FAP Entrevista: Sérgio C. Buarque

O principal desafio que o próximo governo terá de enfrentar será a crise fiscal, com o déficit da Previdência como sua principal causa, avalia Sérgio C. Buarque.
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

O principal desafio que o próximo governo terá de enfrentar será a crise fiscal, com o déficit da Previdência como sua principal causa, avalia Sergio C.Buarque

Por Germano Martiniano

O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é o economista Sérgio C. Buarque. Com mestrado em sociologia, professor da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão-Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e Competitividade; atualmente, Buarque também é fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será? – http://revistasera.ne10.uol.com.br. Defensor enfático da reforma da Previdência, ele acredita que, sem ela, será difícil o Brasil avançar em outras áreas se não resolver este problema. “Se não houver uma mudança radical das regras, a previdência vai implodir o teto de gastos, vai reduzir disponibilidade para as outras despesas e tende à falência”, avalia. Esta entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

O economista acredita, também, que o país vive um dilema, que é a cobrança por soluções rápidas para os problemas emergenciais, que demandam tempo para se resolverem. “Ninguém está disposto a esperar reformas estruturadoras que geram dúvidas sobre o presente e prometem melhorias em prazos longos”, disse o economista.

Sérgio Buarque avalia que o governo Temer ousou ao tentar realizar algumas reformas fundamentais para a sociedade brasileira, contudo, o caráter antipopular destas reformas associadas à limitada legitimidade política do atual presidente – consequência agravada de seguidas denúncias de corrupção -, atrapalharam o país no avanço dessas mudanças. “Considerando estas circunstâncias, o presidente Temer conseguiu fazer avanços importantes na economia brasileira. Mas, a continuidade desta tímida recuperação econômica é duvidosa se o próximo governo não avançar na reforma da Previdência”, completa o economista. Na entrevista à FAP, Buarque também tratou de questões pontuais, como a restrição à regra do foro privilegiado e o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo. Confira, seguir, os principais trechos da entrevista:

FAP Entrevista – O STF decidiu, nesta semana, restringir a regra do foro privilegiado para deputados federais e senadores. Como o senhor avalia essa decisão?
Sérgio C.Buarque – O foro privilegiado tornou-se um problema no Brasil apenas por duas razões que são incomuns: o tamanho da corrupção, que leva aos tribunais dezenas de parlamentares, abarrotando o Supremo de processos; e o desvio de função do STF que se envolve com número e tipos de processo que não têm nada a ver com sua missão de protetor da Constituição. Por isso, o STF não tem capacidade para processar e julgar os que têm foro privilegiado, gerando impunidade: excesso de processos e disperesão do Supremo. Em tese, não acho que parlamentares possam ser julgados e condenados por juizes de primeira instância, com risco de instabilidade política, o que me levaria a defender o foro privilegiado. Nas condições atuais do Brasil, com rara (espero) avalanche de corrupção, preferível suspender. Mas não acho nenhum absurdo que exista tratamento diferenciado para os parlamentares no processo judiciário.

O desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, ocorrido em São Paulo, evidencia a degradação das cidades brasileiras, conflitos sociais e a ocupação predatória do espaço urbano. Como o senhor avalia esse caso?
O desastre das cidades brasileiras, que teve um momento doloroso no desabamento deste edifício, é o resultado de décadas de equívocos e irresponsabilidades políticas que deram origem à persistência da pobreza e das desigualdades sociais. Somos todos culpados do desleixo dos governantes com a educação e capacidades humanas, origem última das desigualdades e da pobreza. Agora, estamos tendo que desativar uma (na verdade, mais de uma) explosiva e dramática bomba social, lidar com um enorme passivo social que se formou pelo imediatismo dos brasileiros e governos. A história seria totalmente diferente se, ao longo das últimas décadas, como fizeram outros países, tivessemos promovido educação em larga escala para esta população que hoje padece de pobreza, totalmente incapacitada de construção de um domicílio. Quando milhões de brasileiros se veem obrigados a viver em prédios degradados e abandonados e em favelas (estima-se em 7,7 milhões de moradias o déficit habitacional), a sociedade e os governos estão obrigados agora a enfrentar uma emergência e, em condições muito desfavoráveis, por conta da desconfiança geral entre os atores e agentes públicos e graves restrições fiscais.

Como o senhor avalia o governo Temer na economia, com o controle da inflação e retomada, mesmo que minimamente, do crescimento econômico?
Michel Temer ousou implementar uma importante reforma fiscal para conter o ciclo de expansão de gastos correntes e avançou com uma agenda de reformas fundamentais para preparar o Brasil para o futuro. A limitada legitimidade política, agravada pelas denúncias de corrupção, impediram a realização da Reforma da Previdência, a mais urgente das reformas, pelo déficit crescente e inercial. O governo Michel Temer carrega uma grande contradição: combina uma base parlamentar que permitiu aprovar medidas impopulares, como o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, com quase ausência de apoio popular. Considerando estas circunstâncias, o presidente Temer conseguiu fazer avanços importantes na economia brasileira. Mas, a continuidade desta tímida recuperação econômica é duvidosa se o próximo governo não avançar na reforma da Previdência.

O economista Everardo Maciel criticou, em artigo publicado nesta semana, intitulado “Insegurança Tributária”, o excesso de normas constitucionais e carência de normas infraconstitucionais que criam um clima hostil aos negócios. O senhor concorda?
Não tinha pensado nisso até ler o artigo de Everardo Maciel que é muito bem fundamentado. Pelo excesso de detalhes e de especificidades, a Constituição de 1988 é um documento jurídico e normativo datado, refletindo as condições econômicas e sociais da época e, principalmente, uma visão de mundo que não corresponde mais à realidade brasileira, que foi atropelada pelas profundas mudanças estruturais. O que Everardo mostra é que, contraditoriamente, no nível infraconstitucional, existe uma carência de normas que comprometem os negócios e cria uma grande insegurança jurídica no Brasil.

O senhor acredita que o excesso de tributos e burocracia dificulta a ação empreendedora no Brasil e, consequentemente, a geração de empregos e o crescimento econômico?
O Brasil tem uma carga tributária elevada, comparável a países altamente desenvolvidos, como a Alemanha. Mas acho que não se deve reduzir esta carga porque o Brasil precisa de muita capacidade financeira para cuidar das emergências, e ainda apostar nos fatores estruturadores de mudança, principalmente educação e inovação. O problema do Brasil não é esta elevada carga tributária, mas o fato de que, apesar disto, não ter recursos para investimentos públicos de porte que promovam o desenvolvimento do país. O Brasil tem uma carga tributária de 35% do PIB, muito acima da Coréia do Sul, com apenas 24,4% do PIB e, no entanto, tem um IDH-Índice de Desenvolvimento Humano de 0,754, contra 0,901 da Coréia do Sul. Com um Estado muito mais leve que o brasileiro, a Coréia do Sul tem alto nível de educação, competitividade e qualidade de vida. Na avaliação do PISA, que mede a qualidade da educação no mundo, o Brasil ficou em 65º, numa lista de 70 países, e a Coréia do Sul é o 7º melhor. Para onde estão indo os enormes recursos que o Estado arrecada? Estão saindo pelo ralo, numa mistura de apropriação indébita, super-salários, insolvência do sistema de previdência, ineficiência, desperdício, custos exorbitantes (principalmente, nas Prefeituras), e corrupção.

Durante o seminário “Novo pacto entre o estado e a sociedade brasileira”, realizado pela FAP no início deste ano, o senhor defendeu enfaticamente a Reforma da Previdência, sem a qual o senhor avalia que não há como o Brasil avançar economicamente e realizar outras reformas estruturais necessárias. Por que a Reforma da Previdência é tão importante?
O sistema de Previdência já tem hoje um déficit elevado (mais de R$ 600 bilhões) que compromete cerca de 42% das despesas correntes da União (INSS e Previdência do servidor público), para distribuição de benefícios a pouco mais de 31 milhões de pessoas. Os outros 60% das despesas correntes devem cobrir todas as outras áreas, como educação, saúde, segurança, inovação, etc. Com as regras atuais, o número de beneficiários da Previdência, principalmente dos servidors públicos, deve crescer continuamente, acompanhando o processo de envelhecimento da população. Nas próximas décadas, a população com 60 anos e mais deve crescer cerca de 3% ao ano. Em 2050, segundo projeção do IBGE, o Brasil terá muito mais idosos que jovens; serão 66 milhões de pessoas com 60 anos e mais, e apenas 43,6 milhões com até 19 anos. Como diz Mansueto Almeida, o Brasil envelheceu antes de ficar rico e vai envelher mais e de forma mais rápida, nas próximas décadas. Se não houver uma mudança radical das regras, a previdência vai implodir o Teto de Gastos, vai reduzir disponbilidade para as outras despesas e tende à falência.

O país necessita realizar reformas no campo econômico e político. No entanto, a mesma população que clama por mudanças reage com certo conservadorismo às transformações necessárias. Por que isso ocorre?
A população cobra, com razão, resultados rápidos e soluções para os problemas emergenciais. Ningúem está disposto a esperar reformas estruturadoras que geram dúvidas sobre o presente e prometem melhorias em prazos longos. O Brasil está tão afogado por emergencias que é muito difícil convencer a sociedade que as soluções estruturais e efetivas amadurecem muito lentamente. Um exemplo: pode ser muito bom que os governos arranjem dinheiro para construir 7 milhões de casas para atender ao enorme déficit habitacional. Mas os seus moradores vão continuar pobres, se não avançarmos na educação e na formação profissional que aumente a empregabilidade dos pobres e, portanto, sua capacidade de melhoria da renda. A população prefere Bolsa Família à Escola e os políticos tendem a oferecer o que o imediatismo da população demanda. Este é o grave dilema do Brasil.

Na economia, quais devem ser as prioridades do próximo presidente do Brasil?
A questão mais urgente que o governo terá que enfrentar é a crise fiscal, que tem como principal determinante o déficit da Previdência. Desta forma, considerando o fracasso deste ano, o futuro governo deve iniciar o mandato com um projeto de reforma profunda do sistema previdenciário. Sem essa, não terá recursos para fazer mais nada de relevante. Não dá nem para conversar. Supondo que o Estado consiga recuperar a capacidade de investimento, o governo terá a difícil missão de enfrentar as emergências, como o desastre urbano, ao mesmo tempo em que investe nos fatores estruturais de mudança. A principal prioridade emergencial é o enfrentamento do estado de violência nas cidades, com territórios dominados por grupos criminosos. Não existe qualidade de vida nem competitividade com cidades dominadas pelo crime organizado. Em termos estruturais, o futuro governo teria que concentrar todas as energias na educação, desde a primeira infância, com pesados investimentos na educação pública de qualidade para enfrentar as desigualdades sociais e a pobreza e, ao mesmo tempo, garantir a competitividade da economia brasileira.

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