Day: março 12, 2021

Ruy Castro: Bolsonaro prestes a espumar

Quando isso acontecer é porque só lhe restará ser enjaulado

Alguns comentaristas acreditam que, em toda sua carreira, Jair Bolsonaro "viveu do confronto" e que, agora, com Lula à solta, ganhou uma saída para disfarçar o caráter criminoso de seu governo. Ouso discordar. Até dois dias atrás, o imbrochável Bolsonaro nunca soube o que era debater com alguém. Em seus 30 anos como um dos deputados mais medíocres da história, limitou-se a eventuais trocas de insultos e cusparadas com adversários imaginários. Ele próprio era tão desimportante, até para seus pares, que seus ganidos mal chegavam ao noticiário.

Como candidato à Presidência, a facada em Juiz de Fora permitiu-lhe escapar dos debates, o que escondeu sua personalidade demente e inaptidão administrativa e seu potencial de risco para as instituições. Enquanto os adversários se destruíam entre si, elegeu-se sem ser posto à prova. Daí, no trono, não conseguir disfarçar sua incapacidade de debater e dialogar, instrumentos comuns aos que já descemos da árvore.

No Planalto, Bolsonaro só usou até hoje os microfones para escoicear e mentir. Só pode falar em palanques preparados, onde cada palavra sua provoca um coro de kkks cacarejados pelos apoiadores e o estimula a mandar as pessoas enfiarem coisas no rabo. Esse é o seu nível e dos seus. E perguntas de repórteres são respondidas com um grosseiro "Página virada!", "Assunto encerrado!" ou "Acabou a entrevista!". Grosseiro, mas conveniente —Bolsonaro não responde porque não sabe responder.

A claque imediata também lhe serve de escudo. Por maiores as barbaridades, os bovinos de terno e de farda que o cercam babam e justificam tudo o que ele fala. Bolsonaro nunca teve um opositor de verdade.

Agora tem. E, na esteira de Lula, é preciso que outros saiam do torpor e também o contestem com fatos, números e argumentos. Quando Bolsonaro começar a espumar pelo canto da boca é porque só lhe restará ser enjaulado.


Alon Feuerwerker: Batalha tucana morro acima

O PSDB tem dificuldades para voltar a liderar o seu campo político

Não é frequente eleições presidenciais no Brasil trazerem surpresas. De 1994 a 2014, deu a lógica, pelo menos sobre quem iria ao segundo turno, ou ganharia no primeiro. Foram as duas décadas da polaridade PT/PSDB. Tempos nos quais os apelos “contra a polarização” tiveram pouca acolhida no debate público e na opinião pública. No máximo, viam-se ensaios de “terceira via”, que as circunstâncias invariavelmente acabavam deixando na poeira.

O que mudou em 2018? Jair Bolsonaro desalojou o PSDB da hegemonia no bloco que vai do centro à direita. É interessante notar que a Lava-Jato acabou tendo para os tucanos um efeito mais destrutivo que para os petistas. Varrido do cenário nacional pouco mais de dois anos atrás, o PSDB luta agora para retomar o posto de líder de seu campo, não sem razoável dificuldade. Uma batalha morro acima.

Os tucanos mantêm alguma expressão pelo Brasil em nível estadual, mas, à exceção de São Paulo, não dá para dizer que o partido tenha capilaridade hegemônica em nenhum outro estado. Um lugar onde mostrava algo parecido com isso era Minas Gerais, mas ali razões históricas conhecidas fazem hoje o PSD de Gilberto Kassab ser o candidato mais forte a ocupar a vaga de eventual partido hegemônico — inclusive com a participação de ex-peessedebistas.

“Em 2018, Bolsonaro tirou dos sociais-democratas a hegemonia no bloco que ia do centro à direita”

Situações de crise trazem oportunidades, diz o batido bordão, e o governador João Doria luta com todas as forças para ser o comandante da ofensiva de reconquista tucana. Teve a ousadia de sair na frente nas vacinas contra a Covid-19 e espera colher os frutos no próximo ano. Os fatos dirão. Um problema para Doria? É provável que daqui a um ano e meio, na hora da eleição, as “vacinas federais” já sejam em bem mais quantidade que a “de São Paulo”.

Doria tem um histórico de respeitáveis arrancadas eleitorais. Aconteceu quando concorria à prefeitura da capital paulista e, depois, ao governo estadual. É um argumento que ele tem usado ao ser confrontado com seus baixos índices atuais de intenção de voto. Há precedentes também na eleição presidencial. Fernando Henrique Cardoso em 1994, Dilma Rousseff em 2010 e Jair Bolsonaro, em 2018, partiram de trás — ainda que não tanto quanto o governador hoje.

Há, porém, uma diferença essencial entre os cenários enfrentados por Doria nas corridas de 2016 e 2018 e a disputa pela sucessão presidencial de 2022. O desafio ali era ocupar um espaço em larga medida desocupado. Nem para a prefeitura nem para o governo estadual, Doria teve de lutar em seu bloco com um Jair Bolsonaro. Os oponentes a ultrapassar eram Celso Russomanno e a incógnita entre Paulo Skaf e Márcio França.

Logo no começo do mandato de agora, Doria escolheu abrir, mais cedo do que recomenda a sabedoria convencional, a refrega com o atual presidente. Talvez tenha sido apenas por estilo, ou vai ver o governador avaliou que Bolsonaro se enfraqueceria rapidamente. A favor de Doria está o fato de as arremetidas anteriores dele terem dado certo. Contra, a também certeza de que enfrentar um presidente na cadeira costuma pedir mais frieza quando ainda falta muito tempo para a eleição.

Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729


Luiz Carlos Azedo: Isolamento ou morte

Bolsonaro não está se dando conta do tamanho do desastre que sua atitude contraria às medidas de isolamento social pode provocar

A “imprensa mequetrefe”, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tem seu valor. “Mequetrefe” (indivíduo intrometido, dado a meter-se no que não é de sua conta; enxerido), por exemplo, fora o repórter free-lance Gareth Jones, assim tratado pelo governo soviético na década de 1930. Ele tinha 27 anos, havia entrevistado Hitler e viajou para Moscou por conta própria com o firme propósito de entrevistar Stálin. Sem acesso ao líder comunista, rumou clandestinamente para Ucrânia, intrigado com a origem dos recursos investidos na industrialização da antiga União Soviética. Descobriu a “grande fome” provocada pelas coletivizações forçadas de Stálin, presenciando até casos de canibalismo.

A história é contada no filme “Mr. Jones” — “A Sombra de Stálin”, na versão brasileira –, exibido no NOW. O roteiro se inspira no documentário “Hitler, Stalin & Mr. Jones”, levado ao ar em 2012 pela BBC. Chantageado para se calar sobre o que viu, Jones foi vítima de uma campanha de difamação, após publicar sua história na imprensa londrina. Fora desmentido por Walter Duranty, jornalista do New York Times e vencedor do Pulitzer, mais preocupado com o acesso às autoridades soviéticas do que com a realidade ao seu redor. A roteirista Andrea Chalupa inclui na trama o escritor George Orwell, autor do romance “A Revolução dos Bichos”, aproveitado o fato de que o dono da fazenda também se chama Mr. Jones. A censura em Moscou justificaria a analogia.

Holodomor é uma palavra ucraniana que significa “deixar morrer de fome”, “morrer de inanição”. Tal palavra passou a ser empregada para definir os acontecimentos que levaram à morte por fome de milhões de ucranianos entre os anos de 1931 e 1933. É óbvio que a intenção de Stálin não era essa, seu objetivo era expropriar os camponeses que haviam enriquecido nos tempos da “Nova Política Econômica” (NEP) do líder bolchevique Vladimir Lenin, que adotara o capitalismo no campo para abastecer as cidades.

As coletivizações forçadas de Stálin foram feitas para financiar a indústria pesada e preparar a União Soviética para a guerra iminente com a Alemanha, porém, resultaram numa tragédia humanitária. Estima-se de 3,3 a 6,3 milhões o número de mortos no Homolodor. Para Stálin, a morte dos camponeses ucranianos foi o efeito colateral da industrialização acelerada e do esforço de guerra contra Hitler.

Isolamento
A história de Mr. Jones não tem nada a ver com o que está acontece no Brasil? Tem, sim. Bolsonaro não está se dando conta do tamanho do desastre que sua atitude contraria às medidas de isolamento social pode provocar. Governadores e prefeitos as estão adotando para conter a expansão da pandemia. Comete um erro atrás do outro com seu negacionismo, darwinismo social e falta de empatia com as vítimas da pandemia. Não se deu conta de que deixar o novo coronavírus se reproduzir e sofrer mutações possibilita reinfecções e uma nova onda ainda mais violenta da pandemia, que está se transformando numa endemia. Não leva em conta os cálculos exponenciais dos sanitaristas sobre o aumento de casos e mortes.

Na avaliação de Bolsonaro, os óbitos são inevitáveis, o mais importante é manter a economia em pleno funcionamento. Entretanto, não é o isolamento que provoca recessão e desemprego, mas a multiplicação dos casos de covid-19, numa velocidade muito maior do que a vacinação da população. Estamos tendo um “apagão” nos hospitais, daqui a pouco teremos um “apagão” nos cemitérios. Não são apenas falta de leitos, faltam insumos e profissionais de saúde; faltarão câmaras frigoríficas.

Bolsonaro não é um desorientado, tem uma estratégia errada mesmo. Erra de conceito, ao apostar na centralidade a qualquer preço da atividade econômica; erra de método, ao desarticular o Sistema Único de Saúde (SUS), opondo o Ministério da Saúde aos governadores e prefeitos; e erra ao pregar desobediência civil às medidas sanitárias, criando um ambiente favorável para o vírus se propagar. Não leva em conta que o colapso sanitário resultará no colapso econômico, com desorganização da cadeia produtiva e crise de abastecimento. Com a velocidade atual de propagação da covid-19, somente um freio de arrumação pode evitar o desastre, ou seja, o lockdown temporário onde for preciso.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-isolamento-ou-morte/

Rogério Baptistini: A vítima é a democracia de 1988

As evidências da perseguição política movida contra o ex-presidente Lula pelo juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava-Jato ganham volume.  A instrumentalização do Direito como ferramenta de disputa política e arma de guerra contra os inimigos já não pode ser ignorada. A partir da chamada “República de Curitiba”, práticas de lawfare desestabilizaram o sistema político, confundiram a opinião pública e produziram resultados eleitorais.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em que pese o uso das leis e dos procedimentos legais como instrumentos de uma batalha política, os petistas não estão na condição de vítimas inocentes de um golpe contra a democracia (2016), nem de vítimas dos eleitores (2018). O PT contribuiu fortemente para o estado de coisas que transformou o magistrado em justiceiro e os políticos em bandidos.

O discurso de deslegitimação da política e dos políticos, no Brasil, é obra da UDN e foi repetido à exaustão contra Getúlio Vargas e os seus herdeiros, levando às duas mortes do getulismo, em 1954 e 1964. No regime de 1946, os udenistas não fizeram outra coisa senão denunciar, quando derrotados, o sistema eleitoral e o governo de turno, sempre a partir de uma posição moralista.  Na Nova República, o PT fez disso a sua profissão de fé.

Em 1985, durante a transição democrática, o PT boicotou o colégio eleitoral que encerrou o ciclo dos presidentes militares. Não bastasse, expulsou três deputados que votaram em Tancredo Neves contra o candidato da ditadura. No ano seguinte, a candidatura ao governo de São Paulo foi apresentada sob a alegação de ser “diferente de tudo o que está aí”, ou seja, dos partidos e dos políticos que costuraram a transição e estavam conduzindo o processo de redemocratização. Na mesma década, em 1988, após ter elegido Lula como o deputado constituinte mais bem votado do país, o partido votou contra a aprovação da Carta Constitucional, assinando somente depois fora do Plenário. O período se conclui com o insulto ao Congresso, que seria composto “por picaretas com anel de doutor”.

Ulysses Guimarães promulga a Constituição Federal de 1988.

Em uma sociedade com uma democracia jovem, em construção, a pedagogia petista radicalizou a mística populista, cuja lógica é o binarismo: povo contra elite perversa. A inclusão do terceiro, do herói, completou a explicação e conferiu sentido ao desprezo pela política como produtora de consensos progressivos. A aposta na narrativa da “esperança contra o medo”, do nós contra eles, fez sentido estratégico com os mandatos presidenciais consecutivos, mas produziu consequências desastrosas para a cultura pública.

Como o Brasil moderno é uma sociedade complexa e o PT opera no sistema político formal, uma vez no poder não pôde entregar o céu na terra. A própria alteração discursiva tardia e eleitoreira, voltada para acalmar o mercado – a Carta aos Brasileiros (2002) – foi um reconhecimento dessa verdade, referendada pelo mensalão do primeiro governo Lula e pela captura do Centrão. No lugar da política, que sempre demonizou, o partido optou pela compra e submissão dos adversários, ao custo do aparelhamento e do loteamento do Estado. Em sua viagem redonda, como afirmou Luiz Werneck Vianna, o diferente se encontrou com o velho patrimonialismo político.

A partir do primeiro grande escândalo, da queda de Zé Dirceu e de outras lideranças históricas, Lula e os petistas operaram de negação em negação, tornaram-se mais do mesmo. A cidadania traída entregou-se a um juiz e a um grupo de procuradores obscuros. O engodo destroçou o sistema partidário e vitimou a democracia de 1988, obra da política e do possível.


Benito Salomão: Desafio brasileiro

Dados recentes da PNAD-IBGE mostram que o país iniciou a década de 2021 – 30 com uma dura realidade, em 2020 cerca de 13,5 milhões de pessoas foram vítimas do desemprego, outras 5,5 milhões de desalento, os dados mostram ainda um total de 31,2 milhões de trabalhadores estão subocupados e 33,5 milhões seguem na informalidade. Estes números dão pistas acerca da quantidade de pessoas que no curtíssimo prazo demandam algum tipo de socorro do Tesouro Nacional, que por sua vez viu sua Dívida Pública Bruta crescer em janeiro para 89,7% do PIB.

Conciliar uma situação de legítima pressão por mais gastos públicos na forma de políticas sociais e transferências diretas de renda, com um alto endividamento público é o maior desafio brasileiro de curto prazo. O país, que segue sem Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021, têm um déficit primário previsto na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de R$247 bilhões, estimado omitindo novas parcelas do auxílio emergencial. É evidente que novas parcelas do socorro vão dilatar em muito o déficit previsto para 2021 e a dívida pública no curto prazo. O governo promete atenuar esta expansão fiscal com privatizações como Eletrobrás e Correios. Este é um outro problema, considerar a agenda de privatizações com um olhar puramente fiscal, não garantindo que, por exemplo, as condições de investimento no setor de energia elétrica possam resolver um gargalo histórico da economia brasileira com diversificação da matriz e ampliação da oferta.

Mas, privatizações à parte, voltemos aos vulneráveis, o Brasil está planejando uma nova rodada do auxílio emergencial. Na minha opinião, atrasado! Pois já se sabia em novembro de 2020 que uma segunda onda do Coronavírus seria inevitável e que as condições de recuperação da economia brasileira seriam, novamente, postergadas. O governo mais uma vez cruzou os braços e apostou em uma solução via mercado. Como de praxe, alimentou o incêndio para em seguida tentar apaga-lo quando parte do estrago já está em curso, o auxílio é prometido para março, mas nada impede que seja disponibilizado apenas em abril. Até lá centenas de pessoas já terão morrido de fome, de COVID-19, ou de qualquer outro efeito colateral típica deste contexto.

O governo se perde buscando vincular o auxílio a medidas que ainda não estão prontas para serem votadas como as PEC emergencial e reforma administrativa. Flerta com imposto novo, ao invés de fazer o óbvio, pagar o auxílio de forma célere, vinculando a medidas profiláticas contra a doença como uso de máscaras, distanciamento social e acomodar o choque fiscal no curto prazo na elevação da dívida pública. Embora alta, três características suportam um aumento do endividamento no curto prazo: 1° as dívidas públicas de todos os países importantes estão crescendo, portanto, a posição relativa do Brasil no mundo, não tende a se alterar tanto. 2° um crescimento da dívida de curto prazo não tende a ser um problema muito grave se houver coordenação e liderança no processo, capaz de sinalizar que no longo prazo, ela será estabilizada. Para isto, normas como o Teto de Gastos devem ser preservadas e novas medidas de fortalecimento da austeridade devem ser prensadas. 3° No momento de proposição do auxílio, por 4 ou 6 meses, o governo deve apresentar um plano para o day after.

Tudo indica que no curto prazo o comportamento de agregados como desemprego, desalento e subemprego devem continuar elevados e, talvez, em trajetória crescente. Neste sentido, o governo deve ter um plano de recuperação do investimento e do emprego para o pós auxílio. Se o governo se compromete, por vias de reformas em várias frentes, com uma agenda de sustentação do investimento e do emprego, isto será entendido pelos financiadores da dívida pública que o auxílio emergencial será substituído no longo prazo no orçamento destas famílias por salários advindos de trabalho com carteira assinada.

Diante disso, o impacto fiscal seria limitado ao curto prazo e, no longo prazo, a solvência do Estado brasileiro estaria garantida, seja porque as regras fiscais que hoje garantem uma trajetória sustentável do país seriam mantidas, ou ainda, seja porque com estímulos ao investimento e ao emprego, a retomada do crescimento pode estabilizar a relação dívida/PIB. Mas para tanto, será necessário coordenação, planejamento, liderança e credibilidade, tudo que não se viu até agora.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Vencedor do Prêmio Brasil de Economia 2020.