Eros Roberto Grau: O Itamarati, para sempre!

O restaurante que encantou minha juventude me emociona sem parar.
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

O restaurante que encantou minha juventude me emociona sem parar

Começo a escrever estas linhas relembrando a canção que afirma ser “sempre bom lembrar coisas passadas”. A superposição do passado e do presente leva-me de repente ao Itamarati, que lá estava, na Rua José Bonifácio 270, desde os anos 40! O restaurante que encantou minha juventude e me emociona sem parar estará inserido no meu futuro. O tempo não existe, em razão do que estivemos, estamos, estaremos todos eternamente juntos.

Ponho-me a escrevê-las, de um lado, porque desejo libertar-me da aflição que suporto por conta da superposição entre afirmações de políticos membros da “corona” e a epidemia do coronavírus. Os primeiros, a gritar que a saúde não vale nada – em latim, sanitas tua potius nulla erit. A pandemia de covid-19 seria, para eles, mera ficção! De outro lado, escrevo-as, estas linhas, transtornado pelo que leio num texto do José Rogério Cruz e Tucci – Sinal dos tempos: o apagar das luzes do velho Itamarati – dando notícia do fechamento do nosso Itamarati.

Vencendo o tempo volto a lá estar com amigos que ainda por aqui estão e alguns que já se foram para o Céu. Michel Temer, Sergio e Renato Mange, Edmur Andrade Nunes Pereira Neto, Erasmo Valadão Novaes França, Luiz Antônio Sampaio Gouveia, Luiz Eduardo Lopes da Silva, Erasmo de Boer, Luiz Antônio Ferreira de Castilho, José Rogério et caterva.

Retorno inopinadamente ao tempo em que, ainda estudante, trabalhei no escritório dos inesquecíveis José Bueno de Aguiar e Duarte Vaz Pacheco do Canto e Castro. Cabia-me diariamente ir ao Fórum da Praça João Mendes, retornando ao escritório – na esquina do Viaduto do Chá e da Líbero Badaró – cruzando a Praça da Sé e a Rua José Bonifácio. Diariamente passando pela porta do Itamarati!

Uma vez ou outra eu entrava por um pequeno trecho da Rua São Bento para encontrar um amigo de meu pai, Alencar Burti, mais moço do que ele, porém mais velho do que eu. Fomos e somos, os três, inseparáveis. Meu pai já se foi para o Céu, onde um dia certamente estaremos todos juntos, reunidos. A primeira vez que almocei no Itamarati fui levado por eles, início dos anos 50. Inúmeras vezes depois, certamente mais de mil.

Nos anos 60 o estudante que estivesse no quarto ano da Faculdade de Direito podia advogar como solicitador acadêmico. Instalei-me então numa pequena sala que aluguei na Rua José Bonifácio 250, bem ao lado do Itamarati. Mundo pequeno! Um dos meus vizinhos no prédio, recém-formado em Direito pela PUC de Campinas, alguns meses depois foi eleito vereador lá na cidade dele e deixou sua sala. Permanecemos, contudo, amigos, Orestes Quércia e eu. Depois, já advogado, instalei meu escritório no pequeno prédio ao lado, entre o 250 e o Itamarati. Todos os dias da semana almoçando no Itamarati!

Momentos inesquecíveis! Minha mesa próxima àquelas onde uma vez ou outra almoçaram dois presidentes, Jânio Quadros e Fernando Henrique. O presidente Michel, meu amigo desde muitos anos, numa que era nossa. E outro momento mais que inesquecível, quando ao entrar lá dois seres humanos maravilhosos, Roger de Carvalho Mange e Sebastião Giraldes, me chamaram para sentar, almoçar ao seu lado.

Na frente de nós as Velhas Arcadas do Largo de São Francisco, onde fui professor durante mais de 40 anos. A única glória da minha vida, de verdade. O centro de tudo, em torno do qual eu adorava caminhar, sobretudo vindo da livraria do Gazeau, na Praça da Sé, onde encontrei Aureliano Leite a primeira vez. Peguei um livro na estante, ele viu qual – Retratos a Pena – e me pediu. Neguei, ele disse que eu nada saberia do autor, respondi que sim e hoje cá o tenho comigo, com sua afetuosa dedicatória. Até hoje o encontro nas reuniões da minha Academia Paulista de Letras (APL), ele naquele quadro na parede assim como a piscar os olhos para mim. Antes e após almoçar no Itamarati eu escapava para livrarias, desde a Acadêmica – ali mesmo, no Largo do Ouvidor –, a Ornabi, na Benjamin Constant, até a estupenda Lael, plena de livros jurídicos formidáveis. Tão de verdade esses livros que as três fecharam as portas, mas o pequeno prédio no qual se encontrava a Lael foi integrado às Arcadas nas quais moram a Amizade e a Alegria.

É mesmo assim, realmente. O tempo existe concomitantemente consigo mesmo! Pasmem! Um bom amigo que me veio das Velhas Arcadas hoje é meu confrade na APL e dirige a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Mais, pasmem mais e mais: descobri de repente que o imóvel onde está o nosso Itamarati é uma propriedade da Santa Casa! A esta altura, portanto, espero, mais do que tudo, que ele nos possa salvar. Antonio Penteado de Mendonça, tão meu amigo que o chamo de Nico, há de nos dar as mãos para seguirmos o caminho da salvação, fazendo dele, o Itamarati, nosso restaurante para sempre!

Sorrio para mim mesmo ao divisar, de repente, uma luz no fim do túnel. Duas, duas luzes. Uma afirmando que o “corona” e o coronavírus partirão; a outra, que o Itamarati ficará mesmo lá onde está e para sempre estaremos!

*Advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, foi ministro do STF

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