Ricardo Noblat: O Estado do Crime

Enquanto não se souber quem mandou matar a vereadora Marielle Franco, e por que, a prisão dos executores do assassinato de pouco adiantará para dar início ao que de fato importa – o eventual desmanche do Estado do Crime. Pois foi isso o que se tornou o Estado do Rio de Janeiro.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Por que mataram Marielle

Enquanto não se souber quem mandou matar a vereadora Marielle Franco, e por que, a prisão dos executores do assassinato de pouco adiantará para dar início ao que de fato importa – o eventual desmanche do Estado do Crime. Pois foi isso o que se tornou o Estado do Rio de Janeiro.

O Brasil é um dos países campeões do mundo em número de homicídios. São mais de 66 mil por ano. O crime organizado está espalhado por toda parte. Mas foi no Rio que as facções criminosas e os grupos paramilitares chamados de milícias capturaram o aparelho do Estado.

Não existe o Estado de um lado e o Estado do Crime do outro. Os dois são uma coisa só. Cerca de 2 milhões e meio de cariocas vivem em regiões onde a presença do Estado do Crime se faz sentir de maneira avassaladora, permanente e cruel. Mas os demais não estão a salvo de suas consequências.

Ali, o Estado de Direito foi praticamente abolido. Há segmentos dele que ainda sobrevivem, embora cada vez mais enfraquecidos, minados por dentro. A reconstrução do Estado de Direito cobraria muito tempo e um preço que talvez o país, e especialmente os cariocas, não estejam dispostos a pagar.

É o que ouço há anos de autoridades federais da área de segurança pública. É o que a sucessão dos fatos parece demonstrar. O esclarecimento da morte de Marielle, por si só, infelizmente não significará muita coisa. Tristes tempos, estes, que custarão a passar. Se é que, um dia, de fato passarão.

Bolsonaro quer saber quem mandou matá-lo

Eles contra nós

Ninguém escolhe os pais que tem, nem os filhos, quanto mais os vizinhos. Mas presidente da República, os habilitados a votar escolhem. E também seus representantes no parlamento.

Bolsonaro, que à época do assassinato da vereadora Marielle Franco preferiu nada comentar a respeito, ontem, provocado por jornalistas, abriu a boca para dizer platitudes e mais uma grossa besteira.

A besteira, e tomara que fosse apenas uma besteira: ele disse que está interessado em saber quem encomendou sua morte ao pedreiro Adélio Bispo que o esfaqueou em Juiz de Fora.

Do seu ministro da Justiça e da Segurança Pública, Bolsonaro já ouviu como resposta que Adélio agiu sozinho, por conta própria, e que o atentado não foi encomendado por ninguém.

Foi o que concluíram dois inquéritos da Polícia Federal que viraram pelo avesso o presente e o passado de Adélio. Peritos indicados pela Justiça atestaram também que Adélio é um doente mental.

A inconformidade de Bolsonaro com os resultados nada tem de inocente, nem trai apenas um justo sentimento de revolta com o que quase lhe custou a vida. Ele pode ser tosco, mas bobo, não.

Bolsonaro precisa manter viva a narrativa de que foi vítima de uma conspiração da esquerda, empenhada em evitar sua eleição. Se o PT inventou o nós contra eles, Bolsonaro inventou o eles contra nós.

Depende disso para manter sua tropa coesa. Depende disso para governar. Depende disso para se reeleger ou eleger o seu sucessor. Enfim, depende disso para não passar à história como uma fraude

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