Época: Em Davos, Bolsonaro defenderá agenda econômica liberal e evitará temas ambientais e de comportamento

Presidente brasileiro será a principal atração da manhã de quarta-feira (23) no evento anual que reúne poderosos, ricos e famosos.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Presidente brasileiro será a principal atração da manhã de quarta-feira (23) no evento anual que reúne poderosos, ricos e famosos

Por Eduardo Salgado e Cleide Carvalho.  Colaboraram Martha Beck e Eliane oliveira

Status. Essa é a palavra que define o Fórum Econômico Mundial. Para participar do encontro que acontece anualmente em Davos, na Suíça, não basta ter dinheiro. O bilionário Donald Trump nunca tinha sido convidado para o evento antes de chegar à Casa Branca. Não basta ter uma presença dominante nos mercados em que atua. Representantes do grupo Odebrecht deixaram de ser bem-vindos depois de os escândalos de corrupção eclodirem. Ser convidado para passar quatro dias na estação de esqui no lugar que serviu de inspiração ao escritor Thomas Mann no livro A montanha mágica é um privilégio para cerca de 3 mil pessoas. Nenhum outro encontro anual consegue juntar tantos chefes de Estado, presidentes e executivos de grandes corporações mundiais, membros de famílias reais, representantes de ONGs e celebridades. Davos é o clube mais exclusivo do mundo. O rendez-vous deste ano será entre os dias 22 e 25 de janeiro.

Esse vai ser o palco para a estreia de Jair Bolsonaro na comunidade internacional, salvo algum cancelamento ou mudança de última hora. Na quarta-feira 23, o presidente brasileiro será a grande atração da parte da manhã. Ele deverá ser apresentado por Klaus Schwab, o presidente do Fórum, e terá pouco menos de 30 minutos para dizer a que veio. O tratamento é completamente diferente ao dado a Michel Temer no ano passado, quando falou para um pequeno grupo de empresários, a maioria do Brasil e de outros países da América Latina, e saiu assim como chegou, sem brilho. Bolsonaro vai ocupar o salão principal do evento, com capacidade para cerca de 1.000 pessoas. Num ambiente extremamente hierarquizado, essa distinção não é pouca coisa. Todos os que estão em Davos chegaram ao topo, mas há galhos mais embaixo e mais em cima. Chefes de Estado, presidentes de grandes corporações multinacionais e diretores de organismos internacionais são o nível mais alto. E o salão principal é para poucos entre eles. Foi ali que Xi Jinping falou, em 2017. No mesmo dia de sua apresentação solo no salão principal, Bolsonaro deverá participar de um jantar com foco em América Latina.

Um veterano de Davos disse que, desde a primeira participação de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, um presidente brasileiro não causava tamanha curiosidade. A expectativa é que Bolsonaro tenha casa lotada, ao contrário de Dilma Rousseff, que, em 2014, só encheu um terço das cadeiras.

Não deve ser ainda desta vez que Bolsonaro encontrará Trump, sua inspiração nas redes sociais e também no conteúdo dos discursos. Presente no ano passado, o presidente americano cancelou a participação neste ano em função da crise que enfrenta com o Congresso. Mas a lista de convidados já confirmados em Davos 2019 e que poderão ouvir Bolsonaro no salão principal ou pedir uma conversa reservada, as famosas conversas one-to-one, uma característica marcante do evento, inclui nomes como a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o secretário-geral da ONU, António Guterres, a diretora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde e o príncipe britânico William. Os efeitos dos quatro dias na Suíça não devem ser subestimados, na opinião de Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores dos dois mandatos de Lula e assíduo frequentador de Davos. “O evento é uma oportunidade de apresentar o país e manter contato com pessoas que realmente têm poder de decisão.”

O interesse despertado por Bolsonaro tem a ver com o Brasil e com ele próprio. O líder recém-eleito de uma das maiores economias do mundo, como o Brasil, que assume prometendo uma nova agenda econômica é sempre um chamariz. E o que Bolsonaro tem a dizer sobre economia é tudo o que a plateia de um dos maiores templos do liberalismo quer ouvir. Não é mera coincidência que a tarefa de escrever o discurso de Bolsonaro tenha caído, principalmente, nas mãos do ministro da Economia, Paulo Guedes, que também vai ao encontro. A decisão de Bolsonaro de ir a Davos teve a participação ativa de Guedes. Num almoço com o presidente e o ministro, João Doria, o governador de São Paulo, deu a ideia de Bolsonaro viajar para Davos. Diante da impressão entre os presentes de que o presidente não sabia do que se tratava, Guedes disse, sem vacilar, que Bolsonaro tinha de ir.

Guedes será a grande atração da edição deste ano do almoço realizado pelo banco Itaú Unibanco no Hotel Belvedere, um dos mais luxuosos da cidade. Se o programa for seguido à risca, Guedes falará em inglês com Mario Mesquita, economista-chefe do banco, e depois responderá a perguntas de alguns dos 70 convidados. “Há muita gente querendo saber o que vai acontecer no Brasil”, disse Ricardo Villela Marino, presidente do Conselho Estratégico da América Latina do Itaú Unibanco. Sergio Moro, ministro da Justiça, também vai e é outro com potencial de brilhar, só que nos debates sobre políticas de combate à corrupção.

Caso Bolsonaro decida se inspirar em seu chanceler, Ernesto Araújo, outro confirmado em Davos, para uma parte de seu discurso, a coisa pode degringolar. A última fala importante de Araújo, a de sua posse, juntou Raul Seixas com uma ave-maria em tupi e críticas ao que chama de globalismo — e deixou a comunidade internacional com vergonha alheia. É sempre bom lembrar que o tema do encontro deste ano é Globalização 4.0. Para evitar conflito, Bolsonaro deverá também evitar comentários sobre suas pautas ambiental, indígena e de comportamento. Entre os convidados já confirmados estão Marco Lambertini, diretor-geral do WWF Internacional, Jennifer Morgan, diretora executiva do Greenpeace, duas ONGs ambientais atacadas por bolsonaristas, e Kenneth Roth, diretor executivo da Human Rights Watch, ONG voltada para a defesa dos direitos humanos. Em alguns dos principais órgãos da imprensa internacional, e provavelmente no imaginário da plateia de Davos, Bolsonaro faz parte do time de populistas formado por Trump, Viktor Orbán — o primeiro-ministro da Hungria, que veio para a posse em Brasília — e o filipino Rodrigo Duterte. A não ser que haja mudanças de última hora, Bolsonaro deverá ser o único representante dessa turma. Por isso é bom não esperar reforço da retaguarda nas pautas fora da área econômica.

Christina Garsten, professora de antropologia da Universidade de Estocolmo, é uma das autoras do recém-lançado Discreet power — How the World Economic Forum shapes market agendas (Poder Discreto — Como o Fórum Econômico Mundial influencia as agendas das empresas, em tradução livre). Em sua avaliação, os populistas representam uma grande ameaça aos valores mais caros a Davos, de fortalecimento da democracia e das soluções baseadas na cooperação internacional. Entre os temas que Davos mais ajudou a colocar na agenda está a preservação ambiental, um dos alvos prediletos de Bolsonaro. “A estratégia do Fórum sempre foi convidar pessoas influentes para debater abertamente. Davos é uma oportunidade para Bolsonaro expor suas ideias, mas também é uma chance de outros líderes, presidentes de empresas e ONGs fazerem o presidente brasileiro pensar duas vezes antes de ir em frente com algumas de suas promessas de campanha”, disse Garsten. A esperança de muitos ambientalistas e defensores dos direitos das minorias é que a mágica da montanha funcione em Bolsonaro.

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