O principal e o acessório nas políticas públicas

Foto: Agência Brasil
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Marcus Pestana / O Tempo

O Brasil cultiva a péssima tradição de descontinuidade das políticas públicas. Há uma enorme confusão entre políticas de Estado e políticas de governo. É como se cada governo eleito tivesse que começar tudo da estaca zero. Há conquistas que são permanentes, ações lançadas que se perenizam.

Construir programas sólidos e consistentes é extremamente difícil. Destruir é possível num estalar de dedos. Nenhum governo ou partido tem o monopólio das boas intenções.

O Bolsa Família, por exemplo, tem suas raízes no governo FHC através do Bolsa Escola, do Bolsa Alimentação, do Vale Gás, do Benefício de Prestação Continuada e da política de valorização do salário mínimo. O Governo Lula agrupou grande parte desses programas sob o guarda-chuva do Bolsa Família e da continuidade de outras ações. Agora, o Governo Bolsonaro anuncia um aprimoramento desta política de Estado através do chamado Auxílio Brasil. Que mal a nisso? Será que é preciso para se firmar politicamente destruir a memória das ações anteriores? Nada disso.

Na questão ambiental e das mudanças climáticas é a mesma coisa. Ainda no Governo Collor, o Brasil reivindicou protagonismo global ao realizar a Rio-92. O Governo FHC ergueu um dos mais competentes e qualificados marcos legais em busca do desenvolvimento sustentável. Os Governos Lula, Dilma e Michel Temer aprofundaram este esforço. É uma pena que, no momento em que a ONU lança um alerta máximo quanto ao aquecimento global, o Brasil se perca em polêmicas inúteis e promova retrocessos e descontinuidades.

O SUS, uma política de Estado fundamental, realçada pela pandemia, teve os seus pilares constitucionais lançados no Governo Sarney e na Constituinte de 1986. O Governo Collor avançou na desmobilização do velho INAMPS e sancionou a Lei Orgânica da Saúde. O Governo Itamar Franco criou o Programa Saúde da Família e o repasse fundo a fundo. O Governo FHC consolidou definitivamente o SUS, expandiu o PSF, estabeleceu um vitorioso programa contra a AIDs, lançou os medicamentos genéricos, criou o Piso da Atenção Básica, criou a ANVISA e a ANS, e estabeleceu a Lei dos Planos de Saúde. O Governo Lula lançou o SAMU, a Farmácia Popular, o Brasil Sorridente, os Núcleos de Apoio à Saúde da Família e as UPAs. O Governo Dilma desencadeou a Rede Cegonha, a regulamentação da vinculação de recursos e o polêmico programa Mais Médicos. O Governo Bolsonaro se concentrou no combate à pandemia, com todas as polêmicas envolvidas. Mas o SUS permanece de pé.

A responsabilidade fiscal tem suas raízes no Plano Real, do Governo FHC, que foi aprofundado com a LRF, a privatização de bancos estaduais, o PROER, a renegociação das dívidas de estados e municípios. Lula deu continuidade ao tripé macroeconômico do Plano Real, com Meireles e Palocci à frente. Dilma fez uma perigosa inflexão a caminho da descontinuidade e provocou a maior recessão da história. Michel Temer recuperou o fio da meada e patrocinou a Lei do Teto de Gastos e encaminhou as reformas necessárias. No Governo Bolsonaro aprovamos a Reforma da Previdência. Agora, interrogações povoam o horizonte, mas creio que não haverá desvio de rota.

Ou seja, os governos passam e o Brasil é permanente. A inovação é sempre bem-vinda, mas para impor novas linhas de ação não é preciso destruir o passado, no que ele tem de bom.            

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Fonte: O Tempo
https://www.otempo.com.br/politica/marcus-pestana/subscription-required-7.5927739?aId=1.2526935

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