Lula precisa fazer o Brasil recuperar o controle sobre o armamento de civis

Não há clima político para outro Estatuto do Desarmamento, mas leis e decretos aprovados há anos podem atenuar estragos
Ilustração: Mila Benassi para o Intercept Brasil
Ilustração: Mila Benassi para o Intercept Brasil

The Intercept Brasil*

Acabou, mas não chegou ao fim. Após quatro anos da nefasta gestão de Jair Bolsonaro, somos um país com um povo mais radicalizado, à vontade para ser preconceituoso, xingar desafetos e resolver qualquer bate boca no tiro.

Os CACs –  sigla para caçadores, atiradores esportivos e colecionadores – já têm em mãos mais de 1 milhão de armas, mas o Exército falha em sua missão de fiscalizá-las e não sabe exatamente quais são e onde estão. O resultado? CACs estão vendendo e alugando armamento para o PCC, o Comando Vermelhomilicianos e assaltantes de banco. Depois dos decretos de Bolsonaro, criminosos passaram a ter acesso a armas mais modernas, mais potentes e mais baratas.

As armas são o elefante na sala da vez. Muito pouco se falou sobre elas durante a campanha presidencial e há grande expectativa sobre o que vai acontecer. Aliados de Bolsonaro que são CACs ou simpatizantes da política do libera geral já postam nas redes sobre o medo infundado de perder suas armas e seus clubes de tiro. O maior expoente das medidas de afrouxamento do Estatuto do Desarmamento, o presidente do ProArmas Marcos Pollon, eleito deputado federal pelo Mato Grosso do Sul, nem assumiu e já postou sobre o impeachment de Lula. No mesmo vídeo, ressaltou versículos bíblicos, prometendo “não se dobrar”.

É fato que não há clima e aprovação política para um Estatuto do Desarmamento 2. Mas também é fato que não houve ou há, até o momento, movimentações no sentido de desarmar a população. Não podemos, contudo, deixar para depois o problemas da violência armada, o da falta de pulso do Exército nessa fiscalização e o da facilidade com que criminosos estão comprando armas legais, muitas delas mais potentes do que as das polícias.

E não é por falta de propostas para mudar esse cenário que ele se perpetua. Existem leis, decretos e mecanismos referentes a armamentos e munições que nunca saíram do papel e devem ser acionados o quanto antes para mitigar o estrago da gestão armamentista de Jair Bolsonaro.

A medida mais básica é integrar o Sistema Nacional de Armas – o SINARM, operado pela Polícia Federal, que reúne informações sobre concessões feitas à civis – e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – o SIGMA, que abrange informações de armas de policiais, militares e CACs, gerido pelo Exército. Estipulada há quase 20 anos pela lei 10.826, ela não se concretizou, mesmo após o Ministério Público Federal ajuizar uma ação civil pública em 2008 para obrigar o Exército a cumprir a legislação.

Órgãos importantes para a construção de estratégias de enfrentamento ao tráfico de armas e munições e para a investigação de crimes são prejudicados pela inação das Forças Armadas há muitos anos. Elas nunca cumpriram as leis e decretos sobre o tema e, em 2011, fingiram resolver a falta de integração ao distribuir 60 senhas de acesso ao SIGMA. E só.

O Exército e o Ministério da Justiça e Segurança Pública não avançaram na integração dos sistemas que facilitariam o rastreamento de armas e munições, como o Sistema Nacional de Informação de Segurança Pública, o sistema do Ministério da Justiça que agrega dados de segurança pública e pode ser acessado por policiais estaduais, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.

O atual sistema – que, absurdamente, é de propriedade da empresa Companhia Brasileira de Cartuchos, a CBC – não permite, por exemplo, a geração de relatórios para subsidiar ações de inteligência e fiscalização, prejudicando a investigação de roubos, desvios e extravios. Uma empresa privada gerindo informações de segurança nacional nos deixa, mais uma vez, vulneráveis do ponto de vista social, econômico e político.

Cabe ao novo presidente eleito cobrar o cumprimento de leis, decretos e normas assinados há tempos para mudar este quadro – ou amanhã não será outro dia.

Texto publicado originalmente no The Intercept Brasil.

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