Como envelhecimento do eleitorado brasileiro pode afetar as eleições

Pessoas acima de 60 anos de idade são 20,26% de todo o eleitorado no Brasil e fenômeno pode ter impactos na corrida presidencial deste ano
Urna eletrônica | Foto: reprodução/BBC news
Urna eletrônica | Foto: reprodução/BBC news

Leandro Prazeres, BBC News Brasil *

O Brasil, que já foi chamado de “país do futuro”, tem eleitores cada vez mais velhos. Essa mudança reflete a transformação demográfica do próprio país como um todo e tem impactos diretos nos rumos da política nacional no curto, médio e longo prazos, dizem especialistas ouvidos pelas BBC News Brasil.

Segundo eles, esse envelhecimento do eleitorado brasileiro deve dificultar, por um lado, a aprovação de pautas consideradas “progressistas” e mais identificadas com a esquerda, como a legalização do aborto e das drogas.

Por outro lado, eles afirmam, pesquisas recentes mostram que os eleitores mais velhos no Brasil tendem a ser mais favoráveis à democracia.

Em um horizonte mais imediato, o aumento no número de eleitores mais velhos é um fator que pode ter bastante peso nas próximas eleições presidenciais, em outubro.

O envelhecimento do eleitor é uma boa notícia para o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, que tende a ter uma maior aprovação entre os mais velhos. Do outro lado, é um desafio para seu principal rival e favorito nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pontua melhor entre os mais jovens.

Dados do TSE evidenciam essa tendência. Em 1994, 21,46% dos eleitores aptos a votar tinha entre 16 e 24 anos. Em 2022, os jovens nessa faixa etária são apenas 13,78% do total.

Na outra ponta, o número de eleitores acima dos 60 anos cresceu. Em 1994, eles eram 11,6% do eleitorado. Em 2022, são 20,26%.

As mudanças também afetaram o “miolo” da pirâmide etária do eleitorado. Em 1994, o grupo que concentrava o maior percentual de eleitores tinha entre 25 e 34 anos de idade.

Naquele ano, eles representavam 27,6% do eleitorado. Em 2022, a faixa com o maior percentual de votantes está pelo menos 20 anos mais velha e vai dos 45 aos 59 anos de idade. Eles somam 24,8%.

Mas quais são as consequências de um eleitorado cada vez mais velho?

Conservadorismo e idade

O doutor em demografia e pesquisador aposentado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) José Eustáquio Diniz Alves estuda o processo de envelhecimento do eleitorado brasileiro há vários anos.

Ele diz que esse fenômeno é uma tendência mundial resultante de uma combinação de fatores que afeta a demografia do país como um todo.

“Nas últimas décadas, a gente teve uma redução das taxas de natalidade e um aumento da expectativa de vida. Isso se reflete, também, na composição das pessoas aptas a votar”, explica.

Segundo o Banco Mundial, a taxa de natalidade no Brasil em 1960 era de 6,06 crianças por cada mulher. Em 2019, ela caiu para 1,72. A queda acompanhou a tendência global. Em 1960, a taxa de natalidade mundial era de 4,98 crianças por cada mulher. Em 2019 ela ficou em 2,4.

Do outro lado dessa equação, o IBGE mostra que a expectativa de vida no Brasil saiu de 45,5 anos em 1940, para 76,8 anos em 2020.

Internacionalmente, alguns estudos apontam que o envelhecimento do eleitorado tende a favorecer partidos ou lideranças classificadas como conservadoras.

Em 2014, os professores James Tilley e Geoff Evans, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, publicaram uma pesquisa indicando que, à medida que o eleitorado britânico envelhece, aumenta a tendência de que ele vote em maior número no Partido Conservador, legenda teoricamente mais identificada com a direita e a defesa de valores tradicionais naquele país.

Estudos anteriores apontam que, à medida que a idade avança, a tendência é que os indivíduos sejam menos abertos a novas experiências e conceitos e deem preferência a produtos ou soluções (inclusive políticas) que já foram testadas previamente.

José Eustáquio avalia que, no Brasil, um dos efeitos do envelhecimento da população seria uma maior dificuldade para a implementação de políticas públicas classificadas como “progressistas”.

“No resto do mundo, pessoas mais idosas tendem a ser mais conservadoras e o Brasil acompanha esse fenômeno. Nesse contexto, candidatos que defendam abertamente pautas como aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e uma política mais branda em relação às drogas tendem a ter mais resistência com um eleitorado mais velho”, explica o pesquisador.

Religião

A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), Luciana Veiga, concorda com José Eustáquio.

Segundo ela, uma das chaves para explicar a relação entre conservadorismo e idade no Brasil é a religião.

Luciana cita a pesquisa Latinobarômetro, que coleta dados de países da América Latina sobre diversos temas.

Em 2020, de acordo com os dados mais recentes, a pesquisa aponta que, no Brasil, o percentual das pessoas que afirmam seguirem uma religião aumenta conforme a idade.

A pesquisa mostra que na população entre 15 a 25 anos de idade, 76% dos entrevistados afirmam professar algum tipo de religião. Entre as pessoas com 61 anos de idade ou mais, esse percentual sobe para 95,5%.

“Nesse contexto, é difícil imaginar, ainda que não seja impossível, que pessoas mais religiosas possam apoiar algumas pautas como o aborto, por exemplo”, explica Luciana.

O aborto, aliás, voltou a ser tema das eleições presidenciais deste ano.

Em fevereiro, a senadora e pré-candidata à Presidência Simone Tebet (MDB-MS), disse ser contra o aborto.

Simone Tebet
Em fevereiro deste ano, a pré-candidata à Presidência, Simone Tebet (MDB-MS) disse ser contra o aborto durante uma entrevista

Em abril, Lula disse que o aborto deveria ser tratado como uma questão de saúde pública e que todo mundo deveria ter direito ao procedimento.

A reação às declarações foi imediata. Lideranças religiosas e adversários políticos de Lula, entre eles o presidente Jair Bolsonaro, criticaram a fala do ex-presidente.

Dias depois, o pré-candidato disse que era pessoalmente contra o aborto e que ele havia apenas defendido que pessoas que teriam praticado o aborto deveriam ser atendidas pela rede pública.

“Essas pessoas pobres que por ‘n’ razões abortam, e eu não quero saber por que elas abortam, o Estado tem que cuidar. Não sei qual o mal entendimento que as pessoas têm disso. É apenas uma questão de bom senso. Ele (aborto) existe, por mais que a lei proíba, por mais que a religião não goste. Ele existe e muitas mulheres são vítimas disso”, disse o petista.

Apoio à democracia aumenta com a idade

José Eustáquio e Luciana Veiga afirmam que o envelhecimento do eleitorado não é necessariamente ruim e que ele pode ter consequências positivas para o restante da população.

Analisando os dados do Latinobarômetro, Luciana Veiga diz que, no Brasil, eleitores mais velhos são os que mais tendem a valorizar o regime democrático.

A pesquisa mostra que entre as pessoas de 15 a 25 anos, 37,2% afirmam que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo. Entre os que têm 61 anos de idade ou mais, esse percentual sobe para 41,1%.

“Considerando o grande número de eleitores nessa faixa etária, isso é uma boa indicação porque, em tese, criaria mais dificuldades a aventuras antidemocráticas”, explica.

José Eustáquio afirma que o envelhecimento do eleitorado é um processo aparentemente irreversível com o qual a sociedade terá que aprender a lidar. Segundo ele, isso só configura um problema se os eleitores envelhecerem sem se darem conta das suas responsabilidades com o futuro do país.

“Não é porque um país é mais velho que ele, necessariamente, terá políticas conservadoras. O Uruguai e a Argentina têm uma composição etária mais velha que a brasileira, mas aprovaram leis progressistas sobre o aborto e drogas. A questão é como nossos eleitores estão envelhecendo”, disse o pesquisador.

De olho no voto

Nas últimas semanas, autoridades, políticos e até artistas de Hollywood como o ator Leonardo Di Caprio convocaram os jovens brasileiros a tirarem o título de eleitor e participar das eleições deste ano. O objetivo era aumentar a participação dos mais jovens na corrida eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) comemorou um aumento de 42,7% no número de títulos emitidos para pessoas entre 16 e 18 anos de idade na comparação com 2018.

Apesar de toda a celebração, especialmente entre lideranças e artistas posicionados mais à esquerda, o cientista político e presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), Antonio Lavareda, aponta, que o envelhecimento do eleitorado no Brasil já é alvo de atenção das campanhas presidenciais neste ano.

Ele explica que esse fenômeno cria um desafio a mais para candidatos e candidatas: convencer aqueles que já não são mais obrigados a votar a irem às urnas. No Brasil, o voto é facultativo para quem tem mais de 70 anos de idade.

Segundo o TSE, o Brasil tem 12,9 milhões de eleitores nessa faixa. Eles equivalem a 8,64% do eleitorado. Como comparação, a outra faixa de voto facultativo, que compreende os eleitores entre 16 e 17 anos de idade, tem 1,62 milhão de pessoas aptas a votar e representa apenas 1,08% do eleitorado.

“Um dos principais trabalhos que os candidatos vão ter é encontrar uma maneira de atrair esse eleitor para as urnas. É muita gente que não pode ser abandonada nessa disputa”, diz Lavareda.

Ao analisar o cenário eleitoral mais recente, Lavareda diz que um dos principais desafios de Lula é ampliar suas intenções de voto junto aos eleitores mais velhos.

“A nossa pesquisa mais recente mostra que a diferença entre Lula e Bolsonaro vai caindo conforme a idade dos eleitores aumenta. Entre os que têm 16 a 34 anos, Lula tem 17 pontos percentuais de vantagem. Já entre os que têm 55 anos ou mais, essa diferença é de apenas sete pontos”, explica.

Jair Bolsonaro
Segundo lugar nas principais pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro apresenta maior popularidade entre eleitores mais velhos

Lavareda avalia que, de certa maneira, a mera candidatura de Lula, que tem 76 anos de idade, já é uma sinalização do PT a esta faixa do eleitorado.

“Há 15 anos, a candidatura de alguém com essa idade talvez não fosse possível. Lula ser candidato aos 76 anos de idade já aponta para uma mudança na cultura sobre o que os idosos podem fazer. Isso já é um aceno para os mais velhos”, defende Lavareda.

Luiz Inácio Lula da Silva
Segundo Comitê da ONU, Lula teve seus direitos violados no processo criminal do qual foi alvo na Operação Lava Jato

O cientista político afirma, ainda, que o aumento de idosos no eleitorado brasileiro vai obrigar os candidatos a criarem propostas e discursos que façam sentido para esse segmento.

“O mundo da política é como se fosse o mundo privado. Quem precisa se vender, não vai negligenciar um mercado tão grande e importante”, avalia Lavareda.

*Texto publicado originalmente no BBC news Brasil

Privacy Preference Center