O terrorismo destrói ou desperta

Nos últimos quatro anos, Bolsonaro e Ibaneis eram irmãos políticos
Policiais reprimem terroristas que invadiram o Congresso Nacional | Foto: reprodução/Metrópoles
Policiais reprimem terroristas que invadiram o Congresso Nacional | Foto: reprodução/Metrópoles

Cristovam Buarque*/Metrópoles

Ao decretarem a autonomia política do DF, os constituintes de 1988 sabiam da contradição e riscos do governador eleito comandar a segurança das instituições republicanas. Previa-se a possibilidade de um governador ser incompetente para manter a ordem e a paz na capital do país, ou fazer oposição, tratando o presidente e seu governo como reféns do governo local. Em 1994 o problema aflorou quando segundo governador eleito do DF era do PT e o presidente era do PSDB. Consciente dos riscos na segurança, quando eleito governador fui ao presidente Fernando Henrique Cardoso e pedi que ele indicasse o secretário de segurança. Combinava assim a autonomia, o governador nomearia, dividindo a responsabilidade pela segurança ao ter o secretário indicado pelo presidente. Ele indicou o General Serra, que foi a ponte entre os dois níveis de governo no que se referia à segurança na capital da república.

Desde então não houve riscos, porque presidentes e governadores foram aliados politicamente ou responsáveis gerencialmente.

Nos últimos quatro anos, Bolsonaro e Ibaneis eram irmãos políticos, ao ponto de manterem o Delegado Anderson Torres trocando de cargos entre um e outro nível de governo: ora como secretário, ora como ministro. Esta situação muda quando Lula é eleito para presidente, ao mesmo tempo que Ibaneis se reelege para governador. Estava claro que o temor dos constituintes poderia se transformar em crise, devido ao conflito em algum momento entre os dois níveis de governo. Sobretudo diante da radicalização do ativismo golpista dos bolsonaristas, acampados em frente aos quartéis, pedindo intervenção militar para destituir o presidente eleito.

Lamentavelmente, em vez de procurar o governo federal e instituir uma convivência responsável pela segurança da república, o governador Ibaneis preferiu o caminho inverso e por razões ainda não conhecida, preferiu entregar a secretaria ao ex-presidente Bolsonaro, ma pessoa do ainda ministro da justiça Anderson Torres. Colocou para cuidar da segurança da república um político ligado aos golpistas que ameaçavam as instituições.

Em qualquer momento, seria temerário um governador e um secretario de oposição ao presidente, ainda pior, em momento de efervescência radicalizada na politica, com milhares de pessoas ocupando a frente dos quartéis pedindo intervenção militar para destituir o presidente eleito.

Não se sabia a dimensão, as características, nem o momento, mas eram previsíveis grandes manifestações golpistas com a promoção, o apoio ou a omissão do governador e seu secretário de segurança. Difícil imaginar o tamanho do vandalismo, mas perfeitamente previsível a ocorrência do terrorismo. Por isto, o Brasil precisa tomar medidas que impeçam a repetição de fatos como este.

Imediatamente, é preciso impedir o governador de continuar por longos quatro anos como o zelador da segurança na capital da república. Ele demonstrou sua opçâo e è culpado por ter escolhido um secretário de segurança claramente golpista, por ter feito parte ou ter sido incompetente ou omisso ao longo de todo processo que levou ao terrorismo de hoje, cujas consequências poderiam ter sido um golpe vitorioso.

Também imediatamente é preciso punir com rigor todos os participantes diretos por esta tentativa de golpe. A democracia paga até hoje alto preço por ter fechado os olhos aos crimes da ditadura. Os países que julgaram os criminosos, não sofrem riscos de golpe militar, além de terem suas forças armadas separadas dos militares responsáveis diretos pela tortura. Foi um erro perdoar os torturadores, mas a anistia deles teve a explicação no pacto pela democracia. Agora não há justificativa. Esperemos que a Justiça cumpra seu papel, lugar de golpistas é na cadeia.

Também imediatamente, a justiça precisa pedir a extradição de Bolsonaro e Anderson, com o argumento da conivência deles em atos terroristas. Nenhum país é mais sensível contra o terrorismo do que os EUA tanto pela lembrança de Bin Laden, quanto pela invasão Capitólio. Eles não vão querer dar cobertura a terroristas brasileiros.

No longo prazo, precisamos enfrentar os riscos na relação entre governo do do Distrito Federal e Governo Federal. Ao longo das décadas adiante novos governadores poderão querer enfrentar presidentes. Não será impossível um governador ainda pior do omisso e leniente: líder do golpe, usando a polícia para cercar Supremo, Congresso e Executivo, prender os dirigentes nacionais em articulação nacional para destituir os eleitos. Os congressistas, inclusive os oito representantes do DF, precisam superar a lacuna constitucional que deixa a segurança da capital da república nas mãos do governo e da polícia locais. Nem a União, nem a Autonomia do Distrito Federal devem ser reféns deste vazio constitucional. Por 32 anos elegemos governadores que souberam se comportar zelando pela DF mas consciente da responsabilidade de governar a capital da república: com a autonomia cidadã dos brasilienses, cuidando da segurança da capital de todos brasileiros. Os fatos de hoje mostram que a democracia nacional não pode depender da democracia local, elas têm de combinar. Se esta combinação não acontecer, em algum momento a autonomia dos eleitores locais morrerá, para salvar a vontade dos eleitores nacionais.

Hoje tivemos uma crise que nos despertou, não a desperdicemos.

Texto publicado originalmente no Metrópoles.

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