Nas entrelinhas: Werneck Vianna, intérprete do Brasil contemporâneo

Difusor do pensamento gramsciano no Brasil, produziu ensaios que servem de referência para o estudo do liberalismo, do Judiciário e da nossa modernização conservadora
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Luiz Carlos Azedo/Entrelinhas/Correio Braziliense

O sociólogo carioca Luiz Jorge Werneck Vianna faleceu, nesta quarta-feira, aos 85 anos. Fez parte de uma geração de artistas e intelectuais que formou o pensamento crítico da esquerda brasileira nas décadas de 1960, 1970 e 1980, entre os quais, destacam-se Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro, Walter Lima Jr., Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Ferreira Gullar, Leon Amoedo, Tereza Aragão, Zuenir Ventura, Milton Temer, Norma Pereira Rego, Leandro Konder, Darwin Brandão, Marilia Kranz, Ziraldo, Jaguar, Albino Pinheiro, Ferdy Carneiro, Hélio Oiticica e Hugo Bidet, Hugo Carvana, Paulo Góes, Vergara, Carlinhos Oliveira, Zózimo Amaral, Tom Jobim, Carlos Lira, Vinicius do Moraes e Oduvaldo Viana Filho.

Residentes no Rio de Janeiro, em sua maioria, formavam a chamada República de Ipanema. Apesar da influência do antigo PCB no meio cultural carioca, muitos não eram comunistas e tinham profundas divergências com os militantes do setor cultural do velho Partidão, do qual Werneck fez parte. Com raízes familiares na aristocracia cafeeira fluminense, Werneck Vianna foi criado em Ipanema e estudou nos melhores colégios da Zona Sul carioca, mas teve trajetória rebelde, influenciado por autores como Monteiro Lobato, Eça de Queiroz, Fiódor Dostoiévski e Miguel de Cervantes.

Em 1958, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara (atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Uerj), concluindo o curso em 1962. Em 1967, graduou-se em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e, dois anos após, ingressou na primeira turma de mestrado do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Sua trajetória acadêmica, porém, foi interrompida na década de 1970, por cinco inquéritos policiais-militares, que o levaram a se exilar no Chile.

Retornou do exílio um ano após. Ao chegar, foi detido por seis meses. Acolhido em São Paulo por Francisco Weffort, seu orientador no doutorado em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), começou a trabalhar no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), fundado em 1969, com financiamento da Fundação Ford, por professores da Universidade de São Paulo (USP) afastados pelo regime militar, entre os quais, Boris Fausto, Elza Berquó, Fernando Henrique Cardoso, Francisco de Oliveira, José Arthur Giannotti, Octavio Ianni, Paul Singer e Roberto Schwarz.

Em 1974, com outros intelectuais que estudavam O Capital, de Karl Marx, como Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, foi aluno de Anastacio Mansilla na Escola de Quadros do PCUS. No mesmo ano, de volta ao Brasil, foi um dos redatores do programa político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 1975, fugindo da repressão ao PCB em São Paulo, retornou ao Rio de Janeiro e, escondido na casa do dramaturgo Paulo Pontes, companheiro da época de CPC, escreveu sua tese de doutorado: Liberalismo e sindicato no Brasil (Paz e Terra, 1976).

Modernização autoritária

Por três décadas, Werneck foi professor do Iuperj e, durante o biênio 2003-2004, presidiu a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Encerrou sua carreira acadêmica como professor de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Um dos grandes responsáveis pela difusão do pensamento gramsciano no Brasil, no rastro do jornalista Luiz Mario Gazzaneo, produziu ensaios que servem de referência para o estudo do pensamento social brasileiro, principalmente o liberalismo, do papel do Judiciário e da modernização do Brasil.

Destacam-se entre seus trabalhos, pela atualidade: A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, com Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos (Revan, 1999); Esquerda brasileira e tradição republicana: estudos de conjuntura sobre a era FHC-Lula (Revan, 2006); Uma sociologia indignada — Diálogos com Luiz Werneck Vianna, de Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Ed. UFJF, 2012); Modernização sem o moderno: análise de conjuntura na era Lula (Contraponto/Fundação Astrojildo Pereira) e Diálogos gramscianos sobre o Brasil (Fundação Astrojildo Pereira, 2018).

Liberalismo e Sindicato no Brasil é um esforço de compreensão das profundezas da nossa “modernização conservadora”, no contexto das obras de Simon Schwartzman, Florestan Fernandes (1975) e José Murilo de Carvalho (1980). Estudou o liberalismo numa sociedade marcada pelo escravismo e pelo patrimonialismo. Sua tese de que a modernização brasileira não significava ruptura e/ou desaparecimento das elites tradicionais, mas a renovação dessas forças, continua atualíssima.

Segundo Werneck Vianna, numa sociedade excludente e autoritária, que não incorporou os valores liberais, o caminho da modernização foi o Direito e suas instituições, em meio a rupturas e negociações entre elites. Em síntese, a modernização brasileira ocorreu e ainda ocorre em meio a negociações entre o moderno e a cultura do atraso, sem rupturas com ele, mas em compromisso. Werneck condenou a luta armada e apostou na luta política pelas liberdades e na mobilização da sociedade civil durante o regime militar; após a redemocratização, na participação política radicalmente comprometida com a democracia representativa como valor universal.

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