ricardo paes de barros

Míriam Leitão: Redução de salário e mais recessão

Redução de jornada com corte de salário vai agravar a recessão. Governo e economistas dizem que a alternativa seria o fechamento das empresas

O Brasil aprofunda a recessão e os primeiros cálculos começaram a aparecer. Dependendo da dimensão da pandemia, pode ser a maior queda do PIB da nossa história. A proposta do governo sobre a redução dos salários produzirá uma diminuição forte na renda dos trabalhadores do mercado formal e, consequentemente, do consumo. Alguns economistas lembram que a alternativa seria o desemprego e que essa flexibilidade é a única saída.

É preciso, contudo, ver todo o impacto dessa proposta de redução da jornada de trabalho, porque a queda dos salários pode ser quase de 60%. Em simulações feitas por Alvaro Gribel e publicados ontem no blog, os cortes no salário de um trabalhador que recebe até três salários mínimos, R$ 3.135, podem ser de 10%, 21% ou 29%, dependendo do percentual acertado com o empregador. Ou seja, a parcela do seguro-desemprego não cobre a renda diminuída mesmo nos salários mais baixos. Para quem ganha R$ 10.000 pode ser de 20%, 40% ou 57%.

A grande pergunta é se haveria uma saída menos indolor. Ricardo Paes de Barros disse que a alternativa do desemprego é pior:

–Certamente não é o melhor cenário, mas perder as empresas, se elas falirem, pode ser pior. Se elas perderem o caixa e o capital produtivo e não conseguirem se manter, esses trabalhadores formais ficarão sem emprego.

O secretário Bruno Bianco, líder da equipe que desenhou o programa, diz que ele tem a vantagem de dar a estabilidade para quem entrar nele até passar o pior momento da crise. O trabalhador conserva o emprego e tem alguma renda.

– O que estamos fazendo é pagar parcelas do seguro-desemprego, para elevar o valor da hora trabalhada. O programa só pode ser feito por acordo individual até três salários mínimos porque nesse grupo a perda não será grande. Até dois tetos do INSS terá que ser através de acordo coletivo, o que já existe hoje.

Esse que é o ponto, na opinião do advogado Fabio Chong, sócio da área trabalhista do L.O. Baptista Advogados. Será que pode ser negociação individual? Ele chama atenção para a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que a Rede ingressou ontem no Supremo Tribunal Federal sobre as negociações individuais entre empresa e empregado. Segundo ele, a Constituição exige que seja por acordo coletivo, mas a dúvida é se o estado de calamidade permite essa mudança na regra via Medida Provisória.

– Uma das grandes novidades desta MP é poder fazer essa negociação individual. Fazer via sindicato é muito mais complicado para as empresas. Se o governo for obrigado a voltar atrás, a MP nesse aspecto perde a relevância, porque isso já é permitido via acordo coletivo – explicou.

Acima de R$ 12 mil, volta a ser negociação individual, mas o economista Bruno Ottoni, especialista em mercado de trabalho, acha que os trabalhadores com renda mais alta tendem a não ser atingidos pela redução da jornada, com perda salarial. Ele explica que são empregados mais qualificados, muitas vezes com cargos de confiança e que exercem posições mais valorizadas pelas empresas.

– É um trabalhador mais qualificado e mais raro no Brasil. As empresas tendem a tratá-lo de forma diferente. É mais difícil conseguir fazer uma reposição. Então não me preocupo muito com esse grupo. Em linhas gerais, gostei do programa – explicou.

O governo ressalta que vai gastar R$ 51 bilhões nesse benefício para o mercado formal e que não poderá gastar mais porque tem outras frentes mais urgentes, como a dos informais e mais vulneráveis cujo programa, ao ser ampliado no Congresso, passou a ter um custo de R$ 98 bilhões. Os diferimentos de impostos concedidos às empresas vão representar, segundo as contas do Tesouro, uma queda de arrecadação nos próximos meses de R$ 100 bilhões. Ontem, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, anunciou que o déficit primário deve ficar em 5,55% do PIB este ano. Mas eles ainda estão com a conta de que o PIB ficará em 0,02%, o que ninguém mais acredita. Ou seja, o número pode subir.

Isso não significa que a solução é sair para a rua já e retomar a atividade. Isso nos levaria ao colapso da saúde. A redução generalizada dos salários do mercado formal aprofundará a recessão. O governo deveria ter desenhado um programa que sustentasse o valor nominal pelo menos dos menores salários.