Day: dezembro 23, 2020

O Estado de S. Paulo: PT quer Aguinaldo Ribeiro como candidato de Maia

Presidente da Câmara promete anunciar hoje nome do deputado que terá o seu apoio; Baleia Rossi está no páreo

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A bancada do PT apoia o deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB) para ser o candidato do bloco parlamentar à sucessão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A posição do partido será tomada em reunião marcada para hoje e pode mudar o quadro até então desenhado, tornando-se decisiva para a escolha de Maia, já que a bancada é a maior do bloco, com 54 deputados.

A definição do candidato que vai concorrer à eleição para o comando da Câmara com o apoio de Maia, em fevereiro de 2021, se arrasta há quase 20 dias e não são poucos os que reclamam da demora para o anúncio do nome que vai enfrentar Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão. Lira tem o aval do presidente Jair Bolsonaro.

Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) barrou a possibilidade de reeleição de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), no último dia 6, há um sobe e desce de cotados e favoritos para a disputa que vai renovar a cúpula do Congresso. Além de Aguinaldo, que foi ministro do governo Dilma Rousseff e votou pelo impeachment em 2016, o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB, também está no páreo.

O anúncio do candidato deve ser feito hoje. Na segunda-feira, o PT, PDT, PSB e PC do B – todos integrantes do bloco de Maia – lançaram um manifesto no qual afirmam ser preciso derrotar Bolsonaro, chamado de “presidente criminoso”.

“Queremos derrotar Bolsonaro e sua pretensão de controlar o Congresso, um presidente criminoso, cujo afastamento é imperioso para que o Brasil possa recuperar-se da devastação em curso, e também queremos, neste momento, expressar nossa posição e defesa de temas relevantes que merecem a atenção e responsabilidade do Congresso Nacional”, diz o texto.

O documento defende posição contrária à privatização de estatais e à autonomia do Banco Central. Maia observou, porém, não haver acordo em torno da agenda econômica dentro do bloco, que também é composto por DEM, MDB, PSDB, Cidadania, PSL, Rede e PV.

“O perfil do candidato vencedor é ser (homem de) diálogo, que não afaste os parlamentares do gabinete ou da residência do presidente da Câmara e que mantenha independência como ponto principal de uma gestão para os próximos dois anos”, disse Maia. No último dia 18, ao anunciar a formação do bloco com 11 partidos, ele leu um documento, assinado por representantes de todas as legendas, contendo fortes críticas ao governo.

“Esta não é uma eleição entre o candidato A ou o candidato B. Esta é a eleição entre ser livre ou subserviente. Ser fiel à democracia ou ser aliado do autoritarismo. Ser parceiro da ciência ou ser conivente com o negacionismo. Ser fiel aos fatos ou ser devoto das fake news”, sustentava um dos trechos.

Se o escolhido for Aguinaldo, o racha no Progressistas ficará escancarado, vez que Lira é o candidato do partido. Para ser eleito, o candidato precisa do apoio de 257 dos 513 deputados.


Folha de S. Paulo: Kassio se isola na defesa de pautas de Bolsonaro no STF e cumpre expectativa garantista

Em julgamentos importantes, indicado do presidente à corte fica sozinho ao se alinhar a interesses do Planalto

Matheus Teixeira, Folha de S. Paulo

O ministro Kassio Nunes Marques se alinhou aos interesses do presidente Jair Bolsonaro nos dois julgamentos mais importantes dos quais participou desde que chegou no STF (Supremo Tribunal Federal),

Em ambas as oportunidades, o ministro ficou isolado e não foi acompanhado por nenhum colega na defesa das teses que beneficiavam os planos do chefe do Executivo.

Em uma delas, Kassio desagradou a militância bolsonarista ao defender que o Estado pode declarar obrigatória a vacina contra a Covid-19, mas agradou o presidente ao sustentar que apenas a União poderia tomar decisão nesse sentido.1 8

Na outra, Kassio se posicionou pelo veto à reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do governo, na presidência da Câmara, e para liberar Davi Alcolumbre (DEM-AP) a permanecer à frente do Senado.

No fim, quatro ministros votaram a favor da recondução de ambos e outros seis foram contrários.

Em outro julgamento com interesse direto do governo, Kassio se alinhou ao ministro Marco Aurélio, conhecido por ficar vencido em diversos processos, para se opor a uma ação que contestava ato de Bolsonaro.[ x ]

Nesse caso, os outros nove ministros foram no caminho oposto e formaram maioria para derrubar decreto do chefe do Executivo que instituía a Política Nacional de Educação Especial.

Os magistrado entenderam que a medida incentiva a criação de escolas e classes especializadas para pessoas com deficiência em vez de priorizar a inclusão dos alunos, como determina a Constituição.

Marco Aurélio e Kassio, porém, afirmaram que o meio processual escolhido para contestar norma do presidente é inadequado e votaram pela manutenção da norma.

Em menos de dois meses no cargo, o magistrado também correspondeu às expectativas em relação ao anunciado perfil mais garantista em matérias criminais, com uma visão de mais respaldo às alegações dos investigados.

Um exemplo foi dado na decisão liminar (provisória) concedida no último sábado (19) para restringir o alcance da Lei da Ficha Limpa. Advogados elogiaram o despacho, mas movimentos de defesa da legislação que limita direitos políticos de condenados criticaram o entendimento fixado pelo ministro.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, por exemplo, disse ter visto na medida "uma articulação de forças que pretende esvaziar a lei”.

Em outro movimento que vai na contramão do que Bolsonaro defendia durante as eleições de 2018, Kassio tem sido decisivo para derrotar a Lava Jato em julgamentos na Segunda Turma do STF.

O ministro costuma se unir aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para derrotar a operação.

No processo mais emblemático relacionado ao tema analisado por Kassio, o ministro foi voto decisivo para rejeitar recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra decisão que excluiu a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal que investiga o petista por suposta doação ilegal de terreno para construção do Instituto Lula.

O ministro ajudou a manter o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu politicamente ao incluir a colaboração de Palocci aos autos do processo às vésperas das eleições de 2018.

O magistrado mostrou que seria contrário aos métodos da Lava Jato já na estreia em um julgamento presencial, na sessão da Segunda Turma de 10 de novembro.

Na ocasião, ele foi voto decisivo para retirar a investigação contra o promotor Flávio Bonazza das mãos do juiz Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro.

Kassio foi indicado por Bolsonaro com o aval do ministro Gilmar Mendes, principal crítico da operação no Supremo, e tem ajudado o ministro a enterrar a operação.

No processo de escolha para a vaga de Celso de Mello, o chefe do Executivo preferiu agradar Gilmar, que é relator da ação que discute o foro especial concedido a Flavio Bolsonaro pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), em vez de estreitar a relação com o presidente da corte, Luiz Fux, que sequer foi consultado sobre a indicação.

Além deste caso, Kassio interrompeu análise de processos no plenário virtual que poderiam atingir de alguma forma Bolsonaro. O ministro pediu que os casos sejam analisados pelo plenário físico, atualmente realizado por videoconferência, e, com isso, retardou decisões que poderiam impactar o presidente.

Isso ocorreu, por exemplo, nas duas ações em que se discute se o chefe do Executivo pode bloquear seguidores nas redes sociais.

Os relatores de cada um dos processos, os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, defenderam que o presidente desbloqueie os seguidores que entraram com as ações.

Com o pedido de destaque, o caso vai para as mãos do presidente do tribunal, Luiz Fux, decidir uma data para julgamento presencial.

Kassio fez o mesmo com uma ação penal que discute a gravidade do crime da “rachadinha”.

O processo diz respeito ao deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), mas é similar à denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pode servir de parâmetro para o julgamento do filho do presidente.

Em matérias econômicas, Kassio também seguiu a linha liberal defendida pelo Executivo ao votar pela constitucionalidade do trabalho intermitente previsto na reforma Trabalhista.

O relator, ministro Edson Fachin, defendeu a anulação da norma, mas o indicado de Bolsonaro divergiu.


Marco Aurélio Carvalho: Um ano que exigiu coragem e esperança

Neste dezembro enlutado e vazio, falta de Sigmaringa Seixas é ainda mais sentida

“Não ressuscite por nenhum motivo. Não tem por que você passar nervoso”.

As palavras acima pertencem a uma poesia do chileno Nicanor Parra, também poeta e irmão de Violeta Parra. O poema fala do sentido da vida e abraça aqueles que perderam pessoas inesquecíveis.

Apesar do tom sarcástico, a frase tem o poder de evocar aqueles seres humanos queridos que, nas plagas celestiais, ficariam desgostosos ao olhar para o plano terreno e constatarem o rumo das coisas.

Neste final de dezembro, ano em que quase 200 mil brasileiros perderam a vida pela Covid-19, a força da memória traz para o presente a figura ímpar de Sigmaringa Seixas, o nosso Sig, advogado, parlamentar e brasileiro da melhor estirpe, que nos deixou precocemente no Natal de 2018.

Na trajetória de construir um país com oportunidades iguais para todos, respeitar e restaurar direitos, o advogado que brilhou na Constituinte se tornou referência de liderança.

Sig se destacou pelos exemplos de diálogo, cordialidade e de extrema responsabilidade com o bem comum. Atributos que —diga-se de passagem— tem sido cada vez mais escassos na paisagem nacional, obrigando brasileiros e brasileiras, diuturnamente, a conviverem com cenas constrangedoras de falta de liturgia republicana, de ausência de civilidade e com ameaças perigosas para a nossa jovem democracia.[ x ]

Daquele triste dia 25 de dois anos atrás aos dias de hoje, o exemplo de Sig esparramou esperanças e inspirou novas veredas de luta.

grupo Prerrogativas, fruto da união de juristas e advogados, dos mais diversos espectros, é um filho da fecunda herança deixada pelo ativista dos direitos humanos.

Não por acaso, Sigmaringa Seixas é o patrono do Prerrogativas. Patrono que nunca se escondeu na conveniência do silêncio e que abraçou resolutamente a bandeira do Estado de Direito face ao voluntarismo de parte do sistema judiciário e dos arroubos autoritários expostos pelas novas configurações políticas pós-impeachment.

Em 2020, o grupo promoveu mais de cinquenta lives e conferências virtuais com a temática central de continuar alertando para os perigosos desvios do arcabouço jurídico quando, sob a roupagem da imparcialidade, fica entrelaçado a cada movimento do ponteiro do relógio eleitoral.

Em outro frente, o grupo, em homenagem ao seu inesquecível patrono e inspirador, publicou “O Livro das Suspeições”, com 34 artigos originais de juristas e advogados que atuaram na Lava Jato.
A obra disseca os bastidores de uma operação fundamentada em atos incompatíveis com as regras do jogo democrático.

Por feliz coincidência, no encerramento do ano, chega às livrarias este lançamento auspicioso para a necessária e esperada correção de rumos das instituições brasileiras. Certamente, teria em Sigmaringa um leitor atento e arguto perante uma obra que, longe do deslumbramento, e de forma pioneira, esmiúça a Operação Lava Jato com especial felicidade.

Recentemente, uma outra obra foi aplaudida por parte da imprensa como fruto de uma visão desapaixonada e “isenta” sobre a operação. Como se assim não fossem as reflexões oferecidas desde o início de 2014 por juristas como Lenio Streck, Juarez Tavares , Weida Zancaner e Pedro Serrano.

Fabiana Alves Rodrigues, juíza federal, é a autora deste importante livro: “Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça”.

Fabiana produziu um alentado e minucioso levantamento sobre uma série de vícios e distorções que produziram informações manipuladas, omissões graves, voluntarismo e que culminaram em ingerências no processo eleitoral.

Em um trecho, a autora aponta que a narrativa midiática dos operadores da Lava Jato alardeava uma corrupção generalizada a partir de contratos da Petrobras. “Ao pressupor que esse diagnóstico está correto, depara-se com um problema adicional relacionado ao funcionamento da democracia, que envolve o déficit de legitimidade quando alguns integrantes do sistema de Justiça definem de forma cirúrgica qual parcela da corrupção sistêmica será priorizada”, sublinha a juíza e pesquisadora.

Visto que o perfil da operação foi um “recorte seletivo”, uma das conclusões do livro aponta na direção de que dificilmente as consequências da Lava Jato produzirão resultados duradouros “à corrupção sistêmica que se afirma existir no país”.

Com a seletividade de alvos, rasgaram-se os princípios da imparcialidade e da isenção.
E emergiu o poder discricionário da toga, sem limites e sem regras, que permeou toda a cronologia engendrada pela chamada “República do Paraná”.

Curiosamente, o caminho trilhado pelos agentes públicos na Lava Jato remete ao embate entre o ministro Jarbas Passarinho, de origem militar, e o vice-presidente Pedro Aleixo, em dezembro de 1968.

Ao se manifestar na reunião ministerial que aprovou o Ato Institucional nº 5, Passarinho falou de forma soberba: “às favas, sr. presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”.

Felizmente, outros brasileiros, resistem e resistiram ao arbítrio. Sigmaringa foi um deles, comprometido com princípios, premissas e valores do Estado de Direito e da plena democracia.

Neste dezembro enlutado e vazio, tempos de medo e espanto, sua falta é ainda mais sentida.
Mas o exemplo de sua vida continua a nos mover e a nos iluminar com coragem e esperança.

Sigmaringa... Presente! Hoje, e sempre.

*Advogado, atualmente é sócio da CM Associados; sócio-fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e do Grupo Prerrogativas


Conrado Hübner Mendes : A vacina da revolta sustenta Bolsonaro

Mais difícil que explicar a letargia social é justificar o torpor institucional

Jair Bolsonaro vacinou 30% da população brasileira muito antes da pandemia. Assim como a vacina do RNA mensageiro ensina o organismo a se defender do coronavírus sem inocular vírus nenhum, a vacina bolsonara ensina a mente a recusar fatos e a atacar uma esfera pública que comunique fatos. Sequestra a consciência, os sentidos e qualquer afeto social em nome da promessa de liberdade. Vacina assim não é qualquer Pfizer que fabrica.

Essa é a versão otimista da história. A versão cínica e menos autoindulgente diria que a liberdade do "eu sozinho", a liberdade do "eu primeiro", a liberdade do "e daí?", somadas às liberdades do "eu mereci", "sou engenheiro civil formado" e "todo mundo vai morrer mesmo", liberdades brasileiras por excelência, casaram com Jair.

Nosso liberalismo à bala foi gestado por proprietários de escravos. O litígio por essa herança ainda reúne muita gente. Partido Novo e Paulo Guedes, o liberal de Bagé que trata maricas com joelhaços, só tentaram furar a fila.

A versão cínica ou a otimista da história, somada às imposições da pandemia, talvez expliquem a letargia social diante da enormidade dos fatos de autoria intelectual ou material de Bolsonaro em 24 meses. Recordar é sobreviver:

Há uma agência de inteligência (Abin) trabalhando para defender filho do presidente de acusação criminalR$89 mil foram transferidos por operador de rachadinha na conta da primeira-dama; uma família inteira (três filhos e ex-esposa) comprou imóveis com dinheiro vivo; funcionários-fantasmas e assessores de gabinete tiveram salários confiscados por anos a fio. Nem o presidente nega: "Queiroz pagava minhas contas e está sendo injustiçado".

O quarto filho, jovem empresário, troca hora marcada na agenda presidencial por serviços gratuitos de empresas contratadas pelo governo federal. O pai segue lutando para acelerar colapso climático, para isentar polícia da responsabilidade por matar crianças negras e facilitar armamento de milícias (ou você achava que reduzir fiscalização era para te proteger?).

O circuito da delinquência se encerra na pandemia, agora no estágio da vacinação: contra a lei, presidente incita medo e defende a não-obrigatoriedade da vacina; cioso de seu papel de educar pelo exemplo, afirma "não vou tomar!"; encomenda campanha sobre perigos da vacina e pede termo de responsabilidade; boicota vacina que supõe beneficiar adversário eleitoral; está pelo menos seis meses atrasado na construção de plano de vacinação.

Bolsonaro calcula que postergar até 2022 as condições sociais de insegurança, incerteza e apreensão da pandemia o beneficia eleitoralmente. Está certo de que a responsabilidade por 200 mil mortes, número que deve seguir em alta com a inoperência do projeto de vacinação, será atribuída ao Congresso, ao STF, a governadores e prefeitos. Até ao capeta, mas não a ele.

Bolsonaro aposta que, quando a vacina enfim chegar, será recompensado. Melhor que aconteça perto da eleição. Ele pode estar certo.

Mais angustiante que buscar explicação para a letargia social, porém, é decifrar e justificar um torpor institucional e partidário tão duradouro. Afinal, o "instinto assassino", o "descaso homicida" e o "instinto sabotador", qualificativos de editorial recente da Folha, precedem à pandemia. Estavam lá desde o começo.

O negacionismo político que normaliza gratuitamente o projeto de Bolsonaro nasceu com a posse do governo e, depois de tudo, continua a suspirar nos tribunais superiores, nas Casas legislativas e até no jornalismo. Enquanto isso, o centrão se bolsonarizou, fez o presidente mergulhar na fisiologia venal que jurou combater e o tornou ainda mais perigoso.

Nessa conjuntura, a coalizão de partidos democráticos, formada para disputar a presidência na Câmara dos Deputados, é novidade promissora no horizonte. O tom e a cor das palavras, pelo menos, mudaram: "esta é a eleição entre ser livre ou subserviente; ser fiel à democracia ou ser aliado do autoritarismo". A união nasce para rechaçar "projeto de poder que menospreza as instituições e que por inúmeras vezes sugeriu fechamento desta Casa".

As dezenas de crimes de responsabilidade estão aí, escolha seu preferido. Para que crime de responsabilidade resulte em impeachment, porém, vamos ter que elaborar algum antídoto contra a vacina da revolta.

*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.


Cristiano Romero: Todos sabemos por que o Brasil não dá certo

Trata-se de questão ética: como ser feliz num país racista

Muitos brasileiros fazem a seguinte pergunta diante do espelho: "Por que o Brasil não dá certo?". Geralmente, quem faz a indagação não tem muito do que reclamar. Sua vida é melhor aqui, mais fácil, mais farta, com maior acesso ao que o país oferece de melhor a seus cidadãos, do que seria se ele vivesse em outra economia de renda média ou mesmo numa nação rica, ainda que sendo proporcionalmente detentor de renda equivalente. A péssima distribuição de renda explica parte dessa história.

Evidentemente, aqui, todos, pobres e ricos, reclamam da extrema violência que ceifa anualmente a vida de cerca de 60 mil pessoas - em 2018 (último dado disponível), foram 57.956, mas, como há algo de podre no reino das estatísticas dos Estados, visto que nos anos recentes houve aumento exponencial de mortes violentas sem causa determinada, o número de mortos está subestimado.

O contingente de pessoas que sai de casa num determinado dia para morrer parece uma espécie de maldição estatística, uma vez que, com poucas variações, se repete ano a ano. Maldição? Praga? Predestinação diabólica de um povo condenado à miséria e ao sofrimento? Não creia nisso. Não há nada intangível nas estatísticas da violência no país chamado Brasil.

Os dados oficiais da violência mostram que 75,7% dos brasileiros assassinados há dois anos eram negros - entre as mulheres, o percentual é 68%, informa o Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Ipea com base nas ocorrências registradas pelas secretarias estaduais de segurança pública em 2018. Mais da metade (29.064) eram jovens com idade entre 15 a 29 anos.

Em 2018, uma mulher foi assassinada neste país a cada duas horas, somando 4.519 vítimas. Olhemos mais de perto os números e num período maior de tempo, para tentar achar uma pista que aponte alguma tendência desta terrível mazela nacional: entre 2008 e 2018, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa de mulheres negras assassinadas aumentou 12,4%.

O resumo da violência neste imenso território é o seguinte: os homicídios vitimizam, principalmente, homens (91,8% dos casos), jovens (53,5%), negros (75,7% dos casos), pessoas de baixa escolaridade (74,3% dos homens vitimados possuem apenas sete anos de estudo) e solteiros (80,4% do total de homens assassinados). O principal instrumento de agressão é a arma de fogo, usada em 77,1% dos casos de morte de homens e em 53,7%, no caso de mulheres.

Convenhamos: os números são de uma racionalidade espantosa, é desnecessário desenhar: a sociedade brasileira assiste, indiferente, a um verdadeiro genocídio de jovens, em sua maioria absoluta, negros e pobres, o que também se aplica às mulheres negras. Será que é difícil saber qual é a verdadeira monstruosidade que explica esta vilania que nos caracteriza como sociedade e que, em vez de diminuir, só tem aumentado?

Como o tema não é novo neste espaço, um leitor escreveu para dizer que, nesta guerra civil interminável, morrem mais negros porque estes são a maioria entre os pobres. Trata-se da tese de que quase 42 mil negros foram assassinados neste canto do mundo em 2018 não porque eram negros, mas porque eram pobres. Trata-se de uma falsa questão.

Na música "Haiti", Caetano Velloso e Gilberto Gil escrevem o seguinte, a respeito do massacre do Carandiru, ocorrido no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 presidiários foram mortos e 37 ficaram feridos após ação da polícia - como não se tratava de um presídio, a maioria dos mortos ainda não havia sido julgada ou tido a sua sentença definida pela Justiça:

" (...) Cento e onze presos indefesos

Mas presos são quase todos pretos

Ou quase pretos

Ou quase brancos, quase pretos de tão pobres

E pobres são como podres

E todos sabem como se tratam os pretos (...)"

O poema afiado como navalha de barbeiro nos lembra que, nestes tristes trópicos, é tão ruim ser negro que, se você é pobre, muito pobre, é "quase preto".

Senhores, 56% das pessoas que habitam a quarta maior extensão de terra contínua do planeta se declararam pardos ou negros no último censo demográfico conduzido pelo IBGE. A maioria de nós, portanto, é negra. Nosso problema, acima de qualquer outro, é o racismo secular, estrutural, vicejado pela minoria branca, remediada, rica e mais educada, contra a maioria.

O Brasil não dá certo por essa razão. Como poderia suceder? A escravidão nos acompanha desde a chegada dos europeus. Quando a abolimos por meio de uma lei, quase 400 anos depois, não a abolimos de fato porque o mundo quase acabou - os barões do café exigiram compensação financeira do Estado pela perda de "propriedade", "demitiram" os negros, derrubaram a monarquia, implantaram uma República condominial (sem povo e com rodízio no comando entre dois dos três Estados mais ricos), forçaram o governo a importar mão de obra do Japão e de nações europeias para substituir a mão de obra escrava, impediram os negros de ter acesso a escolas...

Por que ainda há entre nós quem seja contrário a políticas de reparação à população negra, posta em desvantagem por séculos na história deste país? Nossa sociedade não é racista, ela é o próprio racismo. Este faz parte da paisagem nacional tanto quanto o samba, o futebol (onde, aliás, manifestações racistas são crescentes), o carnaval, mas, enquanto esses símbolos são projetados como parte de nossa identidade cultural, a discriminação aos negros é negada de forma vergonhosa e institucional.

Não é mais possível (nunca foi) olhar a realidade política, econômica, social, cultural, sem as lentes que corrijam a pior das miopias: a de que o racismo é apenas mais um problema a ser enfrentado, uma obrigação cidadã, uma determinação constitucional. Nada disso. Não é mais possível admirar nada neste país de 210 milhões de habitantes sem pensar, a cada segundo, que vivemos numa sociedade profundamente escravagista, onde a maioria é discriminada pela minoria. Trata-se de uma questão ética: como viver, como aceitar viver numa sociedade assim?


Vinicius Torres Freire: Economia deve fraquejar no verão vermelho da Covid-19

Metade final de 2021 deve ser melhor, mas desordem na saúde deve causar estagnação

A segunda metade do ano que logo vem pode ser de notícias melhores na economia se o governo não sabotar o país. O verão de 2021, porém, vai ser uma “fase vermelha”, como se diz aqui em São Paulo das restrições mais graves para comércio e serviços na epidemia.

Não quer dizer que a economia vá embicar para baixo ou que embique de modo relevante. Mas os indícios são de que deve haver estagnação, uma parada da recuperação desde o fundo do poço de meados do ano. Quais são esses indícios?

Índice de Confiança do Consumidor medido pela FGV caiu de modo significativo de novembro para dezembro e a intenção de ficar na retranca nos gastos é alta. O repique da epidemia, o fim dos auxílios emergenciais, a desordem no programa de vacinação e o desgoverno em geral devem derrubar os ânimos.

A inflação medida pelo IPCA deve ficar entre 5,5% e 6% ao ano de abril a agosto. É uma dentada cruel na renda real e uma injeção de desânimo na veia do povo miúdo.

No estado de São Paulo, o número de internações em UTI por Covid-19 parece ter desacelerado nesta semana, mas ainda é cerca de 60% maior que no início de novembro. O número de mortes é 86% maior. No conjunto do país, o morticínio cresceu mais de 100% nesse período.

Mesmo sem restrições formais a movimentação e atividade econômica, o medo causa receio ou paralisa. Continuam parados, muito prejudicados ou voltam a cair os negócios de turismo, convenções, feiras, viagens, esportes, cultura, entretenimento em geral, serviços de saúde e de educação, restaurantes, bares, lanchonetes, salões de beleza, academias. A movimentação menor pelas cidades derruba a venda dos lojistas. Tudo isso é um pedaço enorme da economia. O repique da Covid-19 já faz estragos nos faturamentos, é a conversa quase geral, mesmo sem medidas restritivas.

Quanto à política econômica, mais especificamente sobre gastos do governo, é agora improvável que aconteça uma explosão, barbeiragem ou gambiarra mais nociva até fevereiro, pelo menos. Mas não há governo na economia e não se sabe se haverá, menos ainda enquanto não houver a eleição dos comandos de Câmara e Senado, em fevereiro. Até lá, haverá arrocho por inércia e inépcia do governo.

Ainda assim, a falta de rumo (qualquer rumo racional), a persistência da epidemia e a sabotagem federal do programa de vacinação não devem animar contratações de trabalho e de novos investimentos em expansão de empresas e construções. Haverá certamente uma massa de pessoas, talvez vinte milhões ou mais, que cairá em miséria, mesmo no melhor cenário médio.

Nesta quarta-feira pode ser que tenhamos uma grande e boa notícia sobre a vacina comprada pelo governo de São Paulo. Uma vacina eficaz (perto de 90%) e um programa de vacinação com ampla cobertura (mais de 90% das pessoas) atenuaria a tristeza horrível por tanta morte e daria esperança econômica.

A taxa básica de juros está baixa, há oferta razoável de crédito bancário, o preço das commodities está bom, há alguma poupança financeira represada nas famílias remediadas. Há pelo menos alguns meios para que possamos continuar a subir desde o fundo do poço da epidemia. Com responsabilidade sanitária na virada do ano e no verão, a retomada da retomada poderia vir mais cedo.

Se Jair Bolsonaro e sua sabotagem criminosa da vacinação puderem ser contidos, melhor ainda _o país, governadores e Supremo tentamos improvisar um governo na área da saúde.

No entanto e por enquanto, o risco é de a recuperação fraquejar no verão vermelho da Covid-19.


Zuenir Ventura: E Biden não virou jacaré

Presidente eleito dos EUA, com transmissão ao vivo pela TV, tomou sua primeira dose de vacina da Pfizer/BioNTech

Além de tudo, a vacinação em massa seria um bom negócio para o país. É o que dizem duas autoridades econômicas do governo: o presidente do Banco Central e o ministro da Economia. Roberto Campos Neto afirma que investir em vacina é mais barato do que o pagamento de benefícios emergenciais. Já Paulo Guedes traduz isso em números. Em entrevista, ele lembrou que o auxílio emergencial chegaria a R$ 55 bilhões por mês, enquanto a vacinação da população custaria menos da metade, R$ 20 bilhões.

Isso não deveria ser novidade. Desde criança, me acostumei ao ritual de ser picado contra diversas doenças, numa boa. Doía um pouquinho, mas valia a pena, porque fazia bem à saúde da gente e do país. Nunca chegou a me fazer chorar.

Até que ultimamente comecei a ouvir perguntas disparatadas sobre possíveis efeitos que seriam causados pela imunização. Ideia de algum maluco, como a hipótese de que quem tomasse corria o risco de virar jacaré. Parei de rir quando soube que não era uma fake news das redes sociais. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi quem, num evento na Bahia, advertiu os ouvintes assustados: “Se você virar um jacaré, é problema seu”.

Ele não costuma dizer coisa com coisa, mas dessa vez garantia, com a autoridade de presidente da República, acredite, que o contrato da Pfizer/BioNTech isentava o laboratório da responsabilidade pelos efeitos colaterais. E dava mais exemplos: “Se você virar Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles (Pfizer) não têm nada a ver com isso”.

O teste definitivo aconteceu anteontem, quando o presidente eleito dos EUA, Joe Biden, com transmissão ao vivo pela TV, tomou sua primeira dose de vacina, justamente do laboratório contra o qual Bolsonaro lançara a advertência, o Pfizer/BioNTech.

Mas até ontem pelo menos, até o momento em que escrevo esta coluna, tudo indica que Joe Biden não virou jacaré. Se isso tivesse acontecido, acho que não só eu, mas o mundo todo teria sabido.


Bernardo Mello Franco: Bispo no xadrez - Crivella foi mau prefeito e mau profeta

Depois de se mostrar um mau prefeito, Marcelo Crivella também se revelou um mau profeta. O bispo passou a campanha anunciando a prisão do adversário Eduardo Paes. Ontem ele é que foi em cana, acusado de chefiar um esquema de corrupção.

De acordo com as investigações, o grupo começou a faturar antes da eleição de 2016. Quando o bispo virou prefeito, seus aliados montaram um “quartel-general da propina” para fraudar licitações e achacar fornecedores.

O Ministério Público apontou Crivella como o “vértice” da organização criminosa. O principal operador era o lobista Rafael Alves. Ele instalou o irmão na Riotur e passou a despachar na Cidade das Artes e acompanhar as caminhadas matinais do prefeito.

Ao examinar as provas, a desembargadora Rosa Helena Guita concluiu que a quadrilha atuou de modo permanente, “ao longo dos quatro anos de mandato” e “nos mais variados setores da administração”.

Às vésperas do Natal, ela determinou que o bispo fosse recolhido ao xadrez. Os fundamentos da prisão preventiva eram questionáveis, e a decisão foi cassada horas depois pelo STJ. No entanto, o desvio de ao menos R$ 53 milhões parece bem documentado na denúncia.

O esquema de Crivella recicla personagens de outros escândalos fluminenses. O doleiro Sergio Mizrahy, que delatou o grupo, já havia sido preso na Lava-Jato. O empresário Arthur Soares, acusado de abastecer a turma, reinou no governo de Sérgio Cabral.

O marqueteiro Marcelo Faulhaber, denunciado como integrante da quadrilha, coordenou a campanha de Paes neste ano. Por via das dúvidas, o prefeito eleito evitou festejar a derrocada do rival.

A prisão de Crivella antecipa o fim de uma gestão marcada pela desordem administrativa e pela mistura entre fé e política. Ele já havia garantido o título de pior prefeito da história da cidade. Ontem saiu de cena de camburão, a nove dias do fim do mandato.

A queda do bispo abala o projeto de poder da Igreja Universal. Edir Macedo apostava no sobrinho para mandar sem intermediários. Agora terá que barganhar mais espaço no governo do aliado Jair Bolsonaro


Fernando Exman: Sombra de Bolsonaro na eleição da Câmara

Campanha vai recomeçar em janeiro sem favorito

Em 2 de fevereiro de 2017, Jair Bolsonaro dirigiu-se à tribuna sabendo que não teria a menor chance de se eleger presidente da Câmara dos Deputados. Não demonstrava desânimo, tampouco desconforto com protestos da esquerda. Afinal, não era a primeira vez que se candidatava ao posto e o então deputado pelo PSC fluminense não mirava mesmo a principal cadeira da Casa. Estava lá, isso sim, para executar mais um movimento de sua campanha antecipada à Presidência da República.

Bolsonaro fez questão de marcar posição em relação à mesma agenda legislativa que hoje o leva a tentar influenciar a sucessão do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Naquele dia, era Bolsonaro quem tentava ostentar o discurso de resgate da credibilidade da Câmara. “Todos sabem muito bem que vivemos uma crise nos três Poderes nunca sentida em nosso país”, declarou, talvez menosprezando a capacidade do país de boicotar o próprio futuro. “Sabemos que o Executivo sempre interferiu nos trabalhos desta Casa, em especial por ocasião das eleições. Hoje temos uma Câmara que não cria leis, que não fiscaliza e que não representa os anseios do povo. O Poder Legislativo se apresenta subserviente ao Executivo e submisso ao Judiciário”, prosseguiu, também talvez sem de fato acreditar que anos à frente estaria do outro lado da Praça dos Três Poderes.

O então deputado criticou o que considerava a usurpação das prerrogativas do Legislativo por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que discutiam a legalização das drogas. “O fato é que o Supremo vem legislando constantemente. E ele quer legislar não só sobre essa questão: legislou também sobre a questão ao aborto.” Para ele, a Câmara precisava de um presidente que batesse à porta do chefe do Poder Judiciário para buscar alternativas e dar fim a esse movimento. Ainda hoje aliados de Bolsonaro reclamam do que consideram ativismo judicial, e acreditam que o Congresso pode ajudar a reduzi-lo.

Ao pedir o apoio da bancada da segurança pública, que mais tarde lhe daria suporte na eleição presidencial, Bolsonaro questionou a regulamentação da audiência de custódia pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a discussão, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), do que pode ou não ser considerado crime de desacato. Não faltaram, claro, falas em defesa do projeto de lei que visa revogar o estatuto do desarmamento.

À bancada ruralista, sinalizou com um “ponto final na indústria de demarcação das terras indígenas”. “Não temos que ter um presidente para ficar apenas chancelando e buscando aprovar o que o Executivo quer. A bancada ruralista tem que ter um presidente que tenha esse compromisso com ela”, destacou. “Temos que ter um presidente, na Câmara dos Deputados, que tenha autoridade, posição e altivez, e não que precise ficar de joelhos para esse ou aquele Poder por causa de interesses pessoais.”

Proclamado o resultado, anunciou-se que Bolsonaro conquistara quatro votos. Quatro, ante os 293 de Rodrigo Maia. Porém, por mais paradoxal que possa parecer, os objetivos de Bolsonaro foram atingidos conforme o planejado.

Os dois voltam agora a se enfrentar, quando a pauta de costumes também retorna ao centro das atenções. A agenda econômica corre o risco de ficar definitivamente em segundo plano a partir de 2021. Também por isso Maia vem conseguindo atrair partidos da oposição para o seu campo, embora ainda não tenha conseguido definir quem será o seu candidato.

O atual presidente da Câmara passou os últimos dias conversando com aliados, medindo quem dos pré-candidatos de sua ala tem mais capacidade de reunir votos e evitar defecções. O voto secreto exige cautela, mas o tempo vai passando e dando espaço para que a candidatura do grupo sofra ataques especulativos ou questionamentos das cúpulas partidárias.

Independentemente do nome escolhido, a estratégia já está desenhada: tentar mostrar que de um lado estará o governo e toda as suas exigências em relação à pauta da Câmara, enquanto do outro ficarão os demais partidos que ainda defendem a independência do Poder Legislativo. Esse tipo de campanha é até capaz de garantir uma vitória moral ao grupo que se diz autônomo, seja qual for o resultado da eleição de fevereiro do ano que vem, mas a mensagem ainda precisa se mostrar forte o suficiente para assegurar uma vitória eleitoral ao grupo.

Essa demora também deu espaço para que líderes do Senado tentassem vincular as eleições das duas Casas do Congresso, o que está cada vez mais difícil de ser concretizado. Em primeiro lugar, porque o quadro de fragmentação partidária e o voto secreto dificultam acordos desse tipo. Além disso, diferentemente do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que insistiu na tese de que poderia concorrer à reeleição, Maia trabalhou na ampliação de seu grupo para fazer um sucessor e teria dificuldades políticas para desmobilizá-lo de uma hora para outra.

Por outro lado, sabe-se também que o deputado Arthur Lira (PP-AL), mesmo sendo o preferido do Palácio do Planalto, não deve ter uma postura de alinhamento absoluto em relação ao Executivo.

Como líder do Centrão, ele sinaliza com governabilidade e previsibilidade, mas sua campanha é baseada, por exemplo, no discurso de que a atual gestão da Câmara mantém controle total da pauta e, portanto, é preciso democratizá-la. Outra promessa do pepista é não interferir nos pareceres que chegarem ao plenário.

Quatro anos depois, Bolsonaro opera com muito mais força a partir do Planalto. Tornou-se onipresente nas discussões sobre a sucessão da Câmara e certamente conseguirá reunir mais do que quatro votos. Mesmo assim, ainda não tem certeza de que desta vez seus objetivos serão alcançados. Quanto mais o presidente aparecer na disputa, melhor será para seus adversários.


Bruno Boghossian: Jogo bruto na eleição da Câmara aumenta riscos para Bolsonaro e oposição

A cada dia que passa, governistas e o grupo de Rodrigo Maia têm mais a ganhar ou perder na disputa

A disputa pelo comando da Câmara deve ficar um pouco mais bruta até a eleição de fevereiro. Lances feitos pelos principais jogadores nos últimos dias aumentaram o risco que a vitória e a derrota vão representar para cada um deles.

A exibição de poder feita por Rodrigo Maia (DEM) em seus momentos finais na cadeira deu uma pista sobre as ameaças que devem rondar o Palácio do Planalto caso seu grupo político continue na chefia da Casa a partir do ano que vem. O movimento sugere que a disputa já mudou a dinâmica de forças por ali e pode se aprofundar nas próximas semanas.

Na última sexta-feira (18), Maia incluiu na pauta uma votação que poderia tornar permanente o pagamento da 13ª parcela do Bolsa Família. A nova despesa não estava no radar da equipe econômica, mas o deputado usou a proposta numa reação a Jair Bolsonaro, que acusava a Câmara de segurar esse benefício.

Maia repetiu a dose nesta semana. Pautou um projeto de ajuda a municípios, com impacto de R$ 35 bilhões em dez anos, e tentou forçar o governo a mobilizar sua base aliada para tirar a proposta de votação. De uma só vez, ficaram expostos a falta de articulação política de Bolsonaro e os danos que o Planalto pode sofrer se perder a eleição.

Os recados dos últimos dias não significam necessariamente que o grupo de Maia vai bombardear o governo com projetos desse tipo caso ganhe a disputa, mas indicam que Bolsonaro pode ter mais dores de cabeça se perder a corrida para uma coalizão que tem partidos de esquerda em papel determinante.

Por uma questão de sobrevivência política, o presidente já estava empenhado em eleger um aliado para o comando da Casa. Agora, ele ganha novos incentivos para abrir ainda mais o governo para o centrão e desalojar a turma de Maia.

Se Arthur Lira (PP) vencer, há poucas dúvidas de que Bolsonaro se sentirá tentado a instigar seu candidato a retaliar os oposicionistas e o time perdedor. A cada dia, os dois lados têm mais a ganhar ou perder.


Ricardo Noblat: Vacina pouca, minha toga primeiro

No país do “você sabe com quem está falando”...

O que você entenderia se recebesse do Supremo Tribunal Federal um ofício pedindo a reserva de vacinas para imunizar 7 mil servidores do tribunal e do Conselho Nacional de Justiça?

Naturalmente, que o tribunal pretendia que do total de vacinas a serem entregues ao Ministério da Saúde para aplicação em massa nos brasileiros, 7 mil fossem destinadas aos seus servidores.

Não há outra leitura possível do ofício assinado por Edmundo Veras, diretor-geral do tribunal, enviado à Fundação Oswaldo Cruz, fabricante da vacina Oxford/AstraZeneca contra a Covid-19.

Veras argumenta no ofício que a vacinação dos servidores representará “uma forma de contribuir com o país em momento tão crítico, pois ajudará a acelerar o processo de imunização”.

Segundo o plano do Ministério da Saúde, primeiro serão vacinados trabalhadores da saúde, idosos, pessoas com comorbidades, profissionais de segurança, indígenas e quilombolas, por exemplo.

Se houver idosos e pessoas com comorbidades entre os servidores do tribunal e do Conselho Nacional de Justiça, eles serão contemplados. Indígenas e quilombolas certamente não há.

“Nós vacinaremos todos os brasileiros de forma igualitária, de forma proporcional ao número de pessoas por Estado e de graça”, prometeu Eduardo Pazuello, general e ministro da Saúde.

O ofício era desnecessário. A não ser que ele quisesse sugerir o desejo dos ministros do tribunal e dos servidores de serem vacinados em primeiro lugar ou o mais rapidamente possível.

Veras nega que teve essa intenção. Ofício semelhante também foi remetido à fundação por Marcos Antonio Cavalcante, diretor-geral do Superior Tribunal de Justiça. Que o justificou assim:

– A intenção de compra de vacinas vem sendo manifestada por diversos órgãos públicos que realizam campanhas de imunização entre seus funcionários.

Resposta da fundação a Cavalcante: “Infelizmente, a Fiocruz não possui autonomia nem mesmo para dedicar parte da produção da vacina para a imunização de seus servidores e colaboradores”.


Rosângela Bittar: O futuro do atraso

A eleição dos presidentes da Câmara e do Senado não ficam definidas por antecipação, nunca. As negociações que levam a reviravoltas na boca da urna não permitem dizer que o favoritismo de hoje, do candidato governista Arthur Lira, permanecerá até 2 de fevereiro.

Dois exemplos da memória.

O mais recente: na primeira eleição de Rodrigo Maia, 2017, depois do mandato tampão após renúncia de Eduardo Cunha, o DEM só o apoiou na véspera, e o aliado principal, o PSDB, definiu-se na manhã da votação.

O mais perturbador: Apesar da proibição regimental, o PT se dividiu em 2005 e lançou dois candidatos. Um oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh, outro avulso, Virgílio Guimarães. Venceu Severino Cavalcanti, que não estava na história. E saiu dela como uma anedota.

São fatos que reduzem a mera hipótese a apregoada certeza da vitória dos candidatos do presidente Jair Bolsonaro às presidências da Câmara e do Senado. No Senado ainda há três nomes disputando a unção presidencial mas, na Câmara, o candidato Arthur Lira já negocia abertamente em nome do presidente, há meses. 

Embora favorito, com uma campanha agressiva em concessões e troca de favores, Lira ainda não pode receber cumprimentos. Qualquer celebração antecipada é mera ironia.

Tudo pode acontecer nesses longos 40 dias que separam este Natal da inauguração do ano Legislativo, data da eleição das Mesas. Será um janeiro de frenesi político, longe de qualquer realidade dos brasileiros.

Única alternativa que resta ao governo para dar seriedade à sua empreitada é formular uma agenda que dê substância ao varejo das negociações. O Congresso não faz milagres, não tem planos de governo e precisa de uma proposta sobre a qual trabalhar e votar.

O que Bolsonaro já apresentou até agora é um rosário de demandas pessoais, familiares, corporativas e eleitorais. Algumas de exceção à lei. Barrar o impeachment, na Câmara, e salvar o enlameado filho Flávio Bolsonaro, no Senado, são metas explícitas.

O que inquieta nas manifestações recentes do presidente sobre o que quer para o ano que vem é a inexistência das áreas de emergência, começando pelo controle da pandemia.

Bolsonaro quer mandar na Câmara e no Senado para aprovar o excludente de ilicitude (licença para matar), a educação domiciliar, os benefícios para igrejas, o imposto sindical, a redução da Lei da Ficha Limpa e da Lava Jato. Sem esquecer o atraso dos atrasos: a volta do voto impresso.

Não contente em dedicar todo o seu mandato, exclusivamente, à campanha da reeleição, o presidente quer usar a Câmara para discutir o voto impresso e montar desde já o processo de acusação de fraude eleitoral, diante da possibilidade crescente da derrota em 2022.

Os sinais são preocupantes, o Brasil está sendo arrastado ao abismo social, econômico e político. Bolsonaro transforma suas convicções pessoais e retrógradas em políticas públicas.

Sindicato

A propósito das negociações para a volta do imposto sindical, João Carlos Gonçalves, Juruna, secretário-geral da Força Sindical, enviou-me um esclarecimento:

“Li seu artigo cujo título é Depois da meia-noite. Queria lhe informar que o movimento sindical não está pedindo a volta do imposto sindical, aquele que cada trabalhador pagava um dia de salário anual. Pagava porque o não associado também é beneficiado pelos acordos e convenções coletivas. O que o movimento sindical quer, e isso está parado na Câmara dos Deputados, é a regulamentação de legislação que deixe claro se o sindicato vai também trabalhar para não sócios sem receber nada. A cada convenção coletiva que o sindicato faz, precisa fazer um Termo de Ajuste de Conduta, com o Ministério Público do Trabalho, para poder cobrar de quem não é sócio, pelos benefícios das convenções coletivas estendidas a ele”.

*COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS