Míriam Leitão: Recuperação gradual  

O setor de petróleo ainda vai esperar a superação da crise política antes de recuperar o nível de investimentos no Brasil. É o que mostra pesquisa da Accenture Strategy em parceria com a FGV Energia. No curto prazo, a agenda ainda é de austeridade, mas a partir de 2019 a expectativa é de retorno gradual dos projetos. Para 2026, no melhor cenário, os investimentos podem chegar a US$ 50 bilhões, contra US$ 16 bi de 2016.

O Brasil perdeu o melhor momento do setor para investir. Quando os preços estavam acima de US$ 100, o país ficou discutindo a mudança no marco regulatório, no final do governo Lula e início do governo Dilma. Foram cinco anos sem rodadas de licitação, e o bilhete premiado do pré-sal se transformou em uma conta bilionária de desvios revelados pela Operação Lava-Jato. Nesse período, outros campos de petróleo foram descobertos pelo mundo, e os Estados Unidos começaram a produzir fortemente o petróleo por exploração não convencional (shale gas). Hoje, os preços estão rodando a casa de US$ 50, e as petrolíferas estão mais seletivas na hora de investir.

O impacto da interferência política no setor de petróleo fica evidente quando se olha para os investimentos. Em 2013, eles chegaram a US$ 33 bilhões, mas despencaram para US$ 16 bi no ano passado. A estimativa da Accenture e da FGV Energia é que esse número só começará a subir de forma mais consistente no próximo governo.

— Os anos de 2017 e 2018 ainda serão de reestruturação. Os leilões vão voltar este ano, mas levará tempo até que os investimentos saiam do papel. O que a pesquisa mostrou foi que a partir de 2019 deve ocorrer um retorno gradual dos investimentos, depois que ficar para trás a instabilidade política — explicou Daniel Rocha, diretor-executivo e líder da indústria de Energia da Accenture Strategy.

Desde junho do ano passado, após a troca de governo, o setor passou por uma série de mudanças regulatórias. A Petrobras deixou de ser a operadora única do pré-sal; as rodadas de licitação voltaram a ser agendadas; as regras de conteúdo nacional foram flexibilizadas. Ainda assim, a visão do setor é de que há fortes barreiras ao investimento. Entre os 74 executivos entrevistados pela Accenture, 51% deles citaram a crise política como entrave e 57% reclamaram da carga tributária elevada. O pré-sal também deixou de ser unanimidade.

— O mais importante para o governo é manter a regularidade nos leilões, e, além disso, das áreas que sejam mais atrativas. Isso é fundamental neste momento de maior incerteza — disse.

Rocha destaca o trabalho que vem sendo feito pela atual gestão da Petrobras. Explica que o endividamento da companhia, em relação à geração de caixa, já caiu de 5,3 para 3,2 anos. A petrolífera conseguiu cumprir o seu plano de desinvestimento em 2016, apesar das dificuldades que enfrentou na Justiça para colocar à venda alguns projetos. A pesquisa também mostrou que para 75% dos executivos entrevistados a venda de ativos da Petrobras vai estimular novos investimentos no país. Isso porque haverá um ambiente de maior competitividade, com mais empresas tocando os projetos.

No final deste mês, já acontecerá a 14º rodada de licitação, e a expectativa é positiva. Para 93% dos executivos ouvidos pela pesquisa, haverá boas oportunidades de negócio e para 76% o leilão pode significar um marco para a retomada do setor.

Ontem, o ministro Henrique Meirelles disse que a economia poderá crescer em um ritmo de 3% em 2018. Destravar o setor de óleo e gás será importante para impulsionar a economia e para conter a crise fiscal em estados produtores, como o Rio. _

O Ibovespa caiu 0,45% e frustrou expectativa de quebrar o recorde histórico atingido em maio de 2008.

Dólar caiu a R$ 3,08 e também atingiu a menor cotação em 33 meses contra uma cesta de moedas, segundo o “Financial Times”.

Levantamento da consultoria Sabe mostra que o lucro dos 24 maiores bancos do país subiu 7% no primeiro semestre.

 


Míriam Leitão: Respiro na economia

A inflação mais baixa desde o início do regime de câmbio flutuante, em 1999, é um alívio enorme na lenta recuperação que o país atravessa. Foi essa redução que permitiu o novo corte de juros pelo Banco Central, para 8,25%, e tem promovido aumentos reais na renda dos trabalhadores. O BC falou em política monetária “estimulativa” e aumentaram as chances de juros na casa de 6% no ano que vem.

O país vive dois momentos distintos. Na economia, há sinais cada vez mais fortes de recuperação, enquanto a política continua fonte de incertezas. A bolsa começou o dia em alta, quebrou recorde histórico, mas perdeu força e fechou pouco abaixo do topo. O mercado financeiro se anima com os números melhores da economia, mas também faz as contas do jogo político do ano que vem. O depoimento do ex-ministro Antonio Palocci pode dar novo impulso ao Ibovespa.

O Banco Central reduziu a Selic em 1 ponto e no comunicado afirmou que na próxima reunião o ritmo de cortes deve ser reduzido de forma “moderada”. Alexandre de Ázara, da Mauá Investimentos, enxerga pelo menos mais dois cortes de juros e não descarta a Selic em 6% no ano que vem.

— O BC sugere um corte de 0,75 ponto na próxima reunião, em outubro, e outro de 0,5 ponto, em dezembro. E há chance de nova redução em janeiro, o que colocaria a Selic abaixo de 7% — disse.

A queda da inflação é impressionante e tem várias causas. No pior momento, chegou a 10,71%, em janeiro de 2016, e ontem caiu para 2,46% no acumulado em 12 meses, abaixo do piso de 3% da meta. Os alimentos estão dando uma contribuição importante e caíram pelo quarto mês seguido. Mas, além disso, há a recuperação da confiança no trabalho do BC e da equipe econômica, que segurou o dólar e conteve as expectativas, e também o efeito da recessão, que aumentou a capacidade ociosa da economia.

Essa redução dos preços tem provocado aumento da renda disponível das famílias, principalmente entre os mais pobres. Isso fica claro em levantamento feito pelo Procon de São Paulo, que mostrou que, em um ano, o custo da cesta básica caiu de R$ 701 para R$ 642. Uma queda de 9%. Ao mesmo tempo, lembrou o economista Fernando Montero, da Tullett Prebon, o salário mínimo subiu de R$ 880 para R$ 937. Se há um ano sobravam R$ 178 após a compra da cesta básica por quem ganhava o mínimo, hoje, sobram R$ 297.

No setor industrial, a Anfavea divulgou que a produção de veículos teve alta de 20% nos últimos 12 meses e revisou para cima sua estimativa deste ano, para 25%. De janeiro a agosto, as vendas subiram 5,3% em relação ao mesmo período do ano passado, e as exportações dispararam 56%. O emprego, que vinha em queda livre há quatro anos, agora tem uma ligeira alta. Para se ter uma ideia do impacto da recessão no setor automotivo, o número de empregados caiu de 157,6 mil, em 2013, para 126 mil, em 2016, e agora sobe para 126,3 mil. Se não há sinais de retomada forte nas vagas, dá para afirmar que parou de cair.

Na segunda-feira, o IBGE já havia divulgado o quarto crescimento consecutivo da produção industrial, que subiu 3,4% no período. Apesar da queda do setor no PIB do segundo trimestre, puxada pela construção civil, a indústria vem dando sinais de que está deixando o fundo do poço. É isso que mostra a taxa acumulada em 12 meses, que caía 9,6% em junho do ano passado e agora recua apenas 1,1%. Mês a mês, os números deste ano estão melhores do que os do mesmo período do ano anterior.

A economia segue em recuperação enquanto atravessa a tempestade política.

LADEIRA ABAIXO. Após o comunicado do Banco Central, o banco BNP Paribas revisou para 6,5% sua projeção para a Selic no ano que vem.

RISCO FISCAL I. Relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI) piorou projeção para a dívida bruta, que deve chegar a 93,3% do PIB em 2024.

RISCO FISCAL II. Mesmo com a aprovação de reformas, dívida cairá muito lentamente e chegará a 2030 ainda na casa de 85,5% do PIB.

 

 


Míriam Leitão: O começo do futuro do Rio  

A economia da produção cultural é, por sua natureza, uma atividade empregadora. E é contemporânea à era do conhecimento, que é agora

É desconcertante o tempo em que tudo dá errado e o pessimismo se realimenta, deixando a impressão de que o futuro está perdido. É o ponto em que estamos no Rio. Mas esse pode ser o momento da inflexão, se as cabeças pensarem juntas e a visão se estender para além do momento presente. O futuro não chega por fatalismo do calendário. É preciso buscá-lo. Do contrário, o tempo passa e ficamos presos no passado.

O Rio é magnético. Ele sempre atrairá a inteligência, a criatividade, o debate, a discordância, as tendências, a cultura, as invenções, a literatura, a festa, a música. Sua beleza natural é ativo, e não apenas paisagem. É a cidade ícone do Brasil, a vitrine mais visível. Muitas cidades, regiões e estados no mundo fizeram novos planos em tempos de crise e construíram o futuro em novas bases tendo menos do que temos para recomeçar. O segredo é descobrir onde está a porta de saída e qual é a vocação evidente.

O Rio é software e não hardware. A indústria pesada, de alta emissão, que enfeia a paisagem, contamina o ar e esgota os recursos não é a vocação natural do estado e muito menos da cidade. Por isso, ele nunca será bom em fazer a máquina, mas sim em construir a inteligência da máquina. A economia da produção cultural é por sua natureza uma atividade empregadora. E é contemporânea à era do conhecimento, que é agora. Aqui há seis universidades que podem ser fortalecidas e mobilizadas na produção do conhecimento.

O Rio é evento e entretenimento, para todos os públicos e nichos. A cidade tem uma rede hoteleira ampla e já instalada, o Centro reformado e uma estrutura esportiva recente, que por ser nova, é facilmente recuperável. A logística da cidade melhorou por causa da Olimpíada. Tudo está preparado para um calendário de grandes eventos musicais do pop à música clássica. A cidade tem salas com acústica perfeita para grandes orquestras, ou música de câmara, em pontos diversos e estratégicos. Tem espaços para grandes shows e espetáculos de todos os tipos.

O Rio é internacional. O calendário das promoções culturais, esportivas, econômicas, de convenções deve mirar também o público de outros países. A estrutura hoteleira comporta e requer que se atraia o público global na economia dos eventos.

O Rio é turismo. Não caberia aqui a lista dos seus ativos turísticos, que teria obrigatoriamente que conter as praias, a maior floresta urbana de replantio, o carnaval mais conhecido do planeta, a paisagem exuberante, o Cristo por bênção, braços abertos sobre a Guanabara.

O Rio é história. Ande pela cidade e você tropeçará na história do Brasil. Por aqui entrou a Corte portuguesa em seu exílio e começou a inventar um país. Por aqui entraram mais de um milhão de africanos escravizados e os marcos dessa chegada, dessa dor e força, estão à flor da terra. As marcas dos fatos espalham-se pelo Centro: Tiradentes em seu sacrifício, a princesa em seu momento áureo, a República em seus rompantes, erros e acertos, Getúlio em seu Catete, a Candelária das mobilizações. O Brasil se fez aqui.

O Rio é literatura. Grandes escritores criaram nesse cenário suas obras e seria longa alista, mas fico com Machado de Assise Carlos Drummond de Andrade. Fonte perene de inspiração de poetas e ficcionistas, o Rio é sede da Academia Brasileira de Letras e endereço de grandes editoras: Record, Rocco, Zahar, Sextante, Intrínseca, para citar algumas. Tem o mais poderoso dos eventos literários do Brasil, a Bienal, que começa agora com números impressionantes e estandes que exibem agarrado mercado editorial.

O Rio precisa saber o que é e o que tem. A crise da segurança é obstáculo a qualquer projeto, mas o estado já viu uma política dar certo, ainda que por tempo breve. Na educação, o estado deu um salto da rabeira para os primeiros lugares, com boa gestão e visão estratégica. O doloroso tempo presente não pode paralisar quem já sabe a trilha do sucesso. Quando se diz que o Rio deve reagir não é apenas para ter um lema motivacional. Há um caminho concreto de busca do futuro.


Miriam Leitão: Fim da recessão 

A recessão ficou para trás. Tecnicamente, é isso que se pode dizer com o segundo trimestre de alta. O dado divulgado encerra 12 trimestres de queda na comparação com o mesmo período anterior. A recuperação é lenta e frágil, porque anda sobre o terreno movediço da crise política, mas os indicadores positivos começam a aparecer com mais frequência, como a queda do desemprego divulgada esta semana.

Foi o quarto mês seguido de redução do desemprego. A população ocupada aumentou em um milhão e quatrocentas mil pessoas no trimestre de maio a julho, comparado ao trimestre anterior. Com a liberação do FGTS das contas inativas, as famílias reduziram dívidas e elevaram o consumo. Isso evitou o número negativo que se temia que ocorresse no segundo trimestre. O impacto da crise de 17 de maio foi menor do que o esperado, disse a MB Associados, que ontem mesmo revisou de 0,3% para 0,7% o PIB do ano. Pode parecer pouco, mas se ocorrer esse resultado, o país terá saído de uma queda de 3,6% para uma alta de 0,7%. Recuperação de mais de quatro pontos percentuais.

O crescimento no primeiro trimestre foi forte, de 1%, mas concentrado na agricultura. No segundo trimestre, foi menor (0,2%), mas pela força do consumo (1,4%) e pelos serviços (0,6%), que são mais dinâmicos e sustentáveis. A indústria decepcionou, com recuo de 0,5%, depois de subir 0,7% no primeiro tri. Os investimentos caíram pelo quarto trimestre seguido, sinal de que há muita desconfiança dos empresários na recuperação. Nos últimos 15 trimestres, desde o final de 2013, os investimentos tiveram apenas um único número positivo. Isso mostra que não há garantia de crescimento sustentado.

No desemprego, os dados voltaram a seguir a sazonalidade característica do indicador, com altas no início do ano e melhora no segundo trimestre até o Natal e Réveillon. Em 2015 e 2016, isso não aconteceu, a destruição do vagas foi contínua. Este ano, o número de desempregados chegou a 14,17 milhões em março, e agora recuou para 13,32 milhões, segundo o IBGE, no quarto mês seguido de redução. A maioria das vagas é no emprego informal e por conta própria, mas os números do Caged, com carteira assinada, também voltaram ao azul.

A recuperação enfrenta três grandes barreiras. A primeira é a crise fiscal, que depende das medidas de ajuste que o Congresso e o governo Temer ainda não aprovaram. A segunda é o desemprego que, embora caindo, está muito elevado. E a terceira é o próprio ritmo de crescimento do PIB, que nem de longe lembra o vigor da saída da crise de 2008/2009. Na taxa acumulada em 12 meses, só se espera um número positivo no final deste ano, em torno de 0,5%, agora com viés de alta.

Na semana que vem, podem vir outras duas boas notícias. Na quarta-feira, saem os dados da inflação de agosto, e a expectativa do Banco BNP Paribas é de alta de 0,29%, o que levaria a taxa em 12 meses para 2,56%, no patamar mais baixo desde 1999. Isso permitirá a nova redução de um ponto percentual de juros que será anunciada na noite da quarta pelo Banco Central, levando a Selic para 8,25%. O departamento econômico do Itaú ainda projeta mais dois cortes de 0,5% até o final do ano, seguido de outro, de 0,25% no início do ano que vem. Isso quer dizer que o país começará 2018 com juros de 7%, patamar mais baixo da história, e uma inflação bem pequena, que pode ficar abaixo do piso da meta. A queda dos juros agora se justifica pela forte redução da inflação.

O banco UBS, que cravou o dado de crescimento de 0,2%, disse que sua projeção para ano, de 0,5%, está para subir. A percepção é a mesma do economista Fernando Montero, da Tullett Prebon, que aposta em revisões para melhor das projeções do mercado.

“Assumindo um PIB estável no segundo semestre, o ano já teria crescimento garantido de 0,5%. Desta forma, há chance de revisão para cima na nossa estimativa. Para 2018, estimamos alta de 3,1%", escreveram os economistas Tony Volpon e Fábio Ramos em relatório do UBS.

Com dois trimestres seguidos de alta, o país já pode dizer que tecnicamente deixou a recessão para trás. Mas a economia precisa ainda de uma recuperação mais forte que derrube o desemprego.

 

 


Miriam Leitão: Subsídios condenados pela OMC custam quase o mesmo que as universidades públicas

Era pedra cantada. A OMC iria condenar o Brasil porque os subsídios e incentivos concedidos nos governos Lula e Dilma dentro da política industrial que eles adotaram são condenáveis. Ferem as regras internacionais do comércio e ofendem a lógica. Por que dar a alguns setores industriais um subsídio que custa quase R$ 7 bilhões ao ano? Isso é o valor equivalente ao que é transferido às universidades federais. Quanto custa? Essa é a pergunta central e deve ser feita a cada política pública adotada. Quem tiver por hábito fazer essa pergunta descobrirá por que o Brasil é assim desigual. Daqui até 2019, o país vai gastar com eles R$ 21 bilhões, isso sem falar em subsídios escondidos. Desde 2010, a OMC calcula que R$ 25 bi já foram concedidos aos setores beneficiados. Segundo o Itamaraty, agora sob o comando do PSDB e na presidência de Michel Temer, as políticas adotadas atendem a objetivos sociais, ambientais e de saúde.

Quais mesmo? A indústria automobilística tem que adotar tecnologias menos poluentes e investir em pesquisa e desenvolvimento. Ora, e o contribuinte brasileiro tem que pagar por isso? No mundo inteiro a indústria que fabrica carros está adotando novas tecnologias de menor impacto ao meio ambiente por uma razão de sobrevivência, porque os governos e o consumidor exigem. Se o país tivesse concedendo incentivo para a instalação de nova tecnologia disruptiva, a que vai substituir a dos motores a combustão, poderia até se entender. Mas é ainda a velha tecnologia que os governos passados incentivaram, e o atual ainda defende. Outro conjunto de benefícios é para o setor de informática, que desde os anos 1980 vem sendo protegido e subsidiado no Brasil. Acabou uma lei de informática e começou outra. O governo Temer podia aproveitar a deixa e cortar esses incentivos porque eles são gastos públicos. O Itamaraty prefere recorrer para protelar ao máximo a aplicação da pena. Este é o Brasil. Mudam-se os governos, mas não as alianças que sustentam as transferências para as empresas.

Desde sempre no Brasil se testa a tese de que se houver proteção tarifária e não tarifária, dinheiro público barato, redução ou isenção de impostos, a indústria será pujante. E ela encolhe ano a ano. Os governantes poderiam concluir, por óbvio, que esse caminho não tem dado certo e que é melhor escolher outro. Mas é pedir demais dos governantes que eles consigam dizer “não” aos lobbies.

A condenação na OMC não é uma formalidade. Países serão autorizados a retaliar o Brasil. Em vez de reconhecer o erro, o governo certamente vai procurar uma nova forma de dar uma forcinha para empresas de alguns setores. Em vez de buscar os fatores que realmente aumentam a competitividade, vai continuar usando os recursos do país para defender o que é condenável. E sempre será.

O advogado Marcos André Vinhas Quintão, da Associação Brasileira de Direito Financeiro, disse que as pessoas no país não estão com a noção exata do poder dessa condenação, porque o país tem 90 dias para mudar as políticas ou sofrer retaliação:

— O Brasil pode sofrer retaliação unilateral por parte de todos os países que fazem parte da OMC, e não apenas da União Europeia e do Japão. Para o setor de autopeças o impacto pode ser grande porque o país pode sofrer sanções da Colômbia, Argentina, Peru, Venezuela, Chile, países para os quais o Brasil tradicionalmente exporta esses produtos — diz.

Ele explica que as regras da OMC permitem que se dê incentivos fiscais a quem investir em Pesquisa e Desenvolvimento, mas que não foi isso que a indústria automobilística brasileira fez:

— Para isso a indústria teria que registrar patentes, por exemplo, mostrando que de fato inventou algo de novo para o setor no mundo.

Ele acha que o tipo de incentivo estimula a empresa preguiçosa e dependente e tem esperanças de que o processo na OMC acelere a mudança de mentalidade no Brasil.

Pouco provável. Está aí o Reintegra que não nos deixa mentir. É outro incentivo que pode dar problema e representa um valor dado ao exportador para supostamente tirar os restos de impostos da exportação. Recentemente, o governo decidiu não ampliar o benefício e já começou a choradeira. Vai ser mantido até a próxima condenação.

 


Míriam Leitão: PIB do segundo trimestre deve ficar próximo de zero

O mercado financeiro tem melhorado as projeções do PIB do segundo trimestre, que o IBGE vai divulgar amanhã. Antes, era praticamente consenso um número negativo, e agora as previsões são de resultado em torno de zero ou ligeiramente positivo. Há entre empresários e economistas um certo otimismo para 2018, mas dizem que tudo dependerá das pesquisas de intenção de voto das eleições.

O economista-chefe do banco UBS no Brasil, Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, estima que o PIB do segundo trimestre terá crescimento de 0,2% sobre o primeiro tri. Se acontecer, será o segundo trimestre de resultado positivo, após o país encolher por oito trimestres consecutivos, entre 2015 e 2016. Para o ano que vem, ele prevê alta de 3,1%, uma das maiores estimativas do mercado. Volpon, que assumiu a diretoria internacional do BC no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, diz que há uma série de efeitos favoráveis “contratados” para a economia no próximo ano. O problema, explica, é que tudo depende da campanha eleitoral. O temor é a vitória de um candidato contrário às reformas econômicas.

— Os juros vão cair para a casa de 7% este ano, a inflação baixa vai ajudar na recuperação da renda. O processo de desalavancagem das famílias e das empresas vai estimular consumo e investimentos, e o cenário externo é favorável. Tudo isso é muito positivo. Mas 2018 vai depender se teremos ou não uma candidatura reformista forte — explicou.

Na opinião dele, a economia tanto pode crescer forte em 2018 quanto voltar à recessão, porque o mercado traz “a valor presente” riscos e oportunidades. Se o cenário for favorável às reformas, o risco-país cai mais, a confiança sobe, e os investimentos saem da gaveta. O contrário, porém, é a disparada do dólar, o encarecimento do crédito e a volta da insegurança. De fato, o país está numa situação delicada na área fiscal e de dívida. Uma administração que amplie os gastos em vez de mudar a estrutura das despesas será um risco.

Na segunda-feira, o Boletim Focus revisou para 7,25% a estimativa do mercado financeiro para a taxa Selic este ano, e Volpon aposta que já na reunião da semana que vem os juros cairão para 8,25%, com um novo corte de um ponto. O barateamento do crédito, em um primeiro momento, vai acelerar a redução do endividamento, com a troca da dívida mais cara por outra mais barata.

— Vários resultados surpreenderam: comércio, serviços, indústria, renda e emprego. O resultado das empresas no segundo trimestre ficou acima do esperado. O PIB não deve crescer tanto quanto no primeiro trimestre, que foi 1%, concentrado na agricultura, mas deve ser mais espalhado — completou Fábio Ramos, economista também do UBS.

O economista-chefe da Truxt Investimentos, André Duarte, explica que a massa salarial real, a soma de todos os salários pagos, aumentou nos últimos meses, com a queda da inflação, e isso ajudou o comércio. Apesar da queda lenta do desemprego, qualquer melhora reduz o endividamento e estimula o consumo. Ele também avalia que 2018 será decidido pelas pesquisas de intenção de voto.

— A partir de abril, quando faltarem seis meses para as eleições, o mercado vai começar a se decidir para que lado vai. Infelizmente, o ano que vem será uma espécie de “vai ou racha” na economia — explicou.

Na economia real, a sensação é de que o pior já passou, mas a retomada ainda é difícil. O presidente da WEG, multinacional brasileira de máquinas e motores, Harry Schmelzer, diz que se sair um resultado positivo no PIB amanhã será importante para a confiança.

— Na WEG, enfrentamos a crise buscando o mercado externo e ampliamos novos negócios, como no setor de energia eólica. Hoje, 57% da nossa receita vêm de fora do Brasil. Aqui, cortamos vagas, na China, contratamos. Para voltar a contratar no Brasil, só em 2019, dependendo do resultado das eleições — afirmou.

Schmelzer elogia a equipe econômica, mas lamenta que o governo ainda não tenha conseguido votar a reforma da Previdência, crucial para reequilibrar as contas públicas. Acha que o combate à corrupção e a agenda de privatizações vão ajudar a diminuir o patrimonialismo, e isso fortalece o capitalismo no país.

As melhoras econômicas que ocorrem na visão de empresários ou economistas dos bancos dependem do rumo da política para continuar.

 


Míriam Leitão: Tempestade política  

O Brasil pode ter uma tempestade política perfeita. O conceito, importado do inglês, perfect storm, nasceu na meteorologia e foi para a economia. No nosso caso, pode ir para a política. O governo Temer, por seus defeitos e sua herança, vai desgastar a ideia das reformas e ordem fiscal. O PT falsifica os fatos recentes. Aumentou o risco da saída populista que poderá levar ao colapso da dívida pública.

O ministro Henrique Meirelles disse que o eleito em 2018 pode ser um candidato reformista. Isso é mais desejo do que realidade. governo Temer não conseguiu ainda entregar ao país um horizonte de equilíbrio fiscal e algum conforto econômico. Houve apenas pontos de alívio com a queda da inflação e dos juros. Mas o desemprego é muito alto, e a crise fiscal pode ficar mais aguda nos próximos meses, com a paralisação de serviços essenciais. Então, o caminho de reformas e de tentativa de controle de gastos será apontado como o culpado pela crise.

Em parte, o governo Temer paga o preço dos seus erros. O maior deles foi aquela noite do Jaburu. A revelação da conversa com Joesley Batista aumentou sua impopularidade. Os que apontavam seu governo como regular passaram a considerá-lo ruim ou péssimo. No Congresso, sua blindagem custou caro. Ele estava na ofensiva, hoje está na defensiva nas negociações da coalizão. Os projetos que envia são desvirtuados e ele é capturado por qualquer lobby. Sua base hoje é de alto custo.

Por outro lado, o PT ficou, ao sair do governo, em uma situação confortável. Líderes do partido dizem, sem ruborizar, que o desemprego foi criado por Temer. Apostam no fato de que o brasileiro médio não acompanha as estatísticas com o cuidado do público especializado. A escalada do desemprego começou antes e foi detonada pelas decisões tomadas no governo Dilma. No fim de 2014, eram 6,4 milhões de desempregados, em maio de 2016, quando ela foi afastada pela primeira vez, já eram 11,4 milhões. A máquina de destruição de emprego foi ligada no governo dela.

Dilma provocou uma ruptura na área fiscal. Encerrou 16 anos de ajuste. A dívida pública escalou, depois de ficar anos estabilizada em torno de 50% do PIB. Hoje está em 73% e subindo. Uma política econômica populista que aumente os gastos provocará uma crise de confiança em relação à dívida.

Na campanha, o PT jogará sobre o governo Temer tudo o que houve de ruim nos últimos anos. Essa é a estratégia que o partido vem desenvolvendo. Vai dizer que os problemas são causados pela tentativa de pôr ordem nas contas públicas. Isso asfaltará o caminho para o populismo, seja de que tendência for. A extrema-direita também pode usar esse discurso populista com solução simplista de impor a “ordem”. O populismo é uma doença que pode ocorrer à esquerda ou à direita. O risco desse caminho é que ele provocará uma crise da dívida, que leva, inevitavelmente, à devastação econômica.

Para agravar a tempestade política, o país vai para uma campanha com regras escolhidas de afogadilho, em tentativa dos políticos de proteger seus mandatos. A cada dia surge uma ideia nova. E péssima. Distritão, distritão com voto em legenda, semipresidencialismo. Cada uma das ideias tem contradições e erros técnicos que a ciência política tem apontado. O distritão é sistema antiquado e significa abandonar o proporcional que atravessou a história do Brasil, sem qualquer garantia de corrigir seus defeitos. O distritão com voto em legenda é um híbrido incompatível. Ou bem é voto único não transferível ou bem é voto legenda distribuído aos candidatos da lista. O semipresidencialismo, pelo qual conspiram o presidente, Michel Temer, e o presidente do TSE, Gilmar Mendes, transforma o Brasil no que ele nunca foi: um grande Portugal. Na semana passada, o relatório da deputada Shéridan Oliveira evitou o pior, mas ninguém sabe o que sairá do Congresso. Nem os políticos. Eles estão improvisando.

Isso torna a eleição de 2018 uma grande incógnita. Com regras mal feitas, erros de Temer, temporada aberta de populismo e crescimento da dívida pública, está se formando uma tempestade. O país precisará de muita sabedoria para atravessar momento tão perigoso.

 


Miriam Leitão: Privatizar é bom ou ruim?

Na Infraero, foi assinado um acordo coletivo que impede demissão até 2020. Só que a empresa está diminuindo pelas vendas de aeroportos ou de participações. Há quatro mil funcionários excedentes. Isso ao custo de R$ 1 bilhão por ano. O que faz essa irracionalidade é um velho defeito das estatais ao qual os dois governos passados cederam: o corporativismo.

Os funcionários das estatais têm sido eficientes em apresentar seus interesses como sendo o interesse coletivo. E mesmo o economista mais preocupado com as contas públicas, se trabalhar numa das empresas do governo, vai defender o próprio bolso quando a mudança o afetar. Há casos recentes disso. As estatais são empresas de propriedade coletiva, mas, na prática, seus donos têm sido os trabalhadores e os políticos. O poder nas empresas é distribuído aos políticos como se fosse o butim a que eles têm direito porque venceram a guerra eleitoral.

Não se pode privatizar pelos defeitos que o Brasil acumulou dentro da parcela estatal da economia e é melhor não se iludir sobre o caráter das empresas privadas. É velho — e velhaco — o patrimonialismo brasileiro. Muitas empresas privadas continuam a ordenhar o Estado. O capitalismo não é uma ideia vencedora no Brasil. Direita e esquerda, ao governarem, impuseram mais Estado e mais proteção e subsídio às empresas que se definem como nacionais.

O ideal é que não se privatize por ideologia, nem para cobrir o rombo do ano, mas com uma ideia do que se quer naquele setor. Na telefonia, deu certo. Eu sei que quem me lê já quis jogar um celular na cabeça de qualquer uma das operadoras que atuam no país. Eu mesma tenho ímpetos diários. Mas foi pela privatização que o brasileiro passou a ter telefone. Graham Bell registrou a patente da sua invenção em 1876. Noventa e seis anos depois foi criada a Telebrás. Até ser privatizada, em 1998, não havia conseguido, em quase 30 anos, universalizar o telefone. Mais de metade dos brasileiros não tinha acesso à invenção de Graham Bell, no final do século XX. O que deu certo nessa área foi o setor privado e a regulação. Nos últimos anos, o órgão regulador piorou.

A pergunta que está no ar agora é se será bom privatizar a Eletrobras. O modelo que o governo rascunhou parece interessante. Ele não privatiza, aceita ser diluído. Isso permite que a Eletrobras venha a ter o controle pulverizado. Se der certo, ela terá milhares de donos, será uma empresa pública, do público. Há inúmeras companhias assim pelo mundo afora. Mas nem isso é garantia de que dê certo.

É preciso boa governança para que uma empresa aberta e de capital diluído seja eficiente. E sempre será indispensável boa regulação. O governo começou a mudar as regras do setor elétrico, de um modelo intervencionista para um pró-mercado. A famosa MP 579 foi a intervenção que já custou muito caro ao país e ao mercado. Agora, se quer expurgar os efeitos dessa regulação do governo Dilma.

O setor elétrico é de uma complexidade espinhosa. É um mercado de múltiplos interesses e de equilíbrio frágil. As novas regras ainda não foram escritas. Apenas houve uma nota técnica de para onde se quer ir e uma consulta pública que recolheu boas sugestões. Os técnicos começariam a redigir a MP quando veio a decisão de privatizar a Eletrobras. Qual MP escrever primeiro? Esse é o dilema. Se as regras vierem depois da venda, pode haver zonas de confusão. Se forem escritas antes, pode atrasar a venda.

Durante a grande guerra provocada pela 579, a MP intervencionista, as empresas do setor perderam o medo de entrar na Justiça. Judicializaram tudo. Agora, ameaçam de novo, quando se fala em mudar as regras, mesmo que seja para melhor. A Justiça existe exatamente para definir contenciosos, mas uma nova temporada da discórdia judicial eleva a incerteza regulatória.

É bom privatizar, mas não é trivial. No caso da Infraero, a venda de Congonhas, aeroporto rentável, vai piorar o passivo trabalhista da estatal. O governo diz que vai exigir que o comprador financie parte de um plano de demissão voluntária e vai capitalizar a empresa com a venda das participações em aeroportos privatizados. Vamos ver. O diabo tem residência conhecida. Mora nos detalhes.

 


Míriam Leitão: Os dados do ministro 

Arrecadação federal caiu R$ 150 bi, diz ministro. O governo não sabe quantos servidores públicos ganham acima do teto constitucional, porque para isso o executivo precisaria ter os dados dos outros poderes e não tem, mas a estimativa é que se fosse respeitado o teto o país economizaria R$ 750 milhões por ano. Quem diz é o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira. “É uma estimativa conservadora. Pode ser muito mais.”

Entrevistei o ministro sobre alguns dos vários temas que estão em debate em sua área. Ele admite, por exemplo, que o BNDES pode vir a financiar a Cemig na compra das usinas. Segundo ele, o leilão está mantido para o dia 27 de setembro, mas até o dia 30 de agosto as conversas com a Cemig continuam. A estatal mineira argumenta que em três das quatro hidrelétricas cujas concessões não foram renovadas no governo Dilma há uma cláusula estabelecendo a renovação automática. Mas o governo colocou as usinas para serem leiloadas e já conta com o dinheiro para o fechamento da meta este ano:

— O leilão não está suspenso, mas até o dia 30 a Cemig me garantiu que apresentará uma estrutura financeira sólida. Nós não temos nenhum problema que a Cemig compre essas usinas, mas não podemos abrir mão do dinheiro delas. Se o BNDES decidir apoiar a Cemig dentro desse projeto, não vamos intervir. Não vamos impedir o banco de fazer um bom negócio.

O ministro diz que o governo tem condições de tocar a privatização da Eletrobras e dos outros 57 projetos de privatização que foram anunciados. Segundo ele, são equipes diferentes trabalhando e em algumas áreas já há a modelagem testada. Existem equipes especializadas em cada tipo de operação. Diz que na área das linhas de transmissão, por exemplo, serão 11 projetos privatizados, mas da outra vez foram 30:

— São coisas que a gente já fez em grande volume. As equipes já têm experiência e sabem fazer com tranquilidade. O que é importante é mostrar a correção de fazer isso.

Perguntei se o processo da Eletrobras, tão comemorado no mercado, não poderia parar por pressão política. Já há pressões para que se tire a Chesf por exemplo:

— A Eletrobras está com dificuldade de cumprir seus próprios planos de investimento, para desenvolver suas atividades, e através desse mecanismo ela passa a um patamar diferente de acesso a recursos. Importante mencionar que uma das partes da modelagem é exatamente a revitalização do Rio São Francisco. Então parte do ganho da privatização será revertido para investimento na área da Chesf. Esse era o projeto que o governo vinha realizando com dificuldade, por limitações orçamentárias.

Perguntei se o país escapa de um aumento de impostos, e o ministro não afirmou que sim nem garantiu que não. Disse que a carga tributária não aumentou. Pelo contrário:

— Nós tínhamos uma média histórica de 22,4% do PIB de arrecadação federal e nós estamos indo para 20% em 2018. Uma perda de 2,4 pontos percentuais do PIB, traduzindo em dinheiro, algo como R$ 150 bilhões. Não digo que os impostos vão aumentar, mas para que se tenha uma discussão objetiva sobre as coisas nós temos que falar com os números.

E o ministro apresentou números sobre a necessidade da reforma da Previdência. A despesa da Previdência total é de R$ 730 bilhões, e isso corresponde a 57% da despesa total do governo. Era 50% em 2010. Do ano passado para este ano, a Previdência aumentou em R$ 50 bilhões. Como o investimento total do governo será R$ 25 bi, só o acréscimo da despesa da Previdência é o dobro do que o setor público investe. O INSS tem um déficit de R$ 185 bilhões, mas atende a 30 milhões de aposentados e pensionistas. O déficit da Previdência dos servidores federais é de R$ 75 bilhões para atender apenas um milhão de aposentados e pensionistas:

— É uma desproporção muito grande. Quem ganha salário mínimo já se aposenta com quase 65 anos. O aposentado do setor público se aposenta mais cedo e ganhando mais. A reforma é para equilibrar e ter mais justiça no sistema.

Ele disse que a negociação para a reforma da Previdência dos militares prossegue e justificou o fato de eles terem sido poupados do congelamento dos salários afirmando que eles ganham menos que os servidores civis.

 


Míriam Leitão: Um governo errático 

O governo teve um surto hiperativo nas últimas horas. Anunciou na segunda-feira a privatização da maior empresa de geração de energia. Na terça, pôs à venda 57 outros ativos. Ontem de manhã, tomou a correta decisão de aumentar o acesso dos trabalhadores ao PIS/Pasep. De tarde, por decreto, impôs ao país o fim de uma reserva ambiental com área do tamanho do Espírito Santo, que fora criada no governo militar.

Parecem coisas distintas, mas a soma dos atos governamentais mostra uma administração errática e perigosa. Ela pode tomar a qualquer momento uma decisão boa ou trágica, bem pensada ou confusa. Nunca se sabe a que lobby o governo vai atender. Na área ambiental, o presidente Michel Temer tem conduzido um retrocesso assustador. Já é o pior na questão ambiental de todos os governos desde a redemocratização. E agora superou até o governo militar ao arrancar do mapa da conservação da Amazônia 47 mil Km2 que haviam sido protegidos há 30 anos no governo do presidente João Figueiredo.

Quanto mais o presidente Temer quer regredir na área ambiental? Que novos crimes ambientais quer cometer? Há 33 anos, em 1984, a ecologia era um tema valorizado apenas por pequenos grupos e a questão climática ainda engatinhava. Só em 1987, três anos depois, foi publicado o Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum”. Só em 1992 ocorreu a Cúpula da Terra no Rio, que inaugurou as negociações globais para um Acordo do Clima. E, mesmo antes de tudo isso, Figueiredo criou essa reserva entre o Pará e o Amapá e proibiu a mineração no local. Desfazer isso hoje, depois de tudo o que se sabe, é um retrocesso inacreditável e que cai sobre o país na forma autoritária de um decreto.

Preparar uma empresa para a venda e definir o modelo são um processo complicado, o que significa que esta administração não tem como fazer tudo no período curto que tem pela frente. Devia escolher em que focar na área da privatização. Tanto é verdade que está falando em vender a Lotex desde que assumiu e já se passaram 15 meses do atual governo. Ontem foi novamente anunciado que ela será vendida.

Antes de comunicar a decisão de vender ações da Eletrobrás o governo já havia começado uma revisão da regulação do setor para corrigir os inúmeros problemas do excessivo intervencionismo da MP 579 do governo Dilma. Foi feita uma consulta pública e agora o Ministério das Minas e Energia está iniciando uma consolidação das propostas para redigir o decreto com as mudanças. Nesse contexto, faz sentido pensar em mudar a governança da Eletrobras. A estatal sempre foi vítima da espoliação política. O PMDB a dividiu em várias sesmarias para que os caciques de cada região dominassem um pedaço. O fim dessa ingerência dos políticos certamente vai aumentar a eficiência da gestão e isso é que foi comemorado pelo mercado no primeiro dia. A queda de ontem das ações era previsível, porque sempre ocorrem esses movimentos de realização após uma grande alta. A mudança de regras do setor elétrico, a negociação de uma saída para os prejuízos causados pela má regulação, a privatização da Eletrobras fazem parte de um conjunto harmônico de decisões.

O que não faz sentido é anunciar no dia seguinte a venda de outros 57 ativos que vão de linhas de transmissão, Casa da Moeda, 15 aeroportos, entre eles o de Congonhas, rodovias, terminais rodoviários, companhias docas. Se fosse capaz de executar todas essas vendas, já teria feito alguma. O governo Temer está desde o seu começo anunciando que vai anunciar a lista de projetos do Programa de Parcerias de Investimento. Tem menos de um ano para realizar todos esses leilões, porque depois o país estará voltado para as eleições. Conseguirá?

Existem momentos de bom senso no atual governo. Raros. Ontem, a boa notícia foi a decisão de reduzir a idade para sacar as cotas do PIS/Pasep. Mulher com 62 anos e homem com 65 anos terão acesso a esse dinheiro que sempre pertenceu ao cotista. A poupança compulsória sub-remunerada do trabalhador é um velho defeito da economia brasileira. A aprovação ontem da TLP em comissão no Senado é mais um passo na direção certa. O problema do governo Temer é que seus acertos são menores do que seus erros. E alguns dos erros podem provocar danos irreversíveis.

 


Míriam Leitão: O buraco de R$ 800 bilhões

A principal emergência para o ajuste das contas é o governo olhar exatamente quanto está gastando com os mais ricos e eliminar esse custo

 O país está acumulando um buraco de R$ 815 bilhões de 2014 a 2020. Houve 16 anos de superávit, de 1998 a 2013. O primeiro déficit foi em 2014, e o governo prevê contas no negativo até 2020. Sair de um buraco desse tamanho é um dilema do país para além desta administração. O governo prevê que as empresas estatais continuarão dando déficit todos os anos.

Com o anúncio de terça-feira, o governo Temer admitiu que não colocará o país nos trilhos, como havia prometido. A promessa não era mesmo de se acreditar, ninguém achava que seria uma ponte sobre o mar vermelho, mas havia uma expectativa de que fosse possível reduzir ano a ano o tamanho do rombo. Agora já se sabe que nem isso acontecerá e será um bom resultado ficar nesses R$ 159 bilhões de déficit este ano e no próximo.

No anúncio, os ministros mostraram a dura realidade dos números de um país em crise fiscal aguda, mas os políticos do centrão não entenderam. E se preparam para retaliar na Comissão de Orçamento. O governo não incorporou, por boas razões, várias propostas que eles fizeram à LDO, que inclusive invadiam atribuições do executivo. Esses vetos, e mais as medidas que impactam o funcionalismo, estão alimentando a reação dos deputados, que alegam também razões políticas para a rebeldia velada. Acham que não foram “prestigiados”. Por isso vão atacar onde for possível: no Refis, que o governo tenta salvar de alguma forma, e na proposta de criação da TLP. Isso sem falar na ameaça que fazem de não votarem a favor da revisão da meta. O Congresso continua não entendendo em que momento estamos. A proposta do deputado Vicente Cândido (PTSP) de volta da doação oculta é suficiente para mostrar que alguns representantes se mudaram para Marte. Menos transparência a esta altura só pode ser piada.

Se o país nada fizer para mudar a maneira como arrecada e gasta, vai revisitar perigos que já havia superado, como o de que a dívida não seja paga. O Brasil viveu esse temor ao fim dos anos 1980 e, de fato, começou a década seguinte com o calote do governo Collor. Tudo terá que ser olhado agora com mais cuidado para o país sair da armadilha em que entrou. A recessão é uma das causas do déficit, mas não só. O superávit primário começou a ser dilapidado nos bons anos, em que houve crescimento com a criação de despesas que se eternizaram.

Será necessário fazer muito para voltar a ter equilíbrio nas contas. Medidas difíceis, como fechar ministérios, eliminar autarquias e vender empresas estatais. O Brasil tem quase 200 empresas estatais. E a maioria é deficitária. Nas previsões do governo divulgadas esta semana, as estatais federais darão prejuízo acumulado de R$ 13,4 bilhões até 2020. Muita gente acha que vender não resolve o problema porque o governo cria apenas receita extraordinária. É verdade, porém, a privatização faz com que sejam eliminadas despesas correntes permanentes. O ganho mais importante é a despesa que não será feita.

As contas apresentadas pelo governo na revisão da meta são até excessivamente otimistas em alguns pontos. Um exemplo é a previsão de que os estados e municípios passarão a ter superávit primário já no ano que vem, de R$ 1,2 bi. E isso apesar de receberem em 2018 menos R$ 8,5 bilhões de transferências federais. Os ministérios da Fazenda e Planejamento preveem novo superávit de R$ 4,7 bilhões em 2019, para estados e municípios, e outro de R$ 16,6 bilhões em 2020. Como conseguirão a façanha na situação falimentar em que se encontram é um mistério que o governo não explicou.

A principal emergência para o ajuste das contas é o governo olhar exatamente quanto está gastando com os mais ricos e eliminar esse custo. Dentro desse projeto é que está a TLP, contra a qual alguns economistas têm se insurgido, estimulando os parlamentares que querem um bom motivo para ficar contra um projeto que prejudica os empresários. O objetivo da nova taxa de juros de longo prazo do BNDES é ir eliminando aos poucos os absurdos, injustos e, por que não dizer, bizarros subsídios às grandes empresas no país. É insensato continuar gastando tanto com os ricos num país que tem tantas carências e tão grave desequilíbrio fiscal. Depois de 15 anos de superavit, governo vai acumular um déficit de R$ 815 bilhões de 2014 a 2020 Empresas estatais darão prejuízo todos os anos, com um rombo de R$ 13,4 bilhões até 2020. É preciso encarar a realidade, cortar gastos, vender empresas e eliminar subsídios aos ricos