RPD || Benito Salomão: Pandemia e recuperação econômica – Um falso tradeoff

Letargia na vacinação da população do país deve afetar o desempenho econômico do Brasil em 2021, avalia Benito Salomão. Tendência é de uma nova recessão já nos dois primeiros trimestres deste ano

“Não há solução econômica, sem prévia solução sanitária”

(Benito Salomão, junho de 2020) 

A sentença acima foi escrita em meu texto na Revista Política Democrática de junho de 2020, repetida em outro artigo de setembro do mesmo ano. No ano de 2020, o Brasil se colocou diante de um falso tradeoff (escolha), salvar vidas ou salvar a economia? Acabou não salvando nenhum, nem o outro e chegou em janeiro com uma taxa de 130 mortos por 100 mil habitantes (mais do que o dobro da média mundial, de 62 óbitos por 100 mil), somado a uma queda acumula do PIB de -4,1%. Queda esta que só não foi maior pela expansão sem precedentes da política macroeconômica, evidenciada na queda da taxa Selic de 4 pontos percentuais, e uma expansão do gasto público de 12 pontos percentuais do PIB. 

Um ano se passou desde que o Coronavírus ganhou status de pandemia e exigiu enormes esforços dos governos nacionais para proteger suas populações, e já há dados suficientes para inferir algumas conclusões. Partindo de uma amostra para 60 países que já apresentaram dados do PIB em 2020, é possível identificar nitidamente a diferença de desempenho entre aqueles que optaram por adotar um enfrentamento sério e preventivo ao vírus vis à vis os que optaram por uma estratégia dúbia no enfrentamento à pandemia. O primeiro grupo (China, Vietnã, Nova Zelândia, Noruega, Finlândia, Nigéria, entre outros) viram seu PIB variando entre -2% e 2%. Muito acima, portanto, da mediana dos 60 países, uma retração de -4,1%. Desempenho também muito superior a países que negligenciaram a doença no início (Reino Unido, México, Itália, França e Espanha) e que apresentaram retrações do PIB entre -8% e -10%. 

Os dados confirmam a teoria de que não se resolve a economia sem prévia solução do problema da saúde. E onde está o Brasil neste contexto? O país apresentou um mergulho do PIB de -4,1% em 2020, o maior da sua história e, paralelamente a isto, uma taxa de óbitos de 130 para cada 100 mil habitantes, o dobro da média mundial de 62 mortes por 100 mil, ao passo que países como Nova Zelândia, Coreia do Sul e Vietnã têm taxas próximas de 0 mortes por 100 mil. Há, portanto, clara correlação entre número baixo de mortes e o amortecimento dos impactos sobre a atividade. 

O desempenho do Brasil é ainda pior ao se considerar a expansão fiscal patrocinada pelo governo no exercício de 2020. Ao todo, o pacote fiscal brasileiro para o enfrentamento da COVID-19 teve magnitude de 12% do PIB, algo muito semelhante à Turquia, que gastou 12,8%, mas teve taxa de mortos de 40 para cada 100 mil habitantes e um crescimento econômico de 2% em 2020. O pacote fiscal brasileiro foi o dobro do governo de Israel que gastou 6,1% do PIB e quase o triplo da Noruega (4,3% do PIB). Em outras palavras, o Brasil gastou, mas não gastou com efetividade, negligenciou a compra de vacinas e suavizou pouco o ciclo econômico. 

Tirando os olhos do retrovisor e traçando diagnósticos para 2021, em meio a uma segunda onda que se abateu com intensidade, já se fala na possibilidade de uma terceira onda igualmente agressiva e o surgimento de novas cepas. Os países estão-se movimentando para ampliar a oferta das vacinas a tempo suficiente para evitar uma terceira onda, e o Brasil mais uma vez deixa a desejar. O país vacinou, até o presente momento, cerca de 8% da sua população com as 2 doses, desempenho muito pior do que países muito mais pobres como Sérvia (16,8%), Marrocos (11,1%), Turquia (9,2%), Estônia (8,3%), entre outros. Em meu artigo “Riscos para 2021” de fevereiro deste ano, argumentei que a letargia na vacinação da população pode se tornar um risco para o desempenho econômico deste ano. Menos de 90 dias se passaram, e as evidências apontam na direção de uma nova recessão nos dois primeiros trimestres deste ano. 

Toda a tempestade envolvendo a proliferação da pandemia, favorecendo o surgimento de novas cepas, o atraso proposital na vacinação, estagnação da economia, tende a agravar-se com a elevação da inflação e dos juros, com a saturação da dívida pública no horizonte futuro e com um possível efeito de histerese da economia brasileira, isto é, quando a queda econômica que deveria ser cíclica, altera a tendência de longo prazo e o país passa a apresentar um péssimo desempenho econômico de forma permanente. É preciso evitar esta tempestade! 

* Benito Salomão é economista e mestre e doutorando em Economia pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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