma salada de referências na sociedade.

Ainda neste campo sua agenda registra o Centrão. O bloco dá sustentação fiel ao presidente Jair Bolsonaro. Mas governo e eleição são duas coisas diferentes, o Centrão está aí, para o que der e vier.

O que ainda não estava implícito nem explícito, mas não surpreende, são os movimentos e conversas de Lula no terreno delicado de suas relações com os militares.

A atualização do episódio, já desgastado, da pressão do general Villas Bôas sobre o STF, em 2018, simplifica os efeitos do constrangimento da época. Agora, Lula está tão aberto às conversas com militares que seus partidários consideram natural uma aproximação objetiva, de alto nível.

Citam o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-secretário de Governo nos primeiros meses da administração Jair Bolsonaro, como um dos nomes para compor a chapa, como vice-presidente. União que permitiria ampla composição, como se deu com o falecido industrial José Alencar nos mandatos presidenciais de Lula. 

O interesse por Santos Cruz revela dois aspectos das preocupações do candidato Lula. Primeiro, o resgate das boas relações com as Forças Armadas. Segundo, a expectativa de colaboração efetiva do general, expurgado do atual governo por um dos filhos do presidente. Saiu como vítima de fake news, uma prática depois banalizada, e deixou a impressão de ser o mais preparado dos colaboradores militares do governo.

Estes movimentos visam também modular a tentativa de politizar o Exército por parte do candidato à reeleição, seu adversário. O presidente Jair Bolsonaro, embora de origem militar, desviou-se do padrão de atuação e comportamento das Forças Armadas. A ambiguidade com que se refere ao "meu Exército" sugere mais seu lado miliciano do que propriamente militar.

Lado este, por sinal, que está em crescimento e ebulição. Certamente não foram as Forças Armadas que atuaram nos violentos episódios de intimidação moral e ameaça física à cardiologista Ludhmila Hajjar, convidada para integrar o governo. Convite recusado depois de dois dias de terror sob o comando do gabinete do ódio.

A investida evidenciou como está avançada a ocupação do território por esta milícia extremista, violenta, agressiva e ilegal do bolsonarismo. Prática de um terrorismo contemporizado pelo presidente, que consolou a vítima com um covarde "faz parte".

Expansão esta que chegou com força ao Congresso. Os presidentes da Câmara e do Senado pagam caro a fatura da sua eleição: o deputado Arthur Lira entregou joias da coroa parlamentar a deputadas da barricada bolsonarista; o senador Rodrigo Pacheco engavetou CPI proposta, dentro das regras, por senadores que pretendem apurar a letal gestão da pandemia pelo presidente da República.


Bernardo Mello Franco: Continuidade é morte

Na reta final do governo, José Sarney entregou o comando do antigo Inamps ao médico que atendia sua família. Ao se apresentar aos colegas, o escolhido arriscou um gracejo: “Sou um dos poucos brasileiros que já viram o presidente nu”. Na lógica do patrimonialismo, estava justificada a nomeação.

Jair Bolsonaro convidou Marcelo Queiroga a assumir o Ministério da Saúde. Qualquer médico seria melhor que o general Eduardo Pazuello, mas o indicado não tem qualquer experiência em gestão pública. Suas credenciais são outras: ele pediu votos para o capitão e é íntimo de Flávio, o primeiro-filho.

Queiroga deu as caras no dia em que o Brasil registrou novo recorde de mortes na pandemia: 2.798. Na primeira declaração pública, ele prometeu “continuidade”. “A política é do governo Bolsonaro. O ministro da Saúde executa a política do governo”, disse.

A gestão de Pazuello foi um desastre político e humanitário. Suas primeiras ações foram militarizar a pasta e maquiar números oficiais para esconder cadáveres. Ele se dizia especialista em logística, mas deixou faltar testes, medicamentos e até oxigênio nos hospitais.

O paraquedista admitiu que, ao ser nomeado, “não sabia nem o que era o SUS”. Não sabia, não quis saber e esnobou quem tentou aconselhá-lo. Em outro surto de sinceridade, ele reconheceu que só estava no cargo para cumprir ordens de Bolsonaro. “Um manda, o outro obedece”, explicou.

Quando Pazuello assumiu, o Brasil contava 14 mil mortos pela Covid. Ontem ultrapassou os 282 mil. O vírus está fora de controle, a vacinação se arrasta a conta-gotas, e o presidente insiste em sabotar as políticas de distanciamento social.

Queiroga será o quarto ministro da Saúde em um ano de pandemia. Henrique Mandetta e Nelson Teich saíram para não rasgar o diploma de médico. Pazuello fez o que fez, e a cardiologista Ludhmila Hajjar recusou o posto ao ver que não teria autonomia para trabalhar.

O amigo do Zero Um pode admirar o capitão, mas precisa mostrar que não será mais um pau-mandado. No cargo que ele vai ocupar, apostar na continuidade é selar um pacto com a morte.


Vera Magalhães: Lockdown já

O Brasil precisa parar por duas semanas. Nosso sistema hospitalar não dá mais conta de resistir a medidas paliativas ou meramente figurativas de distanciamento social nem à recusa suicida de grande parcela da sociedade em fazer o mínimo: a parte de cada um para evitar o morticínio.

A troca de guarda no Ministério da Saúde, já é possível ver, será de seis por meia dúzia. Marcelo Queiroga até conforta pela fala mansa, conciliatória, contrastante com o tom arrogante e desconectado da realidade do general Eduardo Pazuello.

Suas credenciais, que colhi em entrevistas com médicos e dirigentes de entidades médicas, são boas, de alguém zeloso da ciência e das evidências, que não aderirá facilmente a condutas criminosas como as que Pazuello chancelou batendo continência.

Só que isso não basta. Para que se mude o rumo da tragédia sanitária brasileira, que preocupa o mundo e condena o planeta a não superar a pandemia, é preciso que o Brasil pare, se tranque em casa e dê apoio muito mais intensivo e urgente aos que não têm de onde tirar o sustento a não ser na rua e a empresas que quebrarão se fecharem as portas.

Mas elas precisam fechar, sob pena de continuarmos a assistir diariamente à perda de mais de 2.000 pessoas como se isso fosse um dado da natureza.

Não há paralelo em nenhum outro país de tolerância por tanto tempo, e em números tão elevados, com a carnificina. Como se estivéssemos propositalmente jogando gente como nós, brasileiros com todos os direitos e deveres, ao mar para assegurar os poucos coletes salva-vidas restantes. Isso não é aceitável nos planos político, jurídico, ético ou moral. Tal comportamento faz de todos, governantes ou não, cúmplices de chacinas diárias e espalhadas por todo o território nacional.

Faz de nós um país de pessoas que aceitam um pacto macabro com Bolsonaro a favor da morte. Se toparmos ser parte dessa estratégia, a História cobrará não só dele, mas de cada um que viveu na década de 2020.

Parar custará muito em termos de transferência de renda às pessoas, de recursos aos entes subnacionais e de apoio na forma de crédito, isenção tributária ou subsídio a empresas, inclusive com redução de salários.

Mas não há nenhuma outra medida que, na falta criminosa de vacina em quantidade ao menos razoável, nos tire desta guerra em que estamos enfrentando o vírus desarmados.

Em vez de querer tirar uma casquinha obscena da popularidade dos governadores todos os dias, o presidente que somos condenados a ter no tempo mais grave das nossas vidas precisa ajudá-los, dar-lhes um suporte. Precisa ser obrigado a fazer isso pelo Judiciário, que até já ensaiou fazer isso, mas que precisa fazer cumprir suas decisões, senão viram letra morta.

Bolsonaro precisa ser forçado a endossar o lockdown por um Congresso que até aqui tem sido seu comparsa. Fechado com ele por interesses indizíveis, que nada têm a ver com o dos brasileiros que querem um leito e oxigênio para seus pais, avós e filhos.

O cronograma mentiroso de vacinas de Pazuello, que Queiroga endossou alegremente, fala em mais de 500 milhões de doses de imunizantes de procedência diversa até o fim do ano. Não para em pé nem sequer no que promete para março, incluindo no cômputo 8 milhões de unidades procedentes de um laboratório da Índia que nem concluiu a fase 3 de estudos. Trata-se de uma empulhação criminosa.

Ou o lockdown é assumido como política de Estado pelo Brasil, como foi com desassombro por países tão diversos quanto Nova Zelândia, Portugal, Chile e Alemanha, ou amanhã teremos de lidar com números mais sombrios. E por muito tempo, já que Bolsonaro zombou da pandemia, pisoteou cadáveres, desdenhou vacinas e nos trouxe até aqui.


"Bolsonaro não é só um mau soldado. É um fascista incapaz", afirma Alberto Aggio

Em entrevista exclusiva à Política Democrática Online de março, professor da Unesp avalia o governo do presidente como “ameaçador à democracia”

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) diz que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “gostaria de ser um líder fascista, mas ele fez a vida dentro do Estado, como militar e como parlamentar”. A declaração ocorreu em entrevista exclusiva publicada na edição de março da revista Política Democrática Online.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

“Fascismo caricatural”

Mestre e doutor em História pela USP (Universidade de São Paulo), Aggio afirma que “o fascismo de Bolsonaro é caricatural”. “Sua inclinação é muito mais tradicionalista, de uma sociedade fechada. Bolsonaro é o anti-Popper, é visceralmente contra a sociedade aberta”, critica o professor.

Aggio, que é diretor do blog “Horizontes Democráticos”, voltado para o debate da política contemporânea no Brasil no mundo, também afirma que o presidente é “um pragmático”. “Mas por ser mentalmente restrito é alguém que não tem capacidade de ampliação pelo que ele representa. Em suma, não é efetivamente um líder”, analisa.

Com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália), o historiador afirma que, pelos acordos políticos que estão conseguindo impedir o impeachment, Bolsonaro pode conseguir a reeleição. Mas com uma condição: “Se seus opositores errarem muito, e infelizmente sabemos que isso pode acontecer”, afirma.

Agruras

Na entrevista à revista da FAP, Aggio explica que o fascismo nasceu da sociedade, das agruras do pós-Primeira Guerra. No fundo, de acordo com ele, “Bolsonaro é não só um mau soldado, como disse o General Geisel, mas é também um fascista incapaz”.

Segundo o entrevistado, além da ligação com os militares, a vinculação do presidente com a religião é instrumental, a pauta de costumes reacionária, tradicionalista. “Bolsonaro espelha melhor um regime autoritário a la Salazar ou Franco, do que a la Mussolini ou Hitler, esses, sim, carregaram um projeto ativo e moderno de mundialização, mas foram derrotados”, diz.

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