“O Câmbio é uma ferramenta criada por Deus para humilhar os economistas”
Benito Salomão, professor de macroeconomia do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia e conselheiro da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23
A citação acima, muito repetida entre os economistas, é atribuída a Allan Greenspan, importante economista estadunidense do Século XX e um dos mais longevos presidentes do Federal Reserve (FED). Ela se encaixa perfeitamente no contexto atual da economia brasileira de intensa volatilidade na taxa de câmbio. No dia 28 de novembro de 2024, a cotação da moeda americana passou, pela primeira vez desde a adoção do Regime de Câmbio Flutuante (RCF), em janeiro de 1999, a casa dos R$ 6. As semanas que se seguiram àquela marca histórica foram bastante turbulentas, com o preço do dólar escalando tanto nos mercados à vista, quanto nos futuros, exigindo duras intervenções do Banco Central para estabilizar a volatilidade da moeda.
Naquele momento, inúmeras opiniões projetavam um cenário apocalíptico em que a cotação do dólar chegaria à casa dos R$ 7, e a inflação sairia do controle da política monetária. Existe uma ampla literatura que demonstra empiricamente que depreciações da taxa de câmbio tendem a ser repassadas para a inflação doméstica, um fenômeno conhecido como efeito pass-through. O canal de transmissão pelo qual a taxa de câmbio afeta os preços doméstico são as importações que se tornam mais caras em moeda local. De forma que a deterioração das previsões inflacionárias diante do quadro cambial observado em dezembro não era de toda irrealista.
Porém, como o câmbio é uma variável difícil de prever na prática, não foi isso o que se viu. Nas semanas que sucederam a virada do ano, a moeda americana depreciou rapidamente e retornou ao patamar dos R$ 5,90. As expectativas de dólar a R$ 7, pelo menos a curto prazo, foram frustradas. Com isso, uma questão que se coloca é: Qual o impacto daquele movimento do dólar observado em dezembro sobre a inflação doméstica?
As expectativas de inflação para 2025 continuam se deteriorando. O Boletim Focus, que organiza as previsões do mercado financeiro em medianas, prevê IPCA em dezembro rodando em torno de 5,5%. Isso significa estourar, em muito, o teto da meta que a política monetária deve perseguir. Muito possivelmente, nessas previsões de inflação, há uma forte influência da depreciação cambial vista em dezembro, cuja trajetória já se encontra em fase de reversão.
A taxa de câmbio é uma variável macroeconômica muito difícil de prever, principalmente no curto prazo, devido ao fato de sua cotação absorver novas informações e mudanças nas expectativas dos agentes econômicos dentro e fora do país. De forma que é muito difícil saber a priori se o dólar seguirá o movimento iniciado em janeiro, ou retornará para o contexto vivido em dezembro. No longo prazo, a dinâmica do câmbio deve refletir os fundamentos macroeconômicos do país. Olhando para essas questões fundamentais, não há nada que explique uma taxa de câmbio superior a R$ 6.
Portanto, há espaço para o real se apreciar um pouco mais frente ao dólar. É improvável dizer que o choque cambial de dezembro terá grandes repercussões na inflação, isso porque o choque foi revertido nas semanas seguintes e boa parte dos seus impactos podem se dissipar rapidamente. Ainda assim, as expectativas de inflação continuam se deteriorando. Uma outra questão que se coloca é o quão confiável são essas previsões, que têm falhado sistematicamente em antecipar o comportamento de agregados macroeconômicos.
Há um pessimismo demasiado sobre a economia brasileira que não encontra, até o presente momento, respaldo nos dados. É preciso filtrar esses ruídos de curto prazo do que são mudanças de fundamentos na economia. Se o câmbio realmente retornar à casa dos R$5,50 observado em boa parte do ano passado, há um amplo espaço para derrubar a inflação a médio prazo no país.