Mauricio Huertas: Políticos, meus velhos, vocês não entenderam nada!

Talvez o eclipse tão falado nestes dias, apresentado como o maior do século, seja uma boa metáfora para a ausência de luz que vivenciamos atualmente, às vésperas das eleições majoritárias e proporcionais. A nova política, que despontava alvissareira no céu, segue na penumbra do velho mundo que gira em torno de si mesmo e do sistema dominante, em rotação e translação partidária automática e constante. No lugar da lua de sangue, bela e mística, embora real, quem sangra é a democracia, ferida por mitos e mitômanos surreais.
Foto: Marcello Casal Jr/Ag Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/Ag Brasil

Talvez o eclipse tão falado nestes dias, apresentado como o maior do século, seja uma boa metáfora para a ausência de luz que vivenciamos atualmente, às vésperas das eleições majoritárias e proporcionais. A nova política, que despontava alvissareira no céu, segue na penumbra do velho mundo que gira em torno de si mesmo e do sistema dominante, em rotação e translação partidária automática e constante. No lugar da lua de sangue, bela e mística, embora real, quem sangra é a democracia, ferida por mitos e mitômanos surreais.

Senhores políticos, vocês não entenderam nada! Passados cinco anos das já históricas manifestações de junho de 2013, seguem ignorando todos os sinais de vida inteligente vindos de fora do seu universo particular. Se naquela época ficaram atordoados com a juventude alienígena que proliferava em cada canto deste país, buscando em vão seus supostos líderes, inexistentes na realidade horizontal e difusa das redes e das ruas, os nativos da velha política demonstram outra vez que não aprenderam nada ao reproduzir em 2018 todos os erros que motivaram aquele “big bang” dos movimentos pela renovação.

O primeiro grande erro, essencial, além de ignorar os sinais emitidos desde 2013, foi desprezar o recado claro das urnas em 2016. Afinal, deveriam ter percebido que não podia ser apenas coincidência a eleição de prefeitos que, cada um à sua maneira, representavam uma ruptura com o sistema dominante nas principais capitais do país: João Doria em São Paulo, Marcelo Crivella no Rio de Janeiro, Alexandre Kalil em Belo Horizonte, Nelson Marchesan Júnior em Porto Alegre, Rafael Greca em Curitiba, Luciano Rezende em Vitória, ACM Neto em Salvador, entre outros.

Tentou-se em vão passar réguas ideológicas, geracionais ou partidárias e não se chegou à conclusão óbvia: todos eles representavam de alguma forma o “novo”. Do veterano Grecano Paraná, eleito pelo minúsculo PMN, ao bispo da Universal vitorioso no Rio; do “gestor” João Doria aos políticos de tradição familiar, como o gaúcho Marchesan ou ACM, o baiano reeleito assim como o capixaba Luciano Rezende; mas todos eles notadamente escolhidos pelo eleitor para mudar ou para protestar contra a política local que se praticava até então.

Depois de passar despercebido – ou ser deliberadamente ignorado – esse sinal dado em 2016, os nomes que surgiram como opções para a consolidação de candidaturas “outsiders” à Presidência da República foram sendo seguidamente abduzidos pelas forças da velha política. Fiquemos nos dois mais significativos: Luciano Huck e Joaquim Barbosa, que desistiram (ou adiaram suas pretensões) diante da monstruosa pressão de políticos e partidos tradicionais.

Aí talvez esteja o erro mais gritante dos principais analistas e estrategistas do mundo político: julgar como favas contadas que a eleição de 2018 será decidida pelas mesmas regras tácitas e os velhos costumes da política institucional brasileira, resumida ao “nós” x “eles”, ou à repetição da disputa simbiótica PT x PSDB, tão normal nas últimas décadas. Afinal, por esse raciocínio raso, restaram no cenário apenas as candidaturas do mecanismo binário e polarizado que se retroalimenta. Então, para vencer, bastaria reunir a maior quantidade de partidos nas coligações e dominar o tempo da propaganda na TV. Será?

Vetustos e velhacos da política não compreendem que até os inabaláveis 30% de Lula nas pesquisas de intenção de voto estão impregnados pelo desejo da mudança e pela rejeição à política tradicional. Como assim? Na lógica cartesiana é inaceitável que Lula- candidato em cinco eleições, presidente duas vezes e avalista de Dilma em outras duas – tenha ainda eleitores que considerem votar nele como forma de protesto contra a política tradicional. E depois de tudo que foi revelado ainda votam no PT? Impossível! Absurdo! Mas quem foi que disse que essa é uma ciência exata e que o eleitor age dominado pela razão?

Quem anuncia a intenção de voto em Lula – ou pede #LulaLivre nas redes sociais ou em algum desses manifestos de artistas, intelectuais e influenciadores digitais – não é um simples alienado que considera o petista o último dos inocentes ou o PT uma reserva de moralidade. Ao contrário. Excluído o petista de carteirinha, sobra em grande parte um eleitor saturado da política partidária tradicional, que um dia acreditou no discurso de Lula, viu vantagens em seus governos e agora, pesando na balança eleitoral o que está aí, considera tudo uma maçaroca de imundície e podridão. Solução simplista: se todos são iguais na sujeira e na corrupção, eu escolho aquele que ao menos fez algo de bom por mim quando esteve no poder. É quase uma reedição do “rouba mas faz”.

Pensamento semelhante tem o eleitor de Jair Bolsonaro, ainda que no sentido inverso. Quanto mais os políticos e a mídia tradicional o apontarem como um boçal com ideias esdrúxulas, maior apoio e repercussão terá entre o exército anônimo de indignados e revoltados anencéfalos contra o atual sistema político. O folclórico Bolsonaro segue a linhagem dos Enéas, Tiriricas e Cacarecos da história brasileira. Periga ser o herdeiro legítimo de quem elegeu Fernando Collor em 1989. Aí estaremos fritos de verdade.

É evidente (para quem se propõe a enxergar fora da caixinha), assim, que a polarização que traz Lula e Bolsonaro na liderança das pesquisas pré-eleitorais também carrega em si o desejo da mudança. Não se trata, em sua grande maioria, do voto racional, partidário ou ideológico, mas do simbolismo dessas duas candidaturas. Com Lula fora por conta da prisão e da ficha suja, restará conferir a sua capacidade de transferência de votos. Quem será o maior beneficiário do espólio lulista? O PT vai lançar Fernando Haddad? Ou será que Ciro Gomes personifica melhor esse eleitor órfão de Lula? E Marina Silva, somará quanto desses indignados ao legado de 20 milhões de eleitores cativos das duas últimas eleições?

Finalmente, precisamos falar de Geraldo Alckmin. É simples: se o roteiro do candidato tradicional prevalecer ainda sobre a modernidade e a diversidade das redes e sobre a demanda por uma nova forma de fazer política, que não seja tão influenciável pelo tamanho das coligações partidárias e pelo monopólio da propaganda oficial no rádio e na TV, o tucano é o favorito disparado para ganhar essa eleição. Ponto, portanto, para quem fez a aposta na estratégia dessa múltipla aliança com o “centrão” e com o “status quo”. Do contrário, apertem os cintos… Estaremos perdidos no espaço!

*Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente

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