Dorrit Harazim: Alta rotatividade no império

Conselhos, argumentação, dados, experiência — nada disso funciona com Donald Trump, que toma decisões pautado por ímpetos.
Foto: Tia Dufour /White House
Foto: Tia Dufour /White House

Conselhos, argumentação, dados, experiência — nada disso funciona com Donald Trump, que toma decisões pautado por ímpetos

Quatro anos atrás, naquele passado longínquo anterior à era Trump, o general quatro estrelas James Mattis deu uma reveladora palestra na Califórnia sobre segurança nacional dos Estados Unidos. Para falar da prioridade em prover ordem e serenidade em casa, o ex-comandante dos Fuzileiros Navais recorreu a uma instrução que todo passageiro de voo comercial conhece bem — em caso de despressurização o adulto deve, primeiro, ajustar a máscara de oxigênio sobre o próprio nariz e boca, para só então tentar ajudar crianças ou necessitados à sua volta. Também o país precisa de uma sociedade madura para tomar decisões seguras, disse.

Sob este prisma, a bombástica renúncia de Mattis do posto de Secretário da Defesa parece confirmar o que está resumido em seis das 397 páginas do livro “Medo”, best-seller do jornalista investigativo Bob Woodward. No capítulo 37, o autor descreve uma delirante reunião de janeiro último no Salão da Situação da Casa Branca entre o presidente da maior potência mundial e seu Conselho de Segurança Nacional.

Woodward conta que Trump estava vociferante contra um tratado firmado entre Washington e Seul em 2006, por considerá-lo mau negócio. Exigia pela enésima vez que lhe explicassem por que a Coreia do Sul era aliada dos EUA. O que os Estados Unidos lucravam com isso? A resposta mais direta partiu de Mattis: “ Estamos fazendo tudo isso para evitar a Terceira Guerra Mundial”. A reunião foi um fracasso. O autor narra que na época o general chegara a comentar que o presidente se comportava como “um aluno de quinto ou sexto ano ” , cuja capacidade de compreensão não ultrapassava essa faixa etária. Trump jamais digeriu o alarmante quadro de nau à deriva descrito no livro.

Dos participantes de primeiríssimo time daquela reunião não sobrou pó. Rex Tillerson foi expelido da Secretaria de Estado, o general H.R. McMaster abandonou a Assessoria de Segurança Nacional, a chefia de gabinete da Casa Branca está acéfala desde a saída de John Kelly , e agora foi a vez de Mattis pedir as contas. Neste cenário de terra arrasada, 35 integrantes de primeiro ou segundo escalão renunciaram ou foram afastados por Trump nesses dois primeiros anos de governo.

Cabe, contudo, qualificar o caso atual. A docilidade quase servil do cambiante “Trump team” ao longo desses 24 meses deveria ter soado vários alarmes, desde a primeira reunião formal do gabinete pleno, em junho de 2017, quando Trump incentivou (ou foi alvo espontâneo) de singular adulação por parte de seus nomeados. Reunidos em torno da solene mesa oval de mogno do Cabinet Room, a galeria dos novos titulares de pasta ministeriais, diretores de agências federais e membros do estafe mais graduado se prestaram a uma tietagem explícita jamais vista na Casa Branca. Trump fora o primeiro a falar e deu o tom: elogiou a si mesmo ( “Nunca houve um presidente como eu…”). Em seguida, instruiu a todos que se identificassem, declinassem a sua posição no governo, e falassem algumas palavras. O que se seguiu foi mais constrangedor do que elogios ao chefe em festa de firma. Somente Mattis manteve a compostura possível.

Não só quando no poder como também ao sair, os muitos ex-membros to time Trump preferem não fazer barulho. Exceto a participante do reality show “O aprendiz” Omarosa Manigault-Newman, transformada por Trump em assessora de Relações Públicas e demitida por encrenqueira de alta voltagem, a regra é eclipsar-se, guardar as memórias para publicação futura, soltar alguns segredos para jornalistas à condição de anonimato, e trabalhar contra nos bastidores. Omarosa foi a única a publicar um livro “conta-tudo”, mas “Unhinged” é tão inconfiável e sem relevância quanto a autora.

James Mattis é a exceção. Já na palestra de San Francisco mencionada anteriormente, ele dissera que você só abandona seu comandante em circunstâncias horrendas, quando não resta outro meio de você transmitir a mensagem que deve. Em outra ocasião, ao mencionar que nunca considerou a ideia de invadir o Iraque uma boa ideia, embora tivesse comandado a divisão de fuzileiros navais que invadiu Bagdá em 2003, explicou que quando você elege um comandante em chefe, você lhe dá conselhos, mas em privado.

Conselhos, argumentação, dados, experiência — nada disso funciona com Donald Trump, que toma decisões pautado por ímpetos, necessidade de mudar o noticiário negativo, ou para turbinar o eleitorado cativo. Mas uma coisa é insultar e sistematicamente desconsiderar a expertise de subordinados, governando através da incerteza. Outra é ser comandante em chefe dos Estados Unidos e anunciar por Twitter decisões de relevância global como a abrupta retirada de tropas americanas da Síria. Mattis, o chefe do Pentágono, que tem 732.079 funcionários civis na folha de pagamento e 2,15 milhões de homens e mulheres de uniforme sob seu comando, não fora informado da decisão.

Sua carta de renúncia não apenas desmente a versão inicial do presidente de que o general partia para se aposentar, como representa um chamamento à subserviência a Trump pelo establishment republicano do país. Em 584 palavras alinhavadas em oito parágrafos o essencial do que os Estados Unidos de Trump arriscam perder consta da carta. Vale a leitura na íntegra.

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