FAP Entrevista: Luzia Maria Ferreira

Polarização política no país impediu que o centro-democrático e suas propostas tivessem aderência nacional, avalia Luzia.
Foto: Agência Câmara
Foto: Agência Câmara

Polarização política no país impediu que o centro-democrático e suas propostas tivessem aderência nacional, avalia Luzia

Por Germano Martiniano

A 14 dias das eleições presidenciais, as pesquisas eleitorais têm se afunilado e apontam um possível segundo turno entre os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Diante deste cenário, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin têm traçado suas últimas estratégias de combate para evitar que o candidatos da extrema direita e o da esquerda se consolidem como as opções dos brasileiros em um segundo turno das eleições. Ciro tentar frear Haddad no Nordeste, no seu campo eleitoral. Alckmin, por sua vez, combate duramente os líderes de pesquisa mostrando que ambos seriam o retrocesso para política brasileira: o candidato da direita, um ditador; e o do PT, a representação da velha política e da corrupção.

Integrando a série de entrevistas que estão sendo publicadas aos domingos com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano, que são as eleições, a FAP entrevista desta semana é com a bióloga, professora, ex-deputada de Minas Gerais pelo Partido Popular Socialista (PPS) e dirigente da Fundação Astrojildo Pereira, Luzia Maria Ferreira. Questionada sobre o desempenho da centro-esquerda nesta eleição, Luzia atribui a questão à polarização política que atualmente impera no país, que impede o debate de ideias. “Acredito que não foi uma questão de falha do centro democrático, de não ter um discurso que convença a sociedade. Acredito que a polarização política instalada no país não deixou que o debate plural e de aprofundamento das propostas ocorresse”, avalia.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

A senhora acredita que ainda existe possibilidade de reação para o o candidato Geraldo Alckmin?
Eu acho que a polarização já ocorreu entre a extrema direita e a esquerda. Acho que isso fez mal ao debate político. Tirou o foco de discutir os reais problemas do Brasil, que são graves. Porém, eu creio que, acima dessa polarização, a realidade tem mostrado também que nos últimos dias, especialmente na última semana, pode haver ainda deslocamento de eleitores ou um reposicionamento, pois muita gente está votando no Bolsonaro para evitar o PT. No segundo turno, as pesquisas têm mostrado que, em vários cenários, Bolsonaro perderia, devido a sua tamanha rejeição. Essa pode ser a última chance de Alckmin. É um fato relevante para que o eleitor possa repensar seu voto, afinal ainda faltam 15 dias para as eleições e não considero esse quadro Bolsonaro e Haddad já consolidado, ainda que a polarização já tenha ocorrido.

Com a possibilidade de um segundo turno Haddad x Bolsonaro, não seria mais razoável o centro democrático apoiar Ciro Gomes (PDF) para evitar os extremos?
Isso é um dilema, pois de fato o Ciro tem mostrado muita resiliência de voto e não sabemos ainda o impacto da candidatura dele com a ascensão do Haddad, principalmente no Nordeste, onde Ciro tem muita influência. Porém, creio que o centro tem muito mais dificuldade de se aliar ao Ciro, pois o próprio candidato tem feito uma campanha que não agrega e até rejeita o apoio de vários partidos que estão no centro político. Portanto, acredito que a dificuldade de se aliar ao Ciro é própria postura dele de não dar abertura para se fazer este diálogo mais ao centro!

E se partisse de Ciro Gomes o desejo de se unir ao centro?
O próprio Fernando Henrique Cardoso fez um aceno aos partidos de centro para que se unissem, porém não teve adesão. Essa união no sentido de se retirar candidaturas no primeiro turno creio que seja inviável. Então, acho que o que vale para o Alckmin vale para o Ciro: retirar candidaturas neste momento, para se identificar um candidato mais viável não tem viabilidade prática. Essa prerrogativa de escolher os candidatos para o segundo turno está na mão do eleitor, por meio do voto!

A senhora citou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não faltou a ele mais firmeza no apoio a Geraldo Alckmin, para evitar um segundo turno Haddad x Bolsonaro?
Creio que isso teria sido muito difícil, mesmo com o peso do Fernando Henrique como ex-presidente. Promover este encontro já no primeiro turno, no sentido de indicar um candidato mais de centro, é uma tarefa árdua. A pulverização foi inevitável, em função do fim de um ciclo político, dos 13 anos de PT e do desgaste das instituições no governo Temer. Diante disse, todo mundo quis se aventurar e apresentar suas propostas. Essa pulverização é fruto do momento que estamos vivendo.

Por que o centro democrático não conseguiu, até agora, aderência da sociedade em seu discurso?
Penso que o PT no poder, o impeachment de Dilma, a condenação do Lula, a narrativa petista vitimista e de se eximir de seus erros, conseguiram recuperar um eleitorado que estava perdido, devido aos próprios desacertos do PT, seja no campo da política, do governo, seja nas questões éticas. Desta forma, o PT recuperou o diálogo com seu eleitorado tradicional e, inclusive, o ampliou. Em contrapartida, os 13 anos de governo de PT criaram o sentimento anti-PT, das pessoas que abominam esse tipo de política e por isso tivemos o crescimento do Bolsonaro, representando algo “novo” e contra todas essas políticas petistas. Acredito assim, que não foi uma questão de falha no centro democrático de não ter um discurso que convença a sociedade, mas que essa polarização não deixou que o debate plural – e de aprofundamento nas propostas – ocorressem. Eu te pergunto: qual a proposta que Bolsonaro tem para saúde, habitação, etc.? Qual a proposta que o PT tem para resolver os problemas que ele mesmo gerou nesses 13 anos de governo? Os dois também não possuem as respostas que o Brasil carece. De uma lado temos um discurso messiânico de Bolsonaro e, do lado do PT, é a volta do passado usando a figura mítica de Lula.

A radicalização, na visão da senhora, não deixou o debate acontecer. O que a centro-esquerda pode fazer para mudar essa realidade de polarização, levando em conta não apenas essas eleições, mas o futuro do país a partir do novo presidente?
Creio que a primeira coisa a se fazer para acabar com essa polarização é se construir uma grande concertação entre as forças de centro-esquerda em cima de plataforma mínima que possa uni-las e também incluir a sociedade. Desde lideranças não partidárias, oriundas da área da cultura e das universidades, até às entidades populares, sindicatos e movimentos não verticalizados.

Caso realmente se confirme um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, o que podemos esperar?
Eu acho que é a pior solução. Qualquer um que ganhar vai ter um país dividido com o espirito de guerra. É bom lembrar que a radicalização não é apenas dos candidatos, são também dos apoiadores dessas duas candidaturas. É assustador o nível de radicalismo que foge da política e atinge a esfera pessoal. Portanto, eu não espero muito, penso que será um dos momentos mais difíceis da história do país.

Perante nosso cenário nacional marcado pelo radicalismo, qual o papel da FAP para o futuro, em sua avaliação?
É contribuir com propostas, com o debate critico, com a reflexão sobre a penosa realidade que o Brasil se meteu e levar este debate para a sociedade, tanto no nível das lideranças partidárias do PPS, quanto no conjunto da sociedade. Acho que este é um papel relevante: ajudar a construir um polo crítico, democrático, reformista e que possa resistir aos extremos.

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