O Globo: Novo presidente da Vale terá o desafio de recuperar confiança do mercado na empresa

Com saída de Fabio Schvartsman após tragédia de Brumadinho, Eduardo Bartolomeo terá de reorganizar a operação.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Com saída de Fabio Schvartsman após tragédia de Brumadinho, Eduardo Bartolomeo terá de reorganizar a operação

Rennan Setti e Glauce Cavalcanti, de O Globo

RIO — A saída do presidente da Vale, Fabio Schvartsman, e de mais três diretores da companhia — que passa por seu momento mais difícil depois do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, que fez mais de 300 vítimas, entre mortos e desaparecidos — pegou de surpresa analistas que acompanham a empresa. A gestão financeira de Schvartsman era elogiada pelo mercado e as medidas adotadas pelo executivo após a tragédia eram vistas como adequadas pelo Conselho de Administração. Se, por um lado, o afastamento dele pode ser visto como uma boa estratégia de redução de riscos, com a Vale evitando atritos com o Ministério Público, por outro há o temor de que a troca de parte da diretoria, em plena crise, crie ruídos na gestão e dificulte a volta à normalidade da mineradora.

A troca de comando representará mais um teste para a mineradora no mercado financeiro. Não há pregão no Brasil nesta segunda-feira por causa do carnaval, mas analistas avaliam que haverá impacto nos papéis da Vale negociados no exterior, como na Bolsa de Nova York. Schvartsman havia assumido a Vale em 2017 com o lema “Mariana nunca mais”, numa referência ao rompimento da barragem da Samarco (da qual a Vale é sócia) naquela cidade mineira, em 2015. Acabou tragado por uma tragédia similar, mas com mais vítimas.

Caberá ao novo presidente interino, Eduardo de Salles Bartolomeo , que até sábado respondia pela diretoria de Metais Básicos, lidar não apenas com a gestão da crise aberta por Brumadinho, mas também reorganizar a operação com a paralisação de outras unidades de produção em Minas. Ele terá ainda de atuar na recuperação da credibilidade da mineradora no mercado, que já perdeu o grau de investimento — espécie de selo de bom pagador — concedido pela agência de classificação de risco Moody’s. Para analistas, o rebaixamento pode ser acompanhado pelas concorrentes Fitch e S&P, o que pode levar investidores institucionais, sobretudo estrangeiros, a ter de vender as ações. Desde a tragédia, em 25 de janeiro, a Vale já perdeu quase R$ 50 bilhões em valor de mercado.

Ações judiciais e medidas prudenciais levaram a Vale a reduzir em 70 milhões de toneladas sua produção anual de minério de ferro, 17,5% dos 400 milhões de toneladas estimados para 2019. Por outro lado, a alta do preço da commodity beneficia a empresa.

Bartolomeo foi anunciado como novo presidente na noite de sábado, após o Conselho da Vale aprovar o pedido de afastamento temporário de Schvartsman e dos diretores executivos Gerd Peter Poppinga (Ferrosos e Carvão), Lucio Cavalli (Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão) e Silmar Silva (Operações do Corredor Sudeste). O afastamento foi recomendado por integrantes da força-tarefa que investiga o rompimento da barragem de Brumadinho, integrada pelo Ministério Público Federal e o de Minas, além das polícias Federal e Civil mineira. Em comunicado ao Conselho, as autoridades recomendaram ainda o afastamento de outros dez executivos e funcionários da Vale, o que, segundo a empresa, será analisado no prazo de dez dias estipulado no documento.

Preocupação no exterior
Ainda no fim de semana, investidores e analistas no exterior levantaram dúvidas sobre a mudança no comando da Vale, destacando que Bartolomeo é pouco conhecido nos mercados, diferentemente de Schvartsman, cuja gestão financeira vinha sendo aprovada pelo mercado antes do desastre. O novo presidente é visto como um executivo mais focado na operação, embora pese a seu favor a experiência no ramo.

Engenheiro, ele está em sua segunda passagem pela Vale. Na primeira, entre 2004 e 2012, dirigiu o Departamento de Operações Logísticas e chegou à diretoria executiva. Depois foi presidente do grupo de hotelaria BHG e da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), rede de gasodutos vendida pela Petrobras a consórcio liderado pela Brookfield. Também tem no currículo uma passagem pela Ambev. Voltou à Vale em 2017 como conselheiro indicado pelo BNDES, quando chegou a ser cogitado para a sucessão do então presidente da empresa, Murilo Ferreira. Com a escolha de Schvarstman, foi escalado para a diretoria de Metais Básicos, baseado no Canadá.

— Minha preocupação é que dispensar esses altos executivos deixe a companhia sem comando ou com menor experiência em liderança e isso acabe contribuindo para aumentar a crise — disse à agência Reuters John Tumazos, da John Tumazos Very Independent Research, consultoria do setor de mineração nos EUA.

‘Perda relevante’
Um analista de banco de investimentos, que não quis se identificar, disse que muitos clientes entraram em contato demonstrando preocupação. Ele qualificou a mudança na diretoria como uma “perda relevante” para a Vale dado o “alto calibre e proximidade dos mercados” de Schvartsman.

No Brasil, Pedro Galdi, da Mirae Asset corretora, diz ser natural a apreensão de investidores no exterior, o que, na visão dele, deve se repetir na reabertura da Bolsa brasileira, na tarde de quarta-feira.

— É mais uma trovoada na nuvem negra que paira sobre a Vale. Quando há uma tragédia como essa, não tem jeito, a liderança precisa se afastar. Mas são o presidente e mais três executivos de alto escalão se afastando. Não é nada trivial e não vai passar despercebido — afirmou Galdi. — A tendência é que se trate de ajuste pontual, já que o papel já havia sofrido muito desde Brumadinho.

Para Adeodato Volpi Netto, da Eleven Financial, o afastamento dos executivos pode ter dois efeitos distintos no mercado: a postura colaborativa com as autoridades pode ser vista como positiva. Porém, o afastamento pode ser interpretado como sinal de problemas na governança da Vale.

— O mercado pode entender a mudança como gestão de risco, evitando criar resistência no Ministério Público em negociar com aqueles que, em teoria, estariam mais envolvidos com a situação do acidente — diz o analista. — Bartolomeo e os executivos que assumem cargos interinamente são qualificados e não trazem comprometimento técnico às áreas. Em tese, deveria ter impacto neutro ou até positivo aos papéis, mas é assunto tão sensível que fica difícil prever.

Conselho decide agir rápido
Assim que recebeu a recomendação da força-tarefa de Brumadinho para afastar Fabio Schvarstman, na sexta-feira, o Conselho da Vale resolveu agir rápido. Segundo uma fonte, embora estivessem avaliando bem a condução da crise pelo executivo, os conselheiros logo concordaram que deveriam afastá-lo, com os outros diretores, para evitar qualquer rota de colisão com as autoridades. Isso precipitou a carta em que Schvarstman pede afastamento temporário e manifesta “absoluta convicção da retidão de minha conduta.”

Embora o estatuto social da Vale determine que, em caso de afastamento do presidente, o comando da Vale deve ficar com o diretor executivo de Finanças — cargo ocupado por Luciano Siani desde 2012 — Bartolomeo foi escolhido pelos conselheiros porque já havia um plano de sucessão definido com o nome dele para o caso de uma crise como essa.

Apesar de interino, Bartolomeo terá “carta branca” do Conselho, disse uma fonte, como forma de mitigar possíveis dúvidas do mercado sobre a gestão. Uma possível efetivação dele, no entanto, só deverá ser definida em abril, quando uma assembleia de acionistas renovará o Conselho.

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