Revista online | Por um programa para os batalhadores e um horizonte para o país

Estratégia nacional de desenvolvimento jamais poderá ser baseada em negócios muito pequenos
Segundo Caged, Brasil criou 196,9 mil empregos com carteira assinada em abril | Foto: Agência Brasil
Segundo Caged, Brasil criou 196,9 mil empregos com carteira assinada em abril | Foto: Agência Brasil

Carlos David Carneiro*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022) 

Em 2018, o Brasil elegeu presidente, como outsider, um deputado que, há décadas no Congresso Nacional, demonstrava ser grotesco em posicionamentos e, no mínimo, medíocre em termos de ideias. Um de seus possíveis méritos? Ter vocalizado, ainda que de modo difuso, as frustrações de setores da sociedade que aqui chamarei, acompanhando o sociólogo Jessé Souza, de “batalhadores”. Entender as frustrações deste segmento e dialogar com elas parece ser uma tarefa necessária para que o desastre de 2018 possa enfim ser superado. 

Mas de quem, afinal, está se falando? Com certa simplificação e afastamento do emprego original do termo, tratam-se das classes trabalhadoras brasileiras, com renda superior, no entanto, aos 25% mais pobres.  Em 2020, sob a coordenação da antropóloga Esther Solano e da cientista política Camila Rocha, a pesquisa “O conservadorismo e as questões sociais”, ajudou a destrinchar as visões de mundo de parte deste segmento (a moderadamente conservadora e residente em grandes metrópoles), oferecendo ao país informações valiosas para a compreensão das tarefas presentes. 

Entre as conclusões da pesquisa, que entrevistou em profundidade 120 batalhadores residentes em quatro metrópoles, apontou-se um sentimento recorrente, sobretudo entre os evangélicos, de “decadência social”, ligada à crise de valores como ordem e hierarquia. Foi constante, nessa chave, a preocupação com a “educação moral” das crianças e jovens.  

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A pesquisa também concluiu que há muita frustração e revolta com a violência, o que levaria a um sentimento de perda do espaço público e insegurança mesmo no âmbito privado. Em relação ao poder público, haveria, segundo as autoras, sentimentos de abandono, “de inutilidade, descartabilidade, vulnerabilidade e insegurança”. 

No plano do trabalho, as autoras identificaram uma relação ambivalente dos batalhadores com o “empreendedorismo”. Entre os mais jovens e mais estáveis, este aparece como forma de complementar a renda, e/ou mesmo de trabalhar de forma flexível e sem patrões. Já para as pessoas mais pobres, o “empreendedorismo popular” seria “uma forma de sobrevivência para a qual se é empurrado por uma situação econômica muito ruim”. 

Descontadas as ideologias presentes nos discursos, tratam-se de demandas justas e, muitas vezes, necessárias. Ocorre que hoje há uma certa dificuldade do que se chama de “esquerda”, em dialogar com elas. Se, de um lado, um certo economicismo tende a subsumir as frustrações a uma questão de “crise econômica”, por outro, certas referências intelectuais têm dificultado que a imaginação programática se volte aos anseios dos batalhadores. Comecemos pelo segundo ponto. 

A “crítica”, como amálgama de uma pletora de ferramentas intelectuais, parece ter tornado seu próprio exercício no “horizonte último” das possibilidades políticas. Se esse tipo de expediente confere alguma vantagem em termos de “não se deixar enganar”, as contradições encontradas na sociedade deixam de ser vistas como produtivas e a moralidade imanente ao tecido social deixa de ser fonte de energia transformadora para se tornar apenas fonte inesgotável de autoengano. 

Quanto ao economicismo, certamente um ponto central de enfrentamento ao “mal-estar” dos batalhadores, assim como ponto central de um projeto nacional, consiste em desenvolver uma economia de alta produtividade e ocupações de qualidade. É preciso, no entanto, situar este projeto no tempo. Mesmo se hoje fizermos tudo o que precisa ser feito e, em alguns setores, inclusive por conta disso, ainda teremos, durante anos, amplos contingentes da população excluídos do trabalho de ponta. Nesse sentido, a convivência com a realidade do “empreendedorismo”, desejado ou por necessidade, será duradoura, queiramos ou não. 

O que fazer? Apesar de resgatar linhas de crédito e pautar a questão do endividamento sejam bons começos, já sinalizados pelo novo Governo Lula, é preciso ir muito mais além. É preciso pensar em um Estado para os batalhadores.  Certamente, uma estratégia nacional de desenvolvimento jamais poderá ser baseada em negócios muito pequenos. Mas é possível pensar em formas permanentes de capacitação de batalhadores e organização de seus negócios, seja na condição de programas sociais ou como estratégia complementar de desenvolvimento. 

O encontro entre velhas e novas ferramentas, como o fomento ao cooperativismo (e agora o de plataforma), organização de hubs tecnológicos periféricos, escritórios de auxílio a pequenos negócios (como Sebraes flexíveis) e organizações de redes de negócios são alguns dos caminhos possíveis, ainda que longe de serem os únicos. 

Também, para além do economicismo, considerando a já mencionada autonomia, ao menos relativa, das diversas esferas da vida em sociedade, é preciso levar a sério as experiências de humilhação, descarte e insegurança dos batalhadores. Nesse sentido, é preciso avançar na consolidação dos sistemas de proteção, expandir a transferência de renda para jovens com a condicionante de conclusão do ensino médio e repensar a transição da escola para o mundo do trabalho. Na segurança, não é possível perder mais tempo. Um caminho de combate efetivo aos homicídios, por exemplo, já foi dado por experiências estaduais exitosas baseadas em políticas integradas em territorializadas. 

Confira, a seguir, galeria:

Promulgada lei que simplifica regras trabalhistas em novas calamidades | Foto: Agência Brasil
Brasil teve 2º melhor desempenho em empreendedorismo em 2018 | Foto: Agência Brasil
Impacto da pandemia causou maior desemprego para  jovens, diz Ipea | Foto: Agência Brasil
Manifestantes do MST entram em confronto com PM na Praça dos Três Poderes | Foto: Agência Brasil
Protesto em Brasília lembra Marielle e critica reforma trabalhista | Foto: Agência Brasil
Promulgada lei que simplifica regras trabalhistas em novas calamidades | Foto: Agência Brasil
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Promulgada lei que simplifica regras trabalhistas em novas calamidades | Foto: Agência Brasil
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Manifestantes do MST entram em confronto com PM na Praça dos Três Poderes | Foto: Agência Brasil
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Por fim, no plano cultural, é preciso acabar com os preconceitos em relação a uma “política dos valores”. Afinal, não se luta pelo que não se ama e nem se comunga quando nada se tem em comum. Muitas são as formas de promover, encarando tensões e diferenças como contradições produtivas, a ideia de um destino e de uma brasilidade comuns. Aliás, um pouco mais de apreço à tradição histórica dos oprimidos, seus partidos e movimentos seria o suficiente para nos curar do veneno da iconoclastia neste campo.

É possível, assim, dialogar com o espírito dos batalhadores sem se prostrar a ele. Se fechar a este diálogo, por outro lado, é continuar dançando na beira do abismo, em um momento no qual não temos mais o direito de errar. 

Sobre o autor

*Carlos David Carneiro é doutor em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), consultor legislativo da Câmara dos Deputados e foi pesquisador visitante na Harvard Law School.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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