RPD || Por que as três mutações diárias da Ômicron aterrorizam o mundo

O que se sabe da variante, não preocupa; o que não se sabe, sim. Especialistas ouvidos pela RPD online explicam o temor
Foto: Divulgação
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Reportagem Especial / Vanessa Aquino

Na última sexta-feira de novembro de 2021, na ensolarada África do Sul, uma sopinha de números e uma letra começavam a ser propagadas e agitavam o meio científico global: a B.1.1.529, nova variante do coronavírus, recém-descoberta, recebia de pronto a classificação de ‘preocupante’, por orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e seu grupo técnico consultivo sobre a evolução do vírus Sars-CoV-2. 

No Centro para Resposta Epidêmica e Inovação, em Stellenbosch, acabara de se constatar: o vírus estava em Botsuana, país de fronteira; e Johanesburgo e Pretória, na província de Gauteng. Então, os pesquisadores pularam a sequência do alfabeto grego e a batizaram de ômicron, a 15º letra – para evitar preconceitos e estigmatizações: as próximas deveriam ter sido Nu (facilmente confundido com novo, em inglês) e Xi, um sobrenome comum na Ásia. 

O diretor do departamento de vigilância das doenças transmissíveis do ministério da saúde, Júlio Croda, fala sobre o arenavírus, durante coletiva à imprensa

Mas não é o que sabe sobre a nova cepa que preocupa a ciência, governos e cidadãos: é o que não se sabe dela. Qual a eficácia das vacinas? Qual o grau de transmissão? E de letalidade? Vamos, então, ao que se sabe. A África do Sul é um país com número baixo de pessoas totalmente imunizadas (30%) – e se observa um aumento do número de casos e hospitalizações. “Não há dados realísticos da frequência da variante em vacinados e não vacinados”, explica o médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Júlio Croda. 

Ele diz que a maior preocupação, no momento, é entender se a ômicron consegue escapar do efeito das vacinas hoje disponíveis. O que se sabe: “Ela tem mais risco de infectar novamente uma pessoa que já foi previamente exposta ao vírus, oferece mais chance de reinfecção”, lembra Croda. Na África do Sul, já circulou a variante original, a beta, a delta e agora a ômicron. “A maior chance de reinfecção é o dado que mais chama a atenção”, detalha ele, que foi diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, na gestão de Luiz Henrique Mandetta. 

Como a variante ômicron é capaz de reinfectar pessoas previamente expostas, significa que quem já teve a infecção não está protegido. Mas será que isso acontece com vacinados também? “As informações que temos não garantem se essa nova variante terá algum impacto no que diz respeito a hospitalizações e óbitos”.  

Mas, reforça ele, se as vacinas continuarem protegendo, principalmente para hospitalizações e óbitos, o impacto da variante vai ser mínimo. Em locais com elevadas coberturas, segundo o infectologista, haverá aumento do número de casos, mas sem aumento importante de hospitalizações e mortes.  

O médico sanitarista e ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão defende que a prioridade para conter a variante é ampliar o acesso global à vacinação. “Quanto maior a cobertura vacinal global menor o risco do surgimento de novas variantes”, destaca. Para ele, outra medida importante é exigir o passaporte de vacinação, adotada em muitos países e na maior parte dos municípios brasileiros. “A exigência do passaporte para ter acesso a ambientes fechados, como shows ou eventos, funciona como uma barreira à ampliação da circulação viral e, principalmente, com caráter pedagógico de estímulo para que as pessoas se vacinem”. 

Temporão destaca que, no Brasil, a vacinação tem avançado graças ao trabalho dos municípios. “Já atingimos 65% de cobertura vacinal com duas doses, mas precisamos ampliá-la para termos mais segurança para todos”, diz. Segundo ele, a atuação do governo federal tem sido falha. “Estamos sem Ministério da Saúde desde abril do ano passado, assim como sem ministro – que engrossa a fileira dos médicos negacionistas que, desde o início da pandemia, tem contribuído para a ampliação do número de casos e de óbitos”, conclui. 

Férias fora do Brasil? Esqueça  

Fundador e ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico sanitarista Gonzalo Vecina avalia que a Anvisa tem cumprido o papel de fiscalizar aeroportos, alfândegas e migrações. No entanto, ele explica que a agência executa o que é determinado pelo Ministério da Saúde. “A Anvisa é um órgão de execução. Ela propõe o que acredita que deve ser feito, o Ministério da Saúde aprova e, só então, a agência executa”, explica.  

A recente reabertura das fronteiras dos principais destinos turísticos do mundo, muitos brasileiros começam a sonhar novamente com viagens para o exterior. Mas, entende Vecina, este ainda não é o momento para programar férias fora do país – especialmente para a Europa, onde a variante delta circula com intensidade e também pelo surgimento de casos já confirmados da variante ômicron.  

Dados coletados pela Reuters, segunda semana de dezembro, mostram que de cada 100 infecções relatadas por último em todo o mundo, mais de 50 o foram na Europa. A região está registrando 1 milhão de novas infecções a cada 2 dias aproximadamente, com 77,4 milhões desde o início da pandemia. 

Gonzalo Vecina avalia que a Anvisa tem cumprido o papel de fiscalizar aeroportos, alfândegas e migrações.  Foto: Reprodução/BandNews

Testagem no Brasil 

Quando a crise começou, em 2020, a capacidade de testagem no Brasil ainda era muito baixa. O teste mais importante na época era o teste molecular (RT-PCR) e o país tinha capacidade de realizar 5,6 mil testes/ dia. No início do segundo semestre houve uma importante expansão dessa capacidade de testagem, com 80 mil/ dia.  

No entanto, Vecina acredita que ainda é um número pequeno. “A Alemanha, com 1/3 da nossa população, tem uma capacidade de fazer 250 mil testes diariamente”, diz. Para ele, é fundamental testar. “É importante para isolar pessoas que sejam positivas, para que parem de infectar outras pessoas”, reforça. 

Mutações 

O médico Mário Roberto Dal Poz, ex-coordenador do programa Health Workforce Information and Governance, da Organização Mundial da Saúde (OMS), explica que as mutações de um vírus ocorrem porque ele “busca continuar existindo” e, quanto maior a frequência de transmissão, maior a probabilidade de aumentar o número de modificações. 

 “Em geral, boa parte de modificações em vírus é pequena adaptação para ele buscar sobreviver. Algumas mudanças tornam o vírus mais agressivo ou mais transmissível. Nesse caso específico, desenvolveu-se a vacina e ela inibe ou impede o aparecimento de casos graves ou eventualmente óbitos. Porém, não impede a transmissão.” 

Dal Poz diz que é sempre desafiador o surgimento de uma nova variante, porque é preciso observar o comportamento dela para saber qual o impacto de uma modificação específica. “É preciso olhar com atenção se ela vai ser mais agressiva, se vai se espalhar mais rapidamente. Esses são os elementos que estão na mesa”, analisa.  

Aparentemente, a variante ômicron se transmite  com maior rapidez. “Talvez isso ocorra porque onde ela está andando mais rapidamente é em grupos de população que têm taxas de cobertura vacinal menor, como é o caso da África do Sul e de alguns países da Europa com seus bolsões de não vacinados”, considera. 

Para ele, é possível reduzir o aparecimento de novas variantes com a vacinação. “Quanto maior a cobertura vacinal, menos chance de aparecimento de novas variantes. Não é 100% obviamente, mas essa é a equação. Porque a cobertura vacinal reduz a chance de que o vírus fique solto, de forma selvagem”, explica Mario Dal Poz.  

Mario Dal Poz: “Quanto maior a cobertura vacinal, menos chance de aparecimento de novas variantes. Não é 100% obviamente, mas essa é a equação. Porque a cobertura vacinal reduz a chance de que o vírus fique solto, de forma selvagem”. Foto: IEA/USP

O que fazer 

Para conter a propagação da variante, é importante manter medidas individuais de proteção, como o uso de máscaras, distanciamento e evitar aglomerações. “A máscara funciona para qualquer variante”, reforça Croda.  

Além disso, é importante avançar na vacinação. É fundamental completar o esquema com as duas doses e a dose de reforço, principalmente em pessoas idosas e imunossuprimidas. Detalhe: somente 34% dos idosos receberam dose de reforço e, como o Ministério da Saúde anunciou há meses, a maioria dos idosos está apta para receber a dose de reforço. 

Gonzalo Vecina também cobra que não se devam abrandar as medidas de restrições. “Eventos de massa são extremamente perigosos”, diz. Ele admite que até dá para ir num bar, restaurante, peça de teatro ou cinema. “Tudo de máscara. Mais do que isso, ainda não é hora de fazer”.  


Saiba mais sobre a autora
Vanessa Aquino
é graduada em jornalismo e especialista em ciência política. Produziu conteúdo para o jornal Correio Braziliense, Revista Encontro, Jornal de Brasília e para o portal Poder 360. Atuou como consultora de comunicação na Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e assessora de imprensa no Ministério da Saúde e Caixa Econômica Federal.

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