RPD || Jorge Jatobá: Autonomia do Banco Central – Questões e fundamentos

Lei estabelece que o Banco Central passa a se classificar como autarquia de natureza especial caracterizada pela "ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica".
Foto: Divulgação/Banco Central
Foto: Divulgação/Banco Central

Lei estabelece que o Banco Central passa a se classificar como autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”

Datam dos anos 90 as primeiras iniciativas para tornar o Banco Central (BACEN) brasileiro independente. Isso gerou resistências e controvérsias, especialmente entre pessoas e instituições à esquerda do espectro político. O tema foi ideologizado e demonizado como sendo uma proposta “neoliberal,” seja lá o que isso signifique, ou por atender apenas aos interesses do sistema financeiro. Essa reação atrasou por três décadas a instituição de um banco central autônomo no país. Coube ao Governo Bolsonaro assinar a Lei que o tornou independente.  Enfim, por que isso se fez necessário?   

Antes, precisamos entender as funções do banco central.  É o banco dos bancos, emite moeda, calibra a liquidez do sistema bancário ao definir a relação encaixe/depósito (percentual de novos depósitos que podem ficar disponíveis para empréstimo pelos bancos comerciais), define a taxa básica de juros (SELIC) da economia por meio do Conselho de Política Monetária (COPOM) e regula o funcionamento dos sistemas bancário e financeiro. Nos EUA e na União Europeia, desde a crise de 2008 até agora, os bancos centrais compram títulos da dívida pública e privada, aumentando a liquidez (quantitative easing) e financiando despesas de governos e famílias. Ou seja, têm assumido, mais recentemente, funções parafiscais. 

Todavia, a grande missão do banco central é garantir a estabilidade de preços. É o xerife da inflação, e sua arma para evitar que ela saia de controle é a taxa de juros. O BACEN é o grande operador do sistema de metas de inflação, adotado pelo Brasil desde 1999, onde se define o centro da meta para um ano e um intervalo de variação em torno da qual ela pode flutuar. Em 2021, o centro da meta é de 3,75% com o piso em 2,25% e o teto em 5,25%, uma amplitude de 3,0% (-1,5% a + 1,5%), sendo a inflação medida no acumulado de 12 meses. 

O banco central tem um enorme poder como executor da política monetária. Este poder tem de ser usado para manter a estabilidade de preços. Inflação descontrolada é uma tragédia para a economia e para a sociedade. Uma hiperinflação destrói o sistema de preços, cria desabastecimento, jogando milhões à pobreza e à revolta social, com consequências políticas imprevisíveis. Entre 1921 e 1923, a Alemanha foi assolada por hiperinflação devastadora (29.500 % ao mês), alimentada por gastos públicos sem controle financiados por emissão de moeda de um banco central subalterno.  Esse evento foi fundamental para que economistas e governantes clamassem por um banco central independente. O Bundesbank foi o primeiro banco central a se tornar autônomo, resultando como um dos mais sérios e respeitados do mundo. 

Se a instituição do Banco Central tem tanto poder, por que não mantê-lo sob controle?  A história nos ensina que um banco central sem autonomia poderia sofrer fortes pressões do Presidente de plantão para financiar gastos públicos via emissão de moeda ou quantitative easing ou para baixar a taxa de juros artificialmente em desalinho com que a macroeconomia ditaria ser a taxa de juros de equilíbrio. Poderia também ser instado a intervir de forma mais agressiva do que o faz, eventualmente, para evitar desvalorizações sucessivas do real perante o dólar, desestabilizando a taxa de cambio e comprometendo reservas em moedas estrangeiras. O banco central tem de ter credibilidade junto aos atores econômicos e ser capaz de ancorar, pela confiança que inspira no mercado, a inflação em torno do centro da meta. Um banco central sem credibilidade seria prejudicial à economia.  

Temos exemplo recente. Sob o Governo Dilma, o Presidente do BACEN perdeu credibilidade por ceder às pressões do Ministério da Fazenda para baixar artificialmente os juros. Os resultados nós conhecemos: inflação, desemprego e um impeachment por razões políticas, fundadas em más práticas fiscais. 

Um argumento contra a independência do banco central muito usado durante campanhas eleitorais  – de que sua autonomia, com mandatos para Presidente e Diretores, submeteria o interesse público aos do sistema financeiro – não tem apoio na experiência de dezenas de bancos centrais independentes ao redor do mundo. 

 Presidentes de bancos centrais têm de conhecer bem o funcionamento, os mecanismos e os meandros do sistema financeiro, quer seja egresso dos quadros da instituição, ou não. É o que ocorre no mundo inteiro. Além disso, o Presidente do BACEN tem autonomia, mas também é regulado e se, cometer crimes de responsabilidade, poderá perder o cargo, ouvido o Senado.  

Espera-se que, com a formalização em lei da independência do Banco Central, possamos ter também taxas de juros mais baixas em comparação com os padrões históricos. Maior confiança diminui riscos que se expressam em juros mais baixos. A política monetária exercida pelo banco central, em harmonia com a política fiscal, poderá também moderar os ciclos econômicos e reduzir o desemprego.   

*Jorge Jatobá é economista pela UFPE e mestre/doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt (EUA)

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