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Bernardo Mello Franco: O exilado do Laranjeiras

Mergulhado numa crise econômica e sanitária, o Rio de Janeiro completa hoje dois meses sem governador. Em 28 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça afastou Wilson Witzel. Eleito com discurso moralista, ele foi acusado de desviar verbas da Saúde na pandemia.

O ex-juiz não tem do que reclamar. Enquanto ex-comparsas mofam em Bangu, ele desfruta um doce exílio no Palácio Laranjeiras. Divide o ócio com a mulher, três filhos e o gato Elvis, que se estica livremente sobre o mobiliário Luís XV.

Embora tenha sido alijado do poder, o governador continua a usufruir suas mordomias. Um garçom fica de prontidão para manter seu copo cheio. Ele alterna os goles de uísque com baforadas de charuto cubano.

No início de outubro, uma ação popular pediu que o Churchill de chanchada fosse removido do palácio. O juiz Marcello Leite, da 9ª Vara de Fazenda Pública, decidiu que ainda não era hora de despejá-lo. Até que o impeachment seja sacramentado, ele poderá permanecer na residência oficial.

O processo deve ter novidades amanhã. O deputado Waldeck Carneiro promete entregar seu relatório ao tribunal misto que examina as denúncias. O texto tende a ser aprovado na semana que vem, mas a novela da cassação pode se estender até o fim de janeiro. Até lá, o estado será governado interinamente pelo vice Cláudio Castro, também investigado sob suspeita de receber propina. A exemplo do colega de chapa, ele nega todas as acusações.

A derrocada não abalou a megalomania de Witzel. Em entrevista à revista “Veja”, ele informou que continua a mirar a Presidência. Atribuiu o desejo a um “sentimento patriótico”. “Minha missão na política está apenas começando”, disse.

Denunciado por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o ex-juiz já ensaia fugir do país para não ser preso. “Se perceber que há perseguição política e cooptação das instituições contra mim e a minha família, pretendo pedir asilo político no Canadá”, declarou. Depois de sonhar com o Planalto, Witzel pode acabar na lista da Interpol.


Bernardo Mello Franco: Dia ruim para a política de toga

Esta quinta não foi um dia animador para juízes interessados em fazer política. No Palácio Tiradentes, os deputados estaduais deram mais um passo para cassar o governador Wilson Witzel. A um quilômetro dali, o Tribunal Regional Federal aplicou uma punição ao juiz Marcelo Bretas.

Witzel deixou a magistratura às vésperas da eleição de 2018. Entrou na disputa como azarão, mas usou o prestígio da toga para chegar lá. Aliado ao bolsonarismo, ele vendeu a imagem de que varreria a corrupção do Rio. Por trás da farsa, estavam personagens de escândalos da virada do milênio.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, o governador começou a receber propina quando ainda era juiz. O empresário Edson Torres disse ter feito pagamentos de R$ 980 mil em espécie. O objetivo, ele contou, era garantir “conforto e segurança financeira” a Witzel caso ele perdesse a eleição.

O ex-juiz negou as acusações, mas não convenceu ninguém na Alerj. Em junho, a abertura do processo de impeachment foi aprovada por 69 a 0. Agora o relatório a favor da cassação foi aprovado por 24 a 0. A unanimidade pode se repetir na semana que vem, na votação que selará a queda do governador.

Bretas deu um impulso decisivo à ascensão de Witzel. Três dias antes do primeiro turno, ele divulgou um depoimento com acusações a Eduardo Paes. O ex-prefeito liderava as pesquisas e foi ultrapassado na reta final. Depois da vitória, governador e juiz confraternizaram em jatinhos e camarotes.

A amizade durou até o rompimento de Witzel com Jair Bolsonaro, quando Bretas escolheu o lado do capitão. O TRF considerou que a dobradinha foi longe demais. O juiz recebeu uma censura por desfilar com o presidente em inauguração de viaduto e evento evangélica com ares de comício.

Ao apoiar a punição, a desembargadora Simone Schreiber disse o óbvio: juizes não devem subir em palanques com políticos. “Isso acaba gerando dúvida e descrédito sobre o Poder Judiciário”, afirmou. Também vale para o caso de Witzel, o Breve.


Eliane Cantanhêde: Legalidade sempre!

Afastamento de Witzel por decisão monocrática e sem ouvi-lo acende luz amarela entre governadores

O Ministério Público acertou ao investigar e descobrir maracutaias justamente na área de saúde no Rio de Janeiro, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) errou ao decidir monocraticamente o afastamento do governador Wilson Witzel por 180 dias, sem nem sequer ouvir o que ele tem a dizer sobre as acusações, feitas a partir de uma delação premiada. Combater a corrupção, sim, mas abrir um precedente perigoso contra governadores, não. Por isso, o julgamento de terça-feira no plenário do STJ é tão importante.

Desde sexta-feira, há intensa troca de telefonemas e mensagens entre governadores, para analisar a situação e a operação que pegou Witzel de jeito. Ninguém defende Witzel, até porque eles não viram o processo e não conhecem as provas, mas todos defendem ferrenhamente a legalidade. Que o MP investigue e faça o que tem de fazer e que a Justiça decida, julgue, puna. Mas um único ministro afastar um governador eleito? Sem dar a ele acesso às acusações? Sem ouvi-lo?

Se hoje é Witzel, amanhã pode ser qualquer um. Há motivos para a preocupação. Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, a ministra Damares Alves disse, em bom e alto som, que estava tudo pronto para pedir a prisão de governadores e prefeitos. A deputada bolsonarista Carla Zambelli, do PSL, sabia de véspera das primeiras buscas e apreensões contra Witzel. O senador Flávio Bolsonaro avisou com antecedência que o vice-governador assumiria. Witzel lembrou que a subprocuradora-geral Lindôra Araújo é bolsonarista e amiga de Flávio. Amigo do meu inimigo é meu inimigo?

É um óbvio subterfúgio de réu que, sem resposta para os fatos, desqualifica acusadores. Mas serve de alerta para MP e Justiça serem milimetricamente rigorosos, sem abrir brechas ao acusado nem gerar desconfiança entre governadores. Uma coisa, legal, elogiável, é investigar roubalheiras e punir responsáveis. Outra é aproveitar erros de um governador para generalizar, jogar a opinião pública contra todos e criar ambiente para afastamentos, buscas e apreensões, até prisões.

Todo cuidado é pouco nessa hora, com o presidente Jair Bolsonaro em campanha e com tudo engatilhado para despejar sobre os governadores todas as culpas por 120 mil mortos, pandemia, economia, desemprego, queimadas, (falta de) educação. Bolsonaro vai posar de vítima, os governadores serão os réus. Bolsonaristas compram qualquer versão do “mito”. E os demais?

Witzel é uma das estrelas da “nova política” que invadiu governos estaduais e Congresso pelo PSL e PSC e na onda Bolsonaro. Nunca se ouvira falar num tal de Witzel e nem se sabia pronunciar o nome daquele juiz que caiu de paraquedas na eleição num dos três principais Estados do País, com direito a vídeo de apoio do general Augusto Heleno, um dos mentores da candidatura Bolsonaro.

O discurso de Witzel foi o mesmo que varou o País, com neófitos em Minas, DF, Norte, Sul, Centro-Oeste: Congresso, Supremo, política e políticos são uma porcaria, nós somos os bons, os salvadores da Pátria. Mas Witzel não é o único que sucumbe antes de completar dois anos de mandato. Aliás, como estão os processos contra Flávio Bolsonaro?

Por tudo isso e as provas que se acumulam, a repetição primária dos métodos do condenado Sérgio Cabral e a transformação de Helena Witzel na nova Adriana Ancelmo, os procuradores do Rio merecem aplausos, descortinando a corrupção, demolindo o discurso fraudulento. Mas não pode haver dúvidas quando Witzel se diz “massacrado politicamente”. Em vez de réu por corrupção, ele quer se passar por vítima do bolsonarismo. Se o STJ e o MP forem impecáveis, esse discurso não para em pé. Se não, o que é questão de justiça pode virar oportunismo político e ameaçar os governadores.


Bernardo Mello Franco: Governo de Witzel acabou; desafio agora é continuar solto

Ao assumir o governo do Rio, Wilson Witzel anunciou que era “chegada a hora de libertar o estado da irresponsabilidade e da corrupção”. Um ano e oito meses depois, chegou a hora de o estado se libertar dele. O ex-juiz foi afastado do cargo, acusado de comandar uma organização criminosa no Palácio Guanabara.

A decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, situou Witzel no topo de uma quadrilha que embolsava verbas da saúde. Segundo o Ministério Público, “o grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia”. O ex-secretário Edmar Santos, preso em julho, delatou o chefe e os comparsas.

Os investigadores afirmam que a quadrilha fraudou compras de respiradores e contratos com organizações sociais. Os resultados foram visíveis: o governo prometeu construir sete hospitais de campanha, mas só inaugurou dois. O Rio já perdeu 16 mil vidas para o coronavírus.

Eleito com discurso moralista, o ex-juiz foi acusado de replicar o esquema que levou Sérgio Cabral para a cadeia. O procurador Eduardo El Hage, que investigou os dois governadores, disse ter se sentido num “túnel do tempo”. O enredo se repetiu em detalhes, incluindo a lavagem de dinheiro no escritório de advocacia da primeira-dama.

Witzel era um ilustre desconhecido quando deixou a magistratura para se candidatar ao governo. Permaneceu anônimo até a reta final da campanha, quando a pregação a favor das armas o ajudou a surfar a onda bolsonarista. Sem uma única sentença relevante, ele usou o título de juiz para posar de vestal. A propaganda era tão falsa quanto o diploma de Harvard que ostentava no currículo.

Megalômano, o doutor mal se instalou no Guanabara e já passou a sonhar com o Planalto. A ambição fez ruir a dobradinha com Jair Bolsonaro, que só pensa na reeleição. Agora o presidente comemora a desgraça do ex-aliado, embora seus filhos também estejam enrolados em transações com dinheiro vivo.

Preso na sexta-feira, o notório Pastor Everaldo ajudou a unir a dupla de farsantes. Em 2016, ele batizou Bolsonaro no Rio Jordão, num ritual encenado para atrair o eleitorado evangélico. Dois anos depois, abençoou a candidatura de Witzel, que buscava uma legenda de aluguel para entrar na política.

O ex-juiz já estava prestes a ser cassado pela Assembleia Legistativa. Com a posse de Cláudio Castro como governador em exercício, a conclusão do processo de impeachment tende a se tornar uma mera formalidade. O mandato de Witzel, o Breve, parece causa perdida. Agora seu desafio é permanecer solto, enquanto operadores e ex-secretários amargam os primeiros dias no xadrez.

Na sexta, o ex-juiz celebrou o fato de ainda poder dormir no Palácio Laranjeiras, onde já foi acordado duas vezes pela polícia. “Não fui despejado”, festejou. Quando for instado a mudar de endereço, ele poderá levar uma recordação: a patética faixa azul e branca que mandou confeccionar para a própria posse.


Igor Gielow: Bolsonaro pode celebrar, mas caso Witzel é aviso à 'geração de 2018'

Afastamento de governador mostra que a caveira de burro da política do Rio segue viva

A caveira de burro, figura extraída da mitologia do futebol que indica um lugar onde tudo dá errado, é o símbolo máximo da política do estado do Rio de Janeiro.

Dos 8 governadores que o estado elegeu desde que voltou a fazer isso, em 1982, 6 estão vivos. Todos foram implicados em algum esquema de corrupção, 5 foram presos em algum momento e 1, Sérgio Cabral, está na cadeia condenado a uma pena de quase 300 anos.

Agora foi a vez de Wilson Witzel (PSC), talvez o mais exótico exemplar em termos de trajetória política a frequentar o assombrado Palácio Laranjeiras, sob o qual parece enterrado o proverbial crânio muar.

Seu afastamento, somado ao processo de impeachment que sofre na Assembleia Legislativa, parece ser o prego no caixão da meteórica carreira política desse ex-juiz, eleito no tsunami conservador-bolsonarista de 2018.

O patrono da turma, o presidente Jair Bolsonaro, tem motivos para celebrar a queda em desgraça do antigo apoiador. Ao longo de 2019 e, principalmente, com a ascensão da realidade pandêmica, Witzel buscou afastar-se do Planalto com tom ácido.

Figura dada a extravagâncias, além de inventar uma "faixa presidencial" estadual que gostava de envergar, Witzel se proclamou candidato ao posto de Bolsonaro em 2022. Talvez realmente acreditasse que sua retórica agressiva de combate violento ao crime no Rio e imagem de rigidez moral fossem um trampolim.

Se o fez, errou feio. A política do "mirar na cabecinha" de gente armada resultou em crianças mortas por balas perdidas. Já a moralidade propalada se desfez a partir de maio, quando seu governo foi alvo da Operação Placebo —não por acaso, quando submergiu seu tom crítico ao presidente.

Naquele momento, a recente intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal do Rio e o papel do órgão na construção do caso contra Witzel tornavam a hipótese de mero direcionamento contra adversários do Planalto mais do que plausível.

A ação policial espalhafatosa foi um ato de intimidação de governadores opositores, no auge da disputa com Bolsonaro com os estados sobre a condução do combate à Covid-19.

Isso obviamente não tornava Witzel inimputável ou inocente. Assim, passado o tempo e assentadas as apurações, os indícios contra o governador ganharam peso e se tornaram um nó dificílimo de desatar agora.

Witzel é o mais vistoso dos desconhecidos eleitos no vagalhão bolsonarista de 2018 com problemas. Enfrentam problemas outros nomes catapultados do nada para o governo, como o Comandante Moisés (PSL-SC). Outros gerem caos administrativos, como Romeu Zema (Novo-MG).

Esses fracassos reforçam a impressão que se tem, nos meios políticos, que arranjos mais tradicionais poderão triunfar no pleito municipal deste ano. A aposta em governantes salvacionistas, sem experiência prévia, era parte da antipolítica inspirada pela Lava Jato.

Isso pode ter perdido a força e alimenta uma concertação na praça dos Três Poderes contrária ao espírito lava-jatista. Com efeito institucional algo seletivo, como se vê, dado que é o mesmo impulso que chegou às acusações contra Witzel.

Uma incógnita nessa equação chama-se Sergio Moro, que calcula como poderá entrar no jogo sucessório. Se ele teve um estágio como ministro de Bolsonaro e não pulou na política eleitoral de cara, como Witzel, sua associação com o espírito moralista da Lava Jato é seu grande ativo.

Como tudo isso evoluirá até 2022 é outra história. Para Bolsonaro, que preside sobre uma balbúrdia em forma de governo, há ainda a sombra das investigações do caso Fabrício Queiroz. Sua celebração nesta manhã certamente merece uma boa dose de moderação.


Ascânio Seleme: Não culpe o eleitor

O eleitor não foi afastado do seu cargo no Palácio Guanabara. Tampouco xingou jornalistas ou ameaçou dar porrada em um deles ao ser perguntado por que um  miliciano depositou R$ 89 mil na conta da sua mulher

O eleitor não foi afastado do seu cargo no Palácio Guanabara. Tampouco xingou jornalistas ou ameaçou dar porrada em um deles ao ser perguntado por que um miliciano depositou R$ 89 mil na conta da sua mulher. Não foi o eleitor que saqueou os cofres do Rio durante oito anos. Também não podem ser atribuídos a ele a compra de apoio de partidos com dinheiro público e o desfalque bilionário na Petrobras.

Ele cumpre sua obrigação cívica a cada dois anos e pode eventualmente errar nas suas opções eleitorais, mas não erra de propósito. De um modo geral, o eleitor tem boa intenção, vota pensando no futuro, quer que seu candidato encontre soluções para os problemas da sua cidade, do seu estado e do Brasil. Ele pode ser desatento e deixar para a última hora a decisão sobre quem votar, mas quando vota está certo de que fez a escolha certa.

O eleitor pode ser manipulado, claro que pode. Ele é objeto de uma imensa carga de informações, muitas vezes falsas ou fraudulentas nas redes sociais. É certo que a abundância de fake news pode distorcer a vontade do eleitor. Neste caso, ele também não pode ser responsabilizado pelos atos dos que foram eleitos usando armas antiéticas e ilegais.

Como um consumidor qualquer, o eleitor é bombardeado por campanhas publicitárias que tentam vender a ele o melhor candidato. E isso é bom. Ele precisa mesmo saber quem são os candidatos, qual o cardápio disponível para decidir em quem votar.

Essas propagandas de candidaturas são legais e fiscalizadas pelos tribunais eleitorais. Mentira não pode. Acusações sem prova contra adversários também não são permitidas. Há punições aos faltosos que vão da perda do espaço publicitário gratuito até a sua desqualificação para o pleito.

A imprensa também está ao lado do eleitor e pode ser uma ferramenta muito útil para ele escolher melhor. Ela esclarece em tempo real cada lance das campanhas eleitorais. Buscar informação de qualidade com certeza ajuda, mas mesmo que o eleitor não faça isso, ele não poderá ser culpado dos crimes cometidos por quem elegeu.

Ninguém vai às urnas com a determinação de votar num corrupto.

A boa vontade do eleitor é explícita. Com raras exceções, não se compra mais o voto com dinheiro ou sapatos. O que o eleitor quer é Educação, Saúde, Segurança Pública. Em alguns casos, quer água potável na sua torneira, esgotamento sanitário adequado, recolhimento regular do lixo. Quer um governo que estimule a economia de modo que ele possa manter seu emprego ou encontrar um lugar no mercado de trabalho.

Claro que há eleitores que pensam que elegendo este ou aquele governante poderão se dar bem. Mas estes não contam e sozinhos não elegem ninguém. O eleitor é honesto, tem um bom coração e ama seu país. Algumas vezes é ingênuo. E, claro, todos sabem que honestidade e bons princípios são méritos admiráveis.

Foi o mesmo eleitor de bom coração que elegeu Lula em 2002 e Bolsonaro em 2018. Nos dois casos mudou o curso da História. Essa é sua responsabilidade e por ela deve ser cobrado. Se Lula e Bolsonaro perderam depois a sua confiança, a culpa é deles, não de quem os elegeu.

Os extremistas, embora barulhentos, são minoria. Em qualquer contexto que se os coloque, serão sempre minoria. O eleitor não foi às urnas em 2018 para eleger um fascista antidemocrático. Ele queria corrigir o que viu como um erro cometido anos antes. Deu no que deu, mas a culpa não é dele, que mais cedo ou mais tarde vai acabar corrigindo também esse erro.

Por fim, o Brasil tem a cara do seu povo, do seu eleitor. Viva o Brasil.

Rindo de quê?
O presidente riu, ontem, ao comentar com um apoiador na saída do Alvorada o afastamento do governador Witzel. Achou engraçado o envolvimento da mulher do governador num denunciado esquema de corrupção no Rio. O curioso é que Bolsonaro não ri quando o assunto é o depósito de R$ 89 mil feito por Queiroz na conta da sua mulher. Pelo contrário, pergunte isso a ele e veja como fica irado. E, cuidado, o valentão pode ameaçar dar uma porrada na sua boca. Ele também não acha graça das rachadinhas criminosas feitas ao longo de anos no gabinete do seu zero mais velho na Alerj.

De Silvinho a Jair
No século passado, um Fiat Elba derrubou um presidente. Foi este o modelo do carro que o ex-presidente Fernando Collor comprou com dinheiro do seu testa de ferro Paulo César Farias, o PC. A falcatrua foi revelada pelo jornalista Jorge Bastos Moreno e com ela a CPI acabou carimbando o impeachment de Collor. Neste século, o carro da onda é o Land Rover. Há pouco mais de 15 anos, Silvio Pereira (o Silvinho), um assessor do então presidente Lula, foi presenteado com um veículo desse por uma empreiteira amiga. Dançou, claro. Agora, soube-se esta semana, apareceu um novo Land Rover na História política nacional, desta vez comprado por Jair Bolsonaro da enrolada ex-mulher do encrencado advogado Frederick Wassef. É bom ficar de olho aberto.

Gore de Deus
Nenhuma dúvida que Bolsonaro mais uma vez envergonhou os brasileiros ao convidar o ex-vice-presidente americano e ambientalista Al Gore para juntos explorarem a Amazônia. Na conversa mantida entre ambos em Davos, ocorrida em janeiro do ano passado e divulgada esta semana, o presidente do Brasil também disse que durante a ditadura combateu o falecido Alfredo Sirkis, velho amigo do americano. Mas, tudo bem, esse é o presidente que temos e que todo o mundo conhece. Estranho mesmo foi o ex-vice de Bill Clinton ter procurado Bolsonaro e falado de Sirkis e da Amazônia. Em que mundo Al Gore vive, meu Deus? Não é possível que ele não soubesse com quem estava lidando. Era fácil evitar o contato, bastava não atravessar a sala. E se atravessasse, poderia dar um breve alô a Bolsonaro e seguir em frente. Ou simplesmente ignorá-lo.

Legados e sequelas
Governos normalmente deixam legados. Alguns passam em branco, como o de Dilma Rousseff, mas é raro. Até Collor deixou uma herança positiva, foi a abertura da economia fechada dos tempos da ditadura e mantida assim na gestão de José Sarney. Deste, o legado foi a tolerância em favor da redemocratização em curso naquele tempo. Itamar e Fernando Henrique deixaram o Real. Lula abriu os cofres para os mais pobres. Temer foi um reformista. Já Bolsonaro, bom, não se pode atribuir a ele a reforma da Previdência, que foi obra do Congresso. Tampouco o seu programa de inclusão social pode ser a ele atribuído, trata-se de um “copia e cola” do petismo. Governos deixam legados, o de Bolsonaro por ora só deixou sequelas.

Nelson Rodrigues
A história de Flordelis e Anderson é digna de uma novela, a começar pelo nome da principal personagem da trama. O assassinato sozinho já daria um excelente roteiro. Imagine uma mulher executando o marido a tiros, com a ajuda de sete filhos e uma neta, depois de tentar algumas vezes matá-lo por envenenamento. Mas tem um detalhe sexual na história que aumenta a sua combustão. O morto era filho da Flordelis. E namorou uma irmã, antes de se amasiar com a mãe. O incrível é que ainda tem gente que acha Nelson Rodrigues exagerado.

Efeito positivo
As lojas de eletrodomésticos, físicas ou on-line, estão vivendo um boom nos negócios desde o início da pandemia. Não se trata de aumento de compras, porque não houve o impacto semelhante na indústria do setor. A explicação, segundo especialistas, é a forte retração do contrabando. Tanto os contrabandistas profissionais como os famosos sacoleiros estão de quarentena em casa. Por isso, não estão disponíveis no mercado eletrodomésticos comprados para lá da fronteira, sobretudo no Paraguai, e internalizados no Brasil ilegalmente. O volume das compras não aumentou, foi apenas concentrado no comércio formal.

Democracia sempre
Um grupo de cidadãos suíços e brasileiros vai lançar em Genebra, no dia 6 de setembro, um manifesto pela preservação das instituições democráticas no Brasil. Um dos idealizadores, o jornalista Jean-Jacques Fontaine, convidou seus colegas Fernando Gabeira, Reinaldo Azevedo e Jamil Chade para um debate on-line no dia do lançamento do manifesto.


Míriam Leitão: Águas do Rio e conflito federal

Até as águas do Rio Jordão sabem o que está se passando no Rio de Janeiro. Há uma guerra entre os que se banharam nas mesmas águas. O que levou Wilson Witzel do traço na intenção de voto ao Palácio Guanabara foi a onda bolsonarista. O mesmo discurso anticorrupção, o uso da religião, e a apologia das armas. Bolsonaro fazia o gesto da arma na mão, Witzel dizia que daria “tiro na cabecinha”. Bolsonaro passou pelo PSC, onde lançou sua pré-candidatura e foi batizado pelo Pastor Everaldo, Witzel foi eleito pelo PSC. Hoje os dois lados se acusam mutuamente. Witzel acha que está sendo perseguido pelo presidente, através do Ministério Público Federal, Bolsonaro acha que seus filhos são perseguidos por Witzel, através do MP estadual e da Polícia Civil.

A política do Rio de Janeiro tem água turva demais. Quatro governadores passaram pela prisão, um permanece entre grades e outro está em prisão domiciliar. A PGR chegou a pedir a preventiva de Wilson Witzel, o ministro do STJ Benedito Gonçalves apenas o afastou. De tarde, o ministro Alexandre de Moraes permitiu a continuidade do processo de impeachment, o que pode afastá-lo definitivamente do cargo. Bolsonaro já disse que “o Rio é o estado mais corrupto do Brasil”, mas foi onde fez a sua carreira, na qual jamais se mobilizou contra a corrupção. Fez sua vida política defendendo bandeiras corporativas das forças de segurança e emitindo sinais de simpatia à milícia. Com essas alavancas e usando o sentimento anticorrupção, foi mais longe do que qualquer outro do estado. Jair Bolsonaro é o primeiro político do Rio a ser eleito presidente da República. Antes dele, apenas Nilo Peçanha, o vice de Afonso Pena, ocupou a presidência, de 1909 a 1910, após a morte do titular.

O Rio vive a sua tragédia de cenas repetidas. “Nós nos sentíamos num túnel do tempo”, disse o procurador federal Eduardo El Hage, sobre o que pensaram os procuradores diante dos indícios do envolvimento do escritório de advocacia da primeira-dama na passagem do dinheiro de propina. O Rio está preso no túnel de um tempo circular que repete sempre as mesmas cenas.

Chega a ser bizarro ler como o governador mandou um email com o contrato do escritório de Helena Witzel com uma empresa que se comprometia a pagar valores mensais, e um grande adiantamento, à primeira-dama. “Observa-se que a primeira-dama, apesar de ser advogada e ser quem figurava como contratada, não participou diretamente do próprio contrato de prestação de serviços advocatícios”, diz a acusação. Além disso, não há sinal de serviços prestados.

Witzel tem muitas explicações a dar, mas Bolsonaro também deve respostas. Durante a campanha, o elo de ligação entre Bolsonaro e Witzel foi o senador Flávio Bolsonaro. Meses depois de ter sido eleito, o governador começou a indicar que sonhava com a cadeira de presidente. A um dirigente de empresa federal, logo no primeiro encontro, o governador contou que sua mulher falara da vontade de ter um apartamento na Zona Sul. E ele teria dito que ela deveria se acostumar a morar em palácios. Primeiro o Laranjeiras, depois o Alvorada. Histórias assim foram chegando a Brasília, até que o próprio governador admitiu que concorreria. Foi isso o que os separou.

Bolsonaro acusou Witzel de ter vazado investigações que estavam em segredo de justiça, do depoimento, depois desmentido, do porteiro do condomínio do presidente sobre o assassinato de Marielle. Acusou o governador de usar a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio contra seus filhos Flávio e Carlos. “Armaram há pouco tempo uma busca e apreensão na casa do meu filho Carlos, já com provas forjadas para jogar para cima dele, com dinheiro lá dentro, com armas, com drogas”, disse o presidente em uma transmissão ao vivo no dia 4 de janeiro, sem indicar a origem da informação.

Witzel, desde a primeira operação de busca e apreensão, culpa o presidente de o estar perseguindo; no começo, usando a Polícia Federal e ontem através da sub-procuradora Lindôra Araújo, que seria ligada a Flávio. O pastor Everaldo, que batizou Bolsonaro no Rio Jordão para atrair o eleitorado evangélico, foi ontem levado à prisão. O espetáculo exibido nesta sexta-feira pareceu ao cidadão do Estado do Rio um filme antigo. Com uma peculiaridade: é um faroeste sem mocinho.


El País: Afastamento de Witzel abre precedente contra qualquer chefe de Executivo, dizem governadores

Governista Gladson Cameli (Progressistas), do Acre, e comunista Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, afirmam que processo legal não foi respeitado com relação ao governador do Rio

Um governador bolsonarista e outro que faz oposição ao presidente Jair Bolsonaro dizem que o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do Governo do Rio de Janeiro pode gerar uma sequência de interrupções de mandatos em Executivos estaduais. Gladson Camelli (Progressistas), do Acre, e Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, entendem que a decisão monocrática de um ministro do Superior Tribunal de Justiça de afastar Witzel do cargo foi irregular e inconstitucional. Em entrevista ao EL PAÍS, ambos afirmaram que a decisão traz insegurança jurídica para todos os gestores. Nenhum dos dois analisou o mérito da questão, ou seja, se o governador fluminense cometeu ou não um crime.

Desde esta sexta-feira, Witzel está impedido de exercer o mandato para o qual foi eleito por uma decisão em caráter liminar proferida pelo ministro do STJ Benedito Gonçalves. O governador é suspeito de participar de um amplo esquema de corrupção que envolveria principalmente a área da saúde, com desvios de recursos que seriam destinados ao combate à pandemia de covid-19, e que teria a participação de membros do Legislativo e do Judiciário. Em pronunciamento, ele negou as acusações e disse ser vítima de perseguição política.

O Ministério Público Federal pediu a prisão preventiva do governador, mas o ministro Gonçalves entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para evitar a continuidade das supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro apontadas na investigação. Os dois governadores consultados pela reportagem são experientes na política. Dino é ex-juiz federal, foi deputado e está em seu segundo mandato como governador. Já Cameli foi deputado por dois mandatos e senador por um. Está em sua primeira gestão no Acre.

Pergunta. Como avalia a decisão do ministro Benedito Gonçalves que retirou o ex-juiz Wilson Witzel do Governo do Rio por 180 dias?

Flávio Dino. Considero que há um procedimento específico, regrado na Constituição. Esse regramento específico diz que pode haver afastamento de um governador se houver o recebimento de uma ação penal por um colegiado do STJ ou a Assembleia Legislativa fazer processo de impeachment. Tem simetria com a situação do presidente da República. Isso ocorre em proteção ao governador, não? Em proteção ao princípio da soberania popular. Entendo que o devido processo legal não foi observado. Há um risco que implica que o princípio da soberania popular seja enfraquecido. Se um governador pode ser afastado por decisão liminar de apenas um juiz, por que não o presidente da República?

Gladson Camelli. Vejo um claro enfraquecimento da democracia. Parece-me que a Constituição Federal não tem sido cumprida em seu direito. Nós, gestores, temos de fazer um juramento, em respeito à Constituição. Temos de honrá-lo. Mas parece que outros órgãos não estão cumprindo essas regras como deveriam.

P. Qual o risco no futuro?Para usar um termo em moda entre os bolsonaristas, pode passar a boiada. Outros governadores podem ser afastados.

Dino. Para usar um termo em moda entre os bolsonaristas, pode passar a boiada. Outros governadores podem ser afastados. Esse é o problema das regras do jogo. Elas têm de ser cumpridas. Elas não são filigranas, não são enfeites, não são a cereja do bolo. As regras são o próprio bolo. Elas são a essência da democracia.

Cameli. A Justiça é soberana como qualquer outro poder é. Mas ela criou, sim, um mal-estar. Vivemos uma insegurança imensa. O que ocorreu com o Witzel pode ocorrer com todos nós governadores. Não estou discutindo se ele é culpado ou inocente. Mas a imagem que ficou perante a população é muito negativa.A Justiça é soberana como qualquer outro poder é. Mas ela criou, sim, um mal-estar.

P. Enxerga um rompimento entre a autonomia entre os poderes?

Dino. Umgovernador pode remover um juiz? Não pode. Ele pode escolher o presidente do Tribunal de Justiça? Não. Da Assembleia? Não. Pode definir quantas comissões existirão no Legislativo? Não. Porque se tem autonomia de cada poder. Se se admite essa modalidade decidida pelo ministro do STJ for admitida é como entender que o Executivo seria um subpoder, o que ele não é.

Cameli. Não quero aqui que o Executivo passe por cima do Judiciário ou de um ministro do STJ. Espero que o governador possa dar suas respostas. Mas o que tem sido feito não é adequado. Prende agora para soltar daqui um tempo. Afasta por uns dias, para depois devolver o poder. Qual imagem fica para a sociedade. A pandemia nos deu lições difíceis. Vou te dar um exemplo, cheguei em um ponto que tive de chamar os órgãos de controle para dentro do Governo do Estado. Eu não mando na iniciativa privada que fez um aumento abusivo de preços em máscaras, respiradores, equipamentos de proteção. Tive de falar para os órgãos de controle: vocês compram que eu pago.

P. Como mudar esse cenário e trazer mais segurança para os mandatários?

Dino. Para ficar claro: não estou defendendo os atos do governador Witzel. Não conheço o processo dele. O que eu defendo é que o devido processo legal tem de ser levado em conta. Temos de assegurar a proteção do pluralismo político, que está previsto em nossa constituição. Ele tem direito à ampla defesa. Temos de lembrar que são os meios que justificam os fins, não o contrário.

Cameli. Ele está só um ano e oito meses no cargo. Todos sabem que ele pegou um sistema vicioso que vem de muito tempo. Quem consegue derrubar uma situação dessas assim de um dia para o outro? Ele tem direito a se defender. E o processo legal deveria ser respeitado. Quando fui senador reclamei em várias ocasiões da falta de respeito às regras do jogo. É o que parece que vem ocorrendo agora.


Ricardo Noblat: O que poderão revelar os celulares do miliciano morto ligado aos Bolsonaro

Witzel, com a faca e o queijo na mão

Há duas razões para o silêncio da família Bolsonaro sobre a morte a tiros de fuzil, na Bahia, do ex-capitão do BOPE do Rio de Janeiro e miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega.

A primeira: fazer de conta que não tinha ligações com ele, defendido em discurso na Câmara pelo então deputado Jair Bolsonaro e homenageado na Assembleia Legislativa do Rio por seu filho, Flávio.

A segunda e principal razão: o que possam revelar os 13 celulares apreendidos com Nóbrega no local onde ele se escondia e foi morto, uma chácara do povoado de Palmeira, no município baiano de Esplanada.

Nóbrega usava chips de sete diferentes operadoras para se comunicar via celulares. Conhecia a fundo a arte de monitorar bandidos procurados. Não queria cair em armadilhas que ele mesmo montara para os outros.

Mesmo assim, é possível que a memória dos celulares revele com quem ele falava – e, quem sabe? – o quê. Os aparelhos serão escrutinados pela Polícia Civil do Rio, sob o comando do governador Wilson Witzel.

O governador e o presidente da República romperam relações. Bolsonaro está convencido de que Witzel tem acesso e controla as investigações do Ministério Público sobre eventuais deslizes de sua família.

Ontem, Witzel, deu mais uma estocada indireta nos Bolsonaro: “No meu governo, não admito milicianos”.

O PT envelheceu. Ou se liberta de Lula ou não terá futuro

À sombra da hegemonia da extra-direita
Lula jamais imaginou que seria condenado pela Lava Jato. Uma vez que foi, jamais imaginou que seria preso. Uma vez preso, imaginou que acabaria solto a tempo de tentar se reeleger presidente da República pela terceira vez. Quem sabe não compensaria as três vezes (1989, 1994 e 1998) em que foi derrotado, duas, em primeiro turno, por Fernando Henrique Cardoso. Lula nunca perdoou Cardoso por isso.

Condenado, preso e impedido pela lei da Ficha Limpa de se candidatar, Lula algemou-se ao PT e o PT docilmente a ele, com a esperança de que, um dia livre, pudesse reconstruir sua imagem, e dispondo de um partido ainda razoavelmente forte, voltar à boca do palco da política brasileira. O sonho tem tudo para se evaporar quando o Supremo Tribunal Federal julgar o pedido para que anule sua condenação no processo do tríplex.

Condenado em primeira instância no processo do sítio de Atibaia, reformado de graça para ele e sua família pelas construtoras OAS e Odebrecht, Lula é candidato a ser novamente condenado na segunda instância. Escapará à nova prisão porque o Supremo decidiu que prisão só é possível depois da sentença transitar em julgado, e isso costuma levar muito tempo, tantos são os recursos protelatórios permitidos.

A direção do PT sabe disso. Os militantes do partido, também. O que todos fazem questão de ignorar é a verdade dolorosa para eles de que ou PT se liberta de Lula ou não terá futuro. Por ora, há um ensaio de reflexão sobre a encruzilhada em que ele o partido se encontra. Mas um ensaio tímido. Quem sabe, hoje, quando o receber no Vaticano, o Papa Francisco não operará o milagre de converter Lula à realidade?

De protagonista sem que ninguém lhe fizesse sombra da trajetória espetacular do partido de esquerda mais bem-sucedido da América Latina nas últimas décadas, Lula virou o algoz do PT. O PT pouco ou nada apreendeu com o que fez de errado nos quase 14 anos em que governou o país. E nada esqueceu. Não se renovou – envelheceu a galope. Renunciou a muitos dos seus caros princípios.

Lula livre significou o PT preso a ele. Lula solto, pelo que se vê, significa o PT atado aos ditames do seu dono. Gleisi Hoffmann seria presidente do partido se não fosse um pau mandado de Lula? Não somente ela. Os que integram a corrente majoritária do PT se comportam como se os tempos não fossem outros. Acreditam que foram vítimas de um golpe e que a História reconhecerá isso mais adiante, devolvendo-os ao poder.

Foram surpreendidos pela jornada de julho de 2013 quando milhões de brasileiros, sem a ajuda ou provocação dos partidos, saíram às ruas para gritar que não o faziam só por 20 centavos a menos ou a mais no preço das passagens de ônibus. Para que retornassem às suas casas, a presidente Dilma prometeu o que podia e o que não podia. Ao cabo, nada fez. Caiu porque perdeu o apoio que tinha para governar.

No parlamentarismo, o voto de desconfiança derruba o primeiro-ministro. No presidencialismo, o impeachment. O Congresso americano tinha razões de sobra para aprovar o impeachment de Donald Trump. A Câmara aprovou. O Senado, não, porque, ali, ele contava com o apoio de todos, menos um dos senadores republicanos. Nos estertores do governo Dilma, ela nem mais contava com o apoio integral do próprio PT.

A reconstrução do PT passa por um exame dos seus erros até para não repeti-los; pela defesa de propostas que falem ao coração e à mente da maioria dos brasileiros; e por uma injeção de sabedoria e de humildade que o leve a abrir mão da ideia tacanha e restritiva de que exerce e de que deverá continuar exercendo o monopólio da oposição. Se não for assim, resigne-se por um longo tempo à hegemonia da extrema-direita.


Bernardo Mello Franco: Witzel tropeçou no próprio teatro

O governador faz parte de uma geração de políticos viciados em redes sociais. A pretexto de prestar contas aos cidadãos, eles passam o dia fazendo propaganda de si mesmos

Como se não bastassem a água suja da Cedae e as enchentes no Noroeste Fluminense, Wilson Witzel arranjou outra crise para começar o ano. Sem pedir autorização, o governador gravou e divulgou uma conversa com o vice-presidente Hamilton Mourão. A atitude enfureceu o general e o presidente Jair Bolsonaro.

No domingo, Bolsonaro fez o primeiro sermão. “O que se trata por telefone tem que ser reservado”, disse. Ontem Mourão bateu mais firme. “Ele diz que foi fuzileiro naval. Eu acredito que ele esqueceu a ética e a moral que caracterizam as Forças Armadas”, esbravejou.

O telefonema fatídico durou pouco mais de um minuto. Com o celular no viva-voz, Witzel ligou para Mourão, relatou danos causados pela chuva e fez um pedido genérico de ajuda. O governador montou a cena para se promover nas redes sociais. Faltou avisar ao general que ele participaria do teatro como coadjuvante.

O presidente e o vice se irritaram por motivos distintos. Bolsonaro rompeu com Witzel, que sonha em substituí-lo, e se sentiu atropelado pela ligação para o general. Mourão tenta estreitar laços com o capitão, e se viu lançado numa intriga com potencial para afastá-los.

O governador faz parte de uma geração de políticos viciados em redes sociais. A pretexto de prestar contas aos cidadãos, eles passam o dia fazendo propaganda de si mesmos no Twitter e no Instagram. A turma parece atualizar o lema do presidente Washington Luís. No lugar do “Governar é abrir estradas”, entrou em campo o “Governar é postar stories e caçar likes”.

O vídeo de Witzel tem um lado positivo: prova que o governador finalmente voltou ao Estado. Na primeira quinzena do mês, ele continuou de férias na Disney enquanto a população recebia água barrenta.

Para os políticos que precisam lidar com ele, o ex-juiz passou o recado de que não é um interlocutor confiável. O eleitor do Rio já sabia. Na campanha, Witzel disse ter doutorado em Harvard, prometeu só usar a rede estadual de saúde e jurou que continuaria a morar no Grajaú. Depois da eleição, ele admitiu a fraude no currículo, foi flagrado num hospital particular e se instalou com a família no Palácio Laranjeiras.


Bernardo Mello Franco: Witzel foi juiz, mas não conhece a lei

Witzel prometeu trazer a Disney para a Sapucaí, mas não combinou com os americanos. Agora ele ameaça “prender maconheiro na praia”, apesar de a medida não ser prevista em lei

Wilson Witzel gosta de se fantasiar de xerife, mas às vezes aparece com outros figurinos. No carnaval, ele imitou o ex-prefeito Eduardo Paes e vestiu um
chapéu Panamá para ir ao Sambódromo. Em vez de aplausos, ouviu uma sonora vaia das arquibancadas.

Apesar da estreia infeliz, o governador não desistiu da Sapucaí. Há três semanas, ele anunciou que pretende assumir o espaço, deixado ao deus-dará pelo bispo Marcelo Crivella. A turma do samba não teve tempo de festejar. O governador prometeu ocupar a passarela com o Mickey, o Pato Donald e a Cinderela.

“Queremos trazer o Disney Parade todo final de semana ali para o Sambódromo”, afirmou.

No início do ano, o governador Ibaneis Rocha já havia prometido inaugurar um parque da Disney em Brasília. Foi desmentido pelos americanos e deixou o assunto para lá.

Ontem consultei a empresa sobre o factoide de Witzel. A Disney informou que não tem planos para o Rio nem manteve contato com o ex-juiz. O Pateta pode ser bobo, mas não gosta de concorrência.

Nesta semana, o governador esqueceu o mundo infantil e voltou a se fantasiar de Rambo. Na segunda-feira, ele disse que teria matado o morador de rua que esfaqueou duas vítimas na Lagoa.

“Se estivesse no lugar do policial, teria dado um tiro na cabeça dele”, afirmou.

Apesar do reparo, Witzel elogiou a ação da PM. Faltou dizer que uma das vítimas foi morta diante dos policiais. Eles ainda balearam três inocentes antes de prender o agressor, que portava uma faca de açougue.

Ontem o governador voltou a bancar o valentão. Em reunião com prefeitos, ele afirmou que vai começar a “prender maconheiro na praia”. “Quem estiver fumando maconha na praia, eu vou prender”, disse, segundo relato da colunista Berenice Seara.

Mais tarde, Witzel teve que ser lembrado de que a prisão de usuários foi trocada por penas alternativas, como advertência e prestação de serviços comunitários. Se o ex-juiz não conhece a lei, imagine o guarda da esquina.


Bruno Boghossian: Currículo fake abrilhanta a fantasia do governador Witzel

Depois de ação policial cenográfica, ex-juiz defende outra história difícil de engolir

Nem o próprio Wilson Witzel acreditava que chegaria ao governo do Rio. Azarão no início da campanha de 2018, o ex-juiz tinha planos de passar um período na Universidade Harvard naquele ano, como parte de seu doutorado. Na reta final da disputa, ele disparou nas pesquisas, venceu a eleição e acabou ficando por aqui. Mesmo assim, decidiu embelezar seu currículo.

Witzel manteve em seu perfil acadêmico, pelos últimos quatro anos, uma referência a uma passagem pela escola americana. O jornal O Globo descobriu, porém, que ele não se sentou naquelas cadeiras como aluno. O governador do Rio incluiu até um conhecido professor de direito constitucional como orientador.

O ex-juiz alega que não enganou ninguém. Diz que listou apenas a “intenção” de viajar para uma bolsa-sanduíche, como é conhecido o período cursado em instituições parceiras. É difícil engolir esse sanduíche porque a universidade brasileira em que Witzel está matriculado disse que ele nunca manifestou interesse em ir para Harvard.

Depois que a notícia rodou as redes, um Witzel indignado gravou um vídeo para se explicar. “Tive que parar minha atividade como governador para responder a uma notícia fraudulenta, mentirosa”, reclamou.

Seria bom que ele mostrasse essas atividades com mais frequência. Até agora, a gestão do novo governador do Rio foi marcada por mais fantasias do que ações concretas. No dia 1º de janeiro, ele mandou confeccionar uma faixa azul e branca, que não existe no protocolo do estado, para usar na cerimônia de posse.

O ex-juiz também posou para fotos fazendo flexões com uma camiseta do Bope e gravou um vídeo com um sobrevoo de helicóptero para simular uma operação policial em Angra dos Reis. Não houve prisões ou apreensões de armas naquele dia.

Witzel já disse em conversas privadas que gostaria de se candidatar à Presidência em 2022. Se continuar assim, ele vai precisar fabricar sua própria faixa verde-amarela e posar como presidente em casa.