Ascânio Seleme: Fascistas e antifascistas

Quando o deputado Eduardo Bolsonaro atacou as manifestações antifascistas de junho passado, chamando seus participantes de terroristas, as pessoas relevaram, embora fosse a palavra do terceiro zero do presidente da República.
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

Quando o deputado Eduardo Bolsonaro atacou as manifestações antifascistas de junho passado, chamando seus participantes de terroristas, as pessoas relevaram, embora fosse a palavra do terceiro zero do presidente da República. Tratava-se de mais do mesmo. O personagem já havia demonstrado inúmeras vezes seu desamor à democracia. E, depois, embora fosse filho do homem, não era o homem. Não era o governo, não representava a nação. Levou os pitos habituais e a vida seguiu.

Agora, não. Acabaram as dúvidas daqueles que ainda viam o governo simplesmente como liberal de direita ou dos que o classificavam apenas como conservador. A revelação de que um obscuro departamento do Ministério da Justiça monitora um grupo antifascista formado por servidores públicos da área de segurança e professores universitários críticos ao governo explicitou definitivamente seu caráter extremista. Quem fiscaliza e faz dossiê sobre pessoas e instituições que pregam contra a restrição da liberdade pode ser chamado, no mínimo, de antidemocrático.

Parece piada, mas não é. O repórter Rubens Valente, do UOL, revelou na sexta-feira da semana passada, que uma Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça investiga e já produziu um dossiê sobre o movimento Policiais Antifascismo e sobre professores que se opõem ao governo Bolsonaro. Trata-se na verdade de uma investigação subterrânea, sem objetivo, por não haver crime, e sem acompanhamento do Ministério Público ou de um juiz. Uma investigação ilegal, criminosa.

Para o Ministério da Justiça, a xeretice da Seopi tem a intenção de prevenir práticas ilegais dos funcionários públicos e de garantir a segurança. O argumento é ridículo. O objetivo é político. A investigação ilegal é uma forma de monitorar e manter sob vigilância opositores de Bolsonaro. Porque, e agora é oficial e tem carimbo do Ministério da Justiça, o governo trata antifascistas como perigosos inimigos. Inimigos políticos a serem investigados, denunciados e abatidos. Aliás, estes em questão já foram de certa forma denunciados.

O dossiê sobre os professores e os policiais antifascistas foi distribuído entre órgãos de segurança nos estados e no Distrito Federal. Na prática, estimula a repressão, uma vez que sugere que os dois grupos são capazes de desestabilizar a segurança. Trata-se de uma rematada bobagem. Eles representam exatamente o contrário disso. Ao se posicionarem contra o fascismo, dizem claramente serem contra autoritarismo e violência.

Observação necessária. A Secretaria de Operações Integradas, um órgão de inteligência, que em português verdadeiro significa espionagem, foi criada no atual governo, ainda na gestão do ministro Sergio Moro. Mas, de acordo com a reportagem do UOL, o dossiê foi elaborado já no comando do ministro terrivelmente evangélico André Mendonça. Nenhuma dúvida quanto ao seu caráter, certo?

Outro detalhe importante. O zerinho de Bolsonaro voltou a falar depois que a matéria teve repercussão. Agora, como se fosse em nome da administração. Ele indagou no Twitter se as pessoas querem que o governo tenha em seus quadros pessoas ligadas ao movimento antifas. Foi um deboche, se fosse uma pergunta séria, a resposta seria SIM! O governo seria melhor. Apontaria para a tolerância e a civilidade. Mas o zerinho tem razão, não dava mesmo para esperar por este gesto de grandeza de um governo tão pequeno.

Nenhuma saudade
No dia 27 de agosto de 1980, há 40 anos, uma carta-bomba explodiu nas mãos da secretária do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Dona Lyda Monteiro da Silva morreria logo depois, ao dar entrada no Souza Aguiar. O artefato decepou-lhe um dos braços e provocou diversas mutilações no seu rosto e em seu torso. Outras três bombas foram enviadas para a Câmara Municipal do Rio, para a sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e para o jornal “Tribuna da Luta Operária”, órgão do Partido Comunista do Brasil. A da Câmara deixou seis feridos, a da “Tribuna” era de baixa potência, explodiu de madrugada e só causou danos materiais. A da ABI foi desmontada, depois de o presidente da entidade, Barbosa Lima Sobrinho, ter sido alertado por um telefonema anônimo. Eram os facínoras da ditadura tentando impedir a abertura em curso no governo do último general. Um ano depois, dois desses gorilas implodiram eles mesmos e o regime no atentado malsucedido do Riocentro. Ao contrário de Regina Duarte, o país não tem nenhuma saudade daqueles dias sombrios. Por Isso, todo movimento antifascista é bem-vindo.

Perda da confiança
A diferença fundamental entre Collor e Bolsonaro, a despeito de tantas semelhanças entre os dois, é que Bolsonaro não confiscou a poupança dos brasileiros. Três dias depois da posse, Collor perdeu a confiança dos seus eleitores. Ele decepcionou tanto que caiu na primeira boa chacoalhada. Nestes dias de silêncio do capitão, alguns envergonhados voltam a falar abertamente em seu favor. Tudo o que o eleitor não bolsonarista de Bolsonaro quer é uma desculpa para dizer, nem que seja para ele mesmo, que não errou.

Mitos
Até a segunda metade do século 19, as pessoas não acreditavam que pandas existissem de fato. Achavam que era uma lenda, um mito. Os primeiros a comprovar que os ursos com cara de bonequinho de pelúcia frequentavam a terra de Deus foram cientistas. Só Bolsonaro não enxerga que os cientistas estão sempre um ou dois passos na frente do resto de nós.

Rede de ódio
Quer saber como funciona o “gabinete do ódio”? Quer entender como ele opera? Como funciona seu mecanismo de criação e distribuição de fake news? Quer conhecer as consequências políticas que ele é capaz de gerar e até onde pode chegar? Então assista ao filme “Rede de Ódio”, do diretor polonês Jan Komasa. Disponível na Netflix.

Ecoanxiety
Relatório da Associação Americana de Psicologia descreveu uma nova síndrome neurológica. Trata-se do que a entidade chamou de “ecoanxiety”, o que seria, em tradução livre, uma ansiedade ecológica. Ela define um novo comportamento social que se traduz na forma de um “medo crônico da falência ambiental”. Enquanto isso, no Brasil, Ricardo Salles segue sendo ministro.

Marchons, marchons
Um milhão e meio de galões de vinho da Alsácia vão virar álcool em gel. O maravilhoso vinho branco da região Nordeste da França, ao longo da fronteira alemã, será transformado em álcool e distribuído em hospitais e postos de saúde. A primeira razão, claro, é a pandemia de coronavírus que exigiu um aumento brutal da fabricação desse higienizador de mãos. Em segundo lugar, um boom na produção de vinho local. Os vinicultores, contudo, prefeririam estocar o excesso e vender em ano de baixa. Mas, enfim, guerra é guerra.

Paula e Caetano
Uma das melhores brincadeiras digitais dessa pandemia são as conversas de Paula Lavigne com Caetano Veloso, em que ela insiste para ele fazer um vivo numa rede social. Os diálogos entre os dois são fabulosos. Caetano, todo mundo sabe, é um gênio. Muito bom ver um gênio na versão caseira. O resultado é até mais interessante do que uma live que, aliás, vai sair. Melhor que eles, só o Adnet.

Nota de 200
Fala sério. Para quê o governo vai confeccionar a nota de R$ 200? Não tem sentido. Por três razões, aliás. Primeira e óbvia, cada dia mais as pessoas usam cartões de crédito e débito para pagar contas. Segunda, o avanço das compras on-line impulsionado pela pandemia veio para ficar. Terceira, troco para nota de R$ 100 já é difícil, imagina para a de R$ 200.

Pra quê direito?
Projeto de lei que impõe limites à arrecadação de direitos autorais a autores e intérpretes de música recebeu esta semana alguns adendos. Além da isenção da cobrança em quartos de hotéis e de navios de cruzeiro, que é sua motivação original, o projeto agora inclui cultos ou eventos realizados por organizações religiosas, pelas Forças Armadas, pelas polícias militares e pelos corpos de bombeiros.

Errado
Estudo mostra que 97% de todas as pesquisas on-line no Brasil são feitas por meio do Google. Tem alguma coisa muito errada por aqui.

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