Vinicius Torres Freire: Mercosul está doente, mas notícias de morte ainda são muito exageradas

Governo quer acordos e comércio mais livre, mas não quer nem pode explodir o bloco.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Governo quer acordos e comércio mais livre, mas não quer nem pode explodir o bloco

O governo quer apressar acordos comerciais com Estados Unidos e Japão. Quer tirar o Mercosul da “estagnação”. Isto é, apressar a integração econômica do bloco e facilitar tratados com outras partes, países e blocos.

Isto posto, as notícias sobre um grande corte de impostos de importação e a morte do Mercosul são exageradas. O Brasil não pode explodir o bloco, por motivos jurídicos, políticos e econômicos —até pode, mas seria uma besteira desastrosa. Por fim, o Mercosul não é apenas comércio.

Qual então o motivo do zunzum sobre tarifas e de rompimento, além dos ruídos provocados pelas declarações de Jair Bolsonaro sobre a Argentina?

Há de fato grande animação com a perspectiva de um tratado com os EUA. Tanta que uma baliza do calendário desse acordo é o vencimento da “Trade Promotion Authority” (TPA) do presidente americano, em julho de 2021.

Na vigência da TPA, também conhecido como “fast track”, um acordo comercial negociado pelo presidente dos EUA tem sua tramitação no Congresso facilitada e apressada. Fica menos difícil fechar um acordo.

Vai rolar? Sabe-se lá. Um ano e meio parece um prazo impossível de curto, ainda mais porque um tratado de comércio, com os EUA, em si complexo, exigiria a solução de pendências como uniformização regulatória e os desacordos sobre propriedade intelectual, prioridade americana, como se tem notado.

Para piorar, 2020 é ano de eleição presidencial nos EUA, talvez ainda ano de impeachment.

Sendo tal a ambição, o governo precisaria da concordância de seus parceiros do Mercosul ou a modificação do tratado a fim de avançar em negociações comerciais.

O bloco é uma união aduaneira (grosso modo, tem as mesmas tarifas e normas de importação de produtos de países “de fora”), embora imperfeita. Sem acordo de revisão da tarifa comum, seria necessária a revisão do Mercosul.

Talvez, então, o Mercosul passasse a ser uma zona de livre-comércio.

O comércio ainda seria livre entre os países do bloco, que no entanto ficariam também livres para fixar tarifas e regras de intercâmbio com países “de fora”, o que cria várias complicações, além de ganhos e perdas para o Brasil, a serem colocados na balança.

Por exemplo, mercadorias teriam trânsito livre intra-bloco apenas se atendessem a um requisito de conteúdo regional mínimo (o bem teria de ser em parte produzido no bloco).

Seria necessário o controle de origem (a fim de evitar que um país do Mercosul importe mercadoria com tarifa zero, de países “de fora”, e a repasse a um vizinho que cobra tarifa maior que zero, uma burla do acordo regional). O cumprimento dessa regra de origem pode ser enrolado e caro.

Uma alternativa seria o Mercosul dar uma liberada (“waiver”) para o Brasil negociar certos acordos. Tudo está sobre a mesa de estudos e pode ir para a mesa de negociações, nível de tarifas inclusive.

Mas, caso a Argentina opte por uma retranca protecionista, o Brasil vai dizer claramente que o regime de união aduaneira não vai mais servir.

Em vez de progredir para um mercado comum, o Mercosul então regrediria uma casa. “Paciência”: a política maior será a de aumentar a inserção do país na economia mundial. Em qual ritmo, está para se ver.

A revisão de tarifas seria gradual e compatível com reformas que reduzam o custo de produzir neste país, como Paulo Guedes diz desde antes do início do governo.

Seja lá qual for o ritmo desse gradual, o governo está decidido a mudar o Mercosul.

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