Algumas análises, diante do morticínio que ocorre nas prisões, da gravidade destes fatos e da comoção que que têm causado, argumentam que essa questão é mais importante do que o combate ao crime de colarinho branco. Na verdade, são duas faces de uma mesma moeda e estão relacionadas!
Alguns chegam mesmo a defender que o combate ao crime de colarinho branco já está bem equacionado. Isto, em primeiro lugar, não corresponde aos fatos; em segundo lugar, pode ser uma esperta tentativa de tirar o foco do que é essencial.
Óbvio que as organizações criminosas precisam ser enfrentadas com toda a competência e energia do aparelho judiciário, nos marcos do Estado Democrático de Direito, mas não podemos nos deixar enganar, nem desconhecer:
(1) que, historicamente, os criminosos de colarinho branco não são condenados, não habitam as prisões e normalmente ficam impunes;
(2) que os traficantes são condenados e presos, e são os que estão se matando nas prisões;
(3) que as iniciativas dos que na justiça querem aperfeiçoar a punição dos criminosos de colarinho branco enfrentam a resistência de uma ampla e poderosa “santa aliança”, suprapartidária e supra-ideológica dos que temem a Lava-Jato;
(4) que mesmo dentro do próprio sistema judiciário existem resistências contra o fim da impunidade dos crimes de colarinho branco;
(5) que existem pressões poderosas envolvendo os maiores próceres da república para que haja um acordo “por cima” para interromper as consequências judiciais do que foi apurado até aqui pela Lava-Jato;
Não haverá nem poderá haver combate eficaz às organizações criminosas do “andar de baixo” da sociedade brasileira se ela mesma não conseguir acabar com a própria impunidade dos crimes de colarinho branco, pois estes são a fonte principal da desesperança, da descrença nas instituições, da desorganização financeira do Estado e da ineficácia de sua ação. Sobretudo, ele é a fonte da desmoralização da política, da polícia e do próprio sistema judiciário.
Estamos todos consternados com a barbárie concentrada, a vivo e cores, do que temos visto nestes dias; mas a sua raiz reside em que, embora diferentes os dois tipos de crimes, é exatamente o que não decapita nem mata diretamente o mais perigoso, pois é o que mais mata, embora indiretamente, o maior número de pessoas. Há muito tempo essas ameaças já residem fora das prisões, e estão nos tirando o emprego, o atendimento público de saúde, a educação de qualidade para nossas crianças, e nos aprisionando em nossas próprias casas!
Se a situação do sistema prisional precisa ser enfrentada com ações emergenciais, até para que cesse a matança, ele não se resolverá enquanto a sociedade, todos nós, ficarmos tratando os criminosos de colarinho branco como “bandidos bons”, e os criminosos pobres, pretos e prostitutas (os PPP’s), os que são recrutados para serem soldados do tráfico, como “bandidos maus”, que podem ser empilhados e armazenados nesses presídios, sem dignidade, para sobreviverem, se tiverem sorte!