Revista Política Democrática Online || Vinicius Muller: Campo democrático de diálogo é saída para superar avanço da direita no Brasil

Formação de um novo quadro político-eleitoral mais radicalizado em nosso país, com a ascensão de Jair Bolsonaro, ameaça as instituições, em particular, a democracia.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Formação de um novo quadro político-eleitoral mais radicalizado em nosso país, com a ascensão de Jair Bolsonaro, ameaça as instituições, em particular, a democracia

Há razoável dificuldade em compreender as origens e causas das recentes mudanças no Brasil, com reflexos, em certa medida, em outros e variados países. Tais mudanças envolvem um conjunto de questões que podem ser vistas em seus aspectos econômicos, políticos e sociais. Entre elas, certo esgotamento do processo de globalização, o recrudescimento da desigualdade, o surgimento de novas ferramentas tecnológicas e a ampliação das preocupações ambientais e sociais.

Neste quadro, um sem-número de questionamentos ganhou forma e conteúdo. A ampliação da riqueza promovida pela liberdade produtiva e financeira que caracteriza a globalização foi questionada pelo aumento da desigualdade econômica, principalmente entre grupos internos aos países. Desta forma, na mesma medida em que houve ampliação da riqueza, alguns grupos se viram mais distantes das cadeias produtivas globalizadas e, portanto, enfrentando problemas como desemprego e queda significativa de renda.

A reação, muitas vezes, foi voltada ao questionamento do próprio processo de globalização, entendido como resultado de uma economia aberta e liberal. Contestada a globalização, contestaram-se, fundamentalmente, os princípios da economia aberta, dando origem a discursos protecionistas e nacionalistas. A diferença foi que, enquanto em um passado recente, os questionamentos ao processo de globalização e à economia de mercado partiam de grupos mais à esquerda no espectro político, desta vez os ataques originam-se em grupos mais conservadores. Houve, assim, uma aproximação entre a defesa de certo nacionalismo e protecionismo econômico e valores considerados mais conservadores no plano moral e dos costumes.

Esta associação, historicamente não muito original, ganhou no Brasil alguns elementos adicionais. Em meio à crise do desemprego e aos escândalos de corrupção envolvendo os governos do Partido dos Trabalhadores, ganharam força, desde 2013, movimentos que deram voz a desconforto promovido, em partes da população, pelos caminhos que o país adotava, ao menos desde a eleição de Dilma Rousseff. E esta voz não mais entendia a disputa política brasileira nos quadros que estavam dados até então, mas, sim, a partir da ascensão de um discurso que envolvia a repulsa aos escândalos de corrupção e que defendia suposto resgate de valores tradicionais embalados em um discurso nacionalista. Como resultado, acentuou-se a polarização política e ideológica a partir de atores políticos mais radicalizados e generalizou-se desfocada criminalização da política, o que resvala, com certa frequência, em uma crítica aos próprios valores democráticos.

Foi neste contexto que trilhou a campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro, ampliada pelo uso indiscriminado das ferramentas que a tecnologia da informação apresenta e surfando na popularidade que o atual presidente ganhou após o triste episódio do atentado que sofreu. A dúvida que emergiu de sua vitória envolve a formação de um novo quadro político-eleitoral, não só mais radicalizado, mas também ameaçador às instituições, em particular, e à democracia, em geral. Por isso, a combinação entre certo nacionalismo, um discurso mais agressivo – principalmente contrário às minorias –, o frequente desdém aos valores da convivência democrática e às instituições, assim como o aparente despreparo e declarações autoritárias do próprio presidente e de alguns membros de seu governo, são vistos por muitos como verdadeira ameaça à democracia, opinião, de resto, compartilhada por analistas nacionais e estrangeiros, que muitas vezes identificam questões análogas ao que ocorre em outros países.

Não obstante a pertinência do debate sobre o real alcance das declarações e decisões antidemocráticas tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro, será no campo democrático – e só nele –, que serão reforçados os alicerces que, porventura, estejam ameaçados. Também será no campo democrático que identificaremos os elementos que aproximam aqueles que, em outros contextos, estiveram em lados diferentes do embate político. Mas, para tanto, é necessário que os temas mais sensíveis, como os direitos das minorias, as políticas de inclusão, a política ambiental e educacional, assim como o modo que entendemos o Estado e suas funções primordiais, estejam em debate. Diferentemente dos embates políticos que marcaram os últimos 30, é hora de entendermos que o ‘jogo’ mudou e, por isso mesmo, os jogadores devem mudar. Mas, que esta mudança não nos levará para fora do campo democrático. Ao contrário, reforçará os laços entre os democratas que, porventura, estiveram em lados diferentes em um passado recente.

 

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