Day: setembro 29, 2020

Pablo Ortellado: E se Trump decidir ficar?

Presidente americano quer deslegitimar voto pelo correio que pode dar vitória a democrata

Faltando pouco mais de um mês para as eleições presidenciais, os Estados Unidos podem ver o atual presidente não reconhecer eventual derrota e se negar a fazer uma transição pacífica caso a eleição se decida com os votos pelo correio.

Trump foi questionado duas vezes, recentemente, se se comprometia com uma transição pacífica de poder se vier a perder as eleições; uma em entrevista à Fox News, em julho, e outra em entrevista coletiva na Casa Branca, na última quarta-feira (23). Nas duas ocasiões, preferiu não se comprometer. Na convenção do partido Republicano, em agosto, disse que só perderia a eleição se houvesse fraude.

Em 2016, mesmo tendo vencido, Trump acusou Hillary Clinton de ter se beneficiado de milhões de votos de imigrantes ilegais —alegação feita sem nenhum embasamento.

Nas últimas semanas, Trump tem dado em média quatro declarações diárias colocando em dúvida a confiabilidade do voto postal. Esse tipo de voto, no qual o eleitor recebe as cédulas com antecedência e as envia pelo correio, é utilizada desde o século 19 e tem um nível de segurança aceitável.

Na verdade, esse ou qualquer outro tipo de fraude eleitoral é muito infrequente nos Estados Unidos.

Levantamento do Centro Brennan, ligado à Universidade de Nova York, mostrou que fraudes apuradas variam de 0,0003% a 0,0025% dos votos, o que, no universo de uma eleição presidencial, com cerca de 155 milhões de eleitores, equivale a menos de 3,9 mil votos —uma quantidade quase certamente incapaz de afetar o resultado final.

Apesar disso, o fantasma da fraude no voto postal pode gerar um perigoso impasse.

Em tempos normais, não há diferença significativa na opção pelo voto por correio entre eleitores democratas e republicanos, mas durante a pandemia pesquisas têm mostrado que democratas --que consideram a Covid mais grave —pretendem fazer mais uso do voto pelo correio.

A diferença é tão grande que simulações da empresa de dados Axios dão como altamente provável que a apuração com os votos presenciais dê vitória parcial a Trump, mas, após a contagem dos votos pelo correio, Biden saia eleito.

A incerteza é como Trump vai agir no intervalo entre a publicação do resultado parcial e do resultado final.

Reportagem da revista The Atlantic mostra que líderes do partido Republicano estudam, em alguns cenários, declarar suspeição das eleições, de modo que deputados estaduais determinem qual vai ser o voto de todo o Estado —uma possibilidade prevista na Constituição, mas jamais colocada em prática, e que pode jogar o país numa crise sem precedentes.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.


Luiz Carlos Azedo: Calote e desvio de finalidade

Bolsonaro e Guedes negociaram a proposta de Renda Cidadã com líderes do governo no Congresso, mas ainda não existe maioria no Senado nem na Câmara para sua aprovação

A proposta de Renda Cidadã, anunciada ontem pelo governo, não teve boa aceitação no Congresso, nem no mercado financeiro. O projeto foi embarcado na chamada PEC Emergencial pelo seu relator, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), com o propósito de obter de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões a mais que os recursos destinados ao Bolsa Família, que será extinto pelo presidente Jair Bolsonaro porque é a cara do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A intenção do governo é conceder um auxilio de até R$ 300 para cada beneficiado, ampliando a base do programa para um número maior de pessoas, mas esses recursos não estão disponíveis no Orçamento da União de 2021.

Os parlamentares são a favor da transferência de renda para as parcelas mais carentes da população, mas não quanto à origem dos recursos, que muitos interpretam como uma maneira de burlar o teto de gastos (o aumento das despesas do governo não pode ultrapassar a taxa de inflação) e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse dinheiro sairia dos recursos destinados aos precatórios, que são as dívidas judiciais do governo já transitadas em julgado, uma espécie de calote temporário, e de uma parcela do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que levaria uma mordida de 5%, a pretexto de que o dinheiro seria vinculado à obrigação de as crianças das famílias beneficiadas frequentarem a escola.

Segundo Bittar, o valor do benefício ainda não foi fixado, devendo ficar entre R$ 200 e R$ 300 (o Bolsa Família chega até R$ 205 para cinco beneficiados). Especialistas em contas públicas avaliam que a proposta adia indefinidamente o pagamento de dívidas da União, além de mascarar a ultrapassagem do teto de gastos ao destinar recursos do Fundeb para o Renda Cidadã, o que muitos interpretam como um desvio de finalidade. A reação do mercado foi péssima: a Bovespa desabou e o Banco Central (BC) teve de vender dólares para evitar que subisse muito.

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes negociaram a proposta com Bittar e os líderes do governo no Congresso, mas ainda não existe massa crítica no Senado nem na Câmara para aprovação do novo programa. A construção dessa maioria não será fácil, mas não é impossível, porque muitos parlamentares, nas duas Casas, defendem uma política de transferência de renda para as pessoas que ficaram desempregadas ou sem seus pequenos negócios durante a pandemia. Entretanto, aprovar um calote nos precatórios e tirar recursos do Fundeb é outra história. Os lobbies dos advogados e da Educação são muito ativos e fortes. A inclusão da proposta na PEC Emergencial dificulta muito a aprovação, porque exige quorum elevado, mas, em contrapartida, reduz as possibilidades de judicialização do Renda Cidadã.

Novo imposto
A grande questão é que o governo está sendo pressionado pela recessão a adotar medidas que compensem o desemprego, que deverá chegar a 18% da População Economicamente Ativa (PEA). A prorrogação do auxílio emergencial, até dezembro, no valor de R$ 300, mitigou a recessão e o desemprego, mas é preciso pôr alguma coisa no lugar a partir de janeiro.

A grande aposta de Guedes para viabilizar o programa continua sendo a reforma tributária, na qual pretende criar um imposto digital, que está sendo chamado de nova CPMF, a pretexto de compensar a desoneração da folha de pagamentos. Ocorre que o Congresso não é nada simpático à criação de um novo imposto às vésperas das eleições municipais. Bittar anunciou também a criação de gatilhos para manter o teto de gastos e a redução em até 25% dos salários dos servidores. As duas propostas também terão dificuldades para aprovação, mas o Palácio do Planalto está mais confiante na capacidade de articulação de seus líderes no Congresso e na força do chamado Centrão.

Rachadinha
O Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou, ontem, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seu ex-assessor parlamentar na Assembleia Legislativa fluminense, Fabrício Queiroz, por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, no esquema de rachadinha no seu gabinete na Alerj. Com isso, a vida do filho mais velho do presidente da República ficará mais complicada. O maior desconforto de Bolsonaro, porém, é com o envolvimento no caso da primeira-dama, Michelle, em razão de um depósito em sua conta bancária efetuado por Queiroz.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-calote-e-desvio-de-finalidade/

Merval Pereira: Truques contábeis

O temor de todos se confirmou: o governo não tem de onde tirar dinheiro para o Renda Cidadã, a não ser que desrespeite o teto de gastos. As medidas anunciadas ontem nada mais são que truques contábeis que não enganam mais ninguém, ainda mais quando quem tem que explicar a trapalhada é um representante do Centrão, especialista em truques, mas jejuno em legalidade.

Aproveitar a verba do Fundo de Educação Básica (Fundeb), que está fora do teto de gastos, para dar um drible na legislação, revela a postura de fura-teto do governo e sua propensão a não dar prioridade para a educação. O presidente que não queria tirar dos pobres para dar aos paupérrimos não se incomoda de tirar dos cidadãos uma perspectiva de futuro melhor através da educação.

Já houve tentativa de usar os recursos do Fundeb, aprovado contra o desejo do governo, para financiar programas sociais, e o governo perdeu. Na negociação ficou acertado que 5% da verba do Fundeb iria para a educação infantil. O governo vale-se disso agora para alegar que os recursos serão usados para colocar as crianças nas escolas no novo programa social Renda Cidadã. Mais uma falácia da linguagem oficial.

A parte dos precatórios é mais difícil ainda de explicar, e quebra mais regras jurídicas. Já houve tentativas, por emenda constitucional, de ampliar o prazo para entes federativos - estados, municípios - que estavam inadimplentes, mas o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional.

O que assusta o mercado financeiro na anunciada redução do pagamento dos precatórios é que ela cheira a um calote na dívida do governo, sinalizando uma posição retrógrada, pois o governo vem pagando por ano cerca de R$ 50 bilhões em dívidas reconhecidas pela Justiça.

A maioria dessas dívidas é de pessoas físicas, geralmente disputas sobre salários de servidores públicos, benefícios previdenciários, pensões, os chamados precatórios de natureza alimentar, que têm prioridade para o recebimento. Quer dizer, o presidente tanto se preocupou em poupar os “paupérrimos” que vai pegar muitos deles pelo calote nos precatórios.

A grande dificuldade do governo sempre foi encontrar dinheiro dentro do orçamento sem mexer em privilégios chamados de “direito adquirido”. A desindexação geral da economia, que é muito engessada, seria uma medida importante, pois permitiria ao governo usar o dinheiro do orçamento com mais flexibilidade.

O governo sempre tentou fazer essas reformas sem provocar protestos e reações corporativas, e acabou mexendo num vespeiro com a redução do pagamento dos precatórios. Uma solução precária, pois a cada ano a dívida aumentará. Seria uma medida de pouco impacto, pensavam os políticos do Centrão, porque atinge pessoas variadas, e não pagar precatórios não é uma situação nova. Não criaria grandes problemas, que mexessem com a popularidade do presidente.

É verdade quanto à popularidade, mas não quanto ao impacto, pois haverá muita disputa na Justiça, e mais uma vez o Supremo terá que arbitrar. A troca do novo imposto digital pela desoneração geral da folha de pagamento das empresas é uma boa negociação, que acabou emperrada dentro da reforma tributária, que não tem consenso no Centrão.

A desoneração acabará surtindo efeito, porque vai permitir o aumento do emprego e a recuperação da economia, que não está crescendo como se esperava. Se o centrão apoiar, pode passar. E o presidente da Câmara Rodrigo Maia, que sempre foi contra a CPMF digital, poderia até reconsiderar, mas com a crise política que as fontes para o Renda Cidadã vai gerar, dificilmente esse assunto ganhara prioridade.

Maia já disse que é preciso regulamentar o teto de gastos, justamente para evitar tentativas de dribles. Quando o Centrão é que tem que explicar para o mercado financeiro a solução encontrada, é sinal de que o ministro Paulo Guedes perdeu o controle das propostas econômicas, e que dificilmente o líder do governo, Ricardo Barros, convencerá os investidores de que está tudo bem.

O tempo é curto, o governo precisa correr para aprovar o Renda Cidadã, pois em janeiro o dinheiro já tem que estar sendo distribuído. Em dezembro acaba o auxílio emergencial.


Guerra ideológica aterroriza vítimas de estupros no Brasil, mostra reportagem

Dados e histórias de vítima são contados em reportagem especial da revista Política Democrática Online de setembro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Ele me colocou no colo, passou a mão em mim e, depois, tirou a roupa e começou a me acariciar na minha cama”. A declaração é de uma menina de 11 anos de idade que foi estuprada, aos 9 anos, em casa, pelo padrasto, enquanto a mãe estava no supermercado, na região do Gama, a 35 quilômetros de Brasília. “Ele me machucou muito, mas depois pediu para ficar calada porque senão minha mãe iria me bater”, conta, em reportagem especial da revista Política Democrática Online de setembro.

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A reportagem mostra que, a cada hora, quatro crianças e adolescentes de até 13 anos são estupradas no país, segundo o Anuário de Segurança Pública 2019, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com informações de todas as unidades da Federação. Outro levantamento, baseado no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), revela que, por dia, o Brasil registra seis abortos em meninas de 10 a 14 anos estupradas.

O assunto mobilizou ainda mais população do país contra esse tipo de crime em agosto deste ano, conforme lembra a reportagem. “Religiosos conservadores e grupos de extrema direita no país perseguiram uma menina de 10 anos que teve autorização da Justiça para realizar aborto no Espírito Santo. Ela ficou grávida após ser estuprada pelo tio, por quem era violentada desde os 6 anos. O criminoso está preso’, diz o texto.

Em 2018, de acordo com o Anuário de Segurança Pública, o Brasil registrou mais de 66 mil casos de violência sexual, o que corresponde a mais de 180 estupros por dia. Entre as vítimas, 54% tinham até 13 anos. Foi a estatística mais alta desde 2009, quando houve a mudança na tipificação do crime de estupro no Código Penal brasileiro. O atentado violento ao pudor passou a ser classificado como estupro. 

A reportagem especial da revista Política Democrática Online também mostra que, em sessão remota, o Senado Federal aprovou, no dia 9 de setembro, a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, que deve conter, obrigatoriamente, características físicas, impressões digitais, perfil genético (DNA), fotos e endereço residencial da pessoa que recebeu condenação judicial. O texto seguiu para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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