Financial Times: Amazon derrota movimento trabalhista e Biden nos EUA

Funcionários rejeitam sindicalização inédita no país; presidente fez campanha.
Foto: Lizzy Burt (Gizmodo)
Foto: Lizzy Burt (Gizmodo)

Funcionários rejeitam sindicalização inédita no país; presidente fez campanha

Dave Lee, Financial Times

Trabalhadores em um centro de distribuição da Amazon em Bessemer, no estado do Alabama, votaram por larga maioria contra a sindicalização, num forte golpe contra o movimento trabalhista nos Estados Unidos e suas esperanças de conquistar uma base na gigante do comércio eletrônico.

A campanha para criar o primeiro sindicato da Amazon nos Estados Unidos atraiu a atenção do mundo todo e o apoio do mais alto cargo político do país, mas por final falhou em causar impacto onde realmente importava: nas urnas.

Cerca de 55% dos quase 6.000 trabalhadores do centro de distribuição votaram, pelo correio devido às restrições da pandemia. Em uma apuração realizada por videoconferência para um público de mais de 200 advogados, observadores e jornalistas, o “não” teve 1.798 votos, contra 738 em apoio à sindicalização.

Apesar da dura derrota, representantes do sindicato mantiveram uma posição firme, dizendo que o voto em si já foi uma conquista histórica, a primeira vez que toda uma instalação na terra natal da Amazon teve essa oportunidade.

O Sindicato de Varejo, Atacado e Lojas de Departamento disse que vai apelar do resultado, citando, segundo a entidade, esforços numerosos e flagrantes da empresa para influenciar a votação de forma ilegal.

“A Amazon sabia muito bem que a menos que fizesse o possível, até mesmo atividade ilegal, seus funcionários continuariam apoiando o sindicato”, disse Stuart Appelbaum, presidente da entidade.

Em um comunicado, a Amazon agradeceu a seus empregados. “É fácil prever que o sindicato dirá que a Amazon ganhou esta eleição porque intimidamos os empregados, mas isso não é verdade”, afirmou a companhia em um blog na sexta-feira (9).

“Nossos empregados ouviram muito mais mensagens anti-Amazon do sindicato, de políticos e canais de mídia do que ouviram de nós. E a Amazon não venceu —nossos empregados é que decidiram votar contra a entrada num sindicato.”

Como quer que a caracterizem, a vitória da companhia dá continuidade a uma série de esforços para evitar a sindicalização nos EUA. O depósito em Bessemer foi a primeira instalação no país a chegar ao ponto de realizar uma votação formal e sancionada, depois de ter indicações de apoio suficientes no final do ano passado.

Apesar da derrota sindical, a batalha poderá se arrastar por muitos meses. A apelação será ouvida primeiro por um escritório local do Conselho Nacional de Relações Trabalhistas (NLRB na sigla em inglês) e poderá acabar sendo decidida pelos membros do conselho, indicados politicamente em Washington, disse John Logan, professor de estudos do trabalho e do emprego na Universidade Estadual de San Francisco.

“É concebível que quando chegar ao conselho completo do NLRB poderá ter uma maioria democrata”, disse Logan. O mandato de William Emanuel, um nomeado republicano, deverá terminar em agosto.

Em março, o presidente Joe Biden indicou forte apoio aos trabalhadores, pedindo que a Amazon se afastasse para permitir que os trabalhadores fizessem uma “opção livre e justa”. Logan descreveu os comentários como “a declaração mais pró-sindicatos já feita por um presidente em exercício”.

O governo Biden está apoiando a Lei de Proteção ao Direito de se Organizar, que busca tornar ilegais muitas das táticas adotadas pela Amazon durante a campanha. A Lei PRO, como é conhecida por sua sigla em inglês, foi aprovada na Câmara dos Deputados no início deste ano.

“Os trabalhadores americanos não terão acesso constante a eleições sindicais livres, justas e seguras enquanto não reforçarmos as leis trabalhistas do nosso país”, disse o deputado Bobby Scott, da Virgínia, presidente da Comissão de Educação e Trabalho da Câmara, depois da votação na Amazon.

“Não podemos continuar permitindo que os patrões interfiram na decisão dos trabalhadores de formar ou não um sindicato. O Senado precisa aprovar a Lei PRO.”

A campanha também obteve o apoio do movimento Black Lives Matter e foi observada atentamente por outras importantes figuras de grupos de direitos civis. A força de trabalho do centro de distribuição de Bessemer é mais de 75% afro-americana.

“Os trabalhadores sentiam que não tinham voz e não sabiam como se manifestar”, disse Marc Bayard, diretor da Iniciativa de Trabalhadores Negros no Instituto para Estudos de Políticas em Washington. “Esses trabalhadores mostraram um caminho para o sucesso.”

A apelação do sindicato vai se concentrar no fato de que uma caixa de correio foi instalada no estacionamento do centro, à vista de câmeras de segurança, medida que, segundo representantes, se destinou a intimidar os empregados quando depositassem seus envelopes.

E-mails obtidos pelo sindicato pareciam mostrar que a Amazon tinha pressionado o Serviço Postal dos EUA para instalar a caixa antes do início da votação. Depois ela foi retirada.

A Amazon disse anteriormente que foi “uma maneira simples, segura e totalmente opcional de facilitar a votação pelos funcionários, nem mais nem menos”.

Outras queixas do sindicato incluem uma campanha de reuniões de “audiência cativa”, durante as quais a empresa advertiu os empregados contra a sindicalização, assim como a exibição de cartazes contra o sindicato no centro de distribuição —alguns nas cabines dos banheiros.

No início da campanha, o sindicato chamou a atenção para alterações nos semáforos de trânsito diante do edifício, que deram aos sindicalistas menos tempo para falar com os empregados quando saíam do trabalho. A Amazon disse que a medida visava reduzir o congestionamento.

O sindicato UNI Global, que representa mais de 900 sindicatos setoriais, disse que o esforço em Bessemer criou uma discussão de alto nível sobre as condições de trabalho na Amazon, cuja força de trabalho inchou em mais de 500 mil pessoas desde o início da pandemia, e hoje totaliza 1,3 milhão em todo o mundo.

“O ‘efeito Bessemer’ está eletrizando o movimento trabalhista, inspirando ações de Mianmar a Munique a Montevidéu”, disse Christy Hoffman, secretária-geral do UNI.

“Enquanto a votação acontecia, houve greves na Alemanha e na Itália, e um novo esforço maciço para alcançar trabalhadores da Amazon foi lançado no Reino Unido. Ele continuará dando esperança aos trabalhadores, que exigem ter voz no trabalho e um emprego com dignidade.

“Os empregados no Alabama —e trabalhadores da Amazon em toda parte— devem manter suas cabeças erguidas e os olhos fixos na vitória. Unidos, ela é inevitável.”

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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