Monica de Bolle: Talentos desvalorizados

Cerca de 77% das vezes, os livros de economia usam exemplos masculinos para explicar conceitos fundamentais.
Foto: The White House‏
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Cerca de 77% das vezes, os livros de economia usam exemplos masculinos para explicar conceitos fundamentais

Em meio ao furor gerado pelos escândalos de assédio sexual nos Estados Unidos – assédio, não galanteios –, perdida ficou uma discussão para lá de urgente: o papel da mulher na academia, sobretudo na Economia. Na última reunião da American Economic Association, convenção que reúne milhares de economistas acadêmicos todo início de ano, houve uma sessão especialmente dedicada ao papel da mulher na economia e às evidências de discriminação que saltam aos olhos na profissão. Para o Brasil rebaixado devido às falhas da equipe de homens de Temer, pode ser que essa pareça discussão menor, sem sentido, bobagem. Não é.

Betsey Stevenson, professora da Universidade de Michigan, analisou a ocorrência de nomes e pronomes masculinos nos exemplos dos livros-texto mais utilizados nos cursos básicos de economia. Seus achados? Cerca de 77% das vezes, os principais livros de economia valem-se de exemplos com homens para explicar conceitos fundamentais: “Fulano de tal é um fazendeiro que vende trigo em um mercado onde há concorrência perfeita. Ele é, portanto, um tomador de preços”.

As mulheres aparecem apenas 18% das vezes, e, quando aparecem, são consumidoras, donas de casa, ou pessoas que sofrem a ação de outras – elas raramente aparecem como tomadoras de decisão e quase nunca são citadas como gestoras de política econômica. A única citada com frequência é a ex-dirigente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) Janet Yellen. Ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo e ficou apenas um mandato na posição, tendo sido recentemente substituída por Jerome Powell, cujas credenciais acadêmicas e experiência como gestor de política econômica não chegam aos pés das de Yellen.

Passemos a outro artigo, o de Erin Hengel da Universidade de Cambridge. Hengel examinou o tratamento conferido às mulheres nas principais publicações científicas. Artigos acadêmicos de autoria de mulheres levam, em média, seis meses a mais para passar pelo processo de peer review – o controle de qualidade da academia. Evidentemente, esse resultado controla a qualidade do artigo e sua relevância científica. Ou seja, mulheres que produzem artigos com a mesma qualidade e importância que os homens enfrentam critérios mais rigorosos na avaliação de sua pesquisa.

Como a publicação em uma revista científica de ponta é a métrica fundamental a partir da qual a competência de um pesquisador acadêmico é avaliada, não surpreende que haja menos mulheres com status de professoras titulares nos principais departamentos de economia das mais importantes universidades americanas do que homens.

Por fim, o artigo de Tatyana Avilova, da Universidade de Columbia, e de Claudia Goldin, da Universidade Harvard. As autoras mostraram que nos cursos de graduação nos EUA há menos mulheres do que homens em uma razão de 1 mulher para cada 3 homens. Tamanha diferença não se constata em disciplinas percebidas como majoritariamente masculinas, como a matemática, a física, a engenharia. Depois de controlar para diversos fatores, concluem as pesquisadoras que há algo nos cursos de economia que afeta o interesse das mulheres em seguir a carreira.

E o Brasil? Não há no Brasil pesquisas equivalentes. Contudo, um passar de olhos pela composição dos quatro mais importantes departamentos de economia do País é revelador. Entre 80 pesquisadores e professores titulares há apenas 6 mulheres na mesma posição. Seis. Evidentemente, isso não é prova de que existe viés ou discriminação de gênero na profissão de economista no Brasil. Mas é fortíssimo indício que convida a uma avaliação mais rigorosa do tema. Sobretudo porque, ante minha experiência pregressa de docente no Brasil, as turmas de graduação e de pós-graduação em alguns desses mesmos departamentos são, hoje em dia, bem balanceadas – o número de homens e de mulheres é mais ou menos o mesmo. No entanto, eles tornam-se acadêmicos reconhecidos em proporção muito maior do que elas. Eles também são chamados a ocupar posições importantes no governo em razão bem superior.

O Banco Central do Brasil jamais teve uma dirigente mulher. Conta-se em uma só mão o número de mulheres ex-diretoras do BC. No atual colegiado não há mulher alguma.

É muito talento para uma desvalorização maior ainda.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

 

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