Day: outubro 30, 2019

Bolsonaro está perturbado por seus próprios demônios, afirma Marco Aurélio Nogueira

Em artigo de sua autoria publicado na nova edição da revista Política Democrática online, professor analisa perfil do presidente

Falta de iniciativa e unidade na oposição faz com que Jair Bolsonaro seja perturbado somente por seus próprios demônios e pelo fogo que arde a seu redor. A declaração é do professor titular de Teoria Política da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Marco Aurélio Nogueira, em artigo de sua autoria publicado na nova edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, em Brasília.

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Para Nogueira, o governo não sabe que país é esse que o elegeu para governar “A Presidência da República tornou-se um deserto de ideias. A paralisia e a mediocridade devoram suas entranhas”, diz, em um trecho.

Em outro trecho, o professor diz que o primeiro mandatário não está à altura do cargo que ocupa, nem sequer se mostra à vontade nele, assusta-se com a própria sombra e acumula inimigos por onde passa. “Não planta nem colhe nada de positivo, só atua para defender os próprios interesses restritos, seus e dos filhos”, afirma.

Na economia, conforme avalia Nogueira, a gestão de Paulo Guedes avança porque foi assimilada por Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, que não só garantiu a progressão da Reforma Previdenciária, mas mantém ambiente favorável ao reformismo econômico que se deseja institucionalizar. “Mesmo assim, a economia patina e a sensação é de que não se sabe bem o que fazer para dar respostas efetivas aos problemas que afligem a sociedade. Algum desdobramento desse quadro deverá surgir nas eleições do ano que vem, com um possível aumento da frustração do eleitor”, analisa.

Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho. A direção da revista é de André Amado e a edição, de Paulo Jacinto.

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Luiz Carlos Azedo: Tuitada infeliz

“Bolsonaro foi pego de surpresa pelo vídeo que cita o STF, cuja origem disse desconhecer; todos suspeitam que tenha sido uma iniciativa do vereador Carlos Bolsonaro, mas ele nega”

Palpite infeliz, de Noel Rosa, é um marco da nossa música popular. O samba, composto em 1935, praticamente pôs um ponto-final na sua polêmica com outro grande sambista, Wilson Batista, que havia glamorizado a malandragem no samba Lenço no pescoço, que fazia a apologia do sujeito desocupado e bom de briga; Noel respondeu com o samba Rapaz folgado, uma crítica àquele estilo de vida.

Wilson não deixou por menos e tentou ridicularizar Noel, no samba O mocinho da Vila, ao qual o poeta respondeu com o antológico Feitiço da vila. Nessa altura da polêmica, os dois monopolizavam a audiência nas rádios e as conversas de botequim. Wilson responde novamente, com Conversa Fiada, mas Noel retruca com outra obra-prima: Palpite infeliz, cuja letra, em certo trecho, diz: “Pra que ligar a quem não sabe/ Aonde tem o seu nariz?/ Quem é você que não sabe o que diz?/ Quem é você que não sabe o que diz?/ Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!”. Wilson ainda compôs Frankenstein, uma alusão ao defeito facial de Noel, grosseria que o compositor da Vila Isabel ignorou, e Terra de cego, aos quais Noel respondeu com Deixa de ser convencido. A homérica disputa musical, porém, já estava decidida: os sambas Feitiço da Vila e Palpite infeliz são cantados até hoje.

Ideia infeliz foi o vídeo postado no Twitter do presidente Jair Bolsonaro na segunda-feira, no qual um leão, representando Bolsonaro, é cercado e atacado por várias hienas ao redor, numa alusão aos supostos inimigos do presidente da República, entre os quais estaria o Supremo Tribunal Federal (STF). O vídeo permaneceu no ar por duas horas e causou perplexidade, porque disparava em todas as direções: imprensa, partidos políticos — como o PCdoB, o PT e o próprio PSL, ao qual Bolsonaro é filiado —, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outras instituições foram identificadas como as hienas.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro pediu desculpas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Participava de encontros bilaterais na Arábia Saudita e comentou o caso em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo: “Me desculpo publicamente ao STF, a quem porventura ficou ofendido. Foi uma injustiça, sim. Corrigimos e vamos publicar uma matéria que vai para esse lado das desculpas”. A reação do presidente da República foi provocada por duras críticas do decano do STF, ministro Celso de Mello, que costuma ser o porta-voz da Corte nessas situações.

Surpresa

A nota de Celso de Mello foi dura, porém, com uma porta aberta para a retratação de Bolsonaro: “A ser verdadeira a postagem feita pelo Senhor Presidente da República em sua conta pessoal no Twitter, torna-se evidente que o atrevimento presidencial parece não encontrar limites”. O ministro defendeu a separação dos Poderes e fez uma alusão ao rei das selvas: “É imperioso que o senhor presidente da República — que não é um “monarca presidencial”, como se o nosso país absurdamente fosse uma selva na qual o leão imperasse com poderes absolutos e ilimitados — saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrático, jamais haverá cidadãos livres sem um Poder Judiciário independente, como o é a magistratura do Brasil”.

No exterior, o presidente Bolsonaro foi pego de surpresa pelo vídeo, cuja origem disse desconhecer, mas todos suspeitam que tenha sido uma iniciativa do vereador carioca Carlos Bolsonaro, que gerencia as mídias sociais do pai e costuma aprontar no Twitter. O vídeo está em linha com a estratégia de vitimização do pai em relação às dificuldades do governo, e sintonizado com a insatisfação das bases de Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal (STF). O filho nega autoria e, no Twitter, disse que foi coisa do próprio presidente da República.

Ocorre que a posição de Carluxo, como é chamado no Palácio do Planalto, não está afinada com os interesses do pai e do irmão, senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), beneficiado por uma liminar do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que suspendeu todas as investigações com base em dados fiscais sigilosos obtidos sem autorização judicial. A liminar paralisou as investigações do caso Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar na Assembleia Legislativa fluminense.

A propósito do Supremo, ontem, Dias Toffoli encaminhou aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-RJ), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-AP), uma proposta para impedir a prescrição de processos até o fim do julgamento de recursos nos tribunais superiores. A prescrição se dá quando decorre o tempo máximo que o Judiciário tem para aplicar punição pelo crime. A proposta foi bem-recebida por Maia e tem o objetivo de mitigar o impacto da mudança de jurisprudência quanto à execução da pena após condenação em segunda instância, que está em julgamento no Supremo e deve ser alterada, restabelecendo o princípio do “trânsito em julgado”.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-tuitada-infeliz/


Míriam Leitão: A falta de limites do presidente

Nada atenua o que foi postado. Presidentes não têm palavras extraoficiais, nem declarações para serem apagadas como se não tivessem sido feitas

O ministro Celso de Mello definiu como “atrevimento sem limites” porque o ministro é um homem educado e sabe o código de conduta no uso das palavras por uma autoridade. O que o presidente Bolsonaro fez ao comparar o STF a uma hiena da alcateia que ataca o “leão conservador e patriota” é muito mais grave do que ele admitiu mesmo no pedido de desculpas. “Foi uma injustiça sim, corrigimos e vamos publicar uma matéria que leva para o lado das desculpas.” É bem mais que uma “injustiça”.

O presidente jurou respeitar a Constituição, e ela reconhece o Judiciário como um dos três poderes, e o STF é o órgão máximo desse poder. Tratá-lo com um achincalhe desrespeitoso em uma molecagem de Twitter é descumprir preceito constitucional. Aquele é um canal oficial do presidente, e portanto é sua palavra. A explicação de que várias pessoas têm acesso aumenta o absurdo da situação. Com a mensagem ele açula os seus seguidores radicais que têm defendido o fechamento do Supremo. Sem Supremo, não temos democracia. Isso significa que ele está fortalecendo um movimento de ameaça à própria democracia.

Cada cidadão é livre para ter críticas às decisões do STF. Os ministros da Corte inclusive divergem entre si. Neste momento de decisão sobre um assunto em que há uma divisão acalorada no país é normal que o foco esteja sobre o Supremo. Os ministros Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Edson Fachin e Alexandre de Moraes acham que deve-se manter o cumprimento da pena após a condenação em 2ª instância, argumentando que neste ponto o mérito já terá sido julgado e revisto por um colegiado. E que os recursos protelatórios têm sido a arma do crime de colarinho branco para a impunidade. A ministra Rosa Weber, o relator Marco Aurélio Mello e o ministro Ricardo Lewandowski sustentam ser incontornável o princípio constitucional do cumprimento da pena só após o trânsito em julgado.

A favor de Barroso, Fux, Fachin e Moraes existe o fato de que essa interpretação extrema de trânsito em julgado, apenas após o último recurso da última instância, não é seguida em inúmeros países democráticos. E vai favorecer a impunidade da elite, num momento crucial do combate à corrupção. Há muito que cada pessoa pode considerar sobre tudo o que está sendo julgado. Está ficando claro que a possibilidade maior é de que prevaleça o entendimento de que não pode haver cumprimento da pena após a 2ª instância. Neste caso, fica ainda mais grave essa postagem do presidente Bolsonaro, porque ele já está elevando a temperatura dos correligionários radicais que têm atacado o Supremo em cada contrariedade. Essa é apenas mais uma postagem ou declaração polêmica. Coincidentemente, elas saem sempre que o governo está em apuros para explicar, por exemplo, o caso Queiroz.

A mensagem foi apagada, e o presidente disse que foi um erro. Porém, nada atenua o que foi postado. Presidentes não têm palavras extraoficiais, nem declarações para serem apagadas como se não tivessem sido feitas. O governante tem que saber como se comporta. No início, alguns diziam que haveria uma curva natural de aprendizado. Dez meses depois, qual é a parte que o presidente Jair Bolsonaro não entendeu sobre como funciona uma república democrática com independência dos poderes?

Bolsonaro é definido no filme como um conservador patriota. Aí também cabe reparos. Pode-se ser conservador, liberal, progressista. Há liberdade de opinião. Mas a melhor palavra para definir certos valores e comportamentos do presidente é reacionário. Tecnicamente, reacionário é aquele que defende um mundo que já morreu e gostaria de trazê-lo de volta. Suas manifestações de saudosismo e de defesa da ditadura militar se enquadram nessa definição.

Sobre o patriotismo, no sentido de amor ao Brasil, ele não é monopólio de conservadores, muito menos de um grupo político. Essa terra comum que nos abriga é um legado de todas as pessoas que integram o grande mosaico étnico, de classe social, de idade, de regiões, de convicções políticas, de orientação sexual, de crenças. Populistas manipulam o sentimento nacional para confundir o amor à Pátria com o apoio a um governo. Autoritários definem-se como reis da selva. Democratas entendem os limites institucionais e convivem com as diferenças de pensamento.


José Eli da Veiga: O trevo da distopia

A vida inteligente está ameaçada, mas principalmente pela possibilidade de que venham a ser usados os arsenais atômicos

Está em ascensão a crença em irrevogável autoextermínio da humanidade. A tal ponto que nem caberia, nesta página, a lista de recentes bons livros e artigos que robustecem tal distopia. A justificativa é quase sempre ambiental, com maior realce ao imbróglio climático, muitas vezes acompanhada de prognósticos dos mais sombrios sobre o uso de novas tecnologias, com destaque à inteligência artificial. Com tal combinação, muito em breve só sobrariam vivos, na Terra, os tardígrados.

Costuma estar fora desta onda qualquer preocupação com a incerteza mais garantidora de tão lúgubre desfecho: a volta da ameaça de um “inverno nuclear”, fato que mereceu destaque aqui no Valor do último 13 de setembro (p. 14-15 do caderno EU& Fim de Semana). É esquisito que o pior agouro - o de guerra nuclear - fique debaixo do tapete em algaravia sobre aquecimento global e más condutas tecnológicas, os menos prementes dos três perigos.

Uma boa especulação psíquica evocaria os mais fortes arquétipos sobre a natureza. Alguns tendem a achar que ela é caprichosa, delicada, frágil, precária e efêmera. Outros, que ela é bem robusta, estável e previsível. Para os primeiros, só restaria aos humanos o dever de agir como se estivessem pisando em ovos, sem qualquer pretensão de gerenciamento ambiental. Ao contrário dos que apostam na ciência para um manejo que contrabalance os males impostos pelo processo civilizador.

Se fossem mais seguras as evidências científicas sobre o trevo das incertezas ditas existenciais - a nuclear, a ambiental e a tecnológica - o mais provável é que algum consenso sobre o futuro das sociedades começasse a ser formado. Porém, os resultados obtidos nas últimas décadas pela ‘Ciência do Sistema Terra’ estão longe de impedir o predomínio das inclinações subjetivas sobre a relação dos humanos com a natureza, além de subestimação do vetor nuclear.

Tais circunstâncias obrigaram o filósofo francês Jean-Pierre Dupuy, professor de ciência política em Stanford, a condenar o uso de seus argumentos pelos autointitulados “colapsólogos”. Autor do best-seller “Pour un Catastrophisme Éclairé”, de 2002 (traduzido, dez anos depois, pela Editora É Realizações, com o título “O Tempo das Catástrofes”), ele chama a atenção para o mais grave erro conceitual dessa tribo, em texto recém-publicado no website AOC media: (https://aoc.media/): o estranho pressuposto de que todos os sistemas complexos seriam mais frágeis.

É equivocada a afirmação de que um colapso será inevitável em futuro próximo porque estruturas cada vez mais globalizadas, interconectadas e travadas tornam a biosfera muito mais vulnerável a perturbações internas ou externas, engendrando uma dinâmica de derrocada sistêmica. Os mais resilientes ecossistemas naturais são justamente os com redes mais complexas e mais interconectadas. Diferente das redes artificiais, que arbitrária e abusivamente também vêm sendo chamadas de “ecossistemas”. Estas, sim, podem se tornar mais vulneráveis com a elevação da complexidade.

Então, em vez de condenada ao autoextermínio por razões ambientais e/ou tecnológicas, a vida inteligente do gênero humano está, sim, ameaçadíssima, mas principalmente pela possibilidade de que venham a ser usados os atuais arsenais atômicos. E, se isto for evitado, as perguntas mais pertinentes incidem sobre os tipos de influência que terão as outras duas folhas do trevo sobre o desenvolvimento socioeconômico e político.

Tragédias climáticas provocarão guerra nuclear? Outros danos ambientais e extravios digitais causarão sérias degradações da qualidade da vida? Restrições sobre os recursos naturais (água, ar, solos, etc) culminarão em modos autoritários de gestão, após violentas lutas de apropriação? Ou será que suscitarão soluções inovadoras, abrindo caminho para um futuro melhor?

Combinando tais perguntas a várias outras sobre emancipação individual ou mutações nas atividades do cotidiano, pode-se perceber qual é a atual encruzilhada. Sociedades futuras moldadas por normatizações sociais não consentidas, necessárias às incontornáveis transformações ecológicas e econômicas? Ou sociedades futuras estruturadas por um movimento fortemente individualista, contrário às institucionalizações?

Embora concorrentes, os polos desta contradição não são antagônicos. Nutrem-se um do outro e se completam enquanto se opõem. Tudo indica que, em vez de ou/ou, trata-se de mais uma das muitas conjunções de simultâneos e/e. O que resulta em, no mínimo, quatro cenários - também não incompatíveis - cuidadosamente descritos em estimulante relatório da associação Futuribles International: sociedade sob vigilância, sociedade algorítmica, sociedade do ‘eu’ e sociedade de arquipélagos.

Tão estimulante exercício de antecipação - este sim antagônico à distopia - está agora disponível em português, no número 2 da excelente revista Futuribles, publicada pela organização Plataforma Democrática, uma parceria da Fundação FHC com o carioca Centro Edelstein.

*José Eli da Veiga, professor sênior da USP


El País: Nome de Bolsonaro aparece em investigação do caso Marielle, que pode ir para o STF

Segundo 'JN', porteiro disse em depoimento que acusado de matar vereadora buscou presidente em seu condomínio no Rio no dia do crime. Mandatário ataca TV Globo e Witzel

O nome do presidente Jair Bolsonaro surgiu nas investigações sobre a morte de Marielle Franco. De acordo com o Jornal Nacional, da TV Globo, o porteiro do condomínio de luxo do presidente no Rio de Janeiro afirmou, em depoimento à polícia, que um dos principais acusados de matar a vereadora do PSOL, o ex-PM Elcio Queiroz, buscou a casa de Bolsonaro no próprio dia do crime, em 14 de março de 2018. Queiroz solicitou a entrada no condomínio, foi autorizado a entrar por alguém na casa do então deputado federal que teria se identificado como "Seu Jair", mas acabou se dirigindo à propriedade de Ronnie Lessa, no mesmo local. Queiroz e Lessa, presos acusados pelo assassinato desde março deste ano, saíram momentos depois para cometer o crime, ainda segundo a polícia.

A reação de Bolsonaro foi quase imediata e deu à divulgação um status ainda mais explosivo. Da Arábia Saudita, onde está em visita oficial, o presidente apareceu no Facebook e, depois, em entrevista à TV Record, para negar qualquer envolvimento no caso, atacar a Globo, a quem acusou de querer desestabilizar seu Governo, e também seu ex-aliado, Wilson Witzel, governador e chefe da Polícia do Rio, a quem atribuiu o vazamento da informação a respeito do inquérito. Exaltado, e pedindo desculpas à audiência por seu estado, disse querer prestar depoimento ao delegado do caso assim que voltar ao Brasil, na quinta-feira. Disse ainda que não pedirá sigilo a respeito do que falar. "O porteiro é vítima de uma farsa", disse. No Facebook, o presidente encerrou suas declarações reclamando do trabalho das autoridades para elucidar o atentado a faca que sofreu, em setembro de 2018. Em nota, a TV Globo afirmou que "não fez patifaria nem canalhice". Também "lamenta que o presidente revele não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão o público brasileiro".

A citação do presidente nas investigações sobre a execução de Marielle, que avançam lentamente e não apontaram mandante, tem ingredientes para se tornar uma crise também política, além de um teste para a independência das instituições, desde as próprias polícias, incluindo a Federal, até o procurador-geral da República, Augusto Aras, que acaba de ser nomeado pelo presidente. A reportagem do programa da TV Globo afirma que os promotores do Rio de Janeiro, após a citação do nome do presidente, procuraram diretamente o presidente do Supremo, Antonio Dias Toffoli. Como trata-se do mandatário, que tem foro privilegiado, caberá a Toffoli definir se o caso irá ou não para a alçada da Corte.

Jornal Nacional deu ainda alguns detalhes sobre o depoimento do porteiro do condomínio de Bolsonaro. Apontou que ele tem ao menos uma aparente contradição: o funcionário diz ter falado, via interfone, com alguém que se identificou como "seu Jair", que não só autorizou a entrada, como disse saber a que casa Elcio Queiroz se dirigia naquela noite —a de Lessa, acusado de ter apertado o gatilho contra a vereadora. No entanto, segundo registro da Câmara dos Deputados e um vídeo gravado pelo próprio Bolsonaro na data, o então deputado federal estava em Brasília no dia do crime que chocou o Brasil. O telejornal disse ainda que a polícia ainda busca as gravações da guarita de segurança para corroborar a versão do porteiro e informou que, além do próprio presidente, o seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), também possui uma casa no complexo de luxo.

Outras citações ao clã Bolsonaro e Brazão

Não é a primeira vez que a família presidencial se vê envolvida no emaranhado ligado à investigação do assassinato de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes. Já era sabido que Ronnie Lessa, hoje preso penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, morava no mesmo condomínio de luxo dos Bolsonaro. Além disso, havia registro de uma imagem do mandatário no Facebook ao lado de Élcio Queiroz. Também apareceu como envolvido na execução o Escritório do Crime, um sofisticado grupo de extermínio que faz serviços para milicianos e contraventores. Um dos integrantes do Escritório, o ex-PM Adriano Nóbrega, foragido desde janeiro por conta das investigações, já foi homenageado por Flávio Bolsonaro quando estava preso por homicídio, em 2004, e possuía duas parentes lotadas no gabinete do então deputado estadual até o segundo semestre de 2018.

Antes das revelações do Jornal Nacional, o último grande desdobramento envolvendo o caso havia sido o surgimento do nome de Domingos Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e ex-líder do PMDB na Assembleia Legislativa do Estado. Em setembro, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que as investigações fossem federalizadas e um novo inquérito fosse aberto para identificar os mandantes do crime. Dodge denunciou formalmente Brazão por obstrução da Justiça, falsidade ideológica e favorecimento pessoal por tentar atrapalhar o trabalho da polícia para elucidar o assassinato. A denúncia de Dodge se baseou nas conclusões da Polícia Federal, que apontaram o conselheiro como o "principal suspeito de ser o autor intelectual dos assassinatos" de Marielle e de seu motorista. Brazão nega as acusações.

A citação do presidente Bolsonaro deve trazer ainda mais holofotes internacionais para a trama do assassinato da vereadora, que cruzou um limite inédito na história recente da violência política do Brasil, com a execução de uma liderança ascendente não nos rincões do país, mas no centro de sua segunda maior cidade, à época com a segurança controlada por militares. Se o crime comoveu políticos de vários matizes até no exterior, não arrancou do então candidato presidencial Bolsonaro, ou de qualquer de seus filhos, nenhuma condenação à época.