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Elio Gaspari: De Manchinha@auau para Todo Mundo

Se a PM tivesse matado 13 mastins, talvez o governador Witzel fosse mais caridoso

Sou a cadela Manchinha, que um segurança de supermercado matou em Osasco, em dezembro passado. Fiquei comovida com a comoção criada pelo meu caso e sugeri que vocês continuassem a reclamar quando os bichos fossem maltratados, mas pedi que cuidassem melhor dos bípedes. Escrevi o seguinte:

"Vira e mexe, vocês leem que agentes da segurança pública entraram em bairros de pessoas pobres, confrontaram-se com bandidos e mataram 'suspeitos'. Nossa inteligência canina não entende o que seria um 'suspeito'. De quê? Em casos extremos, dois 'suspeitos' de portar armas foram abatidos. Um carregava uma furadeira e o outro, um guarda-chuva."

Outro dia, a PM do Rio matou 13 pessoas ("suspeitos", claro) e o governador Wilson Witzel disse que foi "uma ação legítima da polícia para combater narcoterroristas". Palavra de cachorro não vale nada, mas meus pares que andam pelo morros do Rio argumentaram que, mesmo que estivessem metidos com drogas, não é assim que funciona a Justiça dos bípedes. Quadrúpedes, vocês sabem, só atacam quando estão com fome, mas vocês nos chamam de irracionais.

Irracionais são vocês. Vejam o caso do garoto Pedro Henrique Gonzaga. Era consumidor de drogas, mas acho que o doutor Witzel não o chamaria de "narcoterrorista". Teve um surto e encrencou-se com um segurança do supermercado Extra. Tomou um mata-leão e foi estrangulado durante quatro minutos, diante de dezenas de pessoas e de pelo menos outro segurança. Sua mãe pedia para que saísse de cima do rapaz, pois ele estava dominado e tomou um "cala a boca, puta". Pedro Henrique morreu.

O segurança que me espancou talvez não quisesse me matar. Além disso, a cena da violência que sofri foi muito mais rápida. O bípede que estrangulou Pedro Henrique e chamou a mãe dele de "puta" teve impávida assistência. Garanto que se ele estivesse fazendo a mesma coisa com um cachorro a reação da plateia seria mais solidária. Se a PM tivesse matado 13 mastins, talvez o governador Witzel fosse mais caridoso.

Os doutores do Extra disseram que "uma investigação interna constatou de forma inicial que se tratou de uma reação a uma tentativa de furto a arma de fogo de um dos seguranças". Patranha. Isso teria acontecido depois do início do incidente, quando Pedro Henrique já estava no chão. A repórter Ana Carolina Raimundi mostrou que a polícia ainda não comprou essa história.

Ela mostrou mais: o segurança Davi Amancio era um condenado da Justiça. Tendo espancado uma companheira, em 2017, foi sentenciado a três meses de prisão em regime aberto. Um advogado da Group Protection, empresa terceirizada para garantir a segurança do supermercado, disse que a atribuição de checar a ficha criminal dos seguranças é da Polícia Federal. Tudo bem, e nós os quadrúpedes é que somos irracionais.

Daqui do meu canil fiquei sabendo que o ministro Sergio Moro brindou os brasileiros com um pacote de medidas contra o crime. Tomara que dê certo, mas a cachorrada sabe que os bípedes latem à maneira deles e que ministro não morde.

No parque onde nós passeamos, vem com frequência um senhor meio rabugento, sempre vestido num terno preto. Dizem que é advogado e se chama Sobral Pinto. Durante o Estado Novo ele pediu que um preso político tivesse seus direitos respeitados de acordo com a lei de proteção aos animais.

Vai aqui um pedido ao ministro Moro. Amplie o seu pacote anticrime com um dispositivo:

"Ficam estendidos aos bípedes os direitos que a lei confere aos animais."

Grrrrrrr
Manchinha

 


Bruno Boghossian: Marketing da matança deixa país sem rumo no combate ao crime

Cultura de execuções extrajudiciais vira política de segurança, mas não resolve violência

Ao entrar para a política, o ex-juiz Wilson Witzel (PSC) deve ter perdido o hábito de ler os autos antes de dar uma sentença. O governador se antecipou às investigações e declarou que a operação policial que matou 13 pessoas em favelas do Rio, há nove dias, foi “uma ação legítima para combater narcoterroristas”.

Os parentes dos mortos admitem que eles estavam envolvidos com o tráfico de drogas. Dizem, porém, que eles haviam se rendido e foram executados. Nove deles foram mortos juntos, dentro de uma casa. A polícia afirma que não houve ilegalidade, mas prometeu investigar o episódio. Witzel não quis nem fazer o teatro.

O governador só está interessado no marketing do sangue. Comemorou uma operação que não fez nem cócegas nas grandes facções e tentou explorar o caso para fazer propaganda do suposto “rigor” com que pretende agir contra o crime.

Se Witzel acha que essa é a saída para resolver o caos da violência pública e combater o domínio territorial dos traficantes, o Rio está lascado.

O palavrório do governador chancela uma cultura de execuções extrajudiciais até em situações em que não há confronto armado. O pacote de Sergio Moro, que amplia as hipóteses em que policiais podem atirar sem sofrer punição, é um incentivo adicional ao justiçamento.

No ano passado, o governador Camilo Santana (PT) desviou o olhar dos 14 mortos num tiroteio entre policiais e assaltantes de banco nointerior do Ceará. “O fato é que eles estavam preparados para assaltar dois bancos e não conseguiram assaltar nenhum”, celebrou.

Acontece que seis pessoas eram reféns que haviam sido levados pelos oito bandidos. No início, Santana duvidou: “É estranho um refém de madrugada em um banco”. O governador levou três dias para pedir desculpas às famílias das vítimas.

Quem vê coloração partidária nas declarações de Witzel e Santana não percebe que a matança virou método de governo. Nenhum dos dois parece saber para onde está levando a segurança de seus estados.