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Luiz Carlos Azedo: Meirelles, ma non troppo

“A indicação de Meirelles foi uma demonstração de força do presidente Michel Temer, dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e do presidente do MDB, senador Romero Jucá”

O MDB confirmou ontem a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles a presidente da República. É a mais poderosa agremiação política do país, pois reúne o presidente da República, quatro ministros, cinco governadores, três vice-governadores, 51 deputados federais, 18 senadores, 118 deputados estaduais, 1.049 prefeitos (quatro de capitais), 778 vice-prefeitos e 7.564 vereadores, além de 2,3 milhões de filiados. Herdeiro da resistência democrática ao regime militar, transformou-se de uma frente política pluralista de oposição numa confederação de caciques regionais, que nunca vacilaram em “cristianizar” os candidatos da legenda.

O termo é uma alusão ao candidato do PSD nas eleições de 1950, o ex-prefeito de Belo Horizonte Cristiano Machado, que foi rifado por seus correligionários, leais ao ex-presidente Getúlio Vargas, que se candidatou pelo PTB. A primeira vítima dos caciques do PMDB foi ninguém menos do que o grande líder da campanha das Diretas Já!, deputado Ulysses Guimarães, nas eleições de 1989. Foi traído pelo então governador de São Paulo, Orestes Quércia (PMDB), e outros líderes da legenda, tendo apenas 4,4% dos votos. O mesmo fenômeno se repetiu nas eleições de 1994, quando Quércia foi candidato e acabou “cristianizado” pelos correligionários, que derivaram para a candidatura de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Desde então, a legenda consolidou uma vocação parlamentar capaz de contingenciar qualquer governo, ao eleger a maior bancada do Senado e grande número de deputados. O MDB é uma força decisiva em qualquer votação importante no Congresso. A indicação de Meirelles foi uma demonstração de força do presidente Michel Temer, dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Energia) e do presidente da legenda, senador Romero Jucá (RR), contra dissidentes poderosos, como os senadores Renan Calheiros (AL) e Roberto Requião (PR). Foram 357 votos a favor da candidatura, 85% do total. Houve 56 votos contrários e seis em branco. Como o MDB não se coligou com ninguém nacionalmente, seus caciques estão à vontade para fazerem o que quiserem nas disputas regionais, como normalmente ocorre. Ou seja, vão de Meirelles, ma non troppo, como se diz em italiano.

Depois do fracasso de Quércia, é a primeira vez que a legenda lança um candidato. Meirelles se colocou como o nome mais confiável para conduzir o país: “A minha candidatura tem um objetivo principal: resgatar o espírito de confiança no Brasil”. Fez um contraponto aos demais candidatos: “O Brasil precisa de um messias, que se veste com uniforme de salvador da pátria? Não. Nem de um líder destemperado, tratando o país como se fosse seu latifúndio. E nem eternos candidatos a presidente”. O ex-ministro não definiu o vice na sua chapa; o nome mais citado é o da senadora Marta Suplicy (SP). E começa a campanha quase do zero, pois na pesquisa do Ibope/CNI divulgada ontem não chega a 1% de intenções de voto, mesmo patamar de Aldo Rebelo (SDD), Guilherme Afif (PSD), Guilherme Boulos (PSOL), Paulo Rabello de Castro (PSC), Rodrigo Maia (DEM) e Valéria Monteiro (PMN).

Coligações

Outro fato relevante da cena eleitoral foi a decisão do PV de se coligar com a candidata da Rede, Marina Silva. O ex-deputado Eduardo Jorge será o vice. É uma situação diametralmente oposta a de Meirelles, pois Marina é a candidata com menos recursos financeiros e tempo de televisão. A coligação com o PV foi uma boia de salvação para ex-senadora, que está com 13% nas pesquisas, atrás apenas de Jair Bolsonaro (PSL), com 17%. Quando Lula entra na disputa, ambos caem para 15% e 7%, respectivamente, o que faz de Marina a principal herdeira dos votos lulistas. Seu grande problema era conseguir uma legenda que ampliasse minimamente seu tempo de televisão, evitando um colapso eleitoral logo no início da campanha. Ou seja, pela terceira vez, Marina está firme na disputa por uma vaga no segundo turno.

Quem também avançou mais uma casa nas articulações políticas foi o candidato do PSDB, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que conseguiu que a senadora Ana Amélia (PP-RS) aceitasse o convite para ser vice na sua chapa. O reforço gaúcho mina as bases de Jair Bolsonaro e de Álvaro Dias (Podemos) no Sul, que haviam esvaziado a candidatura do tucano. A consolidação de um perfil mais conservador parece ser uma estratégia deliberada de campanha. Presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM), também era cotado para a vice, mas está mais interessado na reeleição, pois pretende permanecer à frente da Casa na próxima legislatura. Esse arranjo praticamente consolidou a frente ampla articulada por Alckmin, que está com 6% nas pesquisas, atrás de Ciro Gomes, que possui 8% de intenções de votos, quando Lula sai da disputa.

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Luiz Carlos Azedo: A hora do funil

Os candidatos de mentirinha estão saindo da disputa, como Flávio Rocha (PRB). Antes deles, com mais sucesso nas pesquisas, desistiram João Dória, Rodrigo Maia, Luciano Huck e Joaquim Barbosa

A 20 dias do final do prazo para registro de candidaturas, a realidade eleitoral se impõe aos pré-candidatos em todos os níveis. É um funil, do qual ninguém escapa, porque a campanha deixará de ser virtual para se tornar analógica a partir do horário eleitoral. A grande interrogação é o peso das redes sociais e da inércia da pré-campanha na disputa propriamente dita. É aí que veremos se a nossa democracia representativa é robusta o suficiente para impor a lógica dos partidos políticos, com suas coligações, ou será surpreendida, sobretudo nas eleições majoritárias, pela força dos movimentos que contestam o stablishment.

Os candidatos de mentirinha, como os outsider, estão saindo da disputa, como o dono das Lojas Riachuelo, Flávio Rocha (PRB). Antes deles, com mais sucesso nas pesquisas, despontaram e desistiram João Dória, Rodrigo Maia, Luciano Huck e Joaquim Barbosa. Ainda resistem Henrique Meirelles (PMDB), Afif Domingos (PSD) e Paulo Rabelo de Castro (PSC), mas também sofrem fortes pressões para que desistam. João Amoedo, do Novo, também não consegue emplacar. Os candidatos que estão na boca do funil são figuras carimbadas da política brasileira: Jair Bolsonaro (PSL), com, 19%; Marina Silva, com 15%; Ciro Gomes, com 12%; Geraldo Alckmin, com 7%; e Álvaro Dias, com 4% nas pesquisas de intenção de voto.

Entre esses nomes, será escolhido o novo presidente da República? Provavelmente, mas não se pode descartar o candidato do PT, que ainda está indefinido; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo estando preso e inelegível, aparece com 34% de intenções de voto nas pesquisas. Nove entre 10 petistas admitem que o candidato da legenda será o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, mas a candidatura de Lula está sendo mantida para ocupar espaços e favorecer os demais candidatos da legenda. Ninguém sabe qual será a sua real capacidade de transferência de votos da prisão, porém, até mesmo os adversários trabalham com a hipótese de enfrentar Haddad no segundo turno.

A tática petista merece contextualização: sustenta-se na dupla narrativa do “golpe” contra Dilma Rousseff, que foi afastada do poder com base na Constituição, e da vitimização de Lula, que está preso por receber vantagens indevidas na Presidência, mas é tratado pelos petistas como preso político. A manobra funcionou para tirar a militância petista da depressão moral e dotar o partido de um discurso contra a Operação Lava-Jato. Entretanto, ao apostar na desmoralização do Judiciário, essa tática tem um viés antidemocrático que remonta à velha dicotomia “justiça burguesa” versus “justiça popular”. Foi essa concepção “revolucionária” que justificou os processos de Moscou e o “paredón” da revolução cubana.

Voltemos ao funil: Bolsonaro e Marina Silva lideram a campanha porque estão no mano a mano com os demais candidatos nas redes sociais. Quando começar a campanha analógica, isto é, os programas e inserções na tevê aberta e no rádio, podem ser volatilizados, a não ser que consigam mais tempo de televisão por meio de coligações. Nesse aspecto, Bolsonaro leva certa vantagem em relação a Marina, porque há uma deriva conservadora em sua direção. Álvaro Dias (Podemos) está numa situação semelhante, com a desvantagem de não contar com a mesma força de inércia nas redes sociais. Restam Ciro Gomes e Alckmin, que disputam apoio dos partidos do chamado Centrão. O primeiro está levando vantagem na disputa pelo apoio do PSB e do DEM, porém, o ex-governador paulista já contaria com um quinto do tempo de televisão e de rádio graças à coligação do PSDB com outros partidos.

Balança
Haverá um duelo entre as redes sociais e as emissoras de tevê e rádio na campanha eleitoral, cujo resultado pode alterar completamente o cenário descrito acima com duas semanas de campanha eleitoral. Dificilmente teremos uma disputa entre Bolsonaro e Marina na reta final, a não ser que a ex-senadora saia do isolamento. O ex-capitão do Exército também não terá vida fácil. Tanto Alckmin como Ciro estão de olho nos seus votos e apostam na campanha analógica. Especialistas acreditam que haverá saturação de propaganda nas redes sociais, a começar pelo Facebook, que já está orientando os partidos sobre como proceder legalmente para “impulsionar” seus posts nas redes. Ou seja, propaganda paga.

Em tese, o cenário eleitoral é desfavorável aos políticos com mandato, que estão sendo responsabilizados nas redes sociais pela crise fiscal, a violência, a desagregação das famílias, a má qualidade dos serviços públicos etc. Os partidos estão com o filme queimado, mas a reforma política foi feita para fortalecê-los institucionalmente e salvar a elite política do ostracismo. Vamos ver quem vai passar pelo funil.

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Luiz Carlos Azedo: A rosa e a náusea

Lula está inelegível, todas as tentativas de desmoralizar o juiz federal Sérgio Moro fracassaram. Esse é um sinal de que nenhum político enrolado na Operação Lava-Jato estará acima das leis

“Um inseto cava / Cava sem alarme / Perfurando a terra / Sem achar escape / Que fazer, exausto / Em país bloqueado / Enlace de noite / Raiz e minério? / Eis que o labirinto / (oh razão, mistério) / Presto se desata: / Em verde, sozinha / Antieuclidiana / uma orquídea forma-se.” Esse poema de Carlos Drummond de Andrade se chama Áporo, faz parte da coletânea de poemas A Rosa do Povo, publicada em 1945. São poesias marcadas pela II Guerra Mundial e o Estado Novo, mas que transcendem àquele momento e ao lirismo social da época.

Na Rosa do Povo, o indivíduo aparece fragmentado, perturbado por seus dilemas pessoais, mas engajado nas questões sociais. Drummond também brinca com as palavras, pois áporo, que denomina um inseto, também é usado na filosofia e na matemática como um problema sem solução, uma espécie de beco sem saída. É uma espécie de continuação de outro poema, intitulado a Flor e a náusea: “Não, o tempo não chegou de completa justiça / O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera / O tempo pobre, o poeta pobre / Fundem-se no mesmo impasse / Em vão me tento explicar, os muros são surdos / Sob a pele das palavras há cifras e códigos / O sol consola os doentes e não os renova / As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase / Uma flor nasceu na rua!”

O voto da ministra Rosa Weber no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi como a flor que nasceu no asfalto. Todas as pressões políticas sobre o Supremo Tribunal Federal, desde a Páscoa, convergiram para ela, cuja posição parece uma esquizofrenia jurídica para o cidadão comum. A ministra é a favor do princípio de que a prisão deve obedecer ao chamado “transitado em julgado” nas quatro instâncias do Judiciário, porém, como existe uma jurisprudência determinando a execução imediata da pena após a condenação em segunda instância, desde 2016 (quando se firmou esse entendimento na Corte), tem rejeitado todos os habeas corpus nesses casos, fiel ao decidido pela maioria dos seus colegas. Assim, recusou o habeas corpus de Lula. Não aceitou a tese de que a decisão era de repercussão geral, ou seja, que discutia-se o princípio e não o caso específico, tese também rechaçada em plenário pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.

Foi um banho de água fria nos ministros liderados por Gilmar Mendes (que mudou seu posicionamento anterior), que esperavam a formação de uma nova maioria, contra a prisão de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com execução imediata da pena. Rosa Weber rechaçou a tese da defesa de que o Superior Tribunal de Justiça havia errado ao indeferir o pedido. Seguiu os votos dos ministros Edson Fachin, o relator, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e foi acompanhada por Luiz Lux, todos favoráveis à rejeição do habeas corpus. Gilmar Mendes havia proposto uma solução “intermediária”: a execução da pena se desse após condenação em terceira instância, ou seja, pelo STJ.

Lava-Jato
O ministro Dias Toffoli insistiu na tese de que a decisão deveria ter repercussão geral, mas já era voto vencido no julgamento; de igual maneira, Ricardo Lewandowski. Faltavam ainda votar os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, o decano da corte, ambos favoráveis ao habeas corpus. Havia hipótese de um pedido de vista, que interromperia novamente o julgamento, como tentavam articular os advogados de defesa, entre eles o ex-presidente da própria Corte Sepúlveda Pertence, o que não se concretizou. Ambos votaram a favor do habeas corpus. A tese de Toffoli era a mesma de Gilmar Mendes. Trocando em miúdos, a decisão da maioria do tribunal estava dependendo apenas do voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, que a defesa tentou embargar, sem sucesso. Cármen votou contra. Agora, a prisão de Lula é apenas uma questão de tempo. Sua defesa deve apresentar um novo recurso ao TRF-4. Somente após a rejeição desse recurso, o juiz federal Sérgio Moro, que condenou Lula na primeira instância da Justiça Federal, comunicada a decisão, poderá mandar a Polícia Federal prender o ex-presidente.

Lula está inelegível, todas as tentativas de desmoralizar o juiz federal Sérgio Moro fracassaram. Esse é um sinal de que nenhum político enrolado na Operação Lava-Jato estará acima das leis. “Façam completo silêncio, paralisem os negócios / Garanto que uma flor nasceu / Sua cor não se percebe / Suas pétalas não se abrem / Seu nome não está nos livros / É feia. Mas é realmente uma flor / Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde / E lentamente passo a mão nessa forma insegura / Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se / Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico / É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”.

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